249 - Sonic Youth

Se você quiser listar as bandas independentes mais importantes da história não deixe de incluir esse grupo nova-iorquino, talvez o filho mais próximo do Velvet Underground. O Sonic Youth é um dos grupos que melhor representou o caos moderno, com suas letras cheias de palavrões, paranóia, medo, confusão e sexo. Tudo preenchido com camadas de guitarras distorcidas, altas, vocais preguiçosos e com a presença hipnótica baixista Kim Gordon.


O Sonic Youth teve início em 1981 quando os guitarristas Thurston Moore e Lee Ranaldo ficaram amigos enquanto tocavam com o experimentalista Glenn Branca, entre outros artistas. Thurston era o típico menino tímido e até meio caipira.

Nascido em Coral Gables, na Flórida, mas criado em Bethel, Connecticut, Moore resolveu morar em Nova York no final da década de 70 e tentar a vida como músico.

Ele conta que uma experiência decisiva para escolher essa vida foi um show do Suicide que assistiu com amigos quando ainda morava em Connecticut e vieram de carro para passarem uma noite na Big Apple. Ele e seus amigos ficaram assustadíssimos e apaixonados com a apresentação do duo. Segundo ele, enquanto Martin Rev espancava seu teclado e tirava sons horripilantes, Alan andava feito um maníaco pela platéia, tomando os drinques dos presentes e chegando ao cúmulo de passar o fio de seu microfone no pescoço de um infeliz e a enforcá-lo enquanto urrava em seus ouvidos e olhando de forma maníaca para os demais, que saíaram correndo da sala. "Depois daquilo, eu sabia que precisava ser músico. Voltamos para casa sem darmos um pio, assustadíssimos."

Assim, ele resolveu montar uma banda, com ênfase nas guitarras e influenciada pelo Velvet Underground, Stooges, Patti Smith e MC5. A idéia do grupo era extrair timbres estranhos de seus instrumentos. Thurston também era amigo da baixista Kim Gordon, que vivia entre o músico artístico e musical.

O duo começou então a ensaiar usando nomes como Male Bonding, Red Milk e Arcadians, nome com o qual fizeram o primeiro show, em junho de 1981, num festival organizado pelo próprio Thurston Moore. O "Noise Fest Festival" durou 10 dias e teve como sede a galeria White Columns e nessas apresentações o trio era complementado pelo baterista Richard Edson e pela tecladista Ann DeMarinis. Após a primeira apresentação, Thurston convidou Lee Ranaldo para deixar de vez o Glenn Branca e entrar em sua banda. Ann DeMarinis não voltou para a segunda apresentação e sugeriu um novo nome: Sonic Youth, em homenagem ao ex-guitarrista do MC5 e então marido de Patti Smith, Fred "Sonic" Smith e ao grupo de reggae Big Youth. Ranaldo disse que assim que o nome foi sugerido toda uma concepção nasceu.

capa do EP Sonic YothO primeiro contrato do Sonic Youth foi com a gravadora Neutral que lançou um EP de cinco músicas batizado apenas como Sonic Youth e que foi gravado no Radio City Music Hall, em Nova York e lançado pelo selo de Glenn Branca, em 1982.

O disco trazia cinco composições e passou totalmente batido, ainda que tenha sido distribuída à mídia. Era um disco totalmente distante do som clássico do Sonic Youth, com afinações tradicionais na guitarra e um som mais conservador. As canções eram:

1. "The Burning Spear" (lyrics/vocals Thurston) – 3:28
2. "I Dreamed I Dream" (lyrics Richard, vocals Kim and Lee) – 5:12
3. "She Is Not Alone" (lyrics/vocals Thurston) – 4:06
4. "I Don't Want to Push It" (lyrics Kim, vocals Thurston) – 3:35
5. "The Good and the Bad" – 7:55

capa do disco Confusion Is SexApós o lançamento, o baterista Richard Edson, entrando Bob Bert, com quem Moore brigou muito durante a primeira excursão do grupo, abrindo para o Swans. Ele acabou saindo e Jim Sclavunos (que no futuro seria baterista do Nick Cave and the Bad Seeds) acabou sendo chamado. Com ele, gravaram o primeiro LP, Confusion Is Sex, em 1983.

A banda partiu para uma excursão de duas semanas na Europa, mas Sclavunos logo deixou o grupo. Sem saída, convidaram novamente Bert para ser o baterista. Ele aceitou, mas impôs a condição de que não poderia ser demitido durante a excursão.

Em 1984, Thurston e Kim casaram e o grupo tinha uma agenda lotada. Ainda nesse ano, lançaram outro disco, Bad Moon Rising, que chamou atenção pelas idéias poucos ortodoxas.

O disco foi construído em cima das guitarras de Moore e Ranaldo. Enquanto um tocava furiosamente, o outro ficava afinando a sua para entrar em seguida, sem intervalos, intercalando-se assim até o fim. Um disco conceitual que falava de morte e insanidade e que fecha com a clássica "Death Valley '69", com a participação de Lydia Lunch nos vocais e inspirada nos crimes cometidos pela "Família Manson", liderada por Charles Manson.

O disco foi o primeiro lançamento pelo selo Homestead Records, após deixarem a Neutral por questões sobre o não pagamento de royalties devidos. O disco foi distribuído pela Blast First no Reino Unido e vendeu incríveis cinco mil cópias em seis meses, enquanto era completamente ignorado na América.

O disco marca a saída de Bert, entrando em seu lugar o baterista Steve Shelley, ex-Crucifucks. Shelley era um baterista muito superior ao anterior e talvez um dos mais subestimados até hoje. Steve era um baterista tão vigoroso que foi contratado após o Sonic assistir uma apresentação sua e sem fazer teste algum com o repertório de seu novo grupo.

Em 1986, o grupo realizou um antigo sonho, ao assinar com a gravadora independente mais famosa da América, a SST, lar do Hüsker Dü, entre outros. "Era um sonho que se realizava", confessava Lee Ranaldo.

O primeiro lançamento, em 1986, pela nova casa foi um grande clássico: EVOL (anagrama para Love, Amor).

capa do disco EVOLNovamente produzido por Martin Bisi, o disco é um grande avanço na concepção sonora do grupo, com três composições clássicas de imenso catálogo: "Tom Violence", "Marylin Moore" e a cáustica "Expressway to Yr. Skull" (também conhecida por "The Crucifixion of Sean Penn" ou "Madonna, Sean and Me"), uma corrosiva crítica ao casal mais pop daqueles tempos, a cantora Madonna e o ator Sean Penn.

O disco rendeu críticas exuberantes: Robert Palmer, do New York Times, escreveu que apenas Jimi Hendrix havia sido tão original com sua guitarra do que o Sonic Youth.

capa do disco SisterEm 1987, o grupo estava no auge e lançou outro clássico e que acabou sendo o primeiro LP lançado deles no Brasil: Sister. O disco trazia duas das mais importantes composições da banda: "(I Got a) Catholic Block" e "Schizophrenia". Inspirado em escritos do autor de ficção científica Philip K. Dick ("sister" homenageava a irmã do escritor que morreu após o aniversário dela, fato que o marcou até seu fim), Sister teve ótima recepção e vendas de 60mil cópias, número excelente para uma banda independente.

Um disco que mexia com as paranóias da vida moderna, como a letra de "(I Got a) Catholic Block" mostra:

I got a catholic block
Inside my head
I let it go to work
Bring it all back home

It serves you right
And I can motor down
You got to earn yr freedom
Get it on my own

I just live 4ever
There just is no end
I just trust the oppression
Like I trust yr friends

I got a catholic block
Inside my head
I let it play around
Iron to gold

Come back to me awhile

I got a catholic block it's around my head
I got a catholic block and it's blood orange red
I got a catholic block do you like to fuck?
I got a catholic block guess I'm out of luck

Porém, o grupo acabou deixando a SST por questões financeiras e administrativas, assinando com a Enigma Records, outro importante selo alternativo dos anos 80. Seus discos seriam distribuídos pela Capitol Records, de propriedada de EMI.

capa do disco Daydream NationFoi nessa nova casa que nasceu o grande clássico do grupo e um dos mais importantes e vitais discos dos anos 80: o álbum duplo Daydream Nation.

O disco traz toda a perfeição do grupo, com as camadas sonoras de guitarras, combinando experimentalismo com melodias e harmonias inesquecíveis. letras recheadas com ficção científica, solidão, sexo e medos.

"Hey Joni" era um tributo que homenageava Jimi Hendrix e a cantora canadense Joni Mitchell e quase foi chamado de Tonight's the Day, em homenagem ao disco Tonight's the Night, de Neil Young, uma das influências do grupo.

O disco recebeu elogios de todos os cantos do planeta e o Sonic Youth atravessava seu momento mais glorioso.

Ao mesmo tempo em que faziam sucesso o grupo tinha um projeto paralelo ao lado de Mike Watt, baixista do Minutemen, que começou como uma grande paródia e parou nos tribunais: o Ciccone Youth.

capa do disco The Whitey AlbumO Ciccone vem do sobrenome da cantora Maddona. Em 1986, o grupo lançou um single com as canções "Into the Groove(y)", (paródia do sucesso Into "The Groove", da material girl) e "Tuff Titty Rap". E em 1988 o grupo lançou um disco chamado The Whitey Album com uma foto da cantora na capa.

O disco era para ser um tributo ao White Album dos Beatles, mas a cantora não gostou da brincadeira e acionou a banda judicialmente.

Além de brincarem com Madonna, o disco flerta com outras influências da banda como o compositor John Cage e alguns representantes do rock alemão, casos do Cane Neu!

As faixas do disco eram:

1. "Needle-Gun" – 2:27
2. Untitled (silence) – 1:03
3. "G-Force" – 3:39
4. "Platoon II" – 4:18
5. "MacBeth" – 5:27
6. "Me & Jill/Hendrix Cosby" – 5:30
7. "Burnin' Up" (Mike Watt orig. demo) (Madonna) – 3:52
8. "Hi! Everybody" – 0:57
9. "Children of Satan/Third Fig" – 3:06
10. "Two Cool Rock Chicks Listening to Neu!" – 2:56
11. "Addicted to Love" (Robert Palmer) – 3:45
12. "Moby-Dik" – 1:01
13. "March of the Ciccone Robots" – 1:57
14. "Making the Nature Scene" – 3:14
15. "Tuff Titty Rap" – 0:39
16. "Into the Groovey" (Madonna, Bray) – 4:36
17. "MacBeth II (Mix)" (bonus track on CD release) – 5:17

Apesar do sucesso de Daydream Nation, o disco teve uma distribuição deficiente e novamente, com direitos autorais. Fartos de tudo isso, o grupo procurou um selo grande para assinarem, e acabaram caindo nos braços da Geffen, em 1990.

Goo foi o primeiro lançamento mainstream do grupo, mas de mainstream o disco nada possui. O destaque do disco era a faixa "Kool Thing, com o rapper Chuck D. do Public Enemy. Foi durante a excursão desse disco que uma banda ainda desconhecida começou a chamar atenção abrindo os shows do Sonic Youth: Nirvana.

Amparada financeiramente e com o nome estabelecido, o grupo continuou a produzir excelentes discos. Em 1992 é a vez de Dirty, que trazia a clássica 100%.

Em 1994 a banda lança talvez seu disco mais experimental, Experimental Jet Set, Trash and No Star. É nesse ano que nasce a filha do casal Kim Gordon e Thurston Moore, Coco Hayley Gordon Moore.

A banda foi destaque do festival Lollapalooza Festival em 1995, e já flertavam quase com o mainstream e chegaram até estrear um episódio dos Simpsons em 1996.

O grupo, no entanto, continuava lançando discos no velho estilo, embora Kim Gordon começasse, aos poucos a tocar mais guitarra em estúdio, especialmente nos discos Washing Machine e A Thousand Leaves.

A banda também lançou um selo próprio, SYR, e começou a apostar em discos ainda mais experimentais, casos da série SYR, em seis volumes, onde cada um deles tinha nome de canções, créditos e notas de produção em línguas diferentes: o 1 era em francês, o 2 em holandês, o 3 em esperanto, o 5 em japonês e o 6 em lituano!

No 3 aparece, pela primeira vez, o guitarrista Jim O'Rourke como membro do grupo. Apenas o volume 4 era diferente, contendo composiçõea avant-garde de John Cage, Sonic Youth, Steve Reich, entre outros.

NYC Ghosts & FlowersEm 2000 é a vez do ótimo NYC Ghosts & Flowers e o grupo dá uma parada até 2002 quando lança Murray Street, que foca em algumas faixas o trágico acontecimento de 11 de setembro de 2001, no World Trade Center.

Ainda em 2000, o grupo fez alguns shows no Brasil e saíram especialmente à cata de vinis raros da música brasileira. Moore se dizia grande fã dos primeiros álbuns de Jorge Ben.

O grupo ainda segue lançando grandes discos e se revitalizando, assim como seu público. Apesar de não serem grandes vendedores, o Sonic Youth é uma das bandas mais importantes e respeitadas do mundo tanto que em 2006 o disco Daydream Nation teve a honra de entrar no The Library of Congress' National Recording Registry, como "importante documento que informa e reflete vida nos Estados Unidos."

Deixo vocês com uma foto do grupo e a imensa discografia deles. Um abraço e até a próxima coluna!

LPs e CDs

Sonic Youth (1982)
Confusion Is Sex (1983)
Bad Moon Rising (1985)
EVOL (1986)
Sister (1987)
Daydream Nation (1988)
Goo (1990)
Dirty (1992)
Experimental Jet Set, Trash and No Star (1994)
Washing Machine (1995)
A Thousand Leaves (1998)
SYR4: Goodbye 20th Century (1999)
NYC Ghosts & Flowers (2000)
Murray Street (2002)
Sonic Nurse (2004)
Rather Ripped (2006)

EPs

Sonic Youth (1982)
Kill Yr Idols (1983)
Whore's Moaning (1993)
TV Shit (1993)
SYR1: Anagrama (1997)
SYR2: Slaapkamers Met Slagroom (1997)
SYR3: Invito Al Cielo (1998)
Silver Session for Jason Knuth (1998)
In The Fishtank 9 (2002)
SYR6: Koncertas Stan Brakhage Prisiminimui (2006)


Singles

"Death Valley '69" (1984)
"Flower/Halloween" (1985)
"Flower/Satan is Boring" (1986)
"Starpower" (1986)
"Into the Groove(y)" (como Ciccone Youth) (1986)
"Teen Age Riot" (1988)
"Touch Me I'm Sick" (1989)
"Disappearer" (1990)
"Dirty Boots"(1991)
"100%" (1992)
"Youth Against Fascism" (1992)
"Sugar Kane" (1993)
"Drunken Butterfly" (1993)
"Bull in the Heather" (1994)
"Superstar" (1994)
"The Diamond Sea" (1995)
"Little Trouble Girl" (1996)
"Sunday" (1998)
"Mariah Carey and the Arthur Doyle Hand Cream" (2003)
"Helen Lundeberg" (2006)

Coletâneas e Gravações Ao Vivo

Sonic Youth (1984)
Hold That Tiger (1991)
Live at the Continental Club (1992)
Live in Venlo (1995)
Screaming Fields of Sonic Love (1995)
Made in USA (1995)
The Destroyed Room: B-sides and Rarities (2006)


 

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