Quando a loja Baratos Afins lançou
um selo próprio, muitas bandas tiveram a oportunidade de
lançar discos que as grandes gravadoras não aceitavam
por não entenderem a proposta sonora, ou por pura ignorância.
Uma delas foi o Smack, talvez a banda mais inovadora e "difícil"
do selo. O quarteto - e depois trio - lançou dois discos
nos anos 80, até se reagruparem, no Século XXI e
lançarem um EP, com cinco músicas. O Smack é
outra banda que merece ser conhecida e ouvida.
(Sandra Coutinho,
Thomas Pappon e Pamps, na época do lançamento de
Noite e Dia)
E para falar da banda usei
do mesmo expediente que usei com os Voluntários: entrevistei
três integrantes, especificamente, o letrista, cantor e
guitarrista Pamps, a baixista Sandra Coutinho e o baterista Thomas
Pappon.
(Pamps: crédito:
Ruy Mendes)
Sérgio
Pamplona, ou Pamps, como é conhecido, já tinha muita
experiência antes de formar o Smack.
Nascido em São Paulo,
Pamps cresceu ouvindo o que seus pais tocavam em casa: Tommy
Dorsey, Louis Armstrong, Gene Krupa, Elvis Presley, Frank Sinatra,
Bing Crosby, Paul Anka, Ella Fitzgerald, João Gilberto,
Elizeth Cardoso, Angela Maria.
Mais velho, resolveu dar
os primeiros passos como músico:
"participei de um grupo que acompanhava uma companhia
de dança chamada CQD. Tocava baixo. Depois, a convite do
Arrigo Barnabé formei um grupo pra acompanhar a Eliete
Negreiros: Sandra Coutinho no teclado, Jean Trad na guitarra,
Maurício Zidoy na bateria, eu no baixo (agora já
fretless, pois precisei acompanhar a sonoridade que o falecido
Tavinho Fialho imprimiu na gravação do disco). Depois
fui chamado pelo Itamar Assumpção pra tocar baixo
no Isca de Polícia."
Pamps queria montar sua
própria banda e a ideia amadureceu após um encontro
com Sandra Coutinho e Edgard Scandurra: "Eu acompanhava
de perto as Mercenárias. Era meio que vizinho da Sandra.
Assim, conheci o Edgard. Eu tinha umas músicas em andamento;
boa parte das que constam do Ao Vivo no Mosh.
Um dia a Sandra e o Edgard sugeriram que eu mostrasse os temas.
Começamos a desenvolver os arranjos, com o Edgard fazendo,
por vezes, a bateria. Então, num belo dia, apareceu o Thomas
na casa da Sandra e o levamos até a minha casa pra mostrar
o som. Ele fechou todas e saiu maravilhado com o que tava rolando.
Saiu dos Voluntários e se dedicou ao Smack. Não
havia proposta alguma."
Thomas realmente havia
se entusiasmado com o grupo: "fui o último a entrar
no grupo, não sei se ele já existia antes, creio
que não. Sei que os outros três, o Pamps, a Sandra
e o Edgard ficaram um bom tempo testando outros bateristas, sem
sucesso. Numa tarde de domingo, acho em 1983, eu estava de bobeira
na casa da Ana, guitarrista das Mercenárias, e os três
estavam lá. Eles me convidaram para fazer um som - acho
que era um teste. Deu super certo, foi uma química mágica.
As músicas estavam praticamente prontas, só que
sem bateria. Imediatamente me convidaram para entrar na banda."
(Foto da contra-capa
do primeiro disco, Ao Vivo no Mosh. Crédito: Renato Mascaro)
O
entusiamo de Pappon foi tão grande e realmente deixou o
Voluntários, como disse Pamps: "quando entrei
no Smack só tocava com os Voluntários (não
havia ainda montado o Fellini). Nunca foi um grande problema tocar
nas duas bandas. Não faziamos muitos shows na época.
Dava para ensaiar com os dois grupos, mesmo porque a gente ensaiava
na casa do Miguel (no caso dos Voluntarios), e na casa do Pamps
(no caso do Smack). Só depois de maio de 1984, quando pintou
o Fellini, é que a coisa começou a complicar para
mim. Eu tinha emprego (sempre tive, a música era hobby)
e aí realmente não dava mais."
Sandra achava fácil
conciliar as Mercenárias e o Smack: "era tranquilo.
As Mercenárias não tinham tanta demanda de shows."
As influências básicas
do Smack eram variadas: iam dos pós-punk do Gang of Four,
Talking Heads, Devo, The Jam e passavam por Jimi Hendrix, Luis
Melodia, Jards Macalé, Mutantes, etc...
Pamps se lembra que a sintonia
entre os quatro músicos era enorme: "ninguém
dizia ao outro o que fazer. Simplesmente rolava."
(O Smack toca no
projeto 'Rota 86', em um Centro Cultural Vergueiro, absolutamente
lotado. Crédito: Luiz Stavalo)
Já que a química
era imensa por que não gravar um disco "ao vivo no
estúdio"? Assim, o quarteto resolveu levar a ideia
adiante.
Segundo Pamps, "sempre
gostei da ideia de gravar ao vivo em estúdio (via Talking
Heads). Como a grana era curta, decidimos fazer uma sessão
de várias horas passando o repertório todo várias
vezes para depois escolher os melhores takes. Chamamos alguns
amigos pra participarem da gravação (aplausos, assobios,
u-hus, etc..). O Edgard e eu fizemos uma outra sessão à
parte para recolocar alguns vocais, pois no dia da gravação
estávamos gripados..."
Pappon dá mais detalhes: "o disco foi gravado
ao vivo por razões de grana mesmo. A gente queria gravar
num dia apenas, começamos às 9 da manhã (lembro
que foi duro pro Pamps acordar cedo). Tocamos o repertório
ao vivo duas vezes no estúdio e depois escolhemos a melhor
versão de cada música para mixar. Achamos uma boa
ideia convidar alguns amigos para dar mais 'clima' pra coisa toda.
Devia ter umas 10 ou 15 pessoas. Lembro que o Nasi, a Bia Abramo
e a Neusinha estavam lá."
"Gravar o LP foi
fácil e divertido", relembra
Sandra.
Thomas, no entanto,
não ficou muito satisfeito com o resultado obtido: "tenho
uma fita de ensaio, gravada toscamente, que é um desbunde.
O Ao Vivo no Mosh não faz justiça
a esse som, foi mal produzido, apenas dá uma ideia do som
que a gente fazia."
Lançado em 1985,
pela Baratos Afins, Ao Vivo no Mosh, se tornou
um clássico independente brasileiro.
Lado A
1. Fora Daqui
2. Fora Daqui II
3. Onde Li
4. Clone
5. Desespero Juvenil
6. N. 4
Lado B
1. 16 Horas e Pouco
2. Limite Eternidade
3. Faça Umas Compras
4. Chance De Fuga
5. Mediocridade Afinal
(Pamps, Sandra
e Thomas - agachado. Crédito: Vitché)
O
disco ganhou elogios da crítica brasileira e também
da internacional e alguns shows promocionais, na capital paulista,
no Lira Paulistana, no Cais, na Tiffon, além de um show
em Rio Claro, dividindo a bilheteria com as Mercenárias
e os Ratos de Porão.
O problema é que
Edgard Scandurra começava a ganhar destaque nacional com
o Ira!, como guitarrista e compositor e logo precisou desistir
do grupo, abrindo mão até de outros projetos.
"Edgard vivia
tendo compromissos com o Ira!, Gang 90, Ultraje, KGB, etc... Ele
vivia de música e shows e apostou as fichas no Ira!. Continuamos
como trio, e a coisa até que deu certo. Lembro de duas
noites no Lira Paulistana, como trio, que foram muito boas, talvez
os melhores shows do Smack", relata Pappon, que também
dividia seu tempo com o Fellini, enquanto Sandra também
era líder das Mercernárias. Apenas Pamps era "exclusivo"
do Smack.
Se, ao vivo, a banda estava
coesa e forte, a inevitável saída de Edgard deixou
uma lacuna imensa. Isso levou o som do grupo para uma nova direção:
mais pesado, denso, bem diferente do álbum de estréia.
Pamps, Pappon e Sandra, porém, seguiam dispostos a encarar
o novo desafio.
"Decidimos
tocar em frente. O ano era outro, a vida também era mais
densa, mais pesada. Creio que isso se traduziu no clima das minhas
composições. Acho que 'Just Reality' é a
mais densa. Muito lenta, quase pra trás. A letra do Thomas
ajudou bastante. É difícil tocar naquele andamento...",
se lembra Pamps.
Assim, nascia o segundo
disco do grupo, Noite e Dia, com produção
de Luiz Carlos Calanca, gravado entre os meses de março
e abril de 1986.
Ao contrário do
LP anterior, Noite e Dia foi inteiramente financiado
pela Baratos Afins, com uma melhor estrutura.
"Esse foi o primeiro
disco do qual participei em que as gravações foram
bancadas pela gravadora, no caso, a Baratos Afins. Gravavamos
à noite no Vice-Versa, em Pinheiros. O Edgard participou
como convidado especial, em quatro músicas", explica
Pappon.
Noite e Dia foi
editado em 1986, com as seguintes músicas:
Lado 1
01. Abertura
02. Pequena Dissonância
03. Não Enlouqueça
04. Cavalos
05. Rádio Smack
Lado 2
01. Sete Nomes
02. Desafinado
03. Just Reality
04. Noite e Dia
O
sucesso comercial, no entanto, não aparecia e problemas
pessoais e a falta de divulgação culminaram com
o fim do Smack:
"O Smack foi
definhando. Não consigo lembrar por que paramos de ensaiar.
Acho que foi por falta de tempo e procrastinação
do Pamps", confessa Pappon. Para Pamps, a "química
havia se esgotado".
Vale ressaltar que a Baratos
Afins lançou uma edição 2 em 1, com os dois
LPs do grupo, em CD.
Após o fim, a banda
até fez uma apresentação para matar as saudades,
em 1996, no Aeroanta, em São Paulo. Thomas
havia se mudado para a Inglaterra, mas Edgard, Sandra e Pamps
se encontravam e, às vezes, tocavam.
Em 2005, os três
resolveram se reunir para algumas apresentações,
com Pitchu Ferraz, na bateria.
A tal "química"
voltou, a ponto de lançarem um novo trabalho, o EP Smack
3, com cinco músicas, em 2008, pela gravadora
Midsummer Madness, para a alegria de Pamps: "o
grupo foi reativado em 2008 para a gravação do EP."
Após a gravação,
a banda fez alguns shows, com a baterista Pitchu Ferraz substituindo
Thomas Pappon: "a Pitchu substitui o Pappon de uma maneira
diversa e surpreendente!", garante o cantor.
Sandra adorou trabalhar
novamente com os rapazes, embora confesse que tenha feito pouco:
"são composições do Pamps com Edgard
e uma tem letra do Arnaldo. Eles eram vizinhos e amiguinhos! Se
cruzavam e foram criando o novo repertório. Eu vim e fiz
a linha do baixo. Logo, foi o momento deles!"
Gravado
nos Studio Paris, Cabeça de Estopa e masterizado por Walter
Lima, no Mosh Studios, Smack 3 traz as seguintes
composições, todas inéditas:
01. "Se você"
(Edgard Scandurra / letra: Arnaldo Antunes)
02. "Qu’est ce que tu pense" (música e
letra: Pamps)
03. " Excomungado" (música e letra: Pamps)
04. "Tempo tempo tempo" (música e letra: Edgard
Scandurra)
05. " Verlan" (música e letra: Pamps)
Nada desanima Pamps. Apesar
de tudo, ele acha que vale a pena insistir, apesar da falta de
uma divulgação decente. Pamps acha que o problema
não é a falta de interesse do público, mas
um respeito maior das casas noturnas com os músicos: "o
interesse pelo rock e suas derivações permanece.
O problema são os locais. Casas noturnas onde se ganha
por bilheteria, mas só se entra em cena lá pelas
duas da matina. Não é fácil!"
O ânimo é
tamanho a ponto de sonhar em lançar outro EP de músicas
inéditas. Pois que venha um novo trabalho!
Discografia
Ao Vivo no Mosh (1985)
Noite e Dia (1986)
Smack 3(EP, 2008)
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