97 - The Smiths - "Strangeways, Here We Come"


O último disco de estúdio da banda é considerado por muitos fãs e críticos como o mais belo trabalho dos Smiths e que mostra o desgaste do grupo, em especial do guitarrista Johnny Marr, que considerou mais um trabalho frustrante, já que estava mais maduro como músico e produtor e, ainda assim, não conseguiu expandir o leque musical por culpa de Morrissey. Além disso, a pressão sobre a banda, a falta de comunicação com o vocalista que relutava em transformar o grupo em um grande sucesso e graves problemas financeiros e jurídicos acabaram fazendo o guitarrista jogar tudo para cima e dar adeus ao grupo que montou e que tanto amava. O drama e a tensão do último ano da banda você lê aqui. O disco, você ouve em seu aparelho.




capa do compacto Shoplifters of the World UniteO ano de 1987 começou com um novo empresário, o norte-americano Ken Friedman, que havia conhecido o grupo na turnê pela América de 1985. Friedman tinha se tornado um grande admirador dos Smiths e coube a Marr acertar os detalhes com Ken. A primeira providência foi transferir sua base de trabalho de San Francisco para Londres. A segunda, e mais penosa, convencer Morrissey a fazer um acordo escrito de trabalho, que o cantor relutou, mas acabou aceitando. Enquanto Friedman começava novos contatos para uma turnê pelos Estados Unidos, ainda em janeiro o grupo lança mais um single "Shoplifters of World Unite", tendo em seu lado B a não menos bela "Half a Person". A capa era um destaque à parte, com uma bela foto de Elvis Presley. Alcançou o número 12 nas paradas. No single de 12 polegadas, haveria outra bela composição, "London". Vale ainda ressaltar que as duas canções de lados B contaram com a participação de Craig Gannon.



No dia 7 de fevereiro, o grupo parte em uma pequena viagem para a Itália, onde já haviam feito uma pequena confusão anos antes. Eles iriam se apresentar no Festival de San Remo, em um palco giratório ao lado de outras bandas britânicas, como Style Council, Spandau Ballet, Paul Young e Pet Shop Boys.

E novamente Morrissey causou grande confusão ao se recusar a tocar em um palco giratório. Foi então que Ken mostrou que o cantor não poderia mais colocar programas e telespectadores como reféns, e acabou convencendo a banda a subir e tocar um set de cinco músicas: "Shoplifters of World Unite", "There Is A Light That Never Goes Out", "The Boy With The Thorn In His Side", "Panic" e "Ask". A apresentação acabaria sendo a última apresentação ao vivo dos Smiths, ainda que sequer imaginassem isso.

Friedman sugeriu ao grupo que adotasse uma postura mais relaxada e que confraternizassem mais com os outros músicos, ainda em San Remo. O objetivo era fazer Morrissey sair de sua concha, uma vez que Marr já era uma pessoa simpática e receptiva. Após conversar com Patsy Kensit (então cantora do Eight Wonder antes de ser esposa de Liam Gallagher do Oasis), Ken deixou o cantor em uma saia-justa, ao trazer Bob Geldof, idealizador do Band Aid, projeto que Morrissey odiou e a quem criticava duramente pela imprensa, para conversar com o cantor. O encontro tenso acabou virando um agradável e leve bate-papo entre Morrissey e Geldof, e o empresário considerou isso uma vitória pessoal.

Na semana seguinte, o grupo deu uma entrevista a uma rádio da Irlanda onde o cantor reiterou que não queria transformar os Smiths em um super-grupo: "não é minha intenção fazer dos Smiths uma banda imensa e por isso sou contra a realização de vídeos de nossas canções para que não sejamos tão expostos. Gosto de ficar dentro de minha caixa", explicou Morrissey.

Ken percebeu que a encrenca em conversar com o cantor seria grande quando agendou uma reunião sobre a nova tour mundial da banda e Morrissey simplesmente não aparecia. O cantor começava a deixar claro que não o via como a pessoa ideal para cuidar do grupo e Ken, por outro lado reclamava da indecisão por parte do cantor em dar uma resposta. "Morrissey tem medo do sucesso, de ser famoso, o que para mim, um americano que trabalha no meio, é incompreensível, já que nos Estados Unidos todos entram no meio para ficarem ricos ou famosos. Mas Morrissey simplesmente se recusa a tudo", explicou o empresário.

Friedman queria mais ação dele já que uma coletêna dupla estava prevista para ser lançada na América e que seria o cartão de visitas dos Smiths para uma turnê. Com calma e jeito, conversou outra vez com Morrissey explicando que necessitavam fazer um filme promocional de alguma canção do novo disco. Surpreendente, Morrissey concordou rapidamente, e mais do que depressa Ken deslocou toda a equipe técnica para a cidade de Bath, mas o cantor simplesmente não compareceu. Revoltado voltou para Londres e encontrou Johnny Marr, que já cansado argumentou que essas faltas eram mais um capricho de Morrissey, e que mesmo ele, Marr, já estava cheio de tudo isso.

E, na verdade, Marr estava ficando ao lado do empresário, mostrando que a unidade entre a dupla de compositores estava estremecendo. "Johnny me confessou que queria uma turnê mundial, que sonhava em tocar no estádio de Wembley, em fazer vídeos e vender milhões de discos. O pesadelo de Marr é que Morrissey não queria nada disso. Johnny sonhava em fazer dinheiro para construir seu próprio estúdio de gravação e trabalhar por horas e horas, gastando montanhas de dinheiro em guitarras e em equipamentos. O que o impediu de conseguir isso é Morrissey", explicou Ken.

Marr sentia que seu parceiro queria demitir o novo empresário, apenas dois meses após contratá-lo, e ele se mostrava contrário a essa decisão.

"Ken está fazendo o que é certo e Morrissey quer o velho arranjo de antes, quando nós dois íamos para minha casa e ficávamos cuidando dos detalhes da banda e eu virava o produtor novamente. Eu não quero mais sentar atrás de uma mesa de estúdio e lidar com toda aquela pressão, mas parece que isso irá acontecer, pois ainda devemos um LP para a Rough Trade."

Enquanto a briga com a EMI corria solta, duas notícias surpreenderam Ken e Geoff. A primeira é que a banda estava pronta e devidamente entusiasmada para trabalhar em um novo disco, a sair pela Rough Trade. A segunda, menos entusiasmante, era um processo que Craig Gannon movia por não ter recebido seus honorários durante os meses em que fez parte dos Smiths.

capa de Louder than BombsComo trilha sonora para o trabalho, Marr levou consigo os discos The Beatles (também conhecido como White Album) e Let It Be, por achar que os dois estavam dentro do espírito nebuloso e caótico que se apossava dos Smiths.

Geoff ficou aliviado vendo a banda trabalhar seriamente e começou então a defender sua banda contra o empresário de Gannion, John Barratt, que ameaçava levar o caso até à suprema corte.

Aproveitando o bom momento, com a banda isolada em Bath, escondida de tudos e todos, a Rough Trade, lançou duas coletâneas, Louder Than Bombs, para o mercado norte-americano e The World Won't Listen para o mercado inglês.

capa do vinil de The World Won't Listen A coletânea inglesa era um disco simples, a preço barato e contendo sucessos, lados B e duas canções inéditas "You Just Haven't Earned Yet, Baby" (que reza a lenda ter sido escrita especialmente sobre Travis) e "Strech Out and Wait".

A compilação norte-americana, ao contrário era muito mais bem cuidada, sendo um disco duplo, com 24 faixas e a um preço bem mais salgado. Na capa, uma foto da escritora Shelagh Delaney, autora de A Taste of Honey e a grande inspiradora de Morrissey. O disco acabou sendo liberado para o mercado britânico quando o selo descobriu que milhares de cópias eram importadas a um alto preço

versão da capa para CDEm março, a banda lança outro single com as canções "Sheila Take a Bow e "Is It Really So Strange?".

A canção atingiu o número 10 nas paradas e foi feita de um modo bem rápido e prático dentro do estúdio, uma vez que os vocais de Morrissey foram gravados apenas em um take, já que o cantor adorou o resultado e resolveu não mexer em nada. No lado B do single de 12 polegadas, constava ainda outra canção, "Sweet and Tender Hooligan", que posteriormente seria lançado como um single. As duas canções haviam sido gravadas em dezembro no programa The John Peel Sessions, da BBC e contava com a produção do antigo amigo John Porter. Porter inclusive tinha sido liberado por Marr para acrescentar algumas partes de guitarra nas canções. Mas quando Porter ouviu as mesmas já lançadas e sendo creditadas à Stephen Street e diferente do que ele havia feito, ficou claro para Porter que Morrissey era o principal culpado disso. E tudo ficou mais claro quando Street foi convidado para ser um dos produtores do novo disco.

capa do compacto Sheila Take a Bow"Morrissey sempre teve ressentimento de minha amizade com Johnny e da nossa camaradagem. Quando "Sheila..." foi lançado sem meu nome estava claro que ele não queria mais contar comigo. Só que eu queria o dinheiro pelo tempo de serviço que gastei trabalhando nesse último single", explicou Porter.

Enquanto isso, uma ferrenha briga entre a EMI e a Rough Trade acontecia para saber quem lançaria o novo disco dos Smiths. Geoff Travis lutava com todas as forças para que o novo disco não saísse pela EMI, fazendo valer o acordo que havia assinado com Marr e Morrissey, um ano antes.

Friedman gostou do método de trabalho de Geoff e de sua postura: "gosto muito de Travis e acho que é injustiçado pelo grupo. Percebo que ele e Johnny simplesmente não se suportam, enquanto existe uma relação de amor e ódio entre ele e Morrissey."

capa do compacto Sweet and Tender HooliganPor outro lado, Gannon formou uma nova banda chamada de The Cradle, com um velho amigo de Morrissey, Ivor Perry, mas se mostrava disposto a brigar pelo dinheiro que o grupo lhe devia e acabou acionando judicialmente os Smiths.

Friedman foi despachado para conversar com Barratt e tentou argumentar que Gannon poderia e iria receber apenas como músico contratado. Barratt, irritado, o despachou e disse que se veriam no tribunal. Gannon ganhou a causa e um polpudo cheque de 44 mil libras esterlinas.

Enquanto o processo rolava, o grupo estava em Bath trabalhando em uma atmosfera de absoluta tranqüilidade. Mike Joyce relata que as sessões em estúdio eram calmas, divertidas e extremamente produtivas. Parecia que toda a tensão havia se dissipado, ainda que apenas por um breve período. Ou nas palavras do próprio cantor: "deixamos todos os lobos do lado de fora".

Johnny Marr demonstra toda a tensão durante as gravaçõesQuando o disco estava finalizado todos voltaram para Manchester e uma crise atacou o guitarrista. Além da exaustão do trabalho, Johnny começou a temer pelo fim dos Smiths.

O disco, apesar de ser muito bom, havia sido muito restrito na parte musical, segundo suas idéias, já que algumas experiências não foram realizadas para evitar um choque com Morrissey, mas agora Marr sentia-se arrependido por não ter defendido suas idéias. O guitarrista desejava até flertar com a dance music, mas sabia que o vocalista e os fãs mais ferrenhos da banda não o perdoariam.

O que ele queria na verdade era um longo descanso após tantos problemas. Desesperado, chegou a conversar com Morrissey sobre o fim dos Smiths e acenou com a possibilidade de deixar tudo nas mãos de advogados para segundo ele mesmo, "tirar os fardos sobre nossos ombros."

Marr gostava da banda e dos companheiros, mas não suportava mais toda aquela rotina e confusões. Para ele, um afastamento de tudo era mais do que necessário.

Quando conversou com Mike Joyce sobre o mesmo tema, o baterista ficou chocado por não entender a razão logo após a conclusão de um novo disco. "Johnny estava muito irritado especialmente com Morrissey e quando disse que queria tirar umas férias achei que era uma boa idéia. Na verdade, ele já estava deixando claro que os Smiths iriam acabar, mas ninguém percebia."

Morrissey também estava chocado com a reação de seu parceiro, até porque poderiam finalmente assinar com a EMI e fazer um contrato milionário. Marr lembra que se sentia acuado e avisou que iria viajar por uns tempos, após a banda ter gravado um programa de televisão chamado The South Bank Show. Morrissey não se fez de rogado e sugeriu que tirassem férias juntos, levando Johnny ao desespero: "você não entende que quero um pouco de paz?", gritou, antes de sair.

capa do compacto Girlfriend In a ComaEstranhamente Morrissey foi pedir conselhos a Geoff Travis (que acabaria nos anos seguintes sendo seu conselheiro financeiro), enquanto Marr conversava com Friedman sobre os problemas.

A situação acabou explodindo quando o cantor pediu a Marr, que entrasse novamente em estúdio para fazer uma canção para o lado B do single "Girlfriend In A Coma". Não era o momento certo para voltarem a se reunir, mas ainda assim Marr cedeu.

O ambiente era péssimo e o clima de adeus era evidente e piorou quando Morrissey sugeriu fazerem duas canções, sendo uma nova e uma cover de "Work Is a Four Letter Word", da cantora Cilla Black. Marr odiava essa música e começou a berrar que não havia feito uma banda para cantar músicas de Cilla Black. Ainda assim, a gravaram, como também a nova "I Keep Mine Hidden", que durante muitos anos foi considerada a canção favorita de Morrissey entre todas gravadas pelos Smiths.

No dia 19 de maio, três dias antes de Morrissey completar 28 anos a canção foi finalizada. Imediatamente, sem avisar ninguém, Marr pegou um avião para Los Angeles e sumiu do mapa. O último dia de gravação também foi a última vez em que os dois compositores se viram.


Ao chegar na América, começou a receber convites.

O primeiro partiu do produtor Steve Lillywhite, então marido da cantora Kirsty MacColl (que havia feito vocais de apoio no compacto "Ask") e que estava produzindo o derradeiro disco dos Talking Heads, Naked. Marr participaria das faixas "Ruby Dear", "(Nothing) But the Flowers", "Mommy, Daddy, You and I" e "Cool Water". Em Los Angeles também começou a procurar músicos para tentar iniciar uma nova banda ou apenas tocar.

Acabou encontrando o baterista David Palmer e o baxista James Eller. Marr trabalharia em um futuro próximo - mais especificamente no ano de 1989-, com Eller em duas bandas famosas e no qual tocou algum tempo: Pretenders e The The, onde também encontrou David Palmer.

David, aliás, foi a única pessoa para quem Johnny confessou que estava deixando os Smiths. Aproveitando sua passagem pelos Estados Unidos, participou ainda do disco do cantor Bryan Ferry (Bête Noire), além de tocar com um de seus ídolos de infância, Keith Richards.

Enquanto se divertia, os demais Smiths ficavam perdidos e tentando negar a dissolução da banda. Morrissey afirmou que não só a banda continuava como já estavam trabalhando em novas composições em um disco que ele então considerava o "marco de toda a carreira do grupo".

Segundo ele, o primeiro álbum pela nova gravadora (EMI) seria excelente e descartou uma suposta turnê, já que não estava suficientemente "faminto" por subir ao palco. A principal raiva de Morrissey era de que Marr estava na América, sofrendo influência direta de Ken Friedman. O que o cantor não sabia é que os dois não chegaram a se esbarrar por lá.

Perseguindo rumores, o semanário NME, colocou em sua capa uma manchete contando uma suposta separação do grupo. E segundo o semanário, três foram os motivos que contribuíram diretamente para o final dos Smiths:

1 - Uma conversa de Johhny a amigos íntimos avisando que ele não voltaria a trabalhar novamente com Morrissey, por considerá-lo um ditador;

2 - A mágoa de Morrissey com o guitarrista que viajou para a América para tocar com Bryan Ferry, Bobby Womack e Keith Richards;

3 - Marr teria feito uma viagem para os Estados Unidos, interrompendo as gravações de "Strangeways, Here We Come", para tocar com os Talking Heads, usando para isso dinheiro da Rough Trade, o que acabou provocando sua expulsão da banda e Morrissey decretando o final do grupo.

A gravadora negou a reportagem e quando a mesma tentou falar com o baterista Mike Joyce, sua namorada Tina pegou o telefone e disse que ele não diria coisa alguma. Entretanto, quem mais ficou irritado com a matéria foi Marr. "Eu não podia acreditar naquele monte de mentiras que haviam escrito. Pensei que aquela matéria havia sido plantada por Morrissey para me pressionar. Eu fiquei muito aborrecido e esperava que alguém do grupo me ligasse e dissesse o que diabos era aquilo tudo, mas ninguém me telefonou."

A Rough Trade resolveu então soltar um comunicado oficial para a Melody Maker e NME afirmando que Johnny Marr havia realmente deixado os Smiths, mas que a banda ainda existia e já estava procurando alguém para seu lugar.

E foi o próprio guitarrista em uma entrevista para a mesma NME, que deu sua versão. Primeiro criticou a maneira como a matéria anterior fora feita e explicou que não havia nenhuma rusga com Mike, Andy e Morrissey.

Explicou também que sua viagem à América foi paga com dinheiro de seu próprio bolso e que ela em nada atrapalhou o relacionamento com o vocalista; ademais as personalidades de ambos sempre foram radicalmente diferentes, e sua participação em álbuns de outros artistas não era propriamente uma novidade e isso jamais havia causado brigas entre eles. Marr alega que a banda tinha, de fato, alguns problemas, mas que sua decisão em deixar os Smiths foi por sentir que o grupo não acompanhava a direção musical que pretendia adotar.

Depois de ler a entrevista de seu ex-companheiro, Morrissey resolveu dizer algo: "a primeira coisa que devo deixar claro é que estou absolutamente em choque com tudo isso. Eu me considero traído por Johnny porque para mim os Smiths sempre foram um grupo em que coloquei uma grande carga emocional. Sua partida sem conversar e dessa maneira me pareceu tremendamente injusta. Nós dividimos durante cinco anos uma grande responsabilidade e acho que merecia muito mais consideração por parte dele."

No mês de agosto, ainda sem o disco estar lançado, começaram a procurar um novo guitarrista. O primeiro convidado foi Roddy Frame, líder do Aztec Camera, que rapidamente descartou o convite. Roddy não queria trabalhar com alguém tão difícil como Morrissey e, além disso, não sentia grande simpatia pela banda.

Resolveram então convidar Ivor Perry, antigo amigo de Morrissey e que ironicamente ainda estava tocando com Craig Gannon no The Cradle. Ivor foi chamado e topou participar de algumas sessões, mas sentiu muita dificuldade pelo modo de trabalho do cantor. "Morrissey tem uma maneira extremamente peculiar de pontuar as músicas. Ele me deu algumas instruções que não faziam sentido até ele colocar a voz, quando tudo casou. Ele é um arranjador interessante." Mas o que mais impressionou Perry foi a determinação do vocalista em manter os Smiths vivos. "Dava para perceber que o grupo estava completamente diferente, com um som mais agressivo e que Morrissey lutava duro tentando preservar a banda, mas percebi que não daria certo."

O desespero do cantor era tão grande que ele mesmo abandonou as sessões e fugiu. "Morrissey simplesmente ficou desesperado, e foi embora. Algum tempo depois me escreveu, agradecendo minha ajuda e que as canções eram boas, mas que não havia como continuar", lembra Perry.

Na segunda semana de setembro, o próprio cantor anuncia oficialmente o fim do grupo e quinze dias depois sai o derradeiro disco do grupo, "Strangeways, Here We Come".

O disco mostrava uma inquestionável evolução em termos musicais e de arranjos. Marr havia escrito arranjos para cordas e até metais. Já na canção de abertura, "Rush and A Push and The Land Is Ours", Marr abre tocando um piano e xilofones, enquanto Morrissey vai declamando a letra.

capa do compacto I Started Something I Couldn't FinishA segunda canção "I Started Something I Couldn't Finish" mostra um vocal feroz de Morrissey, quase rosnando.

Mas a maior surpresa seria a terceira canção "Death of a disco dancer". Primeiro por falar de uma morte absolutamente normal (para o cantor) de um amante de dance music. Mas o que mais impressionava era a parte instrumental, com um belíssimo solo de órgão feito pelo vocalista, enquanto Marr simplesmente enlouquece em sua guitarra. Sem falar do verso final que pode ser considerado o resumo do que o cantor tanto queria para os Smiths e o que acabou acontecendo: "Amor, paz e harmonia/ Muito legal isso/Mas talvez apenas em um próximo mundo. Veja a letra da canção...

Death of a disco dancer
The death of a disco dancer
well, it happens a lot 'round here
and if you think Peace
is a common goal
well, that goes to show
just how little you know
The death of a disco dancer
well, I'd rather not get involved
I never talk to my neighbour
I'd just rather not get involved
Love, peace and harmony?
Love, peace and harmony?
Oh, very nice
very nice
very nice
very nice
...but maybe in the next world


capa do compacto Stop Me If You Think You've Heard This One Before Após essa grande canção, seguem os dois primeiros singles da banda, "Girlfriend In a Coma" e "Stop Me If You Think You've Heard This One Before".

A segunda canção tem talvez um dos vídeos mais bizarros de toda a carreira de Morrissey com os Smiths ou mesmo solo, quando lidera um passeio de bicicleta com vários garotos usando seu mesmo penteado e seus óculos de grau.

trecho do vídeo Stop Me If You Think You've Heard This One BeforeO lado dois abre com uma das mais belas e soturnas canções da banda, "Last night I dreamt that somebody loved me". Logo de cara, entra Marr tocando um ritmo fúnebre, lento, angustiante ao piano, enquanto ouve-se vozes berrando como se estivessem pedindo salvação do purgatório.

A introdução é lenta, é só depois entra a voz de Morrissey e um belíssimo arranjo de cordas. Veja a letra da canção...

Last night I dreamt that somebody loved me

Last night I dreamt
That somebody loved me
No hope - but no harm
Just another false alarm

capa do compacto Last night I dreamt that somebody loved me Last night I felt
Real arms around me
No hope - no harm
Just another false alarm

So, tell me how long
Before the last one ?
And tell me how long
Before the right one ?

The story is old - I KNOW
But it goes on
The story is old - I KNOW
But it goes on

Oh, GOES ON
And on
Oh, goes on
And on

A canção que vem a seguir é a favorita de Johnny deste disco, "Unhappy Birthday". Outro grande destaque é a música "Paint a Vulgar Picture", onde Morrissey disseca a maneira fria e inescrupulosa na qual as gravadoras se aproveitam do catálogo de artistas já falecidos com a única intenção de fazer dinheiro fácil.

O disco ocupou a segunda posição nas paradas e era, de longe, o mais pesado e pessimista dos Smiths. Temas como morte, ódio, separação e traição davam todas as pistas que o grupo não teria mesmo como continuar.

Com o fim do grupo, Morrissey resolveu continuar trabalhando com o produtor Stephen Street e pegou algumas idéias que havia trabalhando já com Ivor Perry e resolveu seguir carreira-solo. O disco em questão seria o primeiro lançamento pela EMI, que frustrada pelo fim da banda, tinha, ao menos, o consolo de ter assinado com o cantor.

Chamando um amigo de longa data e também de Manchester, o guitarrista Vini Reilly, líder do Durutti Column, lançou em marco de 1988, Viva Hate, que foi direto para o primeiro lugar e teve "Suedehead" na quinta posição nas paradas de compactos, colocação que os Smiths jamais haviam alcançado.

Apesar de tanto sucesso, Vini conta que o disco teve uma gestação difícil, em parte pela forte personalidade do cantor, que intimidava a todos e pela severa e pesada mão com que Street comandava os trabalhos.

Vini explicou que tentou ser o mais honesto possível com Morrissey, que estava claramente perdido, no início, sem seu antigo companheiro e que o disco só ficou bom por causa da habilidade em compor arranjos por parte de Morrissey e por sua performance nas canções, "do contrário o disco teria sido um completo fracasso."

Em outubro do mesmo ano, sai o primeiro disco póstumo dos Smiths, "Rank", gravado ao vivo no Kilburn's National Ballroom no dia 23 de outubro de 1986.

O repertório foi compilado por Morrissey e aprovado por Marr e mostrava um dos últimos shows de 1986, contando com Gannon na segunda guitarra e a banda soando mais feroz e afiada do que nunca. O disco também alcançou a segunda posição, e foi lançado pela EMI.

Após a dissolução, Morrissey se solidificou como um artista solo, Marr participou de várias bandas como Pretenders, The The e fez um relativo barulho com o grupo Electronic, uma parceria que montou com Bernard Sumner, do New Order.

A canção "Getting Away With It", que contava com a participação dos Pet Shop Boys foi um grande sucesso alcançando o Top 10. A antiga dupla de compositores só se encontraria raríssimas vezes e em situações nada agradáveis - em tribunais quando Mike Joyce e Andy Rourke brigavam para receber dinheiro que alegavam ter direito - ou em outros problemas.

Em uma entrevista realizada em 2002, na BBC Radio 2, no programa de sua amiga, Janice Long, Morrissey confessou que todos os problemas legais e judiciais acabaram destruindo qualquer possibilidade de uma reunião do grupo, até hoje especulada.

Johnny só voltou a aparecer em 2003 quando formou um novo grupo "Johhny Marr and the Healers" e lançou o elogiado Boomslag. Em 2004 deverá sair um novo disco de Morrissey, que está há sete anos sem gravar (o último foi Maladjusted de 1997) e que promete ser um disco mais voltado às suas raízes, com um som bem mais pesado, quase punk. É esperar para ver.

Deixo vocês com a discografia do grupo e esperando que tenham gostado deste capítulo final sobre a vida de um dos marcos dos anos 80 e uma das mais importantes bandas inglesas já surgidas. Até a próxima coluna e um abraço!

Discografia

The Smiths (1984)
Hatful of Hollow (1984)
Meat is Murder (1985)
The Queen is Dead (1986)
The World Won't Listen (1987)
Louder Than Bombs (1987)
"Strangeways, Here We Come" (1987)
"Rank" (1988)
The Best of The Smiths, Vol.1 (1992)
The Best of The Smiths, Vol.2 (1992)
Singles (1995)
The Very Best of The Smiths (2001)

 

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