350 - Van Morrison, Lonnie Donegan & Chris Barber - The Skiffle Sessions

Van Morrison sempre teve um gosto por projetos distintos ao longo da sua carreira. Um dos pontos altos de sua extensa discografia aconteceu em 1998, quando se juntou a dois heróis pessoais, Lonnie Donegan e Chris Barber e gravou um álbum ao vivo que virou uma referência depois, The Skiffle Sessions. Um disco surpreendente, que mostra um estilo praticamente esquecido, ms que foi vital para que Beatles, Rolling Stones (e o próprio Van) dessem seus primeiros passos na música.


A idéia sempre esteve na mente de Van.

Apaixonado pela música desde criança, Van Morrison tinha a idéia de gravar um álbum de skiffle há mais de 20 anos. Seu velho amigo, o pianista Dr. John relata que o bardo irlandês já tinha confessado o sonho em 1977. "eu comecei em um grupo de skiffle, como milhões de outros artistas...".

Ironicamente, coube a ele, 20 anos depois, abrir as portas do mundo - novamente ao estilo.

O skiffle foi uma das grandes paixões de sua vida e ainda menino tocou no grupo The Sputnicks. O estilo era considerado um jazz bem mais rudimentar, onde os jovens usavam violões, banjos e improvisavam baixo com um cabo de vassoura preso à uma caixa de chá e a bateria era feito com tábuas de passar roupas.

Além disso, eram usadas instrumentos de sopros e qualquer outra coisa onde se pudesse fluidez ao estilo, como batucar, em garrafas, por exemplo. O ritmo era rápido, leve, lembrando um pouco o country e o western. A primeira banda de John Lennon foi O Quarrymen Skiffle Group.

E se Van Morrison e John Lennon foram gigantes no rock, ninguém foi maior, no skiffle, do que o escocês Anthony James Donegan. Nascido em Glasgow, em 29 de abril de 1931, Tony - como era chamado - tinha a música no sangue, já que seu pai era violinista da Orquestra Nacional da Escócia.

A vida do pequeno Tony não foi fácil e, aos dois anos, se mudou para Londres, após se divorciar do pai dele. Desde menino, começou a tocar violão, motivado pelas big bands dos anos 30 e 40.

Um pouco mais tarde, na segunda metade dos anos 40, Tony - ainda não havia adotado o nome artístico de Lonnie - conhece o trombonista Chris Barber, que procurava alguém que soubesse tocar banjo. Tony compra uns discos e passa horas aprendendo de ouvido.

Em 1952, após servir o exército mostra o Tony Donnegan Band e após abrirem um show do bluesmen Lonnie Johnson, resolve adotar o nome de Lonnie Donegan.

O nome foi "adotado oficialmente" quando um apresentador erra o nome dos dois, apresentado-os como Tony Johnson e Lonnie Donegan. A partir daí, ganharia seu nome definitivo.

No mesmo ano, ele e Chris Barber resolvem se juntar e formam a Chris Barber Jazz Band. Mas o nome durou pouco tempo, quando o trumpetista inglês Ken Coyler retorna de New Orleans e é convidado para integrar o grupo.

Coyler faz mais do que isso, toma a banda para si e a rebatiza de Ken Coyler's Jazzmen, especializada em dixieland e que faz sua primeira apresentação em 11 de abril de 1953, na Dinamarca. No dia seguinte, gravam pela primeira vez para o selo Storyville Records. Seria a primeira vez que Lonnie precisava em um estúdio.

O aprendizado com Coyler e Barber foi vital para Donegan, que logo virou um perito no banjo e no violão, e que logo começa a ter mais liberdade nos shows para fazer alguns números, ao lado de Barber.

Donegan começa a desenvolver um estilo baseado em country, western, blues e jazz, com um ritmo acelerado. Nascia o skiffle, nome dado por Coyler e que rebatizou, espertamente, o grupo de Ken Coyler's Skiffle Group.

O arranjo durou pouco tempo, e logo Coyler deixaria o grupo, após inúmeras brigas com os outros dois sobre dinheiro. Assim, ressurge a Chris Barber Jazz Band.

Aos poucos, Lonnie começa a se destacar a tocando canções dos compositores norte-americanos Woody Guthrie e Leadbelly. Em 1954, explode com "Rock Island Line", música de Leadbelly e que trazia "John Henry", no lado B (Van Morrison faria uma versão de "John Henry", incluída no disco The Philosopher's Stone, de 1997).

Ken Coyler e Lonnie DoneganA canção faz tanto sucesso que é editado na América, em 1956, o disco An Englishman Sings American Folk Songs.

A partir daí, Lonnie torna-se um artista com nome próprio e que popularizaria um estilo que atraía cada vez mais jovens pobres.

O skiffle não apenas era divertido como barato, pois, a rigor, qualquer coisa servia como instrumento: cabos de vassoura, latas de chá, tábua de lavar roupa, violões, gaita, além de ser uma música que não exigia muito conhecimento técnico. Era o rock antes do rock.

O tempo passa - mais de 40 anos - e Van Morrison resolve fazer um disco tributo ao estilo, em 1998. E nada melhor do que chamar duas lendas do estilo, Chris Barber e Lonnie Donegan. Além deles, o pianista Dr. John (lembra-se dele no início do texto) seria convidado, e acabaria tocando em duas faixas do disco.

Gravado em duas noites, 20 e 21 de novembro de 1998, no Whitla Hall, em Belfast, Irlanda do Norte, The Skiffle Sessions se tornaria uma referência do estilo para os mais jovens. Com um repertório cuidadosamente escolhido e músicos de primeira grandeza, o álbum é editado.

O CD traz as seguintes faixas:

1. "It Takes a Worried Man" – 3:40
2. "Lost John" – 3:33
3. "Goin' Home" (Antonín Dvorák) – 3:08
4. "Good Mornin' Blues" (Leadbelly, John Lomax) – 2:52
5. "Outskirts of Town" (Andy Razaf, Fats Waller) – 4:20
6. "Don't You Rock Me Daddy-O" – 1:51
7. "Alabamy Bound" (Buddy DeSylva, Bud Green, Ray Henderson) – 2:22
8. "Midnight Special" – 2:53
9. "Dead or Alive" (Woody Guthrie) – 2:33
10. "Frankie and Johnny" – 4:31
11. "Goodnight Irene" (Leadbelly, Lomax) – 2:46
12. "Railroad Bill" – 1:57
13. "Muleskinner Blues" (Jimmie Rodgers, George Vaughn) – 3:06
14. "The Ballad of Jesse James" – 3:07
15. "I Wanna Go Home" – 3:46

Os músicos que participaram dos shows foram os seguintes:

Van Morrison - vocal, acoustic guitar
Lonnie Donegan - vocal, acoustic guitar
Chris Barber - vocal, trombone, double bass
Paul Henry, Big Jim Sullivan - acoustic guitar
Nick Payne - harmonica, saxophone, background vocal
Dr. John - piano (faixas 3 e 4)
Nicky Scott, Chris Hunt - electric bass
Alan "Sticky" Wicket - washboard, percussion

The Skiffle Sessions nasceu clássico, chegando ao 14º posto na parada do Reino Unido. Juntos, o professor e aluno mostraram como era a música antes da explosão do rock.

Em textos separados no encarte, Lonnie conta que Van Morrison tem um estilo incomum de tocar skiffle ao violão, como se fosse um elo do jovem Mudy Waters com Slam Stuart.

Chris Barber relembra dos momentos de puro prazer durante os shows e recomenda o disco "a todos vocês". Reverente, Van fala de sua paixão pelo estilo e diz que é um prazer "voltar a tocar skiffle novamente nas 'esquinas', com velhos/novos amigos, que tanto me inspiraram."

Vários momentos transbordam no disco, como a abertura com "It Takes a Worried Man", com vocais de Lonnie e Chris.

O disco acabou tendo um compacto de trabalho, I Wanna Go Home. Infelizmente, o CD se encontra fora de catálogo, mas não se descabele, pois já há está planejado um relançamento - assim como outros títulos de Van - em janeiro de 2009. Por enquanto, o jeito é ir abaixando pela internet ou pegar uma cópia emprestada (menos a minha, é claro).

Se quiser saber mais sobre o skiffle, acesse um esclarecedor texto sobre o estilo clicando aqui.

Um abraço e até a próxima coluna.

 


 

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