02 - Roger McGuinn - entrevista

Esta entrevista é um "truque". Não que eu nunca tenha feito, mas devido ao tempo. Em 16 de junho de 1997, publiquei, ao lado de Rogério Ortega, uma matéria na Folha de S. Paulo sobre os 30 anos do Festival de Monterey. Foi uma das que mais gostei e a que mais me consumiu. Para ilustrar a contra-capa do caderno, fiquei meses tentando várias entrevistas. Ao final de quatro meses, tinha conseguido fazer dois contatos: com o diretor D. A Penebaker e com Roger McGuinn. Para meu desespero, precisei abortar com Penebaker por falta de espaço (havia pedido uma página dupla, mas negaram). Com McGuinn o gosto foi o mesmo, já que meus 40 minutos de bate-papo viraram poucas linhas. Me lembro quando me deram o diagrama para colocar o texto fiquei desesperado, pois precisei cortar mais de 250 linhas! Foi uma puta dor. Recentemente tive vontade de reescrever a entrevista na íntegra, mas havia dois problemas: eu não tenho mais a fita cassete e nem o bloquinho de anotações. Além disso, será que seria justo colocar algo feito há quase seis anos? Depois de pensar uma semana e milagrosamente achar minhas anotações escritas, fiz um esforço de memória e tentei transcrever boa parte do diálogo. Não me perguntem para qual cidade eu liguei para conversar com Roger, pois não me lembro, embora possa jurar que foi São Francisco. Só me recordo que eram 11 horas da manhã de lá e que foi de uma extrema simpatia.
Ah, antes que me perguntem que é diabos o tal homem, eu explico: Roger (ou Jim) era líder, vocalista e guitarrista de uma bandinha razoável dos anos 60. O nome: The Byrds. Então vamos a ela.


 

Pergunta: Olá Roger. Estou ligando para que você possa contar ao público brasileiro um pouco da experiência de Monterey.
Roger McGuinn:
Hey man! Brasil? Que legal! Tenho fãs por esses lados?

Pergunta: Muitos. O senhor não sabia que os Byrds sempre tiveram um público cativo por aqui?
Roger McGuinn:
Deve ser porque cantávamos muitas músicas do Bob (Dylan) risos...





Pergunta: Não é verdade. Vocês fizeram grandes canções.
Roger McGuinn:
Eu sei, é apenas uma brincadeira, mas de qualquer maneira é bem diferente. Você perguntou sobre Monterey, né? Bem, o clima de felicidade e de comunhão foram únicos.

Pergunta: Monterey teve alguns pontos interessantes: foi o primeiro grande festival de rock. Além disso, nomes como Beatles, Stones e Dylan não tocaram. Mesmo assim as apresentações foram fantásticas...
Roger McGuinn:
Fantásticas, fantásticas! Janis e Jimi (Hendrix) estavam no começo e arrepiaram. E Otis (Redding)? Meu Deus, que empolgação! Foi lindo, lindo...


Pergunta: Quais os shows que mais te marcaram?
Roger McGuinn:
O de Jimi e o de Otis. Quando Jimi subiu ao palco e tacou fogo na guitarra, foi uma loucura. Parecia um ritual de magia. Ninguém conseguia tirar os olhos do palco. E Otis parecia estar possuído. Sua versão de “Shake” (clássico de Sam Cooke) quase me levou às lágrimas. Pena que morreu logo após. Mas não podia ter deixado uma imagem tão bonita quanto a que presenciamos.


Pergunta: Existem duas histórias sobre a apresentação de Hendrix: a primeira é que John Phillips (líder do Mamas & The Papas e organizador do evento) teve que distrair o chefe dos bombeiros quando ele colocou fogo no palco. A outra é que ele só veio para o festival porque Paul McCartney o recomendou. São verdadeiros os fatos ou boatos?
Roger McGuinn:
Verdadeiros... risos. O John me contou que o chefe via uma agitação e um clarão, mas ele o impedia de olhar para o palco. E sobre o Paul também confere. Ele fazia parte do quadro de organizadores (além dele, contava com a presença de Mick Jagger, Donovan, Brian Wilson, Smokey Robinson, Paul Simon e o próprio Roger, entre outros) e disse que era o cara mais selvagem que já havia visto ao vivo. Como podíamos dizer não a um Beatle?



Pergunta: E como foi a apresentação dos Byrds?
Roger McGuinn:
Foi boa, mas não maravilhosa. Você sabe, estávamos no meio de uma crise. Eu e o David (Crosby) quase não conversávamos mais fora do palco. Foi uma apresentação correta, mas sem brilho.


capa de Younger than Yesterday, de 1967Pergunta: Apesar disso, vocês tinham acabado de lançar Younger Than Yesterday, uma verdadeira obra-prima.
Roger McGuinn:
Eu adoro este disco, acho que é meu favorito do grupo. Vai saber como conseguimos fazer algo bom durante aquele clima interno.

Pergunta: E aquela história de que os Byrds eram a Roger McGuinn americana aos Beatles, no início da carreira?
Roger McGuinn:
Cara, nem gosto de falar sobre isso! Foi um dos motivos que acabaram gerando tanta briga interna. A pressão sobre nós era desumana. Queriam que falássemos que éramos tão bons quanto eles. Pô, eram os Beatles! Era John, era Paul, era George, compositores geniais! Pedia para a gravadora tentar desistir dessa comparação idiota durante muito tempo.

Pergunta: Vocês adoravam regravar Dylan né?
Roger McGuinn:
Ele é o maior de todos. Todo mundo copiou ou gravou algo dele. Você pode encontrar influências de Dylan nos mais diversos cantores. Ninguém nunca, nunca, vai chegar perto dele em termos de poesia. É único.




Pergunta: Você anda acompanhando a carreira dele ainda?
Roger McGuinn:
Sempre. E o melhor é que quase 40 anos depois, continua atual.

Pergunta: No começo você assinava como Jim McGuinn. Por que mudou para Roger?
Roger McGuinn:
Culpa do meu guru. Ele me disse que se mudasse para algum nome com a letra “R” as coisas iriam melhorar para o meu lado.

Pergunta: E melhoraram?
Roger McGuinn:
Sei lá...risos

Pergunta: Voltando a Monterey. Os anos 60 foram tumultuados. Quando cogitou-se montar o festival, é verdade que houve muita pressão por temerem brigas e confusões, por parte da opinião pública mais conservadora e até da polícia?
Roger McGuinn:
Houve sim. Me lembro que no último dia, um policial chegou perto de mim e disse que nunca havia visto tanta gente junta e nenhum problema. Tirando algumas briguinhas de bêbados, nada aconteceu.


os Byrds em 1967Pergunta: E como foi driblar aquele monte de policial com as drogas que deviam circular sem parar no backstage?
Roger McGuinn:
Essa é uma pergunta sensacional! Você sabia que graças aos policiais tínhamos segurança para nossas drogas? É verdade! O que aconteceu foi o seguinte: eles fizeram uma forte esquema de segurança para que os fãs não ficassem entrando livremente nos camarins. Com isso, tínhamos muita privacidade, podíamos fumar à vontade. Acho que foi a única vez que não sumiram algumas coisas do meu camarim.

Pergunta: E os policiais participavam da festa?
Roger McGuinn:
Risos... Ah, não sei dizer não. Rolam umas lendas de policiais que queriam abraçar Jimi, beijar a Michelle (dos Mamas & The Papas). Sei lá cara, de repente pode até ser...

Pergunta: Me fale um pouco dos Byrds. Como foi trabalhar com Gram Parsons?
Roger McGuinn:
Gram era um cara muito criativo, carismático, mas sinceramente, tinha horas que merecia uns tapas. Mas é sacanagem falar assim de uma pessoa que já morreu. Era um grande músico.


Pergunta: A banda teve grandes mudanças no estilo. Os dois primeiros LPs (Mr. Tambourine Man e Turn! Turn! Turn!) eram bem pop. Em Fifth Dimension e Younger Than Yesterday ficaram mais psicodélicos e depois caíram no country-rock. Como foi esse processo?
Roger McGuinn:
Natural. Nascemos como uma banda de compactos. Músicas curtas, para fazermos sucesso. Depois começamos a ousar mais em estúdio. Acho injusto dizer que acabamos tocando country-rock. Ela era a base do nosso som, sempre foi, mas nunca ficamos presos somente a ela.


Pergunta: Vocês tinham afinidade com Grateful Dead, Jefferson Airplane, todo o pessoal daquela época?
Roger McGuinn:
Sim. Era amigo de Jerry Garcia, que foi o papa de todas aquelas bandas. Mas também gostava muito de Beach Boys, Love e Doors. Pet Sounds, Forever Changes e o primeiro dos Doors eu ouvia direto.


Pergunta: Já que citou o Love e o Doors, porque Arthur Lee e Jim Morrison eram tão complicados de se lidarem?
Roger McGuinn:
É difícil explicar os dois. Arthur era um excelente compositor, mas me falavam que era uma tortura trabalhar com ele, por causa do seu perfeccionismo e temperamento. Parece que vivia com uma arma junto dele. O Jim foi uma figura totalmente distorcida pela mídia. No começo focaram muito mais em sua beleza do que no seu talento. Eu me lembro de um papo que tive com ele pouco antes de sua morte. Jurou que iria largar a banda, pois não aguentava mais sustentar a imagem que tinham feito dele e os integrantes dos Doors estavam putos por causa dos problemas judiciais todos que ele arrumou para a banda. “Vou largar a música e me concentrar na poesia”, me disse. Pena que não teve tempo de realizar seu sonho.

Pergunta: Qual foi o maior músico que viu tocar?
Roger McGuinn:
Hendrix fácil, fácil. Ele não existia. Já não bastava tocar feito um demônio, era carismático, extravagante ao vestir, mas extremamente simples e tímido no contato pessoal. E fazia um sucesso com as mulheres incrível!

Pergunta: Obrigado pela entrevista. Pensei que seria muito mais difícil falar com uma lenda como o senhor...
Roger McGuinn:
Lenda, eu? Se sou lenda, qual a categoria de Jimi, de Bob?

Pergunta: Sei lá. Lendas como o senhor.
Roger McGuinn:
Muito obrigado pelo elogio meu jovem, mas não é verdade. Mas mesmo assim meu ego agradece. E gostei muito de poder relembrar alguns momentos da minha vida.