Se você
quiser listar as bandas independentes mais importantes da história
não deixe de incluir esse grupo nova-iorquino, talvez o
filho mais próximo do Velvet Underground. O Sonic Youth
é um dos grupos que melhor representou o caos moderno,
com suas letras cheias de palavrões, paranóia, medo,
confusão e sexo. Tudo preenchido com camadas de guitarras
distorcidas, altas, vocais preguiçosos e com a presença
hipnótica baixista Kim Gordon.
O
Sonic Youth teve início em 1981 quando os guitarristas
Thurston Moore e Lee Ranaldo ficaram amigos enquanto tocavam com
o experimentalista Glenn Branca, entre outros artistas. Thurston
era o típico menino tímido e até meio caipira.
Nascido em Coral Gables,
na Flórida, mas criado em Bethel, Connecticut, Moore resolveu
morar em Nova York no final da década de 70 e tentar a
vida como músico.
Ele conta que uma experiência
decisiva para escolher essa vida foi um show do Suicide que assistiu
com amigos quando ainda morava em Connecticut e vieram de carro
para passarem uma noite na Big Apple. Ele e seus amigos
ficaram assustadíssimos e apaixonados com a apresentação
do duo. Segundo ele, enquanto Martin Rev espancava seu teclado
e tirava sons horripilantes, Alan andava feito um maníaco
pela platéia, tomando os drinques dos presentes e chegando
ao cúmulo de passar o fio de seu microfone no pescoço
de um infeliz e a enforcá-lo enquanto urrava em seus ouvidos
e olhando de forma maníaca para os demais, que saíaram
correndo da sala. "Depois daquilo, eu sabia que precisava
ser músico. Voltamos para casa sem darmos um pio, assustadíssimos."
Assim, ele resolveu montar
uma banda, com ênfase nas guitarras e influenciada pelo
Velvet Underground, Stooges, Patti Smith e MC5. A idéia
do grupo era extrair timbres estranhos de seus instrumentos. Thurston
também era amigo da baixista Kim Gordon, que vivia entre
o músico artístico e musical.
O duo começou então
a ensaiar usando nomes como Male Bonding, Red Milk e Arcadians,
nome com o qual fizeram o primeiro show, em junho de 1981, num
festival organizado pelo próprio Thurston Moore. O "Noise
Fest Festival" durou 10 dias e teve como sede a galeria White
Columns e nessas apresentações o trio era complementado
pelo baterista Richard Edson e pela tecladista Ann DeMarinis.
Após a primeira apresentação, Thurston convidou
Lee Ranaldo para deixar de vez o Glenn Branca e entrar em sua
banda. Ann DeMarinis não voltou para a segunda apresentação
e sugeriu um novo nome: Sonic Youth, em homenagem ao ex-guitarrista
do MC5 e então marido de Patti Smith, Fred "Sonic"
Smith e ao grupo de reggae Big Youth. Ranaldo disse que assim
que o nome foi sugerido toda uma concepção nasceu.
O
primeiro contrato do Sonic Youth foi com a gravadora Neutral que
lançou um EP de cinco músicas batizado apenas como
Sonic Youth e que foi gravado no Radio City Music
Hall, em Nova York e lançado pelo selo de Glenn Branca,
em 1982.
O disco trazia cinco composições
e passou totalmente batido, ainda que tenha sido distribuída
à mídia. Era um disco totalmente distante do som
clássico do Sonic Youth, com afinações tradicionais
na guitarra e um som mais conservador. As canções
eram:
1. "The Burning Spear"
(lyrics/vocals Thurston) – 3:28
2. "I Dreamed I Dream" (lyrics Richard, vocals Kim and
Lee) – 5:12
3. "She Is Not Alone" (lyrics/vocals Thurston) –
4:06
4. "I Don't Want to Push It" (lyrics Kim, vocals Thurston)
– 3:35
5. "The Good and the Bad" – 7:55
Após
o lançamento, o baterista Richard Edson, entrando Bob Bert,
com quem Moore brigou muito durante a primeira excursão
do grupo, abrindo para o Swans. Ele acabou saindo e Jim Sclavunos
(que no futuro seria baterista do Nick Cave and the Bad Seeds)
acabou sendo chamado. Com ele, gravaram o primeiro LP,
Confusion Is Sex, em 1983.
A banda partiu para uma
excursão de duas semanas na Europa, mas Sclavunos logo
deixou o grupo. Sem saída, convidaram novamente Bert para
ser o baterista. Ele aceitou, mas impôs a condição
de que não poderia ser demitido durante a excursão.
Em 1984, Thurston e Kim
casaram e o grupo tinha uma agenda lotada. Ainda nesse ano, lançaram
outro disco, Bad Moon Rising, que chamou atenção
pelas idéias poucos ortodoxas.
O
disco foi construído em cima das guitarras de Moore e Ranaldo.
Enquanto um tocava furiosamente, o outro ficava afinando a sua
para entrar em seguida, sem intervalos, intercalando-se assim
até o fim. Um disco conceitual que falava de morte e insanidade
e que fecha com a clássica "Death Valley '69",
com a participação de Lydia Lunch nos vocais e inspirada
nos crimes cometidos pela "Família Manson", liderada
por Charles Manson.
O disco foi o primeiro
lançamento pelo selo Homestead Records, após deixarem
a Neutral por questões sobre o não pagamento de
royalties devidos. O disco foi distribuído pela
Blast First no Reino Unido e vendeu incríveis cinco mil
cópias em seis meses, enquanto era completamente ignorado
na América.
O
disco marca a saída de Bert, entrando em seu lugar o baterista
Steve Shelley, ex-Crucifucks. Shelley era um baterista muito superior
ao anterior e talvez um dos mais subestimados até hoje.
Steve era um baterista tão vigoroso que foi contratado
após o Sonic assistir uma apresentação sua
e sem fazer teste algum com o repertório de seu novo grupo.
Em 1986, o grupo realizou
um antigo sonho, ao assinar com a gravadora independente mais
famosa da América, a SST, lar do Hüsker Dü, entre
outros. "Era um sonho que se realizava", confessava
Lee Ranaldo.
O primeiro lançamento,
em 1986, pela nova casa foi um grande clássico: EVOL
(anagrama para Love, Amor).
Novamente
produzido por Martin Bisi, o disco é um grande avanço
na concepção sonora do grupo, com três composições
clássicas de imenso catálogo: "Tom Violence",
"Marylin Moore" e a cáustica "Expressway
to Yr. Skull" (também conhecida por "The Crucifixion
of Sean Penn" ou "Madonna, Sean and Me"), uma corrosiva
crítica ao casal mais pop daqueles tempos, a cantora Madonna
e o ator Sean Penn.
O disco rendeu críticas
exuberantes: Robert Palmer, do New York Times, escreveu
que apenas Jimi Hendrix havia sido tão original com sua
guitarra do que o Sonic Youth.
Em
1987, o grupo estava no auge e lançou outro clássico
e que acabou sendo o primeiro LP lançado deles no Brasil:
Sister. O disco trazia duas das mais importantes
composições da banda: "(I Got a) Catholic Block"
e "Schizophrenia". Inspirado em escritos do autor de
ficção científica Philip K. Dick ("sister"
homenageava a irmã do escritor que morreu após o
aniversário dela, fato que o marcou até seu fim),
Sister teve ótima recepção
e vendas de 60mil cópias, número excelente para
uma banda independente.
Um disco que mexia com
as paranóias da vida moderna, como a letra de "(I
Got a) Catholic Block" mostra:
I got a catholic
block
Inside my head
I let it go to work
Bring it all back home
It serves you right
And I can motor down
You got to earn yr freedom
Get it on my own
I just live 4ever
There just is no end
I just trust the oppression
Like I trust yr friends
I got a catholic
block
Inside my head
I let it play around
Iron to gold
Come back to me
awhile
I got a catholic
block it's around my head
I got a catholic block and it's blood orange red
I got a catholic block do you like to fuck?
I got a catholic block guess I'm out of luck
Porém, o grupo acabou
deixando a SST por questões financeiras e administrativas,
assinando com a Enigma Records, outro importante selo alternativo
dos anos 80. Seus discos seriam distribuídos pela Capitol
Records, de propriedada de EMI.
Foi
nessa nova casa que nasceu o grande clássico do grupo e
um dos mais importantes e vitais discos dos anos 80: o álbum
duplo Daydream Nation.
O disco traz toda a perfeição
do grupo, com as camadas sonoras de guitarras, combinando experimentalismo
com melodias e harmonias inesquecíveis. letras recheadas
com ficção científica, solidão, sexo
e medos.
"Hey Joni" era
um tributo que homenageava Jimi Hendrix e a cantora canadense
Joni Mitchell e quase foi chamado de Tonight's the Day,
em homenagem ao disco Tonight's the Night, de
Neil Young, uma das influências do grupo.
O disco recebeu elogios
de todos os cantos do planeta e o Sonic Youth atravessava seu
momento mais glorioso.
Ao mesmo tempo em que faziam
sucesso o grupo tinha um projeto paralelo ao lado de Mike Watt,
baixista do Minutemen, que começou como uma grande paródia
e parou nos tribunais: o Ciccone Youth.
O
Ciccone vem do sobrenome da cantora Maddona. Em 1986, o grupo
lançou um single com as canções "Into
the Groove(y)", (paródia do sucesso Into "The
Groove", da material girl) e "Tuff Titty Rap".
E em 1988 o grupo lançou um disco chamado The Whitey
Album com uma foto da cantora na capa.
O disco era para ser um
tributo ao White Album dos Beatles, mas a cantora
não gostou da brincadeira e acionou a banda judicialmente.
Além de brincarem
com Madonna, o disco flerta com outras influências da banda
como o compositor John Cage e alguns representantes do rock alemão,
casos do Cane Neu!
As faixas do disco eram:
1. "Needle-Gun"
– 2:27
2. Untitled (silence) – 1:03
3. "G-Force" – 3:39
4. "Platoon II" – 4:18
5. "MacBeth" – 5:27
6. "Me & Jill/Hendrix Cosby" – 5:30
7. "Burnin' Up" (Mike Watt orig. demo) (Madonna) –
3:52
8. "Hi! Everybody" – 0:57
9. "Children of Satan/Third Fig" – 3:06
10. "Two Cool Rock Chicks Listening to Neu!" –
2:56
11. "Addicted to Love" (Robert Palmer) – 3:45
12. "Moby-Dik" – 1:01
13. "March of the Ciccone Robots" – 1:57
14. "Making the Nature Scene" – 3:14
15. "Tuff Titty Rap" – 0:39
16. "Into the Groovey" (Madonna, Bray) – 4:36
17. "MacBeth II (Mix)" (bonus track on CD release) –
5:17
Apesar
do sucesso de Daydream Nation, o disco teve uma
distribuição deficiente e novamente, com direitos
autorais. Fartos de tudo isso, o grupo procurou um selo grande
para assinarem, e acabaram caindo nos braços da Geffen,
em 1990.
Goo foi
o primeiro lançamento mainstream do grupo, mas
de mainstream o disco nada possui. O destaque do disco
era a faixa "Kool Thing, com o rapper Chuck D. do
Public Enemy. Foi durante a excursão desse disco que uma
banda ainda desconhecida começou a chamar atenção
abrindo os shows do Sonic Youth: Nirvana.
Amparada
financeiramente e com o nome estabelecido, o grupo continuou a
produzir excelentes discos. Em 1992 é a vez de Dirty,
que trazia a clássica 100%.
Em 1994 a banda lança
talvez seu disco mais experimental, Experimental Jet Set,
Trash and No Star. É nesse ano que nasce a filha
do casal Kim Gordon e Thurston Moore, Coco Hayley Gordon Moore.
A banda foi destaque do
festival Lollapalooza Festival em 1995, e já flertavam
quase com o mainstream e chegaram até estrear um episódio
dos Simpsons em 1996.
O
grupo, no entanto, continuava lançando discos no velho
estilo, embora Kim Gordon começasse, aos poucos a tocar
mais guitarra em estúdio, especialmente nos discos Washing
Machine e A Thousand Leaves.
A banda também lançou
um selo próprio, SYR, e começou a apostar em discos
ainda mais experimentais, casos da série SYR, em seis volumes,
onde cada um deles tinha nome de canções, créditos
e notas de produção em línguas diferentes:
o 1 era em francês, o 2 em holandês, o 3 em esperanto,
o 5 em japonês e o 6 em lituano!
No 3 aparece, pela primeira
vez, o guitarrista Jim O'Rourke como membro do grupo. Apenas o
volume 4 era diferente, contendo composiçõea avant-garde
de John Cage, Sonic Youth, Steve Reich, entre outros.
Em
2000 é a vez do ótimo NYC Ghosts & Flowers
e o grupo dá uma parada até 2002 quando lança
Murray Street, que foca em algumas faixas o trágico acontecimento
de 11 de setembro de 2001, no World Trade Center.
Ainda em 2000, o grupo
fez alguns shows no Brasil e saíram especialmente à
cata de vinis raros da música brasileira. Moore se dizia
grande fã dos primeiros álbuns de Jorge Ben.
O grupo ainda segue lançando
grandes discos e se revitalizando, assim como seu público.
Apesar de não serem grandes vendedores, o Sonic Youth é
uma das bandas mais importantes e respeitadas do mundo tanto que
em 2006 o disco Daydream Nation teve a honra de entrar no The
Library of Congress' National Recording Registry, como "importante
documento que informa e reflete vida nos Estados Unidos."
Deixo vocês com uma
foto do grupo e a imensa discografia deles. Um abraço e
até a próxima coluna!
LPs e CDs
Sonic Youth (1982)
Confusion Is Sex (1983)
Bad Moon Rising (1985)
EVOL (1986)
Sister (1987)
Daydream Nation (1988)
Goo (1990)
Dirty (1992)
Experimental Jet Set, Trash and No Star (1994)
Washing Machine (1995)
A Thousand Leaves (1998)
SYR4: Goodbye 20th Century (1999)
NYC Ghosts & Flowers (2000)
Murray Street (2002)
Sonic Nurse (2004)
Rather Ripped (2006)
EPs
Sonic Youth (1982)
Kill Yr Idols (1983)
Whore's Moaning (1993)
TV Shit (1993)
SYR1: Anagrama (1997)
SYR2: Slaapkamers Met Slagroom (1997)
SYR3: Invito Al Cielo (1998)
Silver Session for Jason Knuth (1998)
In The Fishtank 9 (2002)
SYR6: Koncertas Stan Brakhage Prisiminimui (2006)
Singles
"Death Valley '69" (1984)
"Flower/Halloween" (1985)
"Flower/Satan is Boring" (1986)
"Starpower" (1986)
"Into the Groove(y)" (como Ciccone Youth) (1986)
"Teen Age Riot" (1988)
"Touch Me I'm Sick" (1989)
"Disappearer" (1990)
"Dirty Boots"(1991)
"100%" (1992)
"Youth Against Fascism" (1992)
"Sugar Kane" (1993)
"Drunken Butterfly" (1993)
"Bull in the Heather" (1994)
"Superstar" (1994)
"The Diamond Sea" (1995)
"Little Trouble Girl" (1996)
"Sunday" (1998)
"Mariah Carey and the Arthur Doyle Hand Cream" (2003)
"Helen Lundeberg" (2006)
Coletâneas e Gravações
Ao Vivo
Sonic Youth (1984)
Hold That Tiger (1991)
Live at the Continental Club (1992)
Live in Venlo (1995)
Screaming Fields of Sonic Love (1995)
Made in USA (1995)
The Destroyed Room: B-sides and Rarities (2006)
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