312 - Secos & Molhados

Imagine pintar o rosto e vestir roupas provocantes e subir em cima do palco e com letras fortes. Agora imagine fazer isso em plena ditadura militar. Pois foi isso que fez o grupo Secos & Molhados, na década de 70, um dos maiores sucessos do país naquela época. Liderados pelos talentosíssimos João Ricardo e Ney Matogrosso, o grupo abalou as estruturas conservadores de um país que vivia os "anos de chumbo". E trouxeram momentos de alegria e beleza para um povo tão sofrido.


"Naqueles tempos (anos 70) se faziam coisas fortes."

A frase dita pelo guitarrista dos Mutantes, Sérgio Baptista mostra que, ao contrário de hoje, atitude era algo bem mais do que mero palavreado. E havia motivos para se ter medo. O Brasil vivia os chamados "anos de chumbo" e os artistas tinham pouco espaço para se expressar. E, nesse contexto, o Secos & Molhados foi admirável.

Os Secos & Molhados nasceram através do líder João Ricardo, principal compositor da banda, em setembro de 1970. No ano seguinte, em abril, a banda ganha dois novos integrantes: Antonio Carlos (Pitoco) e Fred. Pitoco tocava violão de 12 cordas e harmônica de boca, enquanto Fred, uma viola de 10 cordas e percussão.

Inspirados em Vinícius de Moraes, Cassiano Ricardo e Fernando Pessoa, o grupo faz um temporada no Kurtisso Negro, no bairro do Bexiga, em São Paulo, e logo atraem uma multidão interessada em coisas novas. Uma das primeiras fãs seria Luli, com quem João Ricardo escreveria alguns dos maiores sucessos da banda, como "O Vira" e "Fala".

Mas Pitoco e Fred logo desistem do grupo e João Ricardo sai à caça de um vocalista. Acaba conhecendo Ney de Souza Pereira, futuro Matogrosso, que entra pro grupo, embora morasse no Rio de Janeiro. Alguns meses depois, Ney muda-se para São Paulo, entrando de forma definitiva pro Secos & Molhados, no mês de novembro. No mesmo dia, gravam a música "Vôo", para montagem teatral de Corpo a Corpo, dirigida por Antunes Filho.

Os dois começam a ensaiar e, em janeiro de 1972, fazem ensaios com vários músicos e convidam, somente, o flautista Sérgio Rosadas, o "Gripa" e também Gerson Conrad, vizinho de João. A banda ensaia durante todo o ano, até estrearem no teatro do Meio, do Ruth Escobar, um misto de casa-noturna, bar e restaurante de nome Casa de Badalação & Tédio, onde conseguem um sucesso inesperado.

Em janeiro do ano seguinte, recebem um convite para gravarem no Rio, através do jornalista Moracy do Val. Saem procurando músicos para a empreitada.

Ficam dois meses na capital fluminense, enquanto não recebem sinal da gravadora Continental para entrarem em estúdio.

Finalmente, montam uma banda composta de Gripa (flauta), John (guitarra), Willy (baixo) e Marcelo (bateria) e ensaiam durante os meses de março, abril e maio, quando começam as gravações, no dia 23.

As músicas são finalizadas em quinze dias. Entregam o master para a Continental, enquanto começam a trabalhar na confecção da capa.

No dia 6 de agosto, fazem o primeiro show de divulgação do LP, no Teatro Aquarius, em São Paulo. Chamam a atenção pelo visual, com rostos pintados, muita produção.

O LP logo se torna um sucesso comercial espantoso, vendendo mais de 300 mil cópias em dois meses, e, em pouco tempo, passam a casa do milhão de cópias. E não é por menos.

Além das belas composições de João Ricardo, os Secos & Molhados ousa incorporar elementos de brasileiros com o rock dos Rolling Stones, numa mistura extremamente inteligente e divertida. O primeiro LP leva apenas o nome da banda e conta com as seguintes músicas:

Lado 1

1. "Sangue Latino" (João Ricardo/Paulinho Mendonça) – 2:07
2. "O Vira" (J. Ricardo/Luli) – 2:12
3. "O Patrão Nosso de Cada Dia" (J. Ricardo) – 3:19
4. "Amor" (J. Ricardo/João Apolinário) – 2:14
5. "Primavera nos Dentes" (J. Ricardo/J. Apolinário) – 4:50
6. "Assim Assado" (J. Ricardo) – 2:58
7. "Mulher Barriguda" (J. Ricardo/Solano Trindade) – 2:35

Lado 2

1. "El Rey" (Gerson Conrad/J. Ricardo) – 0:58
2 . "Rosa de Hiroshima" (G. Conrad/Vinicius de Moraes) – 2:00
3 . "Prece Cósmica" (J. Ricardo/Cassiano Ricardo) – 1:57
4 . "Rondó do Capitão" (J. Ricardo/Manuel Bandeira) – 1:01
5 . "As Andorinhas" (João Ricardo/C. Ricardo) – 0:58
6 . "Fala" (J. Ricardo/Luli) – 3:13

Participaram desse histórico registro:

Ney Matogrosso: vocal
João Ricardo: violões de 6 e 12 cordas, harmônica de boca e vocal
Gerson Conrad: violões de 6 e 12 cordas e vocal
Marcelo Frias: bateria e percussão
Sérgio Rosadas: flauta transversal e flauta de bambu
John Flavin: guitarra e violão de 12 cordas
Zé Rodrix: piano, ocarina e sintetizador
Willi Verdaguer: baixo
Emilio Carrera: piano

Em setembro, viram sensação nacional, ao se apresentarem no programa Fantástico, da Rede Globo. Essa é uma das grandes causas do tremendo sucesso comercial do LP, além, claro, de músicas como "O Vira", "Rosa de Hiroshima", entre outras.

O sucesso é tão grande, que na primeira apresentação no Rio de Janeiro, no Teatro Thereza Raquel compareceu o triplo de pessoas que comportava o local, sendo necessário a intervenção policial.

O sucesso segue imenso, com shows por todo o país, sempre com lotação esgotada.

Em fevereiro de 1974, resolvem agradecer o carinho do povo fluminense, com um show no ginásio do Maracanãzinho, com nova confusão, por causa dos fãs, que não conseguem entrar. Posteriormente, esse show seria lançado em LP.

Após uma pequena viagem promocional ao México, voltam ao Brasil, e nos meses de abril e maio, começam as gravações do segundo LP, que seria lançado no mês de agosto, no mesmo programa Fantástico, onde haviam se consagrado. Ironicamente, o lançamento culminaria com o fim dos Secos & Molhados original.

Também batizado de Secos & Molhados - como vários, aliás - o LP não faz o mesmo sucesso do primeiro, o que era compreensível e trazia as seguintes canções:

Lado 1

1. "Tercer Mundo" (João Ricardo/Julio Cortázar) – 2:36
2. "Flores Astrais" (J. Ricardo/João Apolinário) – 3:51
3. "Não: Não Digas Nada" (J. Ricardo/Fernando Pessoa) – 1:37
4. "Medo Mulato" (J. Ricardo/Paulinho Mendonça) – 2:18
5. "Oh! Mulher Infiel" (J. Ricardo/) – 1:30
6. "Vôo" (J. Ricardo/J. Apolinário) – 2:34
7. "Angústia" (J. Ricardo/J. Apolinário) – 2:45

Lado 2

1. "O Hierofante" (J. Ricardo/Oswald de Andrade) – 2:15
2 . "Caixinha de Música do João" (J. Ricardo) – 1:04
3 . "O Doce e o Amargo" (J. Ricardo/P. Mendonça) – 1:52
4 . "Preto Velho" (J. Ricardo) – 1:01
5 . "Delírio" (Gerson Conrad/P. Mendonça) – 2:39
6 . "Toada & Rock & Mambo & Tango & Etc." (J. Ricardo/Luli) – 2:08

Após o disco, João Ricardo desmonta o grupo e parte para uma irregular carreira-solo. Ney Matogrosso faz o mesmo, com resultados bem superiores.

Após quase três anos sumidos, João reforma a banda para o lançamento de um terceiro LP, em 1978, sempre mudando os músicos.

Neste trabalho participam Lili Rodrigues (vocais) Vander Taffo (guitarra) João Ascensão (baixo) e Gel Fernandes (bateria). O novo LP faz sucesso, graças à canção "Que fim levaram todas as flores?"

A partir daí, João se dividiria em discos solos e com o grupo, onde seria o único músico original e dando todas as cartas.

Em 1980, é editado o disco do show do Maracanãzinho, Secos & Molhados - Gravado ao vivo no Maracanãzinho.

No mesmo ano, com os irmãos César e Roberto Lempé, lança o quarto disco dos Secos, que já havia virado uma caricatura do som feito dos anos 70.

Em fevereiro de 1987, João conhece Tôto e junto de Edinho (guitarra), Fernando (baixo) e Ninho (bateria) e, no dia 30 de junho, fazem o espetáculo De Volta Para o Futuro. No ano seguinte, lançam um novo LP, chamado A Volta do Gato Preto, no mês de maio. Em setembro, começam uma série de 15 espetáculos, no Teatro Ipanema, no Rio.

Em 1999 lança um novo disco solo, mas com o nome de Secos & Molhados, Teatro?.

No mesmo ano, é editado uma série de 2 em 1 (Secos & Molhados - Série Dois Momentos) colocando os dois primeiros discos dos Secos & Molhados. A produção é coordenada pelo baterista dos Titãs, Charles Gavin, para ódio de João Ricardo, que odiou a iniciativa, principalmente porque Gavin realizou algumas edições nas canções, sem consultá-lo. Ao menos, serve para apresentar o grupo às novas gerações e compensar a falta de ter algo da banda em CD.

João segue em carreira, lançado discos com o nome da banda e solo, mas jamais conseguiu voltar a ter o antigo sucesso.

Ainda assim, os Secos & Molhados é um patrimônio da música brasileira. Há quem jure que eles foram inspiração para o grupo KISS.

Alguns juram que o grupo de Gene Simmons e Paul Stanley teria visto algumas apresentações da banda - não se sabe como - e copiado as pinturas no rosto e algumas atitudes. Se isso é verdade ou não, só perguntando aos membros da banda norte-americana que, provavelmente, negarão.

Deixo vocês com a discografia do grupo. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Secos & Molhados (1973)
Secos & Molhados (II) (1974)
O melhor de Secos & Molhados (1976)
Secos & Molhados (III) (1978)
Secos & Molhados (IV) (1980)
Secos & Molhados - Gravado ao vivo no Maracanãzinho (show de 1974, lançado em 1980)
A Volta do Gato Preto (1988)
Teatro? (1999)
Secos & Molhados - Série Dois Momentos (1999)
Memória Velha (2000)
Secos & Molhados - Série 25 Anos Warner (2001)
Ouvido Nu (2003)
Secos & Molhados - Série 30 Anos Warner (2006)
Secos & Molhados - Nova Série (2007)


 


 

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