Um duo bizarro
e que nasceu junto com a cena punk: esse é o Suicide, uma
banda de carreira tumultuada, com várias idas e vindas
e que (surpresa!) estão de volta. Formado por Alan Vega
e Martin Rev, o Suicide influenciou Cabaret Voltaire, Soft Cell,
The Cars e até Bruce Springsteen! Pois se você ficou
curioso para saber o que raios esse grupo toca, descubra lendo...
Eles
são duas figuras lendárias da cena nova-iorquina,
amigos de longa data de Iggy Pop (fase Stooges), Patti Smith,
MC5, etc... e também os fundadores de uma banda habitué
do clube CBGB, que abrigou todos os grupos ou músicos que
começaram na cidade, durante os anos 70: Ramones, Television,
Talking Heads, Blondie, Patti Smith, entre outros.
A idéia de formar
um grupo não surgiu imediatamente. Tudo começou
com Alan Vega, um jovem nascido no bairro do Brooklyn, em 1948.
Vega era considerado um jovem excêntrico, um escultor que
fazia figuras com luzes e que não sentia conexão
alguma com o rock progressivo ou hard que os grupos mais famosos
na virada dos anos 60 para os 70 faziam. Ele gostava da cena local,
dos poetas desconhecidos (e entre eles, havia uma moça
talentosa chamada Patti Smith), da vida imunda e doente retratadas
nas letras do Velvet Underground. Alan era um típico garoto
de Nova York e que amava a vida cosmopolita da cidade. Tinha uma
certa notoriedade como artista, chegando a montar uma pequena
galeria em Manhattan, batizada de “Project of Living Artists”.
Mais
do que uma galeria de arte, o Project deu apoios às inúmeras
bandas locais que começavam a pipocar na cidade. Três
delas marcariam de forma crucial o cenário musical: Television,
Blondie e o New York Dolls. E foi num desses shows, que Vega conheceu
um músico que participava de um grupo de jazz experimental
com 15 integrantes: Martin Rev. Ele tocava no Reverend B. e era
o tecladista, usando um teclado Farfisa barato e uma bateria eletrônica
bem vagabunda. Vega gostou do som totalmente maluco da banda e
logo ficaram amigos.
Junto com Martin, Alan
começou a conceber um projeto musical diferente e radical
até mesmo para Nova York, em 1971: fazer uma música
agressiva, minimalista, usando uma base de sons repetidos tirados
dos teclados de Martin, enquanto Alan emitia sons esquisitos em
um microfone: berrados, rosnados, mas com influência dos
cantores dos anos 50, em especial Eddie Cochran. O nome de tudo
isso? Suicide. Eles contam que tiveram a idéia de dar esse
nome após irem em uma festa da pesada e ao verem os presentes
bebendo, se drogando e fornicando, berraram “suicídio!”,
já que a vida dos presentes parecia um convite a tal proposta.
Assim, nascia o Suicide.
Alan
e Martin começaram a tocar em vários clubes da cidade
e, como não poderia deixar de ser, deixaram sua marca no
CBGB. O visual, misturando o futurismo com o lixo moderno e a
postura selvagem de Alan, acrescido dos sons estranhos de Martin,
fazia do grupo uma experiência única. O CBGB parecia
ser um dos poucos palcos onde o Suicide podia ser sentir em casa
e várias vezes dividiram a noite com os Ramones, de quem
eram bons amigos. E das duas, com certeza, o Suicide era a mais
radical. Aliás, em materia de radicalismo, ninguém
chegava perto do duo.
Apesar de não terem
nenhuma similaridade sonora com o punk (o conceito deles mais
parecia um som feito pelos integrantes do Kraftwerk sofrendo de
abstinência química), o Suicide se espelhou e adotou
os conceitos do estilo: não era preciso saber cantar e
tocar para subir a um palco; bastava apenas ter um recado a passar.
Vega mostrava que sabia atiçar o público, berrando,
confrontando os presentes e invariavelmente acabava sendo agredido
ou xingado. Nada mais punk. As performances do grupo eram perigosas..
E
quando já tinham uma reputação razoável
resolveram gravar um disco. Em 1977 lançam o primeiro álbum,
batizado apenas de Suicide. Com uma capa simples,
a dupla conseguiu nas sete faixas do primeiro lançamento
capturar uma violência e um niilismo que fariam os Sex Pistols
e os Ramones parecem um grupo de freiras. O casamento entre a
eletrônica com rockabilly e punk era algo único,
como se Eddie Cochran cantasse tendo o Kraftwerk como banda de
apoio, algo que os grupos de hoje dariam os dois braços
para terem criado. As letras eram pesadas, críticas, ácidas.
“Frankie Teardrop” conta a história de um sobrevivente
do Vietnã e a canção deixou Bruce Springsteen
alucinado. “Ghost Rider” foi cantada por vários
fãs famosos: Soft Cell, R.E.M., Sisters of Mercy e Sigue
Sigue Sputnik.
“Suicide sempre falou
da vida. Mas não podíamos chamar o grupo de Life.
Então, resolvemos chamar a banda como esse nome para darmos
valor à vida”, disse Alan Vega. Uma das melhores
críticas do primeiro disco foi escrita por Roy Trakin.
Diz o texto: “O Suicide não é sobre alienação,
mas sobre esperança. Eles não são monstros
robóticos tentando viver em um mundo altamente civilizado
e culto. O Suicide irá sobreviver em cada tendência
porque eles são reais - únicos e experimentais,
e ainda totalmente acessíveis e em conexão com a
tradição do rock and roll. Suicide é Alan
Vega - sua vulnerabilidade e seu olhar pessmista/otimista e é
a máscara estóica de Martin Rev, escondendo um senso
de humor e humildade que são inspiradores e de cortar o
coração."
O
disco atraiu um público razoável na Europa e foram
convidados a tocarem lá em 1978, abrindo shows para o Clash.
O público ficou totalmente alucinado com o que via e ouvia.
A massa sonora cantada/berrada por Alan e os sons estranhos e
horripilantes do teclado de Martin deixaram os punks alucinados
e irritados. Tamanha demência e caos acabou sendo imortalizado
em um dos mais insólitos lançamentos da história
da indústria fonográfica: 23 Minutes in
Brussels, é um disco ao vivo que mostra a raiva
do público belga, que roubou o microfone de Alan e ficou
dizendo todos os impropérios possíveis e imaginários
para a dupla. E tamanha bizarrice virou disco.
Mas tamanha afronta acabou
trazendo para o grupo um importante nome: Ric Ocasek. Líder
dos Cars, excelente banda new wave, Ocasek era um fã apaixonado
do som do grupo e tinha como grande sonho produzir o Suicide.
Em 1979, conseguiu convencer a dupla a entrar em estúdio
para novos trabalhos. O primeiro deles foi o compacto Dream
Baby Dream, que se tornou um clássico da banda.
Mas
Ocasek queria mais. Queria produzir um LP e no ano seguinte é
editado Alan Vega – Martin Rev, que em
2000 foi editado com o nome The Second Album – The
First Rehearsal Tapes.
O segundo disco conseguiu
um sucesso bem maior do que a própria estréia, embora
tenha sido um pesadelo gravá-lo. Produzido no Power Station
Studios em janeiro de 1980, o disco foi lançado em março
e marca a primeira separação da dupla, após
inúmeras brigas.
No mesmo ano em que se
separaram, tanto Alan quanto Martin debutaram em carreiras solos.
Alan lançou Jukebox Babe, enquanto Martin
lançou um disco que levava apenas seu nome. Dos dois, era
o vocalista que tinha uma vida mais agitada musicalmente falando,
lançando bons álbuns com regularidade e trabalhando
em vários projetos e frentes. Ainda assim, o grupo se reunida
para shows. Em 1981, foi editada em fita cassete, um show chamado
Half Alive, com metade das músicas sendo
músicas gravadas em estúdio durante os anos de 1975
a 1979. As notas da fita eram assinadas pelo editor da Creem
Magazine, Lester Bangs.
Durante
o restante da década de 80, Alan concentrou-se em sua carreira,
e participou do projeto Sisterhood, liderado por Andrew Eldritch,
dos Sisters of Mercy, e que resultou no disco The Gift,
em 1986. Nesse mesmo ano, é lançado outra fita cassete:
Ghost Riders, contendo seis músicas gravadas
no Walker Art Center, no dia 19 de setembro de 1981, em Minneapolis,
data em que o Suicide comemorava 10 anos de carreira.
A influência da banda era enorme e não se resumia
apenas aos grupos da vanguarda eletrônica como os ingleses
Cabaret Voltaire ou Soft Cell. Várias bandas de dance music,
de hip hop, rap e da cena industrial pagavam tributo ao duo.
Sabendo
de tudo isso, o grupo retorna em 1988 com um novo disco, o primeiro
em oito anos: Way Of Life. Produzido mais uma
vez por Ric Ocasek e desta vez no lendário estúdio
de Jimi Hendrix, o Electric Lady, a volta foi bem mais calma e
acessível. O grupo havia estabelecido que fariam um som
mais perto do pop, mas sem cair de cabeça em tal estilo.
Após
uma nova parada na carreira retornam em 1992 com um novo disco
e novamente produzido pelo fiel escudeiro Ocasek. Why
Be Blue foi gravado de uma maneira bem mais simples,
no porão da casa de Ric e escrito de uma maneira mais autoral.
Martin explica sobre essas
idas e vindas do grupo: "não é verdade que
nós decidimos voltar, porque nunca nos separamos. Eu penso
que apenas entre 1982 e 1985 é que não houve muita
atividade para o Suicide, por alguma razão, e também
porque não procuramos nada para fazer. Estávamos
envolvidos com nossas carreiras solos e outros aspectos pessoais
e profissionais. Em 1986 começamos a fazer alguns shows
e descobrimos que havia um público crescente e interessado
em nossa obra na Europa. E isso aconteceu novamente agora."
Mas apesar de considerar
normal esses encontros e desencontros, o grupo só voltou
a lançar um novo trabalho em 1997, com Zero Hour
e em 1998, com o EP 22/1/98 Reinventing America.
E após novo sumiço, em 2002 o grupo volta finalmente
a dar as caras e, ao que parece, de maneira definitiva.
O disco American
Supremes voltou a chamar a atenção de crítica
e de antigos fãs. Sobre o título, "América
Suprema", Martin fala que há uma ambigüidade:
"a América é hoje um país muito hostil,
não apenas para os imigrantes e estrangeiros, mas para
nós mesmos. O Suicide teve grande problemas em tocar por
todo país e nossa única saída era a Europa.
Nós simplesmente não podíamos tocar em lugar
nenhum dos Estados Unidos! Isso acabou fazendo com que tivéssemos
de assinar com um selo da Inglaterra, a Mute, que tem nos ajudado
bastante. O atentado de 11 de setembro conseguiu isolar os Estados
Unidos ainda mais do mundo. Eu acho interessante que a minha geração
ser a que hoje governa o país. Nós somos a geração
dos anos 60, éramos hippies, mas hoje temos mais poder
do que nunca com o fim da União Soviética e acho
incrível que algumas pessoas que lutavam pela liberdade
tenham se tornado tão conservadora e xenófobas.
Essa Nova York é totalmente diferente da Nova York em que
cresci e aprendi a amar. Eu espero que essa histeria toda diminua
com o passar do tempo, mas acho que a tendência é
aumentar, até porque hoje somos vistos como os grandes
imperialistas do mundo, uma visão que é verdadeira.
Mas a história mostra que os imperialistas sempre sofrem
ameaças dos demais."
Em
2004 o grupo lançou Attempted: Live at Max's Kansas
City 1980, gravado na célebre casa nova-iorquina
e que junto ao CBGB, foi um dos locais mais importantes para a
geração dos anos 70 se apresentarem.
O grupo ainda segue uma grande excursão mundial e seus
admiradores e artistas que foram influenciados por ele são
imensos. Não é necessário dizer que nada
deles se encontra em catálogo no país. Uma boa opção
para quem quiser adquirir algo, é comprar o primeiro disco,
que traz, de bônus, o show de Bruxelas; ou ainda The
Second Album – The First Rehearsal Tapes, lançado
em 2000.
Deixo
vocês com uma foto recente da banda e a discografia do grupo,
bem como a solo de Alan Vega e Martin Rev.
Um abraço e até
a próxima coluna.
Discografia
Suicide (1977)
23 Minutes in Brussels (1978)
Dream Baby Dream (compacto, 1979)
Alan Vega - Martin Rev (1980)
Half Alive (1981)
Ghost Riders (cassete, 1986)
Way Of Life (1988)
Surrender (compacto, 1988)
Why Be Blue (1992)
Ghost Riders (edição em cd da fita cassete, 1996)
Zero Hour (1997)
22/1/98 Reinventing America (EP, 1998)
The Second Album – The First Rehearsal Tapes (2000)
American Supremes (2002)
Attempted: Live at Max's Kansas City 1980 (2004)
Discografia solo
de Alan Vega
Jukebox Babe (1980)
Collision Drive (1981)
Outlaw / Magdalena 84 (EP, 1982)
Saturn Strip (1983)
Just A Million Dreams (1985)
VEGA (reunião dos dois primeiros discos, 1989)
Deuce Avenue (1990)
Power On To Zero Hour (1991)
New Raceion (1993)
Dujang Prang (1995)
2007 (1999)
Discografia solo
de Martin Rev
Martin Rev (1980)
Clouds of Glory (1985)
Cheyenne (1991)
See Me Ridin’ (1996)
Marvel (coletânea com seis faixas do primeiro disco e mais
duas gravadas em 1991, 1997)
Strangeworld (2000)
To Live (2003)
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