Várias
pessoas amigas ou desconhecidas me abordam sobre a seguinte questão:
o que eu prefiro, LP ou CD? Eu sempre digo que não faço
distinção, desde que eu tenha uma cópia de
cada formato do trabalhos que adoro... risos. Mas voltando ao
tema, alguns argumentam que o vinil possui uma qualidade de som
melhor, que a capa continua sendo um atrativo todo especial (e
isso eu sou concordo 100%). Já quem defende o CD aponta
sua praticidade e a capacidade de reunir músicas extras
devido ao maior número de minutos disponíveis. Isso
também me agrada. Enfim, é quem nem discutir quem
veio primeiro, o ovo ou a galinha.
Mas
eu sou grato ao formato CD, pelo menos com este disco. Eu tenho
o vinil desde 1986 e fiquei maravilhado quando em 1999 saiu uma
edição especial com quase o show inteiro, excetuando
duas músicas: "Cities," e "I Zimbra"/"Big
Business".
O motivo era que eu já
possuía uma fita pirata (nos anos 80 achar uma cópia
do filme além de cara era quase impossível) e ficava
sempre frustrado com o vinil. “Psycho Killer” havia
sido cortada em alguns minutos para ter um formato mais acessível
e as seqüências das canções - importantes
dentro da concepção da apresentação
- foram deixadas de lado. Por isso, quando chegou o CD ouvi várias
vezes, peguei minha velha fitinha do armário (e juro que
ainda vou comprar uma cópia melhor. Mas será em
VHS, ainda não possuo DVD) e curti novamente. Stop
Making Sense não é um simples disco ao
vivo. É uma obra de arte.
Se há uma coisa
que admiro em David Byrne é saber misturar à perfeição
música com performance. Em minha modesta opinião,
os Talking Heads só foram superados neste quesito pelo
eterno David Bowie, que possui alguns atributos a seu favor: canta
muito melhor, é mais carismático e possui vasta
experiência no assunto, já que na década de
60 abriu muitos shows do Tyrannosaurus Rex (antes de virar T.
Rex, do seu amigo Marc Bolan), como mímico. Mas Byrne chega
perto. Muito perto.
A banda atravessava um
período dolorido de reconciliação. Após
Remain in Light, de 1980, último trabalho
em parceria com Brian Eno, Jerry Harrison, Tina Weymouth e Chris
Frantz avisaram para Byrne que não queriam mais o produtor
como um quase-membro do grupo. A maior crítica vinha que
Eno era centralizador, manipulador, apesar de ser um excelente
produtor e grande músico. Tina e Chris resolveram dar um
tempo na Jamaica e fundaram o Tom Tom Club, onde explodiram com
vários singles de sucesso como “Genius of Love”
e curiosamente conseguiram vender mais discos do que todo o trabalho
dos Talking Heads.
Jerry lançou um
disco chamado The Red and The Black, além
de continuar a cultivar o hobby de fotografia. E David? Bom, ele
não parou um segundo sequer. Primeiro foi produtor do B-52’s
no disco Mesopotamia, o que menos vendeu do grupo,
apesar da extrema elaboração e cuidado de Byrne,
que havia aprendido muito com Eno. O próximo projeto foi
lançar um disco em parceria com o próprio Brian,
intitulado My Life in The Bush of Ghosts, em
fevereiro de 1981. Com alguma razão é considerado
o embrião da “world music”, tamanha a mescla
e colagem de sons. Em novembro do mesmo ano, Byrne lança
The Catherine Wheel, ainda mais estranho. Twyla
Tharp, que possuía uma companhia de dança pediu
que ele fizesse uma trilha sonora para seu espetáculo montado
na Broadway. Parecia que a banda realmente tinha chegado ao fim.
“Todos nós
estávamos cansados de ser considerados um grupo de vanguarda.
A parceria com Eno foi ótima em termos técnicos,
mas as gravações eram um pesadelo. A cada segundo
ele parava e dizia para tomarmos uma nova direção.
Só David concordava. Nós não tínhamos
liberdade para criar, que sempre foi o nosso ponto principal.
Foi por isso que eu e Chris mudamos para Nassau, após fazer
Remain in Light. Queríamos paz, e poder
voltarmos a escrever nossas músicas. Lá as casas
não têm números, apenas nomes. A nossa era
chamada de Tom Tom Club. Adoramos e resolvemos fazer um grupo
intitulado assim.”, conta Tina.
“Nosso
apartamento era perto de um rio, imenso e ficávamos ensaiando
sem parar. Muitas coisas do Speaking in Tongues
(disco do Talking Heads, de 1983) foram feitas lá. Nós
convidamos Adrian Belew, que havia tocado conosco nos álbuns
que fizemos com o Brian. Ele é um guitarrista extraordinário.”,
lembra Chris.
“Foi um convite maravilhoso.
Levei toda minha família e ficamos três semanas.
A única coisa ruim foi fazer 'Genius of Love'. A canção
toda era um 'groove' e comecei a improvisar fazendo dois longos
solos, provavelmente os dois melhores que consegui realizar em
minha carreira. E fiquei maluco quando o engenheiro de som os
apagou, porque não ia com a minha cara. Ele chegava para
mim e dizia que não queria distorção. Quando
voltei a Bahamas um tempo depois, Chris e Tina me deram uma fita
com a canção e disseram que o tal Steve tinha apagado
meus solos. Foi uma maneira chata de descobrir”, relembra
Adrian, que foi o único músico que participou de
todos os projetos solos dos integrantes do Talking Heads naquele
período.
Quando em Janeiro de 1982,
“Genius of Love” alcançou o topo das paradas
e rapidamente começou a vender que nem água, Tina
e Chris ficaram surpresos. “foi um dos discos mais tolos
da história da música e mesmo assim vendeu horrores”,
confessa Chris. Bobagem ou não, “Genius of Love”
virou uma espécie de hino para os rappers que o samplearam
à exaustão aumentando ainda mais sua popularidade.
Para saciar a saudade dos
fãs, foi lançado o álbum duplo ao vivo This
Name of This Band is Talking Heads, um trabalho peculiar,
já que pegava apresentações desde 1977, quando
a banda ainda não havia assinado com nenhuma gravadora
e mostram tocando nas salas de suas casas para alguns amigos até
a turnê de 1981, quando o grupo chegou a ter quase dez integrantes
no palco (e que finalmente será lançado em CD agora
no mês de setembro no ano de 2004!).
Após
essa separação de dois anos, Tina, Jerry e Chris
resolveram reencontar David para tentarem começar a construir
um novo disco com o nome Talking Heads. “Nós fizemos
apenas duas exigências: queríamos poder participar
de todo o processo de criação e que Eno fosse descartado.
David concordou com ambas”, explica Jerry.
David explica um pouco
como foi a gestação de Speaking in Tongues:
“Eu tive muito trabalho para poder voltar a escrever letras
diferentes do passado e além disso queria tentar cantar
de uma maneira diferente. Umas das primeiras coisas que fizemos
foi procurarmos outro guitarrista. Uma pessoa da Warner nos recomendou
Alex Weir, um excelente guitarrista-rítmico que trabalhava
com Quincy Jones. Acabamos o convidado para dar uma nova sonoridade.”
“O processo de gravação
desse disco foi muito mais gostoso, leve e agradável de
ser realizado. Na verdade foi o melhor disco que fiz com o grupo,
porque de fato, voltamos a ser uma grupo, não havia mais
a tensão que Eno impregnava, que sempre falava: 'ah, isso
é muito batido, vamos fazer algo mais experimental'. Aquilo
tudo era uma tortura. Os bons tempos haviam voltado”, conta
Chris.
Tina concorda com o marido:
“David sempre foi um cara atencioso, amigo e gentil. Ele
viu que os dois anos que ficamos separados permitiu que cada um
tivesse um ponto de vista diferente. Era nítido o esforço
que ele fazia para ser mais aberto, porque ele sempre foi o líder
da banda.”
“Após as primeiras
gravações, comecei a elaborar as letras. Eu queria
coisas meio nonsense, alegres e que pudessem casar perfeitamente
com as melodias que havíamos criado”, fala David.
O álbum foi concluído
em Novembro de 1982 e o grupo fez alguns shows. Além dos
quatro integrantes, juntaram-se ao gripo, Bernie Worrel, Steve
Scales, Alex Weir e Dolette McDonald. Nesse meio tempo, Tina teve
um filho no dia 4 de Novembro, batizado como Robert Weymouth Frantz,
em Nassau.
Speaking
in Tongues foi lançado no dia 1º de junho
de 1983 e fez um enorme sucesso. Motivado, o grupo começou
a organizar uma excursão para a divulgação,
quando acabaria sendo gravado Stop Making Sense.
Como o disco tinha um forte
apelo visual, especialmente nos clips, resolveram manter a mesma
idéia para a tour. O primeiro convidado foi o diretor Jonathan
Demme (que ganharia nos anos 90, um Oscar como diretor por Silêncio
dos Inocentes). Um filme seria realizado gravando as
quatro últimas apresentações do Talking Heads,
no Pantages Theatre, em Hollywood com um orçamento de US$1,2
milhão.
“Eu estava completamente
diferente no palco. Resolvi mudar totalmente minha postura, fazer
algo mais cênico. Eu ficava em casa inventando movimentos,
coisas que ficariam interessantes de serem filmadas. Não
me acho bom nisso, mas tentei, ainda assim, fazer coisas que ninguém
havia tentado”, confessa Byrne.
Demme contou que ficou
fascinado com o grupo ao vê-los em Los Angeles: “eles
estavam se apresentando no Greek Theatre e senti que daria um
excelente filme, devido aos movimentos e ritmos que todos tinham
em cena. Mas eu queria mostrar de uma forma direta, sem cortes.
Eu tinha visto The Last Waltz do The Band e um
show do Bowie para a HBO e fiquei irritado com os cortes bruscos
e repentinos que faziam. Minha idéia era algo mais orgânico.”
A
primeira sacada do diretor foi mostrar um palco cru, sendo montando
durante as canções. David entra sozinho acompanhado
de um violão e um gravador com uma base gravada e executa
“Psycho Killer”. Enquanto canta e toca, começa
a fazer momentos estranhos. Outra idéia era não
filmar os espectadores durante o concerto e sim apenas no final
do espetáculo. “A idéia básica era
fazer o espectador não conseguir ficar sentado enquanto
assistia ao filme, que ele desejasse estar lá”, revela
Demme. A banda tinha sofrido algumas modificações:
no lugar de Dolette, entraram as vocalistas Lynn Mabry e Ednah
Holt.
Os músicos em palco
eram: David Byrne - guitarra e voz; Tina Weymouth - Baixo, teclado
e vocal; Jerry Harrison - voz, guitarra e sintetizador; Chris
Frantz - bateria e voz; Bernie Worrell - Teclados; Alex Weir -
guitarra e voz; Steven Scales - percussão; Lynn e Ednah
- backing vocals.
O repertório era
também o mais eclético possível: além
de canções do grupo, havia uma de Byrne do projeto
Catherine Wheel (“What A Day That Was”), “Genius
of Love”, do Tom Tom Club e uma cover de “Take Me
To The River”, de Al Green.
Byrne mostra ser um performer
extraordinário, dando voltas por todo palco, brincando
com uma luminária em “This Must Be The Place (Naive
Melody)” - “realizei meu sonho de copiar Fred Astaire”
- coloca óculos de grau em “Once in a Lifetime”-
igual ao clip produzido para a canção - e deixa
todos integrantes completamentes descontraídos.
O filme teve sua primeira
exibição no Festival Internacional de San Francisco,
no dia 24 de Abril de 1984. Byrne disse que além de entreter,
esperava que o público desse boas gargalhadas. O disco
acabou sendo uma seqüência natural. Na contra-capa,
a banda fazia algumas perguntas à respeito do projeto,
entre elas, o nome Stop Making Sense, o motivo
de uma excursão, de um filme, porque os músicos
vão entrando aos poucos, qual o próximo passo dos
Talking Heads, indagando de onde vinham todos aqueles movimentos
estranhos no palco, se discos ao vivo são melhores ou piores
do que realizados em estúdio, entre outras coisas.
Um
dos motivos de Stop Making Sense ganhar uma nova
edição especial foi exatamente a falta de continuidade
que o vinil dava: “As pessoas nos perguntavam porque não
tínhamos lançado um álbum duplo ao vivo como
o This Name.., já que esse disco era muito
mais orgânico no sentindo de ser um concerto gravado e as
canções não darem o ritmo adequado. Nós
só conseguimos responder isso quando resolvemos lançar
o CD quase na íntegra em 1999, tirando "Cities,"
e "I Zimbra"/"Big Business”, que extrapolovam
o tempo de gravação em um CD”, tenta explicar
Jerry.
Vale dizer que além
da forte presença dos músicos em cena. Havia um
telão por trás que exibia palavras e expressões
que casavam com a idéia do projeto. Desde o palco extremamente
cru e frio até passando por imagens construídas
em fundos azuis e vermelhos, além do já famoso terno
gigante que David usa em algumas canções (“até
hoje não sei de onde tirei a idéia de usar um terno
seis números maior do que uso”, desculpa-se), tudo
em Stop Making Sense é um clássico.
Poucas bandas contemporâneas conseguiram misturar com tanta
beleza e habilidade o uso da imagem, música e performance.
Apenas nos anos 90, o U2, com a ZOO TV Tour, em parceria com a
MTV conseguiu um resultado superior em termos tecnológicos,
mas sem a mesma intimidade e cumplicidade com o público,
já que as apresentações eram feitas em estádios
gigantescos e frios. Stop Making Sense foi gravado
em teatros com o público perto e mais receptivo. Ouça
o disco, veja o filme. Não só um clássico
dos anos 80, e sim um dos grandes clássicos do rock.
A seguir, as canções
que apareciam no vinil, lançado em 1984, e no CD, que saiu
quinze anos depois.
LP
Lado 1
Psycho Killer
Swamp
Slippery People
Burning Down The House
Girlfriend is Better
Lado 2
Once In A Lifetime
What A Day That Was
Life During Wartime
Take Me To The River
CD
Psycho Killer
Heaven
Thank You For Sending Me An Angel
Found A Job
Slippery People
Burning Down The House
Life During Wartime
Making Flippy Floppy
Swamp
What A Day That Was
This Is Must Be The Place (Naive Melody)
Once In a Lifetime
Genius of Love (Tom Tom Club)
Girlfriend is Better
Take Me To The River
Crosseyed and Painless
Discografia
Talking Heads: 77 (1977)
More Songs About Building And Food (1978)
Fear of Music (1979)
Remain In Light (1980)
The Name of This Band is Talking Heads (1982)
Speaking In Tongues (1983)
Stop Making Sense (1984, versão quase na íntegra,
1999)
Little Creatures (1985)
True Stories (1986)
Naked (1988)
The Best Of: Once In a Lifetime (1991)
Popular Favorites: Sand in the Vaseline (1991)
Once in a Lifetime - The Best of Talking Heads (1992)
12 x 12 Original Remixes (1999)
Once In a Lifetime (Box com 3 Cds, 2003)
The Best of Talking Heads (2004)
Talking Heads Dual Disc Brick (caixa com 8 cds, 2005)
Bonus Rarities and Outtakes (2006)
Talking Heads: The Collection (2007)
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