Quando o rock brasileiro viveu um "boom"
- segundo René Ferri até inexplicável -
vários grupos viram uma chance de mostrarem seu talento.
Entre a leva dos independentes, apareceu um grupo totalmente
feminino, que misturava rock and roll e punk em doses perfeitas:
as Mercenárias. O grupo teve em sua primeira formação,
o guitarrista e líder do Ira!, Edgard Scandurra. Mas
como baterista! Após dois ótimos discos, o grupo
se dissolveu, por volta de 1987. Passados 20 anos, Sandra Coutinho,
a líder, resolveu reativar o combo para shows e planeja
até um novo disco - Quem sabe?
Nessa entrevista Sandra fala
de seu passado, sobre a banda e sobre a paixão pela música.
Pergunta:
- Sandra, fale um pouco de você. Onde nasceu, o que estudou,
o que curtia na adolescência...?
Sandra: - Nasci em São Paulo, na capital.
Tenho superior incompleto,
entrei na ECA/USP, mas abandonei, lá fiz uma ano de Jornalismo,
transferi para Teatro e depois fui para Cinema....
Na adolescência ouvia MPB, lançados
nos tempos da ditadura, mas também o que me gravavam
em cassete: Pink Floyd, Supertramp, Beatles, aquelas musiquinhas
de bailinho...
Pergunta: - Fale um pouco sobre
o nascimento das Mercenárias e se artistas como Slits,
X-Ray Spex, Blondie, Siouxsie and the Banshees, Patti Smith
e Joan Jett influenciaram na criação do grupo.
Sandra: - O grupo nasceu
no final de 1882. Quatro garotas maduras se juntaram para se
liberar. Uma delas, falava muito, e foi dispensada. Ficamos,
Rosália, Ana e eu.
A primeira música foi "TRASH
LAND", depois não sei ao certo. Creio que "Há
dez anos", ainda sem letra... "Meus Pais
já não me mandam mais", "Honra"
e "Mercenárias".
Um dia o Edgard foi em casa e viu um
ensaio, e se apaixonou e se ofereceu para tocar bateria. Ele
foi tão companheiro, que foi admitido. E assim abrimos
um show do IRA! em uma bar na região do Ibirapuera. Não
sofremos influência direta, nada que servisse de modelo
para nossas composições. Tudo era muito nosso
mesmo, sem limitações ou algo do gênero.
Pergunta:
- As Mercenárias teve o Scandurra como o baterista e
vocês dois tocaram na primeira formação
do Smack. Como era a relação dos integrantes nas
duas bandas? E
como era o Edgard como baterista?
Sandra - Nossa relação era boa. O Edgard
era ótimo, pois ele é criativo, inquieto e visceral.
E como é canhoto, fez coisas que um baterista não
faria, algo nada convencional!
Pergunta: - O Cadê os
Armas é um dos melhores discos de rock brasileiro de
todos os tempos. Como foram as gravações, as divulgações,
os shows?
Sandra: - Você acha
isso dele? Ele foi feito com ao vivo (Ao Vivo No
Mosh, disco de estréia do Smack, em que Sandra
era a baixista e Edgard, o guitarrista, ambos lançados
pelo selo Baratos Afins), com pouca grana.
Foi um desbravamento. Os técnicos ainda eram crus e não
entendiam muito em como gravar rock.
Pergunta: - O Trashland é
igualmente maravilhoso, mas sofreu com a fraca divulgação
da EMI. Eu me lembro que você ou alguma integrante das
Mercenárias, na época, comentaram que era irônico
terem tido mais respaldo do selo nos tempos da Baratos do que
numa major. Foi isso mesmo?
Sandra: - Ah, sei lá, existiram várias
versões, como abater no imposto de renda e coisas do
gênero. Investiram apenas três meses e nos dispensaram,
não acreditaram.
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- Como funcionou o lançamento de The Beginning of the
End of the World (coletânea que reúne músicas
do Cadê as Armas e Trashland)? Você sabia que
apesar de ser dificíl e caríssimo comprá-lo
no Brasil, na Amazon você o encontra a preços bem
acessíveis?
Sandra: - Não sei te dizer. Veio o contrato,
recebi os direitos e pronto!
7 - Após os anos 80,
quase todo o rock brasileiro deu uma sumida na década
seguinte. Como foi o período para as Mercenárias?
E por que a banda se separou?
Sandra: - A banda acabou
depois que a EMI enviou um telegrama dizendo TCHAU!!! E a Rosália
disse, "vou fazer outra coisa", e assim, cada uma
de nós. Eu e a Ana ainda tivemos um trio de improvisação,
e logo depois disso, fui morar na Alemanha, para dar continuidade
à minha carreira, muito experimental, por sinal, pois
aqui vi que não teria nenhuma chance.
Levei um projeto solo e muitas trilhas
para dança e instalações sonoras, foram
14 anos de deitar e rolar em timbres... ruídos... batuques
... e tudo que tive de direito, em uma terra, com ouvidos, com
outra tradição e curiosidade.
Pergunta:
- Com quase 30 anos de punk e rock nas
costas o tesão ainda é o mesmo?
Sandra: - Eu sou uma criadora,
a arte é meu oxigênio. O desafio, compartilhar
sentimentos e sensações. Se já sou meia
piradinha... Sem a música, ou desenho ou até mesmo
as experiências na culinária, já estaria
internada. Logo, sim, o tesão, a gana me acompanham.
Pergunta: - É impressão minha ou hoje os espaços
para o rock são menores e mais precários do que
há 30 anos quando vivíamos uma ditadura militar?
As rádios hoje praticamente expulsaram o rock de suas
programações. Nesse sentido não houve um
retrocesso?
Sandra: - Hoje existem outros meios, outros instrumentos,
mais alternativas. Por outro lado, muita coisa, nem tudo diz
respeito à qualidade e quantidade. Sempre existiu a "panela".
Afinal há um sistema denominado capitalista. Logo, adivinha
o que fala mais alto?
Pergunta:
- O que você pensa da internet,
não apenas como ferramenta para downloads, mas para pesquisa.
Ela realmente matou aquela relação dos artistas
terem um selo por trás ou isso sempre existirá?
Sandra: - Não acho nada, não, tudo é
bom, dependendo da forma de uso. Putz!, tudo anda tão
depressa, que infelizmente o ser humano está sem tempo
para entender a si próprio, pode ser uma defasagem. O
que existirá? Sem flexibilidade e criatividade....um
big buracão...
Pergunta:
- Ainda sobre a internet. Converso com
pessoas que ficam o dia todo baixando gigas e mais gigas de
músicas que nunca ouvem e que possuem pouco conhecimento,
não apenas sobre o tema, mas em geral. Você acha
que a internet causou uma certa "preguiça mental"
nas pessoas, já que tudo está a um clique?
Sandra: - Cara quem é preguiçoso, é,
pronto. Quem se acomoda, azar. Eu sou de outro tempo e desse
também e tenho a minha dosagem. Tem gente que experimenta
droga e sabe dizer "já experimentei, legal, valeu".
Outros se entregam ... deu para entender? Quem gosta de trabalhar,
de manusear, de compôr, assim o faz e se beneficia, sem
se acomodar.
Pergunta:
- Comente sobre a volta das Mercenárias.
Pensam em gravar um novo disco?
Sandra: - Sim, um vez com um time bacana, penso em
gravar músicas que não foram ainda registradas
e quem sabe partir para novo repertório.
Pergunta:
- O que você
pensa da Dilma? E como vê o papel das mulheres na política
mundial, especialmente na América Latina, um continente
historicamente tão machista?
Sandra: - Por favor, política não, votei
NULO, e se pudesse arrancaria todos de seu conforto, mulher
ou homem, tanto faz. Não é uma questão
de sexo, mas de honestidade, de coragem. Todos estão
comprometidos até o último fio de cabelo com os
interesses econômicos e não humanitários.
Pergunta:
- Você continua compondo?
Sandra: - Sim.
Pergunta:
- Quais foram suas influências?
O que gosta de ouvir atualmente?
Sandra: - Tudo. Do bolero à guarania, do samba
ao dodecafonismo. O que me der na telha, depende do dia. Pode
ser um Iggy Pop, uma P.J. Harvey, um Marc Ribot, Hector Zazou,
Mutantes, música africana, jazz...
Pergunta:
- Cite seus discos favoritos
e sua música predileta das Mercenárias.
Sandra: - Muitos e nenhum, sinto! Uma favorita das
Mercenárias? Muitas estão no mesmo plano.
Pergunta:
- Obrigado, pela entrevista,
Sandra. Deixe uma mensagem para os fãs.
Sandra: - Aos fãs, eu só tenho a agradecer
E um "vamos em frente!"