37 - Sandra Coutinho (Mercenárias) - entrevista

Quando o rock brasileiro viveu um "boom" - segundo René Ferri até inexplicável - vários grupos viram uma chance de mostrarem seu talento. Entre a leva dos independentes, apareceu um grupo totalmente feminino, que misturava rock and roll e punk em doses perfeitas: as Mercenárias. O grupo teve em sua primeira formação, o guitarrista e líder do Ira!, Edgard Scandurra. Mas como baterista! Após dois ótimos discos, o grupo se dissolveu, por volta de 1987. Passados 20 anos, Sandra Coutinho, a líder, resolveu reativar o combo para shows e planeja até um novo disco - Quem sabe?

Nessa entrevista Sandra fala de seu passado, sobre a banda e sobre a paixão pela música.


Pergunta: - Sandra, fale um pouco de você. Onde nasceu, o que estudou, o que curtia na adolescência...?
Sandra: -
Nasci em São Paulo, na capital.
Tenho superior incompleto, entrei na ECA/USP, mas abandonei, lá fiz uma ano de Jornalismo, transferi para Teatro e depois fui para Cinema....

Na adolescência ouvia MPB, lançados nos tempos da ditadura, mas também o que me gravavam em cassete: Pink Floyd, Supertramp, Beatles, aquelas musiquinhas de bailinho...

Pergunta: - Fale um pouco sobre o nascimento das Mercenárias e se artistas como Slits, X-Ray Spex, Blondie, Siouxsie and the Banshees, Patti Smith e Joan Jett influenciaram na criação do grupo.
Sandra: -
O grupo nasceu no final de 1882. Quatro garotas maduras se juntaram para se liberar. Uma delas, falava muito, e foi dispensada. Ficamos, Rosália, Ana e eu.

A primeira música foi "TRASH LAND", depois não sei ao certo. Creio que "Há dez anos", ainda sem letra... "Meus Pais já não me mandam mais", "Honra" e "Mercenárias".

Um dia o Edgard foi em casa e viu um ensaio, e se apaixonou e se ofereceu para tocar bateria. Ele foi tão companheiro, que foi admitido. E assim abrimos um show do IRA! em uma bar na região do Ibirapuera. Não sofremos influência direta, nada que servisse de modelo para nossas composições. Tudo era muito nosso mesmo, sem limitações ou algo do gênero.

Pergunta: - As Mercenárias teve o Scandurra como o baterista e vocês dois tocaram na primeira formação do Smack. Como era a relação dos integrantes nas duas bandas? E como era o Edgard como baterista?
Sandra -
Nossa relação era boa. O Edgard era ótimo, pois ele é criativo, inquieto e visceral. E como é canhoto, fez coisas que um baterista não faria, algo nada convencional!

Pergunta: - O Cadê os Armas é um dos melhores discos de rock brasileiro de todos os tempos. Como foram as gravações, as divulgações, os shows?
Sandra: -
Você acha isso dele? Ele foi feito com ao vivo (Ao Vivo No Mosh, disco de estréia do Smack, em que Sandra era a baixista e Edgard, o guitarrista, ambos lançados pelo selo Baratos Afins), com pouca grana. Foi um desbravamento. Os técnicos ainda eram crus e não entendiam muito em como gravar rock.

Pergunta: - O Trashland é igualmente maravilhoso, mas sofreu com a fraca divulgação da EMI. Eu me lembro que você ou alguma integrante das Mercenárias, na época, comentaram que era irônico terem tido mais respaldo do selo nos tempos da Baratos do que numa major. Foi isso mesmo?
Sandra: - Ah, sei lá, existiram várias versões, como abater no imposto de renda e coisas do gênero. Investiram apenas três meses e nos dispensaram, não acreditaram.

6 - Como funcionou o lançamento de The Beginning of the End of the World (coletânea que reúne músicas do Cadê as Armas e Trashland)? Você sabia que apesar de ser dificíl e caríssimo comprá-lo no Brasil, na Amazon você o encontra a preços bem acessíveis?
Sandra:
- Não sei te dizer. Veio o contrato, recebi os direitos e pronto!

7 - Após os anos 80, quase todo o rock brasileiro deu uma sumida na década seguinte. Como foi o período para as Mercenárias? E por que a banda se separou?
Sandra: -
A banda acabou depois que a EMI enviou um telegrama dizendo TCHAU!!! E a Rosália disse, "vou fazer outra coisa", e assim, cada uma de nós. Eu e a Ana ainda tivemos um trio de improvisação, e logo depois disso, fui morar na Alemanha, para dar continuidade à minha carreira, muito experimental, por sinal, pois aqui vi que não teria nenhuma chance.

Levei um projeto solo e muitas trilhas para dança e instalações sonoras, foram 14 anos de deitar e rolar em timbres... ruídos... batuques ... e tudo que tive de direito, em uma terra, com ouvidos, com outra tradição e curiosidade.

Pergunta: - Com quase 30 anos de punk e rock nas costas o tesão ainda é o mesmo?
Sandra: -
Eu sou uma criadora, a arte é meu oxigênio. O desafio, compartilhar sentimentos e sensações. Se já sou meia piradinha... Sem a música, ou desenho ou até mesmo as experiências na culinária, já estaria internada. Logo, sim, o tesão, a gana me acompanham.


Pergunta: - É impressão minha ou hoje os espaços para o rock são menores e mais precários do que há 30 anos quando vivíamos uma ditadura militar? As rádios hoje praticamente expulsaram o rock de suas programações. Nesse sentido não houve um retrocesso?
Sandra: -
Hoje existem outros meios, outros instrumentos, mais alternativas. Por outro lado, muita coisa, nem tudo diz respeito à qualidade e quantidade. Sempre existiu a "panela". Afinal há um sistema denominado capitalista. Logo, adivinha o que fala mais alto?

Pergunta: - O que você pensa da internet, não apenas como ferramenta para downloads, mas para pesquisa. Ela realmente matou aquela relação dos artistas terem um selo por trás ou isso sempre existirá?
Sandra: -
Não acho nada, não, tudo é bom, dependendo da forma de uso. Putz!, tudo anda tão depressa, que infelizmente o ser humano está sem tempo para entender a si próprio, pode ser uma defasagem. O que existirá? Sem flexibilidade e criatividade....um big buracão...

Pergunta: - Ainda sobre a internet. Converso com pessoas que ficam o dia todo baixando gigas e mais gigas de músicas que nunca ouvem e que possuem pouco conhecimento, não apenas sobre o tema, mas em geral. Você acha que a internet causou uma certa "preguiça mental" nas pessoas, já que tudo está a um clique?
Sandra: -
Cara quem é preguiçoso, é, pronto. Quem se acomoda, azar. Eu sou de outro tempo e desse também e tenho a minha dosagem. Tem gente que experimenta droga e sabe dizer "já experimentei, legal, valeu". Outros se entregam ... deu para entender? Quem gosta de trabalhar, de manusear, de compôr, assim o faz e se beneficia, sem se acomodar.

Pergunta: - Comente sobre a volta das Mercenárias. Pensam em gravar um novo disco?
Sandra: -
Sim, um vez com um time bacana, penso em gravar músicas que não foram ainda registradas e quem sabe partir para novo repertório.

Pergunta: - O que você pensa da Dilma? E como vê o papel das mulheres na política mundial, especialmente na América Latina, um continente historicamente tão machista?
Sandra: -
Por favor, política não, votei NULO, e se pudesse arrancaria todos de seu conforto, mulher ou homem, tanto faz. Não é uma questão de sexo, mas de honestidade, de coragem. Todos estão comprometidos até o último fio de cabelo com os interesses econômicos e não humanitários.

Pergunta: - Você continua compondo?
Sandra: - Sim.

Pergunta: - Quais foram suas influências? O que gosta de ouvir atualmente?
Sandra: -
Tudo. Do bolero à guarania, do samba ao dodecafonismo. O que me der na telha, depende do dia. Pode ser um Iggy Pop, uma P.J. Harvey, um Marc Ribot, Hector Zazou, Mutantes, música africana, jazz...

Pergunta: - Cite seus discos favoritos e sua música predileta das Mercenárias.
Sandra: -
Muitos e nenhum, sinto! Uma favorita das Mercenárias? Muitas estão no mesmo plano.

Pergunta: - Obrigado, pela entrevista, Sandra. Deixe uma mensagem para os fãs.
Sandra: -
Aos fãs, eu só tenho a agradecer E um "vamos em frente!"