56 - Strawberry Switchblade

No meio da onda britânica que assolou o Brasil nos anos 80, choveram discos que passaram batidos e de que nunca mais se falou. Uma dessas bandinhas simpáticas e com pegada gótica foi essa dupla das garotas escocesas, Jill Brayson e Rose McDowall. Lançaram apenas um disquinho bacana, apenas com o nome da dupla. A capa mostrava as duas meninas com a mesma roupa, ar ingênuo e visual e que faz você jurar que são irmãs, tamanha a similaridade entre elas. Para quem curte Jesus and Mary Chain, por exemplo, é um prato cheio, já que o som é basicamente uma versão feminina (e não há nenhum machismo nessa frase) do que os irmãos Reid, por sinal contemporâneos da mesma Glasgow, perpetuaram em Pshycocandy, o maravilhoso álbum de estréia. Se você acha que esse colunista mala está esgotando o seu repertório de grupelhos para lá de obscuros, ainda não viu nada. Definitivamente, 2003 promete.



Em 1981, na cidade de Glasgow, na Escócia, após a passagem do furacão punk pelo mundo, quatro meninas sem muita experiência com música resolveram montar uma banda para se divertir, algo tão corriqueiro no mundo.

No ano seguinte, só duas permaneceram e mantendo o nome Strawberry Switchblade, conseguiram lançar o single Trees and Flowers, pelo selo Happy Costumers, de David Balfe e Bill Drummond, os mesmos que produziram os trabalhos iniciais do Echo and the Bunnymen.

Em 1983, assinaram com a Korova, mesma gravadora dos coelhinhos de Liverpool. Como músico convidado, destacava-se o jovem, porém já famoso e talentoso Roddy Frame, líder, guitarrista e vocalista do Aztec Camera.

A canção foi um sucesso e alcançou a quarta posição na parada independente britânica. Além de Roddy, Kate St. John (que depois seria integrante do Dream Academy), do Ravishing Beauties, tocava oboé. O single seguinte Since Yesterday aumentou ainda mais a popularidade das meninas.

Abusando de fitas no cabelos, batom bem vermelho, vestido de bolinhas, flores e bijuterias (quer visual mais oitentista do que isso?), e com letras lacônicas, voltaram ao estúdio para lançar o esperado disco de estréia. Jill cuidava da guitarra principal, enquanto Rose da guitarra rítmica, e ambas se esmeraram nas harmonizações vocais.

Entre os músicos convidados, duas figuras ilustres: Boris Williams e Phil Thornalley, do The Cure.

A imprensa batizaram carinhosamente como “irmãs caçulas dos Reid”, uma referência aos briguentos e horripilantes Jim e William, do Jesus and Mary Chain. Jim inclusive confessara que adoraria ter escrito “Trees and Flowers” e lamentava poder não cantar tão bem como Jill e Rose.

Com toda essa paparicação e um punhado de bons músicos na produção, além da bênção do selo Korova, o Strawberry tinha tudo para fazer um estrondoso sucesso, ou ao menos, se firmar com uma das sensações da cena independente da Grã-Bretanha, mas falharam.

O disco até que teve boa vendagem, mas o excesso de produção e excessivos arranjos na concepção decepcionaram os fãs de primeira hora, que queriam algo mais simples como o single inicial.

O LP trazia 11 faixas:

Lado A

1. "Since Yesterday" 2:55
2. "Deep Water" 3:54
3. "Another Day" 3:49
4. "Little River" 2:38
5. "10 James Orr Street" 2:55

Lado B

1. "Let Her Go" 2:45
2 . "Who Knows What Love Is?" 3:45
3 . "Go Away" 3:07
4 . "Secrets" 2:49
5 . "Who Knows What Love Is? (Reprise)" 1:03
6 . "Being Cold"

A edição japonesa, em CD, trouxe 20 músicas:

1. "Since Yesterday" 2:55
2. "Deep Water" 3:54
3. "Another Day" 3:49
4. "Little River" 2:38
5. "10 James Orr Street" 2:55
6. "Let Her Go" 2:45
7. "Who Knows What Love Is?" 3:45
8. "Go Away" 3:07
9. "Secrets" 2:49
10. "Who Knows What Love Is? (Reprise)" 1:03
11. "Being Cold" 4:11
12. "Beautiful End" 4:01
13. "Poor Hearts" 3:17
14. "Ecstasy (Apple of My Eye)" (Written by Barnes/Inoue) 3:30
15. "Jolene" (Written by Dolly Parton) 3:52
16. "Black Taxi" (Written by Balfe/Bryson/McDowall/Deacon) 3:47
17. "Trees and Flowers (Extended Mix)" 6:43
18. "Michael Who Walks by Night" 3:43
19. "Since Yesterday (Extended Mix)" 6:31
20. "I Can Feel"

Mesmo com o parco sucesso, resolveram apostar em mais uma canção. A escolhida foi “Jolene” clássico country americano da cantora Dolly Parton. Meses depois o grupo acabou.

Desanimada, Jill desistiu da carreira e sumiu do mapa. Rose demorou um tempo para se refazer do baque, mas acabou seguindo em frente, participando de grupos góticos como Current 93 e Death in June. Depois formou uma nova dupla, Sorrow, com Robert Lee.

Lançaram o disco Under The New Possessed, seguido por Sleep Now Forever dedicado ao pintor Vincent van Gogh, ambos pelo selo Piski Disk. O grupo mistura temas medievais e instrumentos de época, como oboé, cello, flauta e gaita, com um pouco de eletrônica e vocais pesados.

Final Solstice, de 2000 é o último trabalho do Sorrow. Em 1997, paralelamente, a incansável Rose fez um trabalho com Boyd Rice, chamado Seasons in The Sun, ligado mais ao folk psicodélico dos anos 60 e tendo sido lançado pelo selo Gramm.


Mas voltemos ao Strawberry. O que na verdade fez com que o grupo começasse tão promissor e acabasse mesmo tendo lançado um LP razoável e com certa repercussão? Phil Tornalley, que produziu as duas versões de “Who Know What Love Is?” presentes no disco acha que Jill e Rose empolgaram-se em demasia: “quando elas lançaram “Trees and Flowers”, arrebataram pela simplicidade dos arranjos, mas que era lindo. A mistura de oboé com a guitarra de Roddy deu um colorido novo e a canção realmente chamou a atenção. Quando em estúdio, eu e David (Motion, produtor do disco e responsável pelos teclados e programação da bateria eletrônica) queríamos seguir a mesma linha e argumentávamos que elas tinham conseguido um lindo balanço. Rose e Jill achavam que após o sucesso, tinham fichas para bancar algo mais ousado, trabalhado. O resultado final acabou não soando nem com uma coisa e nem com outra, apesar de muito bem feito. Mas elas confessaram que o produto final não era o que tinham imaginado.”

Rose não gosta de falar sobre o passado. Em entrevistas recentes, trata sua primeira banda como uma experiência válida, porém já datada e sem saudades: “Eu me interesso pelo meus atuais projetos. O que faço hoje é muito diferente do Switchblade. Posso não ter mais o sucesso comercial que obtive naquela época, mas me sinto muito mais madura hoje em dia e bem mais ciente da minha capacidade.”

Os fãs antigos não concordam muito com a afirmação da cantora e tão pouco a crítica, que foi pouco receptiva aos seus seguidos grupos. A afirmação é que Rose virou apenas mais uma cantora gótica que insiste em misturar elementos modernos com instrumentos de época, fazendo uma espécie de “revival” já mais do que saturado na Inglaterra.

Motion tem uma opinião semelhante a de Phil, mas acha que houve uma certa má vontade, especialmente da imprensa: “quando uma banda desconhecida ganha projeção é, no começo, cultuada e respeitada. Isso aconteceu com elas, que tinham um potencial a ser explorado. Ao lançarem o segundo single, a pressão aumentou muito em cima das duas, que não sabiam como lidar com o sucesso e nisso há uma ironia. Todo mundo sonha com a fama, mas muitas vezes quando acontece você não tem a menor idéia de como lidar com isso. Além do single, tinham conseguido ser produzidas por David Balfe e Bill Drummond, que tinham trabalhado com o Echo, que eram uma ou talvez a mais importante banda independente inglesa. E muitas vezes se queixaram de um certo preconceito da crítica londrina por serem escocesas. Não sei se realmente houve esse tipo de bairrismo, mas quando elas entraram para produzir o primeiro álbum desejavam fazer algo suntuoso e acho que acabaram se perdendo um pouco.”

Roddy Frame confessa que ficou meio frustrado com o álbum: “você sente que há uma certa tensão nas músicas, que os arranjos são superpostos. Há um excesso de teclados e sintetizadores, tudo muito distante de quando trabalhei com elas. Eu me lembro da gravação do primeiro single delas, quando ríamos e tudo parecia fluir com grande naturalidade. Apesar de não ser o som que eu fazia no Aztec Camera, achei linda a canção e por isso, ao ouvir o disco, me senti frustrado como muita gente. Não sei se poderia ter ajudado na concepção, afinal elas estavam cercadas de grandes músicos. Se fosse para definir em uma palavra o que elas sentiram em estúdio, acho que a mais apropriada seria tensão mesmo.”

Mas maldade mesmo é considerar o disco ruim. O álbum é muito simpático, bem tocado, com as harmonizações vocais perfeitas. Há um teclado aqui ou acolá a mais, mas quantas bandas na década de 80 não abusaram dos mesmos recursos? Além disso, as letras são lindas pérolas de tristeza e solidão. Um exemplo é “Who Know What Love Is?”. Eis um trecho: “ Sentada em frente à minha janela em um dia chuvoso/Minha mente só pensa em você/ e como gostaria de poder te ver logo/ quem sabe o que é o amor/ eu adoraria se você me explicasse/eu adoraria que fosse você..)

As onze canções contidas, todas de autoria de Jill e Rose, estão longe de serem decepcionantes como muitos jornalistas ingleses, conhecidos pela pouca fleuma tão marcante nos britânicos, taxaram. Se por experiência procuraram um outro caminho para os arranjos, muito mais se deveu à inexperiência do que a falta de talento. Afinal, como mesmo disse o mesmo Roddy, “quem compõem Tree and Flowers sabe o que está fazendo. Ainda insisto que a cobrança que sofreram deve ter sido o estopim para mudarem. Mas mesmo assim, considero um disco bonito e muito bem trabalhado.”

Se Roddy e seu Aztec Camera - que brevemente terão seu álbum de estréia High Land, Hard Rain comentado neste espaço - aprovou então a crítica inglesa que vá catar coquinho. Apenas um parêntese para comprovar o talento deste garoto: quando lançou seu primeiro disco com apenas 19 anos, este também escocês, e por outra incrível coincidência, de East Kilbride, mesma terra natal de Jim e William Reid, era a grande estrela do selo Rough Trade e que seria desbancado apenas no ano seguinte devido a uma nova banda que aparecia em Manchester: The Smiths. Tá bom ou quer mais?

Fiquem com a letra de "Since Yesterday". Um abraço!

Since Yesterday

Just close your eyes and then remember
The thoughts you’ve locked away
When tomorrow comes you’ll wish
You had today

And as we sit here alone
Looking for a reason to go on
It’s so clear that we all we have now
Are our thoughts of yesterday

If you’re still there when it’s all over
I’m scared I’ll have to say
That a part of you has gone

And as we sit here alone
Looking for a reason to go on
It’s so clear that we all we have now
Are our thoughts of yesterday

It’s so clear that we all we have now
Are our thoughts of yesterday

Discografia

Tree and Flowers (single, 1983)
Since Yesterday (single, 1984)
Strawberry Switchblade (LP, 1985)
Jolene (single, 1985)

 

 

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