Terceiro disco da banda e talvez
o mais irado de todos, Meat is Murder arreganha todo o ódio
e desprezo de Morrissey pelo governo conservador de Margaret Thatcher
e assume a defesa do vegetarianismo com a canção-título,
entre outros temas nada agradáveis. O ano de 1985 é
marcado também por um período turbulento com o envolvimento
do baixista Andy Rourke com a heroína e com a histeria
em cima da banda atingindo níveis imensos. Apesar de pouco
comentado, é também o disco mais versátil
da banda, explorando até o funk, especialmente na linha
de baixo de "Barbarism Begins at Home".
Os Smiths encerraram o ano de 1984 como a grande banda da Inglaterra,
a mais amada pelos leitores de todos os semanários e perto
de uma idolatria que não havia desde que os Beatles se
separaram. Mas comercialmente falando, a banda ainda não
era o arraso que todos pensavam. O grande single do ano (ao menos
comercialmente) havia sido “Relax” do grupo Frankie
Goes to Hollywood, que mesmo tendo uma letra de fazer cair os
queixos dos conservadores, explodiu nas paradas do dois lados
do Atlântico. Os Smiths sabiam que tinham feito muitas canções
superiores, mas não conseguiram alcançar o posto
de mais vendido do ano, apesar de tantos lançamentos.
A situação
era particularmente vexatória na América. O disco
de estréia da banda, The Smiths, sequer
havia batido o Top 200, assim como Hatful of Hollow.
A Warner, representante norte-americana da Rough Trade por aqueles
lados, resolveu que alguma coisa precisava ser feita. A Rough
então revirou o catálogo da banda e optou por uma
canção que estava no lado B de Hatful of
Hollow, para ser lançada como single: “How
Soon Is Now?”
Mas o tiro saiu pela culatra,
e mesmo lançando um vídeo não-autorizado
pela banda, com imagens do grupo (em uma das cenas Marr ensina
Morrissey a tocar guitarra), a banda não decolou. O mal-estar
só fez piorar quando a mesma foi lançada como single
no Reino Unido, alcançando a modestíssima 24ª
posição nas paradas. Apesar de já ter comentado
sobre a música na coluna em que falei do disco Hatful
of Hollow, vale a pena deixar a letra para que vocês
a apreciem, um dos momentos mais inspirados da dupla Morrissey-Marr...
How Soon is Now?
I am the son
And the heir
Of a shyness that is criminally vulgar
I am the son and heir
Of nothing in particular
You shut your mouth
How can you say
I go about things the wrong way ?
I am Human and I need to be loved
Just like everybody else does
I am the son
And the heir
Of a shyness that is criminally vulgar
I am the son and heir
Oh, of nothing in particular
You shut your mouth
How can you say
I go about things the wrong way ?
I am Human and I need to be loved
Just like everybody else does
There's a club,
if you'd like to go
You could meet somebody who really loves you
So you go, and you stand on your own
And you leave on your own
And you go home, and you cry
And you want to die
When you say it's
gonna happen "now"
Well, when exactly do you mean ?
See I've already waited too long
And all my hope is gone
You shut your mouth
How can you say
I go about things the wrong way ?
I am Human and I need to be loved
Just like everybody else does
Alheios
a tudo isso, a banda, e especialmente Johnny Marr, passavam horas
e horas trancados no Virgin’s Townhouse Studios, trabalhando
no novo disco e em um novo single do grupo "Shakespeare’s
Sister". Johnny se sentia sob uma pressão imensa,
por dois fatos aparentemente fúteis: em janeiro daquele
ano (1985), Morrissey revelava para quem quisesse saber que os
Smiths “desfrutavam da mais perfeita e linda harmonia”.
Só que a harmonia foi quebrada quando o vocalista descobriu
que o baixista Andy Rourke estava tendo sérios problemas
com drogas, particularmente a heroína. Morrissey ficou
completamente transtornado com a descoberta e queria por toda
lei expulsar Rourke da banda. Marr conversou com o amigo e diplomaticamente
contornou o problema, mas o fracasso de “How Soon Is Now?”
nas paradas só fez pesar a tensão entre os membros.
Por isso, era mais do que necessário que o novo compacto
fosse um sucesso.
Naturalmente a notícia
acabou vazando e ouve um desmentido generalizado sobre o vício
de Andy e a ameaça de expulsão. Ao mesmo tempo em
que Morrissey era visto como um ditador e puritano, algumas pessoas
ligadas ao grupo saíram em defesa do vocalista, dizendo
que tudo isso era mentira e que Morrissey apenas estava preocupado
com o baixista e o futuro da banda.
O grande drama é
que o grupo sempre pregou ser totalmente contra o famoso estilo
das bandas de rock, mesmo que Marr passasse longe da reclusão
de Morrissey. Ainda assim, os membros se mantinham discretos,
apesar de correrem rumores que já há muito tempo
Rourke fazia uso de drogas, embora nada fosse comprovado.
Para
tentar acalmar o disse-me-disse criado, o grupo lança o
novo disco, Meat is Murder. A metralhadora giratória
de Morrissey provava estar mais afiada do que nunca: atacando
o governo de Margaret Thatcher, denunciando a violência
infantil e, principalmente, pregando contra a matança indiscriminada
dos animais.
“Essa linda criatura
deve morrer/ uma morte sem razão/ e morte sem razão
é ASSASSINATO”, escreveu Morrissey na faixa-título.
A capa também não deixava de ser menos polêmica:
inteligentemente a banda pegou uma foto de Emile de Antonio, feita
em 1969. contra a Guerra do Vietnã, que era batizada com
o nome de In the Year of the Pig. Na foto, um soldado
norte-americano trazia em seu capacete uma insígnia com
os dizeres Make War, Not Love (Faça Guerra, Não
Amor). Morrissey, em um lance de grande inteligência
sugeriu mudar os dizeres com o nome do disco Meat is Murder.
A fotografia foi repetida quatro vezes na capa do vinil.
O
disco disparou e alcançou o primeiro lugar nas paradas
de sucesso (seria o único disco da carreira do grupo a
alcançar tal feito), e pela primeira vez, o cantor assumia
uma postura em prol de uma causa.
A defesa dos animais fez
com que muitos fãs ficassem em dúvida, já
que apesar de suas letras de cunho homossexual, suas posturas
anti-racistas, a recusa em viver uma vida típica de um
“rock star”, Morrissey e os demais integrantes jamais
haviam sido tão veementes.
As letras mostravam que
o vocalista estava cada vez mais furioso com o estado das coisas
do atual mundo: “não é possível que
alguém faça alguma coisa contra essa mulher (Thatcher)!
O país está naufragando, o desemprego e a falta
de oportunidade para os jovens são terríveis e ninguém
toma uma atitude. Não defendo ou me filio a nenhum partido
político porque nada disso faz sentido. Crianças
são espancadas, crimes são cometidos, a indústria
alimentícia mata animais indiscriminadamente e ainda colocam
tóxicos em nossos alimentos. Algo precisa ser feito!”
Morrissey
chegou ao cúmulo de pronunciar que a morte de açougueiros
não seria grande perda para a humanidade. Críticos
chegaram a comparar a postura do cantor com a de Hitler, que também
era um adepto do vegetarianismo e também por considerar
o cantor extremamente violento e radical em suas declarações.
Quando ele sugeriu que a “Dama de Ferro” Thatcher
deveria ser levada à guilhotina, alguns críticos
responderam com uma frase do escritor favorito de Morrissey, Oscar
Wilde: “os republicanos mais violentos que conheci eram
todos vegetarianos”. Posteriormente Morrissey foi praticamente
obrigado a pedir desculpas públicas à chefe do governo
inglês, e o fez (mas sem deixar de dar mais uma cutucada)
com a canção “Bigmouth Strikes Again, onde
se comparava à Joana D’Arc, ao afirmar “agora
sei como Joana D’Arc se sentiu...)
Enquanto o disco se dava
bem nas paradas, “Shakespeare’s Sister” teve
uma carreira desastrada, até mais do que o antecessor “How
Soon Is Now”, alcançado apenas a 26ª posição.
Marr
conta o método de composição de algumas músicas:
“ ‘Headmaster Ritual’ foi a canção
que mais tempo levei compondo em minha vida. Eu trabalhei nela
desde os tempos em que estávamos desenvolvendo nossa primeira
demo, com Troy Tate. Eu continuei burilando-a durante todo esse
tempo e quando Morrissey apareceu com aquela letra pesadíssima
atacando não apenas as instituições educacionais
de Manchester, mas como as de todo mundo, resolvi que ela seria
a apropriada. ‘Rusholme Ruffians’ também tem
uma história curiosa, já que peguei uma antiga canção
de um compacto da casa dos meus pais, '(‘Marie’s The
Name) His Latest Flame', que Elvis Presley cantava e tinha sido
escrita por Doc Pomus e Mort Shuman. Eu a adaptei porque ela me
lembrava aqueles imensos locais descobertos onde haviam feiras,
em Wythenshawe Park. Eu acho os melhores locais para se tocar
algo e sempre pensei que se eu conseguisse tocar em uma dessas,
teria uma grande banda. Eu rodava diariamente por locais assim
para olhar as garotas.”
Uma
das canções mais belas e emblemáticas do
disco é, sem dúvida, “That Joke Isn't Funny
Anymore”. Morrissey explica como ela surgiu: “quando
estava escrevendo a letra eu estava cheio de sempre ler as mesmas
questões em jornais sobre minha capacidade mental, de que
eu era um lunático, um mentiroso, uma farsa. Morrissey
roubou uma linha do filme Alice Adams (“I’ve
watched this happen in other’s people lives and now it’s
happened in ours”) e a transformou em “I've seen this
happen in other people's lives and now it's happening in mine”.
O lamento da canção aliada ao lindo arranjo de Johnny
fizeram dela o primeiro compacto do disco, que, mesmo fracassando
novamente nas paradas (49º lugar), fez dela umas das mais
belas do repertório da banda.
“Barbarism
Begins at Home” foi uma tentativa muito feliz do vocalista
em fazer uma letra que apesar da violência, não falava
apenas de abuso sexual infantil, como alegavam seus detratores.
A canção ficou mais forte graças a uma excepcional
linha de baixo feita por Andy Rourke. Mike Joyce lembra das gravações:
“Johnny e Andy criaram essa excepcional melodia inspirada
no Chic (antiga banda americana de disco music), e Morrissey balançava
o esqueleto todo e berrava, e ao parar, Andy fez uma linha de
baixo matadora, copiando o jeito de Stanley Clarke tocar (Clarke
é um dos maiores baixistas de jazz e mestre em misturar
seu som com funk). Andy é um músico extremamente
versátil, podendo ir rapidamente do folk para o heavy metal.”
“Well I Wonder”
é uma das mais belas melodias e amargas baladas da banda,
com Morrissey cantando em falsete e terminando com um barulho
de chuva (e a favorita de todo disco de quem vos escreve...).
A faixa-título e
que fecha o disco é uma das mais fortes composições
da banda. Começa com o som de vacas indo para o abatedouro
e com açougueiros cortando seus pedaços. Morrissey
começa em um tom baixo, sobre uma melodia pesada, opressiva
e a música termina da mesma maneira que começou.
Com o lançamento
de Meat is Murder, o grupo foi aclamado como
a grande banda inglesa da década. Mas o fracasso do compacto
“Shakespeare’s Sister” (o nome foi tirado de
um ensaio da escritora inglesa Viriginia Woolf) fez o cantor voltar
novamente sua metralhadora verbal, desta vez contra as rádios.
“Tenho certeza que há uma conspiração
contra as músicas dos Smiths. Eles não nos procuram,
e se sentem claramente desconfortáveis em tocar nossas
canções. É uma política absolutamente
fascista contra nossos fãs.”
A
tristeza foi maior ainda com o fraco desempenho de “That
Joke Isn’t Funny Anymore, embora as duas músicas
fossem claramente anti-comerciais. Mas o culto ao grupo, e, em
especial, por Morrissey atingiu níveis histéricos.
A banda tentava mostrar que estava mais unida do que nunca, embora
o problema de Andy com as drogas ainda existisse e até
havia se agravado.
“Morrissey é
meu melhor amigo, eu simplesmente adoro sua companhia”,
afirmava Marr, enquanto o vocalista retrucava que a recíproca
era verdadeira e até maior. Morrissey começava a
fazer alguns amigos no meio musical, ainda que bem restritos e
duas pessoas devem ser destacadas: Lloyd Cole (líder então
dos Lloyd Cole and the Commotions) e o velho conterrâneo,
Howard Devoto, ex-vocalista dos Buzzcocks e Magazine. Isso sem
falar na sua antiga e preciosa amiga, e de quem era grande fã,
Sandie Shaw.
“Morrissey costumava me ligar para conversarmos sobre a
pressão e as críticas que sofria. Ele estava realmente
se sentido torturado com tudo aquilo acontecendo, e vez por outra
vinha até o meu apartamento para tomarmos chá e
conversarmos. Depois que o conheci, aprendi a admirar não
só o compositor e amigo, mas também o fardo de ser
uma estrela imensa. Eu fui uma grande estrela no meu tempo, mas
não do tamanho que ele era. E a idolatria e histeria dos
fãs o consumiam e o deixavam nervoso. Algumas vezes ele
me perguntava se deveria tomar posições, pois aquelas
comparações com Hitler realmente o aborreceram.”
Antes de encerrar a coluna,
algumas informações para quem quiser adquirir o
vinil ou o cd. O disco saiu aqui no ano de 1986, exatamente igual
à edição inglesa. Infelizmente não
há uma versão nacional do CD, então será
preciso importar, e no caso a edição americana é
a mais fácil de encontrar (e mais barata) e traz como bônus,
a faixa “How Soon Is Now?”, a única não
produzida pelos Smiths (é a mesma de Hatful of
Hollow e tem como produtor John Porter).
A
edição inglesa do CD traz outra mudança:
a capa possui apenas uma foto, ao invés das famosas quatro
reproduções, contida no vinil, e que foram preservadas
na edição ianque, mas com o repertório original.
Deixo vocês por aqui.
Fiquem com a ordem das canções do vinil original
e da edição norte-americana, além das letras
duas das minhas canções favoritas do disco. Um abraço
e até a próxima coluna!
Edição
inglesa e nacional
1 – The Headmaster
Ritual
2 – Rusholme Ruffians
3 –I Want The Onde I Can’t Have
4 – What She Said
5 – That Joke Isn’t Funny Anymore
6 – Nowhere Fast
7 – Well I Wonder
8 – Barbarism Begins at Home
9 – Meat is Murder
Edição
norte-americana
1 – The Headmaster
Ritual
2 – Rusholme Ruffians
3 –I Want The Onde I Can’t Have
4 – What She Said
5 – That Joke Isn’t Funny Anymore
6 – How Soon Is Now?
7 – Nowhere Fast
8 – Well I Wonder
9 – Barbarism Begins at Home
10 – Meat is Murder
Well I Wonder
Well I wonder
Do you hear me when you sleep ?
I hoarsely cry
Oh ...
Well I wonder
Do you see me when we pass ?
I half die ...
Oh ...
Please keep me
in mind
Please keep me in mind
Gasping - but somehow
still alive
This is the fierce last stand of all I am
Gasping - dying
- but somehow still alive
This is the final stand of all I am
Please keep me
in mind
Well I wonder
Well I wonder
Please keep me in mind
Keep me in mind
Keep me in mind
That Joke Isn't
Funny Anymore
Park the car at
the side of the road
You should know
Time's tide will smother you
And I will too
When you laugh about people who feel so
Very lonely
Their only desire is to die
Well, I'm afraid
It doesn't make me smile
I wish I could laugh
But that joke isn't
funny anymore
It's too close to home
And it's too near the bone
It's too close to home
And it's too near the bone
More than you'll ever know ...
Kick them when
they fall down
Kick them when they fall down
You kick them when they fall down
Kick them when they fall down
You kick them when they fall down
Kick them when they fall down
You kick them when they fall down
Kick them when they fall down
It was dark as
I drove the point home
And on cold leather seats
Well, it suddenly struck me
I just might die with a smile on my
Face after all
I've seen this
happen in other people's
Lives
And now it's happening in mine
I've seen this
happen in other people's
Lives
And now it's happening in mine
I've seen this
happen in other people's
Lives
And now it's happening in mine
I've seen this
happen in other people's
Lives
And now it's happening in mine
Oh ...
I've seen this
happen in other people's
Lives
Oh ...
And now it's happening in mine
Happening in mine
Happening in mine
Happening in mine
Happening in mine
I've seen this
happen in other people's
Lives
Oh ...
And now, now, now it's happening in mine
(I've seen this happen)
Happening in mine
Oh... now, now
I've seen this
happen in other people's
Lives
Oh ...
And now it's happening in mine
(Happen)
Happening in mine
Oh ...
Happening in mine
Happening in mine
Happening in mine
I've seen this
happen in other people's
Lives
Oh ...
And now, now, now it's happening in mine
Happening in mine
Mine, mine
Happening in mine
Discografia
The Smiths (1984)
Hatful of Hollow (1984)
Meat is Murder (1985)
The Queen is Dead (1986)
The World Won't Listen (1987)
Louder Than Bombs (1987)
"Strangeways, Here We Come" (1987)
"Rank" (1988)
The Best of The Smiths, Vol.1 (1992)
The Best of The Smiths, Vol.2 (1992)
Singles (1995)
The Very Best of The Smiths (2001)
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