Os
Talking Heads foram pioneiros na fusão de ritmos africanos
com rock, sendo um dos criadores da 'world music'. Fear of Music
foi, ao lado de Remain in Light, um dos momentos mais inspirados
dessa banda singular e o segundo trabalho ao lado do músico
e produtor Brian Eno.
Até
que ponto ter um grande produtor ao seu lado? Qualquer pessoa
diria que é ótimo ter alguém assim, pois
é uma ajuda e tanto.
Mas os integrantes do Talking
Heads não estavam tão certos, assim. Pelo menos,
não Tina Weymouth, Chris Frantz e Jerry Harrison.
Não há dúvidas
que Brian Eno acrescentou muito ao grupo quando chegou para produzir
o segundo LP, More Songs About Building And Food,
de 1978.
Eno, porém, jamais
foi apenas um produtor simplesmente. Desde o começo, em
qualquer projeto que entrasse como músico, convidado ou
produtor, sempre dava um jeito de tentar controlar alguma situação
além do permitido, mexendo completamente em arranjos, tocando
e dando seu toque inconfundível.
Brilhante, percebeu em David
Byrne um "irmão gêmeo" e começou
a querer mudar o som do Talking Heads mais do que a banda desejava.
Os dois sempre foram pessoas de personalidade forte, auto-confiantes
e um tanto arrogantes e egoístas em suas idéias.
Eno
viu nos Talking Heads uma banda pronta para ousar e experimentar
uma trilha que ele já tinha começado - em parte
- com David Bowie: a mistura da música negra e ritmos africanos
com o rock branco.
David Byrne lembra do primeiro
encontro: "Conheci Brian Eno na Europa, em 1977, enquanto
excursionávamos com os Ramones. Ele me disse que tinha
gostado muito do nosso som e das letras e pediu para mantermos
contato."
Eno também se lembra
desse encontro: "eu estava assistindo um show da banda e
foi convidado pelo Chris (Frantz, baterista do grupo), para ir
até o backstage. Cheguei lá e dei de cara
com o John Cale que pediu distância, porque ele ira produzir
o grupo. Disse a ele que não tinha interesse na banda."
Assim, depois de produzir
More Songs About Building And Food, em 78, Eno e a banda
partiram para um novo projeto.
Ele tinha uns pacote de cartões,
chamado por ele mesmo de "Estratégias Oblíquas".
Era
usado para decisões, como se fosse uma ferramenta.
Eno destestava lógica,
tradição e queria sempre inovar, o que vinha de
encontro ao Talking Heads.
"Brian me deu muita
confiança no estúdio, me ensinando que não
há nada preparado no estúdio. Ele realmente achava
interessante ouvir o que as pessoas estavam fazendo. Ele não
vinha cheio de idéias brilhantes, mas ele poderia ouvir
uma idéia original que alguém tivesse e ainda ajudar
na composição. Era realmente muito bom", lembra
Byrne.
Não era bem assim.
Eno já era quase um quinto membro não-oficial do
grupo e sua imensa interferência causava controvérsia
nos demais membros. Embora fosse um músico brilhante e
com idéias avançadas, Eno queria fazer do Talking
Heads um instrumento para suas idéias. É como se
fosse um disco de Brian Eno "tocado" pelos Talking Heads.
Para as gravações,
Eno convidou um velho amigo, Robert Fripp, guitarrista do King
Crimson. A banda entrava em uma jornada de explorar mais os ritmos,
casada com um clima mais sombrio nas composições.
O nome Fear of Music
foi tirado de um livro que David Byrne estava comentando com a
banda na época, chamado The Music and the Brain.
Segundo o livro, há um tipo de epilepsia que é causada
pela música. Para algumas pessoas acontecem somente quando
ouvem música clássica ou quando ouve um som particular.
A
capa do disco, inteira preta, em alto-relevo foi idéia
do tecladista e guitarrista Jerry Harrison. Ele queria usar originalmente
um tipo de plástico, mas era muito caro. Byrne então
bolou um desenho para a capa, semelhante ao que Jerry queria,
um material que pudesse ser usado em cima de metal.
Fear of Music
foi lançado no dia 3 de agosto de 1979 e ganhou uma indicação
ao Grammy de melhor capa de disco.
O crítico do Village
Voice, Lester Bangs, considerou o disco um dos melhores álbuns
de comédia de todos os tempos.
"Vivemos em uma época
de mutações e os Talking Heads são os mais
humanos entre os mutantes. "
Fear of Music foi
lançado com as seguintes músicas:
Lado 1
1. "I Zimbra" (Byrne, Brian
Eno, Hugo Ball) – 3:06
2. "Mind" – 4:12
3. "Paper" – 2:36
4. "Cities" – 4:05
5. "Life During Wartime" (Byrne, Chris Frantz, Jerry
Harrison, Tina Weymouth) – 3:41
6. "Memories Can't Wait" (Byrne, Jerry Harrison) –
3:30
Lado 2
1. "Air" – 3:33
2. "Heaven" (Byrne, Harrison) – 4:01
3. "Animals" – 3:29
4. "Electric Guitar" – 2:59
5. "Drugs" – 5:13
Veja a explicações
dos integrantes, faixa a faixa do disco, com exceção
da faixa Cities:
I Zimbra, segundo David
Byrne: Eu estava inspirado por um disco de música africana
chamado 17 Mabone. Eram guitarra, violino e saxes completamente
soltos, ao melhor estilo de Fela Kuti e King Sunny Adé.
Minha idéia original era poder reunir vários riffs
de guitarras, usando o mesmo ritmo e eliminar os menos interessantes.
Haveria sete ou oito seções diferentes para a canção,
e nós iríamos de uma sessão para a outra
e então apertaríamos todas as seções
em uma só. Nós queríamos algum tipo de percussão,
congas. Brian e eu vimos dois caras fantásticos em um parque
de Washington e os convidamos. Depois chamamos Robert Fripp. Eno
sugeriu uma melodia depois de todos os instrumentos e arranjos.
Foi quando colocamos a letra. Nós concordamos que deveria
ser algo improvisado, algo fácil de ser repetido. As palavras
vieram de um poema fonético, sílabas nonsense de
um poema de Hugo Ball.
Mind, por David Byrne:
Há alguns sintetizadores e assovios em "Mind",
que imagino ser bem sensuais.
Paper, por Tina Weymouth:
Eu não gostei dessa canção por muito tempo.
A letra não tinha ainda sido escrita, mas eu não
gostava do riff da guitarra de David. Então todos começamos
a tocá-la e de repente ganhou a forma de uma canção.
Eu percebi no que estava trabalhando e acabei gostando.
Life During Wartime, por
Jerry Harrison: David tinha uma frase na guitarra e durante
um ensaio, ele pediu para que eu fizesse algo com aquela frase.
Eu comecei e de repente parei e comecei a tocar de novo, mas de
uma maneira meio diferente. Então ele juntou as duas frases
e disse para gravarmos. Nós não pensamos nisso por
uns seis meses até que um dia voltamos a ouvir a gravação.
Não estávamos ensaiando, apenas começamos
a tocar sem um rumo certo. Então a Tina criou uma linha
de baixo e David voltou para a parte que tínhamos desenvolvido
no ensaio. A música desenvolveu sozinha. Nós a chamávamos
de nossa canção de New Orleans.
Air, por David Byrne:
Eu acho "Air" muito sensível. Eu tentei escrever
uma canção tocante, com uma melodia bem melancólica.
Para mim, é um canção triste, mas as palavras
não refletem bem isso. É sobre uma pessoa que se
sente tão mal, que até o ar pode sentir a dor.
Heaven, por David Byrne:
Quando fiz Heaven eu tentava parecer com Neil Young. Eu tinha
ouvido Tonight's The Night e Zuma,
discos com grandes músicas. Eu queria mostrar que ao invés
de felicidade, o modelo de beleza poderia ser uma coisa mudana
que acontece sempre e sempre, repetidamente. Uma coisa prazerosa
o suficiente, mas não excitante. Coisas normais podem ser
perfeitas. É quase como se o paraíso não
pudesse ser nada.
Animals, por Jerry Harrison:
É a típica canção que as pessoas gostam
ou não. As pessoas têm um grande carinho por seus
bichinhos de estimação. É uma canção
cheia de truques na métrica. Tivemos dificuldades em cantá-la
ao mesmo tempo.
Electric Guitar, por Tina
Weymouth: "Electric Guitar" seria originalmente
apenas palavras batida em um papel. David me mostrou um monte
de palavras. Nós não tínhamos terminado a
canção, mas isso não tinha importância
porque seria pedaços sem música ou contexto. Eu
disse para ele ir frente, porque era muito estranho. Então
começou a cantar aquilo como se fosse um retardado. Nós
dissemos para ir em frente, porque estava muito retardado, você
não entendia a letra. Brian pôs um efeito no meu
baixo e soou como uma tuba e gostei muito disso.
Drugs, por David Byrne:
Originalmente era para ser chamado de Electricity. Era um vocal
divertido. Eu tentei uma aproximação diferente,
dando ênfase nas sílabas erradas. Eu tentei cantar
bem de leve e tentei cantar um estilo exclamatório. Fiquei
frustrado, nada parecia funcionar. Comecei a fazer um monte de
excercíos enquanto cantava, até que comecei a trotar
e funcionou. É um canção com a respiração
diferente; você ouve um pouco de grito e sopro.
Fear of Music
foi seguida de uma grande excursão pela América
e Europa e teve uma vendagem modesta, ficando em 21º lugar,
nos EUA e, em 33º, no Reino Unido.
O passo seguinte seria o
mais aclamado disco do grupo, Remain In Light.
Mas isso é papo para outro dia. Até mais!
Discografia
Talking Heads: 77 (1977)
More Songs About Building And Food (1978)
Fear of Music (1979)
Remain In Light (1980)
The Name of This Band is Talking Heads (1982)
Speaking In Tongues (1983)
Stop Making Sense (1984, versão quase na íntegra,
1999)
Little Creatures (1985)
True Stories (1986)
Naked (1988)
The Best Of: Once In a Lifetime (1991)
Popular Favorites: Sand in the Vaseline (1991)
Once in a Lifetime - The Best of Talking Heads (1992)
12 x 12 Original Remixes (1999)
Once In a Lifetime (Box com 3 Cds, 2003)
The Best of Talking Heads (2004)
Talking Heads Dual Disc Brick (caixa com 8 cds, 2005)
Bonus Rarities and Outtakes (2006)
Talking Heads: The Collection (2007)
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