436 - Smack

Quando a loja Baratos Afins lançou um selo próprio, muitas bandas tiveram a oportunidade de lançar discos que as grandes gravadoras não aceitavam por não entenderem a proposta sonora, ou por pura ignorância. Uma delas foi o Smack, talvez a banda mais inovadora e "difícil" do selo. O quarteto - e depois trio - lançou dois discos nos anos 80, até se reagruparem, no Século XXI e lançarem um EP, com cinco músicas. O Smack é outra banda que merece ser conhecida e ouvida.


(Sandra Coutinho, Thomas Pappon e Pamps, na época do lançamento de Noite e Dia)

E para falar da banda usei do mesmo expediente que usei com os Voluntários: entrevistei três integrantes, especificamente, o letrista, cantor e guitarrista Pamps, a baixista Sandra Coutinho e o baterista Thomas Pappon.

(Pamps: crédito: Ruy Mendes)

Sérgio Pamplona, ou Pamps, como é conhecido, já tinha muita experiência antes de formar o Smack.

Nascido em São Paulo, Pamps cresceu ouvindo o que seus pais tocavam em casa: Tommy Dorsey, Louis Armstrong, Gene Krupa, Elvis Presley, Frank Sinatra, Bing Crosby, Paul Anka, Ella Fitzgerald, João Gilberto, Elizeth Cardoso, Angela Maria.

Mais velho, resolveu dar os primeiros passos como músico:
"participei de um grupo que acompanhava uma companhia de dança chamada CQD. Tocava baixo. Depois, a convite do Arrigo Barnabé formei um grupo pra acompanhar a Eliete Negreiros: Sandra Coutinho no teclado, Jean Trad na guitarra, Maurício Zidoy na bateria, eu no baixo (agora já fretless, pois precisei acompanhar a sonoridade que o falecido Tavinho Fialho imprimiu na gravação do disco). Depois fui chamado pelo Itamar Assumpção pra tocar baixo no Isca de Polícia."

Pamps queria montar sua própria banda e a ideia amadureceu após um encontro com Sandra Coutinho e Edgard Scandurra: "Eu acompanhava de perto as Mercenárias. Era meio que vizinho da Sandra. Assim, conheci o Edgard. Eu tinha umas músicas em andamento; boa parte das que constam do Ao Vivo no Mosh. Um dia a Sandra e o Edgard sugeriram que eu mostrasse os temas. Começamos a desenvolver os arranjos, com o Edgard fazendo, por vezes, a bateria. Então, num belo dia, apareceu o Thomas na casa da Sandra e o levamos até a minha casa pra mostrar o som. Ele fechou todas e saiu maravilhado com o que tava rolando. Saiu dos Voluntários e se dedicou ao Smack. Não havia proposta alguma."

Thomas realmente havia se entusiasmado com o grupo: "fui o último a entrar no grupo, não sei se ele já existia antes, creio que não. Sei que os outros três, o Pamps, a Sandra e o Edgard ficaram um bom tempo testando outros bateristas, sem sucesso. Numa tarde de domingo, acho em 1983, eu estava de bobeira na casa da Ana, guitarrista das Mercenárias, e os três estavam lá. Eles me convidaram para fazer um som - acho que era um teste. Deu super certo, foi uma química mágica. As músicas estavam praticamente prontas, só que sem bateria. Imediatamente me convidaram para entrar na banda."

(Foto da contra-capa do primeiro disco, Ao Vivo no Mosh. Crédito: Renato Mascaro)

O entusiamo de Pappon foi tão grande e realmente deixou o Voluntários, como disse Pamps: "quando entrei no Smack só tocava com os Voluntários (não havia ainda montado o Fellini). Nunca foi um grande problema tocar nas duas bandas. Não faziamos muitos shows na época. Dava para ensaiar com os dois grupos, mesmo porque a gente ensaiava na casa do Miguel (no caso dos Voluntarios), e na casa do Pamps (no caso do Smack). Só depois de maio de 1984, quando pintou o Fellini, é que a coisa começou a complicar para mim. Eu tinha emprego (sempre tive, a música era hobby) e aí realmente não dava mais."

Sandra achava fácil conciliar as Mercenárias e o Smack: "era tranquilo. As Mercenárias não tinham tanta demanda de shows."

As influências básicas do Smack eram variadas: iam dos pós-punk do Gang of Four, Talking Heads, Devo, The Jam e passavam por Jimi Hendrix, Luis Melodia, Jards Macalé, Mutantes, etc...

Pamps se lembra que a sintonia entre os quatro músicos era enorme: "ninguém dizia ao outro o que fazer. Simplesmente rolava."

(O Smack toca no projeto 'Rota 86', em um Centro Cultural Vergueiro, absolutamente lotado. Crédito: Luiz Stavalo)

Já que a química era imensa por que não gravar um disco "ao vivo no estúdio"? Assim, o quarteto resolveu levar a ideia adiante.

Segundo Pamps, "sempre gostei da ideia de gravar ao vivo em estúdio (via Talking Heads). Como a grana era curta, decidimos fazer uma sessão de várias horas passando o repertório todo várias vezes para depois escolher os melhores takes. Chamamos alguns amigos pra participarem da gravação (aplausos, assobios, u-hus, etc..). O Edgard e eu fizemos uma outra sessão à parte para recolocar alguns vocais, pois no dia da gravação estávamos gripados..."

Pappon dá mais detalhes: "o disco foi gravado ao vivo por razões de grana mesmo. A gente queria gravar num dia apenas, começamos às 9 da manhã (lembro que foi duro pro Pamps acordar cedo). Tocamos o repertório ao vivo duas vezes no estúdio e depois escolhemos a melhor versão de cada música para mixar. Achamos uma boa ideia convidar alguns amigos para dar mais 'clima' pra coisa toda. Devia ter umas 10 ou 15 pessoas. Lembro que o Nasi, a Bia Abramo e a Neusinha estavam lá."

"Gravar o LP foi fácil e divertido", relembra Sandra.

Thomas, no entanto, não ficou muito satisfeito com o resultado obtido: "tenho uma fita de ensaio, gravada toscamente, que é um desbunde. O Ao Vivo no Mosh não faz justiça a esse som, foi mal produzido, apenas dá uma ideia do som que a gente fazia."

Lançado em 1985, pela Baratos Afins, Ao Vivo no Mosh, se tornou um clássico independente brasileiro.

Lado A

1. Fora Daqui
2. Fora Daqui II
3. Onde Li
4. Clone
5. Desespero Juvenil
6. N. 4

Lado B

1. 16 Horas e Pouco
2. Limite Eternidade
3. Faça Umas Compras
4. Chance De Fuga
5. Mediocridade Afinal

(Pamps, Sandra e Thomas - agachado. Crédito: Vitché)

O disco ganhou elogios da crítica brasileira e também da internacional e alguns shows promocionais, na capital paulista, no Lira Paulistana, no Cais, na Tiffon, além de um show em Rio Claro, dividindo a bilheteria com as Mercenárias e os Ratos de Porão.

O problema é que Edgard Scandurra começava a ganhar destaque nacional com o Ira!, como guitarrista e compositor e logo precisou desistir do grupo, abrindo mão até de outros projetos.

"Edgard vivia tendo compromissos com o Ira!, Gang 90, Ultraje, KGB, etc... Ele vivia de música e shows e apostou as fichas no Ira!. Continuamos como trio, e a coisa até que deu certo. Lembro de duas noites no Lira Paulistana, como trio, que foram muito boas, talvez os melhores shows do Smack", relata Pappon, que também dividia seu tempo com o Fellini, enquanto Sandra também era líder das Mercernárias. Apenas Pamps era "exclusivo" do Smack.

Se, ao vivo, a banda estava coesa e forte, a inevitável saída de Edgard deixou uma lacuna imensa. Isso levou o som do grupo para uma nova direção: mais pesado, denso, bem diferente do álbum de estréia. Pamps, Pappon e Sandra, porém, seguiam dispostos a encarar o novo desafio.

"Decidimos tocar em frente. O ano era outro, a vida também era mais densa, mais pesada. Creio que isso se traduziu no clima das minhas composições. Acho que 'Just Reality' é a mais densa. Muito lenta, quase pra trás. A letra do Thomas ajudou bastante. É difícil tocar naquele andamento...", se lembra Pamps.

Assim, nascia o segundo disco do grupo, Noite e Dia, com produção de Luiz Carlos Calanca, gravado entre os meses de março e abril de 1986.

Ao contrário do LP anterior, Noite e Dia foi inteiramente financiado pela Baratos Afins, com uma melhor estrutura.

"Esse foi o primeiro disco do qual participei em que as gravações foram bancadas pela gravadora, no caso, a Baratos Afins. Gravavamos à noite no Vice-Versa, em Pinheiros. O Edgard participou como convidado especial, em quatro músicas", explica Pappon.

Noite e Dia foi editado em 1986, com as seguintes músicas:

Lado 1

01. Abertura
02. Pequena Dissonância
03. Não Enlouqueça
04. Cavalos
05. Rádio Smack

Lado 2

01. Sete Nomes
02. Desafinado
03. Just Reality
04. Noite e Dia

O sucesso comercial, no entanto, não aparecia e problemas pessoais e a falta de divulgação culminaram com o fim do Smack:

"O Smack foi definhando. Não consigo lembrar por que paramos de ensaiar. Acho que foi por falta de tempo e procrastinação do Pamps", confessa Pappon. Para Pamps, a "química havia se esgotado".

Vale ressaltar que a Baratos Afins lançou uma edição 2 em 1, com os dois LPs do grupo, em CD.

Após o fim, a banda até fez uma apresentação para matar as saudades, em 1996, no Aeroanta, em São Paulo. Thomas havia se mudado para a Inglaterra, mas Edgard, Sandra e Pamps se encontravam e, às vezes, tocavam.

Em 2005, os três resolveram se reunir para algumas apresentações, com Pitchu Ferraz, na bateria.

A tal "química" voltou, a ponto de lançarem um novo trabalho, o EP Smack 3, com cinco músicas, em 2008, pela gravadora Midsummer Madness, para a alegria de Pamps: "o grupo foi reativado em 2008 para a gravação do EP."

Após a gravação, a banda fez alguns shows, com a baterista Pitchu Ferraz substituindo Thomas Pappon: "a Pitchu substitui o Pappon de uma maneira diversa e surpreendente!", garante o cantor.

Sandra adorou trabalhar novamente com os rapazes, embora confesse que tenha feito pouco: "são composições do Pamps com Edgard e uma tem letra do Arnaldo. Eles eram vizinhos e amiguinhos! Se cruzavam e foram criando o novo repertório. Eu vim e fiz a linha do baixo. Logo, foi o momento deles!"

Gravado nos Studio Paris, Cabeça de Estopa e masterizado por Walter Lima, no Mosh Studios, Smack 3 traz as seguintes composições, todas inéditas:

01. "Se você" (Edgard Scandurra / letra: Arnaldo Antunes)
02. "Qu’est ce que tu pense" (música e letra: Pamps)
03. " Excomungado" (música e letra: Pamps)
04. "Tempo tempo tempo" (música e letra: Edgard Scandurra)
05. " Verlan" (música e letra: Pamps)

Nada desanima Pamps. Apesar de tudo, ele acha que vale a pena insistir, apesar da falta de uma divulgação decente. Pamps acha que o problema não é a falta de interesse do público, mas um respeito maior das casas noturnas com os músicos: "o interesse pelo rock e suas derivações permanece. O problema são os locais. Casas noturnas onde se ganha por bilheteria, mas só se entra em cena lá pelas duas da matina. Não é fácil!"

O ânimo é tamanho a ponto de sonhar em lançar outro EP de músicas inéditas. Pois que venha um novo trabalho!

Discografia

Ao Vivo no Mosh (1985)
Noite e Dia (1986)
Smack 3(EP, 2008)


 

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