Um dos discos mais
importantes de Miles, In a Silent Way é aproximação
definitiva com o espírito rock dos anos 60. Definitiva,
não, porque isso iria ocorrer com o duplo e histórico
LP, Bitches Brew, um ano depois. Mas, In a Silent Way é
notável por vários aspectos: pelo quilate dos músicos
envolvidos, pelas experiências que Miles realizou com o
grupo e pelo nível das composições, uma maravilhosa
entrada para o caldeirão em ebulição do disco
seguinte.
Após
uma fase difícil no começo dos anos 60, Miles Davis
começava outra fase de esplendor, após os 40 anos.
Miles Davis inaugurava
o que ficaria conhecido como "fase elétrica"
de sua carreira com o disco Miles in the Sky,
em 1968.
A partir daí, os
instrumentos elétricos iriam ganhando espaço nas
composições. Mas Miles, mesmo com o sucesso voltando,
enfrentava dificuldades. Mais uma vez sofria com a debandada de
seus talentosos músicos.
Apesar
do prestígio de se tocar com Miles e da boa remuneração,
o baixista Ron Carter e o baterista Tony Williams queriam seguir
projetos pessoais.
Sabendo disso, ele saiu
à caça de músicos. Durante uma estadia em
Londres, David fez uma visita ao Ronnie Scott's Club, ao lado
do baterista Philly Joe Jones e ficou impressionado com um jovem
baixista que acompanha a cantora Elaine Delmar, de nome Dave Holland.
Apesar da pouca idade -
21 anos - Dave mostrava uma grande técnica tocando um baixo
acústico. Durante um intervalo da apresentação,
Joe Jones se aproximou do baixista e pediu que ele procurasse
Miles ao final do show, porque ele queria contratá-lo.
Dave
ficou estupefato, por Miles era seu herói. Porém,
descobriu que ele já havia saído do clube. No dia
seguinte, Dave ligou para o hotel onde ele estava hospedado, mas
ficou sabendo que já havia embarcado para a América.
Confuso, procurou Joe Jones para saber se a oferta era realmente
verdadeira, fato confirmado pelo baterista, que o aconselhou a
escrever uma carta.
Duas semanas depois, Holland
recebe um telefonema do empresário de Miles, Jack Whittemore,
perguntando se ele gostaria de pegar um avião no dia seguinte
para Nova York e se juntar ao grupo. Ainda confuso, Holland disse
sim e desembarcou na Big Apple, indo direto até
a casa do pianista Herbie Hancock, onde passou algumas músicas
com ele. Na noite seguinte, para seu espanto, estava no clube
Count Basie, no Harlem, para tocar com o grupo de Miles. Ele era
o único branco da banda e foi recebido friamente pelo baterista
Tony Williams e por Miles, que deu apenas um "oi" e
nenhuma instrução a ele. Essa apresentação
seria a última de Hancock com Miles.
Herbie e Ron Carter seriam
os primeiros a deixar o segundo grande quinteto que Davis formava.
Além deles, o grupo tinha o saxofonista Wayne Shorter e
o próprio Tony Williams. Sabendo que as perdas eram inevitáveis,
tratou de efetivar Holland. Para o lugar de Hancock, o escolhido
foi Chick Corea.
Com
essa formação é lançado o LP Filles
de Kilimanjaro, que ainda trazia Ron Carter e Herbie
Hancock em algumas faixas.
Ron Carter e Herbie Hancock
participaram das faixas "Petis Machins", "Tout
de Suite" e "Filles de Kilimanjaro", gravadas em
junho. Dave Holland e Chick Corea tocaram em "Frelon Brun"
e "Mademoiselle Mabry", gravadas em setembro. Assim,
o disco tinha as seguintes faixas:
Lado 1
1. "Frelon Brun (Brown Hornet)"
– 5:39
2. "Tout de Suite" – 14:07
3. "Petits Machins (Little Stuff)" – 8:07
Lado 2
1. "Filles de Kilimanjaro
(Girls of Kilimanjaro)" – 12:03
2. "Mademoiselle Mabry (Miss Mabry)" – 16:32
O
grupo começou a tocar nos clubes, com Dave Holland sofrendo
muito com Tony Williams, que tocava tão alto a ponto de
Dave não conseguir se ouvir nas apresentações.
Foi nesse período
que Miles conheceu sua "alma gêma": Jimi
Hendrix. Os dois eram muito parecidos e combinaram uma gravação
futura, juntos.
Enquanto isso, ele entrava
novamente em estúdio, com uma nova banda. Além de
Holland, Tony Williams, Chick Corea e Wayne Shorter, o grupo ganharia
outros integrantes: o tecladista Joe Zawinul, a ajuda do velho
amigo Herbie Hancock e de um jovem guitarrista: John McLaughlin.
McLaughlin
era um guitarrista inglês, que tinha chegado à Nova
York para participar do novo grupo de Tony Williams, Lifetime.
Miles sabia que a saída
do baterista era inevitável. Tony e John fizeram uma audição
para a Columbia e foram reprovados. Após isso, Tony foi
até a casa de Miles, levando McLaughlin consigo. Miles
nem o conhecia, mas o convidou para uma gravação
no dia seguinte. Na manhã
seguinte, Miles ligou para Zawinul, por acaso, e o convidou para
ir ao estúdio. Antes de desligar, acrescentou: "e
leve alguma música".
Zawinul
acabou levando uma composição de nome "In a
Silent Way". Ele próprio ficou com o órgão
e piano elétrico e com três tecladistas, guitarra
e sax, o grupo conseguiu um som inovador.
Miles não tinha
idéias pré-concebidas, por isso mandou o produtor
Teo Macero gravar tudo que realizassem em estúdio.
Após o final das
gravações, Teo e Miles tinham mais de duas horas
de material inédito. Teo conseguiu diminuir para 80 minutos,
o que era muito para um simples LP.
Miles
então o ajudou, até que tivessem apenas nove minutos
para cada lado. Mas, nove minutos não cobria nem a metade
de um lado e Teo resolveu, repetindo alguns pedaços em
cada lado. O que parecia um remendo, tornou-se uma revolução.
Quando foi editado, em
outubro de 1969, In a Silent Way foi aclamado
como uma obra-prima.
O disco trazia duas faixas
de cada lado, com a mesma música abrindo e fechando os
lados A e B.
In a Silent Way
tinha as seguintes músicas:
1. "Shhh/Peaceful"
(Miles Davis) – 18:16
1. "Shhh" – 6:14
2. "Peaceful" – 5:42
3. "Shhh" – 6:20
Lado 2
1. "In a Silent Way/It's About That
Time" (Joe Zawinul, Miles Davis) – 19:52
1. "In a Silent Way" (Joe Zawinul) – 4:11
2. "It's About That Time" (Miles Davis) – 11:27
3. "In a Silent Way" (Joe Zawinul) – 4:14
Miles
estava exultante com o resultado e McLaughlin confessa que ficou
surpreso como ele trabalhava: "estávamos tocando 'In
a Silent Way' e ele não estava gostando do que ouvia. Finalmente,
ele chegou para mim e disse 'toque como se você não
soubesse como tocar guitarra'. Fiquei sem entender nada. Eu estava
nervoso, tremia, afinal, ele era meu ídolo. Comecei a dedilhar
a melodia e quando olhei, Miles estava adorando. Toquei duas vezes,
e Wayne também tocou, e, então, Miles e Wayne tocaram.
Fiquei abismado, porque tocávamos apenas uma nota, sol,
e ele transformou isso em algo especial."
Dave Holland também
se lembra de "ordens estranhas": "me lembro que
ele me chamou e disse 'toque o que não está aí!
Não toque o que seus dedos pedem, não faça
isso. Toque a idéia seguinte.' Ele vivia nos empurrando
para o desconhecido."
Miles ficou tão
feliz com o disco, que ligou para Joe Zawinul e agradeceu e tentou
trazer Herbie Hancock novamente para o grupo. Segundo ele, os
três tecladistas tinham a força de uma orquestra.
"Agora vou gravar um novo disco." Esse novo disco seria
Bitches Brew.
Uma dica: se você
puder, compre a edição completa de todas as sessões
de In a Silent Way. The Complete In a
Silent Way Sessions traz três CDs com todos os
momentos, uma caixa obrigatória para quem ama Miles (e
quem tem dinheiro para isso...).
CD1
1. Mademoiselle Mabry (Miss Mabry) - 16:37
2. Frelon Brown - 5:40
3. Two Faced - 18:03
4. Dual Mr. Anthony Tillmon Williams Process - 13:23
5. Splash: Interlude 1 [Rejected]/Interlude 2 [Rejected]/Interlude
3 [ [#] - 10:08
6. Splashdown: Interlude 1 (No Horns) [Rejected]/Interlude 2 (No
Horns [#] - 8:03
CD2
1. Ascent - 14:54
2. Directions I - 6:50
3. Directions II - 4:53
4. Shhh/Peaceful - 19:17
5. In a Silent Way (Rehearsal) - 5:26
6. In a Silent Way - 4:18
7. It's About That Time - 11:27
CD3
1. The Ghetto Walk - 26:49
2. Early Minor - 6:58
3. Shhh/Peaceful - 18:18
4. In a Silent Way/It's About That Time [LP Version]: A. In a
Silent Way/B - 19:52
Deixo vocês com a discografia de
Miles. Um abraço e até a próxima coluna.
Discografia
Discos de estúdio
Birth of the Cool (1949)
And Horns (1950)
Blue Period (1951)
Conception Original Jazz (1951)
1951 The New Sounds of Miles Davis (1951)
Diggin' (1951)
Dig (1951)
Live at the Barrel, Vol. 2 (1952)
Miles Davis Plays the Compositions of Al Cohn (1952)
Miles Davis Quartet (1953)
Blue Haze (1953)
Miles Davis Quintet (1954)
Bags' Groove (1954)
Miles Davis Quintet (1954)
Miles Davis and the Modern Jazz Giants (1954)
Walkin' (1954)
Green Haze (1955)
The Musings of Miles (1955)
Odyssey (1955)
Milt and Miles (1955)
Miles Davis and Milt Jackson Quintet/Sextet (1955)
Circle in the 'Round (1955)
Cookin' (1955)
The New Miles Davis Quintet (1955)
Miles (1955)
Miles Davis & Horns 51-53 (1955)
Workin' (1956)
Steamin' (1956)
Relaxin' (1956)
Cookin' with the Miles Davis Quintet (1956)
'Round About Midnight (1956)
Miles Ahead (1957)
L'ascenseur pour L'Échafaud (1957)
Milestones (1958)
Porgy and Bess (1958)
Kind of Blue (1959)
Sketches of Spain (1960)
Directions (1960)
Someday My Prince Will Come (1961)
Quiet Nights (1962)
Sorcerer (1962)
Seven Steps to Heaven (1963)
E.S.P. (1965)
Miles Smiles (1966)
Nefertiti (1967)
Miles in the Sky (1968)
Filles de Kilimanjaro (1968)
In a Silent Way (1969)
Bitches Brew (1970)
Big Fun (1969)
A Tribute to Jack Johnson (1971)
On the Corner (1972)
Get Up With It (1972)
We Want Miles (1981)
The Man with the Horn (1981)
Star People (1982)
Decoy (1983)
Aura (1985)
You're Under Arrest (1986)
Tutu (1986)
Music from Siesta (1986)
Amandla (1989)
Dingo (1990)
Doo-Bop (1991)
Discos ao vivo
Miles & Monk at Newport (1955)
Miles Davis at Newport 1958 (1958)
Olympia 11 Octobre 1960, Pt. 1 (1960)
Olympia 11 Octobre 1960, Pt. 2 (1960)
Friday at the Blackhawk (1960)
Friday at the Blackhawk, Vol. 2 (1960)
Friday and Saturday Nights in Person (1961)
In Person: Friday Night at the Blackhawk (1961)
Miles Davis in Person, Vol. 1 (1961)
Miles Davis in Person, Vol. 2 (1961)
In Person: Saturday Night at the Blackhawk (1961)
At Carnegie Hall (1961)
Miles in St Louis (1961)
In Person at the Blackhawk (1961)
Miles at Antibes (1962)
Miles in Antibes (1963)
Four & More (1964)
My Funny Valentine (1964)
Miles in Tokyo (1964)
Miles in Berlin (1964)
Miles Davis in Europe (1964)
Live at the Plugged Nickel (1965)
In Berlin [live] Columbia (1966)
Live-Evil (1970)
Miles Davis at Fillmore: Live at the... (1970)
Black Beauty: Miles Davis at Fillmore West (1970)
Miles Davis at the Lincoln Center (1972)
Dark Magus (1974)
Pangaea (1975)
Agharta (1975)
Live A'Round the World (1988)
Miles in Montreux (1989)
Miles & Quincy (1991)
Green Dolphin Street (1992)
Newport Jazz Festival (1993)
On Green Dolphin Street (1999)
Miles Davis Live (2000)
Olympia 11 Juillet 1973 (2001)
At Newport 1958 (2001)
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