O último disco de estúdio
da banda é considerado por muitos fãs e críticos
como o mais belo trabalho dos Smiths e que mostra o desgaste do
grupo, em especial do guitarrista Johnny Marr, que considerou
mais um trabalho frustrante, já que estava mais maduro
como músico e produtor e, ainda assim, não conseguiu
expandir o leque musical por culpa de Morrissey. Além disso,
a pressão sobre a banda, a falta de comunicação
com o vocalista que relutava em transformar o grupo em um grande
sucesso e graves problemas financeiros e jurídicos acabaram
fazendo o guitarrista jogar tudo para cima e dar adeus ao grupo
que montou e que tanto amava. O drama e a tensão do último
ano da banda você lê aqui. O disco, você ouve
em seu aparelho.
O
ano de 1987 começou com um novo empresário, o norte-americano
Ken Friedman, que havia conhecido o grupo na turnê pela
América de 1985. Friedman tinha se tornado um grande admirador
dos Smiths e coube a Marr acertar os detalhes com Ken. A primeira
providência foi transferir sua base de trabalho de San Francisco
para Londres. A segunda, e mais penosa, convencer Morrissey a
fazer um acordo escrito de trabalho, que o cantor relutou, mas
acabou aceitando. Enquanto Friedman começava novos contatos
para uma turnê pelos Estados Unidos, ainda em janeiro o
grupo lança mais um single "Shoplifters of World Unite",
tendo em seu lado B a não menos bela "Half a Person".
A capa era um destaque à parte, com uma bela foto de Elvis
Presley. Alcançou o número 12 nas paradas. No single
de 12 polegadas, haveria outra bela composição,
"London". Vale ainda ressaltar que as duas canções
de lados B contaram com a participação de Craig
Gannon.
No
dia 7 de fevereiro, o grupo parte em uma pequena viagem para a
Itália, onde já haviam feito uma pequena confusão
anos antes. Eles iriam se apresentar no Festival de San Remo,
em um palco giratório ao lado de outras bandas britânicas,
como Style Council, Spandau Ballet, Paul Young e Pet Shop Boys.
E novamente Morrissey causou
grande confusão ao se recusar a tocar em um palco giratório.
Foi então que Ken mostrou que o cantor não poderia
mais colocar programas e telespectadores como reféns, e
acabou convencendo a banda a subir e tocar um set de cinco músicas:
"Shoplifters of World Unite", "There Is A Light
That Never Goes Out", "The Boy With The Thorn In His
Side", "Panic" e "Ask". A apresentação
acabaria sendo a última apresentação ao vivo
dos Smiths, ainda que sequer imaginassem isso.
Friedman sugeriu ao grupo
que adotasse uma postura mais relaxada e que confraternizassem
mais com os outros músicos, ainda em San Remo. O objetivo
era fazer Morrissey sair de sua concha, uma vez que Marr já
era uma pessoa simpática e receptiva. Após conversar
com Patsy Kensit (então cantora do Eight Wonder antes de
ser esposa de Liam Gallagher do Oasis), Ken deixou o cantor em
uma saia-justa, ao trazer Bob Geldof, idealizador do Band Aid,
projeto que Morrissey odiou e a quem criticava duramente pela
imprensa, para conversar com o cantor. O encontro tenso acabou
virando um agradável e leve bate-papo entre Morrissey e
Geldof, e o empresário considerou isso uma vitória
pessoal.
Na semana seguinte, o grupo
deu uma entrevista a uma rádio da Irlanda onde o cantor
reiterou que não queria transformar os Smiths em um super-grupo:
"não é minha intenção fazer dos
Smiths uma banda imensa e por isso sou contra a realização
de vídeos de nossas canções para que não
sejamos tão expostos. Gosto de ficar dentro de minha caixa",
explicou Morrissey.
Ken percebeu que a encrenca
em conversar com o cantor seria grande quando agendou uma reunião
sobre a nova tour mundial da banda e Morrissey simplesmente não
aparecia. O cantor começava a deixar claro que não
o via como a pessoa ideal para cuidar do grupo e Ken, por outro
lado reclamava da indecisão por parte do cantor em dar
uma resposta. "Morrissey tem medo do sucesso, de ser famoso,
o que para mim, um americano que trabalha no meio, é incompreensível,
já que nos Estados Unidos todos entram no meio para ficarem
ricos ou famosos. Mas Morrissey simplesmente se recusa a tudo",
explicou o empresário.
Friedman queria mais ação
dele já que uma coletêna dupla estava prevista para
ser lançada na América e que seria o cartão
de visitas dos Smiths para uma turnê. Com calma e jeito,
conversou outra vez com Morrissey explicando que necessitavam
fazer um filme promocional de alguma canção do novo
disco. Surpreendente, Morrissey concordou rapidamente, e mais
do que depressa Ken deslocou toda a equipe técnica para
a cidade de Bath, mas o cantor simplesmente não compareceu.
Revoltado voltou para Londres e encontrou Johnny Marr, que já
cansado argumentou que essas faltas eram mais um capricho de Morrissey,
e que mesmo ele, Marr, já estava cheio de tudo isso.
E, na verdade, Marr estava
ficando ao lado do empresário, mostrando que a unidade
entre a dupla de compositores estava estremecendo. "Johnny
me confessou que queria uma turnê mundial, que sonhava em
tocar no estádio de Wembley, em fazer vídeos e vender
milhões de discos. O pesadelo de Marr é que Morrissey
não queria nada disso. Johnny sonhava em fazer dinheiro
para construir seu próprio estúdio de gravação
e trabalhar por horas e horas, gastando montanhas de dinheiro
em guitarras e em equipamentos. O que o impediu de conseguir isso
é Morrissey", explicou Ken.
Marr
sentia que seu parceiro queria demitir o novo empresário,
apenas dois meses após contratá-lo, e ele se mostrava
contrário a essa decisão.
"Ken está fazendo
o que é certo e Morrissey quer o velho arranjo de antes,
quando nós dois íamos para minha casa e ficávamos
cuidando dos detalhes da banda e eu virava o produtor novamente.
Eu não quero mais sentar atrás de uma mesa de estúdio
e lidar com toda aquela pressão, mas parece que isso irá
acontecer, pois ainda devemos um LP para a Rough Trade."
Enquanto a briga com a
EMI corria solta, duas notícias surpreenderam Ken e Geoff.
A primeira é que a banda estava pronta e devidamente entusiasmada
para trabalhar em um novo disco, a sair pela Rough Trade. A segunda,
menos entusiasmante, era um processo que Craig Gannon movia por
não ter recebido seus honorários durante os meses
em que fez parte dos Smiths.
Como
trilha sonora para o trabalho, Marr levou consigo os discos The
Beatles (também conhecido como White Album)
e Let It Be, por achar que os dois estavam dentro
do espírito nebuloso e caótico que se apossava dos
Smiths.
Geoff ficou aliviado vendo
a banda trabalhar seriamente e começou então a defender
sua banda contra o empresário de Gannion, John Barratt,
que ameaçava levar o caso até à suprema corte.
Aproveitando o bom momento,
com a banda isolada em Bath, escondida de tudos e todos, a Rough
Trade, lançou duas coletâneas, Louder Than
Bombs, para o mercado norte-americano e The World
Won't Listen para o mercado inglês.
A
coletânea inglesa era um disco simples, a preço barato
e contendo sucessos, lados B e duas canções inéditas
"You Just Haven't Earned Yet, Baby" (que reza a lenda
ter sido escrita especialmente sobre Travis) e "Strech Out
and Wait".
A compilação
norte-americana, ao contrário era muito mais bem cuidada,
sendo um disco duplo, com 24 faixas e a um preço bem mais
salgado. Na capa, uma foto da escritora Shelagh Delaney, autora
de A Taste of Honey e a grande inspiradora de
Morrissey. O disco acabou sendo liberado para o mercado britânico
quando o selo descobriu que milhares de cópias eram importadas
a um alto preço
Em
março, a banda lança outro single com as canções
"Sheila Take a Bow e "Is It Really So Strange?".
A canção
atingiu o número 10 nas paradas e foi feita de um modo
bem rápido e prático dentro do estúdio, uma
vez que os vocais de Morrissey foram gravados apenas em um take,
já que o cantor adorou o resultado e resolveu não
mexer em nada. No lado B do single de 12 polegadas, constava ainda
outra canção, "Sweet and Tender Hooligan",
que posteriormente seria lançado como um single. As duas
canções haviam sido gravadas em dezembro no programa
The John Peel Sessions, da BBC e contava com a produção
do antigo amigo John Porter. Porter inclusive tinha sido liberado
por Marr para acrescentar algumas partes de guitarra nas canções.
Mas quando Porter ouviu as mesmas
já lançadas e sendo creditadas à Stephen
Street e diferente do que ele havia feito, ficou claro para Porter
que Morrissey era o principal culpado disso. E tudo ficou mais
claro quando Street foi convidado para ser um dos produtores do
novo disco.
"Morrissey
sempre teve ressentimento de minha amizade com Johnny e da nossa
camaradagem. Quando "Sheila..." foi lançado sem
meu nome estava claro que ele não queria mais contar comigo.
Só que eu queria o dinheiro pelo tempo de serviço
que gastei trabalhando nesse último single", explicou
Porter.
Enquanto isso, uma ferrenha
briga entre a EMI e a Rough Trade acontecia para saber quem lançaria
o novo disco dos Smiths. Geoff Travis lutava com todas as forças
para que o novo disco não saísse pela EMI, fazendo
valer o acordo que havia assinado com Marr e Morrissey, um ano
antes.
Friedman gostou do método
de trabalho de Geoff e de sua postura: "gosto muito de Travis
e acho que é injustiçado pelo grupo. Percebo que
ele e Johnny simplesmente não se suportam, enquanto existe
uma relação de amor e ódio entre ele e Morrissey."
Por
outro lado, Gannon formou uma nova banda chamada de The Cradle,
com um velho amigo de Morrissey, Ivor Perry, mas se mostrava disposto
a brigar pelo dinheiro que o grupo lhe devia e acabou acionando
judicialmente os Smiths.
Friedman foi despachado
para conversar com Barratt e tentou argumentar que Gannon poderia
e iria receber apenas como músico contratado. Barratt,
irritado, o despachou e disse que se veriam no tribunal. Gannon
ganhou a causa e um polpudo cheque de 44 mil libras esterlinas.
Enquanto o processo rolava,
o grupo estava em Bath trabalhando em uma atmosfera de absoluta
tranqüilidade. Mike Joyce relata que as sessões em
estúdio eram calmas, divertidas e extremamente produtivas.
Parecia que toda a tensão havia se dissipado, ainda que
apenas por um breve período. Ou nas palavras do próprio
cantor: "deixamos todos os lobos do lado de fora".
Quando
o disco estava finalizado todos voltaram para Manchester e uma
crise atacou o guitarrista. Além da exaustão do
trabalho, Johnny começou a temer pelo fim dos Smiths.
O disco, apesar de ser
muito bom, havia sido muito restrito na parte musical, segundo
suas idéias, já que algumas experiências não
foram realizadas para evitar um choque com Morrissey, mas agora
Marr sentia-se arrependido por não ter defendido suas idéias.
O guitarrista desejava até flertar com a dance music,
mas sabia que o vocalista e os fãs mais ferrenhos da banda
não o perdoariam.
O que ele queria na verdade
era um longo descanso após tantos problemas. Desesperado,
chegou a conversar com Morrissey sobre o fim dos Smiths e acenou
com a possibilidade de deixar tudo nas mãos de advogados
para segundo ele mesmo, "tirar os fardos sobre nossos ombros."
Marr gostava da banda e
dos companheiros, mas não suportava mais toda aquela rotina
e confusões. Para ele, um afastamento de tudo era mais
do que necessário.
Quando conversou com Mike
Joyce sobre o mesmo tema, o baterista ficou chocado por não
entender a razão logo após a conclusão de
um novo disco. "Johnny estava muito irritado especialmente
com Morrissey e quando disse que queria tirar umas férias
achei que era uma boa idéia. Na verdade, ele já
estava deixando claro que os Smiths iriam acabar, mas ninguém
percebia."
Morrissey também
estava chocado com a reação de seu parceiro, até
porque poderiam finalmente assinar com a EMI e fazer um contrato
milionário. Marr lembra que se sentia acuado e avisou que
iria viajar por uns tempos, após a banda ter gravado um
programa de televisão chamado The South Bank Show.
Morrissey não se fez de rogado e sugeriu que tirassem férias
juntos, levando Johnny ao desespero: "você não
entende que quero um pouco de paz?", gritou, antes de sair.
Estranhamente
Morrissey foi pedir conselhos a Geoff Travis (que acabaria nos
anos seguintes sendo seu conselheiro financeiro), enquanto Marr
conversava com Friedman sobre os problemas.
A situação
acabou explodindo quando o cantor pediu a Marr, que entrasse novamente
em estúdio para fazer uma canção para o lado
B do single "Girlfriend In A Coma". Não era o
momento certo para voltarem a se reunir, mas ainda assim Marr
cedeu.
O ambiente era péssimo
e o clima de adeus era evidente e piorou quando Morrissey sugeriu
fazerem duas canções, sendo uma nova e uma cover
de "Work Is a Four Letter Word", da cantora Cilla Black.
Marr odiava essa música e começou a berrar que não
havia feito uma banda para cantar músicas de Cilla Black.
Ainda assim, a gravaram, como também a nova "I Keep
Mine Hidden", que durante muitos anos foi considerada a canção
favorita de Morrissey entre todas gravadas pelos Smiths.
No dia 19 de maio, três
dias antes de Morrissey completar 28 anos a canção
foi finalizada. Imediatamente, sem avisar ninguém, Marr
pegou um avião para Los Angeles e sumiu do mapa. O último
dia de gravação também foi a última
vez em que os dois compositores se viram.
Ao
chegar na América, começou a receber convites.
O primeiro partiu do produtor
Steve Lillywhite, então marido da cantora Kirsty MacColl
(que havia feito vocais de apoio no compacto "Ask")
e que estava produzindo o derradeiro disco dos Talking Heads,
Naked. Marr participaria das faixas "Ruby
Dear", "(Nothing) But the Flowers", "Mommy,
Daddy, You and I" e "Cool Water". Em Los Angeles
também começou a procurar músicos para tentar
iniciar uma nova banda ou apenas tocar.
Acabou encontrando o baterista
David Palmer e o baxista James Eller. Marr trabalharia em um futuro
próximo - mais especificamente no ano de 1989-, com Eller
em duas bandas famosas e no qual tocou algum tempo: Pretenders
e The The, onde também encontrou David Palmer.
David, aliás, foi
a única pessoa para quem Johnny confessou que estava deixando
os Smiths. Aproveitando sua passagem pelos Estados Unidos, participou
ainda do disco do cantor Bryan Ferry (Bête Noire),
além de tocar com um de seus ídolos de infância,
Keith Richards.
Enquanto se divertia, os
demais Smiths ficavam perdidos e tentando negar a dissolução
da banda. Morrissey afirmou que não só a banda continuava
como já estavam trabalhando em novas composições
em um disco que ele então considerava o "marco de
toda a carreira do grupo".
Segundo ele, o primeiro
álbum pela nova gravadora (EMI) seria excelente e descartou
uma suposta turnê, já que não estava suficientemente
"faminto" por subir ao palco. A principal raiva de Morrissey
era de que Marr estava na América, sofrendo influência
direta de Ken Friedman. O que o cantor não sabia é
que os dois não chegaram a se esbarrar por lá.
Perseguindo rumores, o
semanário NME, colocou em sua capa uma manchete
contando uma suposta separação do grupo. E segundo
o semanário, três foram os motivos que contribuíram
diretamente para o final dos Smiths:
1 - Uma conversa de
Johhny a amigos íntimos avisando que ele não voltaria
a trabalhar novamente com Morrissey, por considerá-lo um
ditador;
2 - A mágoa
de Morrissey com o guitarrista que viajou para a América
para tocar com Bryan Ferry, Bobby Womack e Keith Richards;
3 - Marr teria feito
uma viagem para os Estados Unidos, interrompendo as gravações
de "Strangeways, Here We Come", para
tocar com os Talking Heads, usando para isso dinheiro da Rough
Trade, o que acabou provocando sua expulsão da banda e
Morrissey decretando o final do grupo.
A gravadora negou a reportagem
e quando a mesma tentou falar com o baterista Mike Joyce, sua
namorada Tina pegou o telefone e disse que ele não diria
coisa alguma. Entretanto, quem mais ficou irritado com a matéria
foi Marr. "Eu não podia acreditar naquele monte de
mentiras que haviam escrito. Pensei que aquela matéria
havia sido plantada por Morrissey para me pressionar. Eu fiquei
muito aborrecido e esperava que alguém do grupo me ligasse
e dissesse o que diabos era aquilo tudo, mas ninguém me
telefonou."
A
Rough Trade resolveu então soltar um comunicado oficial
para a Melody Maker e NME afirmando que Johnny
Marr havia realmente deixado os Smiths, mas que a banda ainda
existia e já estava procurando alguém para seu lugar.
E foi o próprio
guitarrista em uma entrevista para a mesma NME, que deu
sua versão. Primeiro criticou a maneira como a matéria
anterior fora feita e explicou que não havia nenhuma rusga
com Mike, Andy e Morrissey.
Explicou também
que sua viagem à América foi paga com dinheiro de
seu próprio bolso e que ela em nada atrapalhou o relacionamento
com o vocalista; ademais as personalidades de ambos sempre foram
radicalmente diferentes, e sua participação em álbuns
de outros artistas não era propriamente uma novidade e
isso jamais havia causado brigas entre eles. Marr alega que a
banda tinha, de fato, alguns problemas, mas que sua decisão
em deixar os Smiths foi por sentir que o grupo não acompanhava
a direção musical que pretendia adotar.
Depois de ler a entrevista
de seu ex-companheiro, Morrissey resolveu dizer algo: "a
primeira coisa que devo deixar claro é que estou absolutamente
em choque com tudo isso. Eu me considero traído por Johnny
porque para mim os Smiths sempre foram um grupo em que coloquei
uma grande carga emocional. Sua partida sem conversar e dessa
maneira me pareceu tremendamente injusta. Nós dividimos
durante cinco anos uma grande responsabilidade e acho que merecia
muito mais consideração por parte dele."
No mês de agosto,
ainda sem o disco estar lançado, começaram a procurar
um novo guitarrista. O primeiro convidado foi Roddy Frame, líder
do Aztec Camera, que rapidamente descartou o convite. Roddy não
queria trabalhar com alguém tão difícil como
Morrissey e, além disso, não sentia grande simpatia
pela banda.
Resolveram então
convidar Ivor Perry, antigo amigo de Morrissey e que ironicamente
ainda estava tocando com Craig Gannon no The Cradle. Ivor foi
chamado e topou participar de algumas sessões, mas sentiu
muita dificuldade pelo modo de trabalho do cantor. "Morrissey
tem uma maneira extremamente peculiar de pontuar as músicas.
Ele me deu algumas instruções que não faziam
sentido até ele colocar a voz, quando tudo casou. Ele é
um arranjador interessante." Mas o que mais impressionou
Perry foi a determinação do vocalista em manter
os Smiths vivos. "Dava para perceber que o grupo estava completamente
diferente, com um som mais agressivo e que Morrissey lutava duro
tentando preservar a banda, mas percebi que não daria certo."
O desespero do cantor
era tão grande que ele mesmo abandonou as sessões
e fugiu. "Morrissey simplesmente ficou desesperado, e foi
embora. Algum tempo depois me escreveu, agradecendo minha ajuda
e que as canções eram boas, mas que não havia
como continuar", lembra Perry.
Na
segunda semana de setembro, o próprio cantor anuncia oficialmente
o fim do grupo e quinze dias depois sai o derradeiro disco do
grupo, "Strangeways, Here We Come".
O disco mostrava uma inquestionável
evolução em termos musicais e de arranjos. Marr
havia escrito arranjos para cordas e até metais. Já
na canção de abertura, "Rush and A Push and
The Land Is Ours", Marr abre tocando um piano e xilofones,
enquanto Morrissey vai declamando a letra.
A
segunda canção "I Started Something I Couldn't
Finish" mostra um vocal feroz de Morrissey, quase rosnando.
Mas a maior surpresa seria
a terceira canção "Death of a disco dancer".
Primeiro por falar de uma morte absolutamente normal (para o cantor)
de um amante de dance music. Mas o que mais impressionava era
a parte instrumental, com um belíssimo solo de órgão
feito pelo vocalista, enquanto Marr simplesmente enlouquece em
sua guitarra. Sem falar do verso final que pode ser considerado
o resumo do que o cantor tanto queria para os Smiths e o que acabou
acontecendo: "Amor, paz e harmonia/ Muito legal isso/Mas
talvez apenas em um próximo mundo. Veja a letra da canção...
Death of a disco
dancer
The death of a disco dancer
well, it happens a lot 'round here
and if you think Peace
is a common goal
well, that goes to show
just how little you know
The death of a disco dancer
well, I'd rather not get involved
I never talk to my neighbour
I'd just rather not get involved
Love, peace and harmony?
Love, peace and harmony?
Oh, very nice
very nice
very nice
very nice
...but maybe in the next world
Após essa grande canção, seguem os dois primeiros
singles da banda, "Girlfriend In a Coma" e "Stop
Me If You Think You've Heard This One Before".
A segunda canção
tem talvez um dos vídeos mais bizarros de toda a carreira
de Morrissey com os Smiths ou mesmo solo, quando lidera um passeio
de bicicleta com vários garotos usando seu mesmo penteado
e seus óculos de grau.
O
lado dois abre com uma das mais belas e soturnas canções
da banda, "Last night I dreamt that somebody loved me".
Logo de cara, entra Marr tocando um ritmo fúnebre, lento,
angustiante ao piano, enquanto ouve-se vozes berrando como se
estivessem pedindo salvação do purgatório.
A introdução
é lenta, é só depois entra a voz de Morrissey
e um belíssimo arranjo de cordas. Veja a letra da canção...
Last night I dreamt
that somebody loved me
Last night I dreamt
That somebody loved me
No hope - but no harm
Just another false alarm
Last
night I felt
Real arms around me
No hope - no harm
Just another false alarm
So, tell me how
long
Before the last one ?
And tell me how long
Before the right one ?
The story is old
- I KNOW
But it goes on
The story is old - I KNOW
But it goes on
Oh, GOES ON
And on
Oh, goes on
And on
A canção
que vem a seguir é a favorita de Johnny deste disco, "Unhappy
Birthday". Outro grande destaque é a música
"Paint a Vulgar Picture", onde Morrissey disseca a maneira
fria e inescrupulosa na qual as gravadoras se aproveitam do catálogo
de artistas já falecidos com a única intenção
de fazer dinheiro fácil.
O disco ocupou a segunda
posição nas paradas e era, de longe, o mais pesado
e pessimista dos Smiths. Temas como morte, ódio, separação
e traição davam todas as pistas que o grupo não
teria mesmo como continuar.
Com o fim do grupo, Morrissey
resolveu continuar trabalhando com o produtor Stephen Street e
pegou algumas idéias que havia trabalhando já com
Ivor Perry e resolveu seguir carreira-solo. O disco em questão
seria o primeiro lançamento pela EMI, que frustrada pelo
fim da banda, tinha, ao menos, o consolo de ter assinado com o
cantor.
Chamando um amigo de longa
data e também de Manchester, o guitarrista Vini Reilly,
líder do Durutti Column, lançou em marco de 1988,
Viva Hate, que foi direto para o primeiro lugar
e teve "Suedehead" na quinta posição nas
paradas de compactos, colocação que os Smiths jamais
haviam alcançado.
Apesar de tanto sucesso,
Vini conta que o disco teve uma gestação difícil,
em parte pela forte personalidade do cantor, que intimidava a
todos e pela severa e pesada mão com que Street comandava
os trabalhos.
Vini explicou que tentou
ser o mais honesto possível com Morrissey, que estava claramente
perdido, no início, sem seu antigo companheiro e que o
disco só ficou bom por causa da habilidade em compor arranjos
por parte de Morrissey e por sua performance nas canções,
"do contrário o disco teria sido um completo fracasso."
Em
outubro do mesmo ano, sai o primeiro disco póstumo dos
Smiths, "Rank", gravado ao vivo no
Kilburn's National Ballroom no dia 23 de outubro de 1986.
O repertório foi
compilado por Morrissey e aprovado por Marr e mostrava um dos
últimos shows de 1986, contando com Gannon na segunda guitarra
e a banda soando mais feroz e afiada do que nunca. O disco também
alcançou a segunda posição, e foi lançado
pela EMI.
Após a dissolução,
Morrissey se solidificou como um artista solo, Marr participou
de várias bandas como Pretenders, The The e fez um relativo
barulho com o grupo Electronic, uma parceria que montou com Bernard
Sumner, do New Order.
A canção
"Getting Away With It", que contava com a participação
dos Pet Shop Boys foi um grande sucesso alcançando o Top
10. A antiga dupla de compositores só se encontraria raríssimas
vezes e em situações nada agradáveis - em
tribunais quando Mike Joyce e Andy Rourke brigavam para receber
dinheiro que alegavam ter direito - ou em outros problemas.
Em uma entrevista realizada
em 2002, na BBC Radio 2, no programa de sua amiga, Janice Long,
Morrissey confessou que todos os problemas legais e judiciais
acabaram destruindo qualquer possibilidade de uma reunião
do grupo, até hoje especulada.
Johnny só voltou
a aparecer em 2003 quando formou um novo grupo "Johhny Marr
and the Healers" e lançou o elogiado Boomslag.
Em 2004 deverá sair um novo disco de Morrissey, que está
há sete anos sem gravar (o último foi Maladjusted
de 1997) e que promete ser um disco mais voltado às suas
raízes, com um som bem mais pesado, quase punk. É
esperar para ver.
Deixo vocês com a
discografia do grupo e esperando que tenham gostado deste capítulo
final sobre a vida de um dos marcos dos anos 80 e uma das mais
importantes bandas inglesas já surgidas. Até a próxima
coluna e um abraço!
Discografia
The Smiths (1984)
Hatful of Hollow (1984)
Meat is Murder (1985)
The Queen is Dead (1986)
The World Won't Listen (1987)
Louder Than Bombs (1987)
"Strangeways, Here We Come" (1987)
"Rank" (1988)
The Best of The Smiths, Vol.1 (1992)
The Best of The Smiths, Vol.2 (1992)
Singles (1995)
The Very Best of The Smiths (2001)
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