Um dos grupos
mais subestimados da década de 80 e que fez grandes músicas
e grandes discos foi esse, de nome duplo, e fama de excêntricos.
Estouraram com a canção "It's My Life",
em 84, do álbum de mesmo nome e depois mergulharam em discos
com arranjos elaborados e que lhe renderam ao menos duas outras
obras-primas: The Colour Of Spring e Spirit Of Eden. Comandado
pelo genial e genioso Mark Hollis, o Talk Talk é outra
daquelas bandas que se procurar as músicas em sebos, ou
na internet e topar com "It's My Life", tenho certeza
que dirá, "puta adoro essa música, é
deles, então?" É. Linda, né?
A
história do Talk Talk começa com Mark um garoto
nascido em Tottenham, em 1955, e que largou a Universidade de
Sussex, em 1977, onde estudava psicologia infantil para tentar
a vida de músico.
Para isso, pediu ajuda
de seu irmão mais velho, Ed, um DJ que tinha em seu currículo
a tentativa de virar empresário, tomando conta dos bagunceiros
Eddie and the Hot Rods.
Através de Ed, acabou
formando sua primeira banda, o Reaction. Com a ajuda de alguns
amigos, acabou conseguindo gravar uma demo na Island Records.
Entre as canções, existia uma chamada "Talk
Talk", que acabou sendo usada pela gravadora independente
Beggar's Banquet em uma compilação punk chamada
Streets, escrita pelos dois Hollis.
Após o lançamento
do single "I Can't Resist", em 1978, o Reaction acabou
e Mark ficou escrevendo outras canções, até
que a Island finalmente mostrasse interesse por Mark e marcasse
algumas horas de gravação. E através de Ed
acabou conhecendo o baixista Paul Webb, o baterista Lee Harris
e o tecladista Simon Brenner, criando o Talk Talk, em 1981.
Após
várias demos produzidas por Jimmy Miller (notório
produtor dos Rolling Stones e do Traffic), Keith Apsden deixou
a Island e resolveu ser o empresário da nova banda.
Após presenciar
a primeira apresentação do Talk Talk, em Outubro,
em Londres, o DJ da BBC, David Jensen, ofereceu um horário
em seu programa em seu programa "Radio One Show".
Uma versão da canção
"Talk Talk" foi gravada no programa e lançada
em edição limitada, no single de mesmo nome. Após
ouvir as demos da Island e as apresentações, a EMI
resolveu assinar com o grupo.
A gravadora encarregou
Colin Thurston, produtor de uma banda já famosa e também
de nome duplo, Duran Duran, para tomar conta dos rapazes. O resultado
foi um primeiro single, "Mirror Man", que foi um fracasso.
O segundo, com a já
conhecida "Talk Talk", conseguiu apenas o número
52 na parada. A gravadora queria colocar o Talk Talk no filão
dos "new romantic" e conseguiram que o grupo fosse a
banda de abertura dos shows do Duran Duran, durante o ano de 1982,
no Reino Unido.
O
grupo já havia então lançado seu álbum
de estréia, The Party's Over e, no começo,
era apenas mais uma bandinha que abusava dos sintetizadores, embora
suas letras já fossem mais buriladas do que a média.
O disco começou
a vender bem, alcançando a 21ª posição
entre os mais vendidos, impulsionado pelo single "Today",
número 14 entre as mais tocadas.
O trabalho vendeu a considerável
marca de 250 mil cópias e foram o grupo de abertura dos
shows de Elvis Costello nos Estados Unidos. Apesar de um resultado
razoável, o grupo resolveu não trabalhar mais com
Colin, querendo tomar conta da produção de suas
músicas e resolveram abandonar os sintetizadores e baterias
eletrônicas, que deixava o som extremamente datado.
A EMI resolveu então
colocar novamente o single "Talk Talk" na praça
e conseguiu que a canção chegasse à 23ª
posição. Hollis resolveu então jogar uma
pá de cal sobre o passado new wave do grupo e demitiu Simon
Brenner, decretando que não voltariam a utilizar um sintetizador
novamente. Como um trio, o grupo lançou, em 1983, o single
"My Foolish Friend", que teve um resultado comercial
aquém do esperado, mas que mostrava uma clara e gradativa
maturação no som.
A
banda passou todo o restante do ano tocando e compondo canções
para um novo disco, que sairia no ano seguinte com o nome de It's
My Life.
Eles haviam convidado Tim
Friese-Green, produtor e músico habilidoso, que acabou
se tornando um membro não-oficial do grupo. O grupo resolveu
então abandonar o passado "new romantic" e partiu
para a descoberta de novas e complexas texturas harmônicas,
chegando a desprezar o disco de estréia.
O grande mérito
de Friese-Green era sua habilidade em lidar com Mark, um sujeito
extremamente difícil, além de ser um pianista talentoso
e bom arranjador, sendo co-autor das canções "It's
My Life" e "Dum Dum Boys".
Mesmo assim, Tim preferiu
não fazer parte da banda, preferindo ser um colaborador,
o que levou Mark compará-lo ao lendário pianista
norte-americano Al Kooper.
Lançada em 1984,
a canção "It's My Life" fracassou sendo
apenas o número 46 na parada de compactos. O disco de mesmo
nome foi lançado no mês seguinte e mostrava a imensa
evolução do grupo em relação ao LP
de estréia.
O trabalho mostrava que
a banda resolvera evoluir com cuidado, embora progressivamente.
O guitarrista Robbie McIntosh, que entraria nos Pretenders, no
ano em que o disco foi lançado, havia participado de algumas
faixas, mas mesmo assim o resultado decepcionou a EMI e as vendagens
ficaram longe do disco de estréia. Veja a letra da faixa-título...
It's My Life
(Mark Hollis /
Tim Friese-Greene)
Funny how I find myself
In love with you
If I could buy my reasoning
I would pay to lose
One half won't do
I've asked myself how much do you
Commit yourself
It's my life
Don't you forget
It's my life
It never ends
Funny how I blind myself
I never knew
If I was sometimes played upon
Afraid to lose
I would tell myself what good you do
Convince myself
It's my life
Don't you forget
It's my life
It never ends
I would ask myself how much do you
Commit yourself
It's my life
Don't you forget
Caught in the crowd
It never ends
O
segundo single "Such a Shame" também não
fez alarde, e o grupo partiu em uma excursão por todo o
Reino Unido.
A situação
da banda melhorou quando uma versão remix de "It's
My Life" alcançou o número 35 nos Estados Unidos
e continuou a subir nos meses seguintes, fazendo com que a EMI
recuperasse as 250 mil libras gastas com a produção
do trabalho.
O Talk Talk também
capitalizou o bom momento com mais shows, e na Holanda, foi lançado
um single contendo duas canções gravadas ao vivo
no programa de televisão "Veronica Rock Night",
em setembro.
Após um terceiro
single "Dum Dum Girl" o grupo deu uma parada. No entanto,
na Itália e nos Estados Unidos houve o lançamento
de um disco chamado It's My Mix com versões
remixadas ou estendidas de "Why Is It So Hard?", "Talk
Talk", "My Foolish Friend", "It's My Life",
"Dum Dum Girl" e "Such a Shame" e que foi
bastante importada para o Reino Unido.
Em 1985, o grupo deu uma
sumida estratégica e só em janeiro de 1986 apareceram
com uma nova canção: "Life's What You Make
It", que surpreendeu e ficou entre as 20 mais.
No
mês seguinte, saía The Colour Of Spring,
terceiro disco e que chegou ao oitavo posto entre os mais vendidos.
O LP era ainda mais bonito
que o anterior, com o grupo conseguindo combinar climas delicados,
complexos e intensos e mostrando a perfeição que
a dupla Mark Hollis e Tim Friese-Greene haviam alcançado.
Nas oito faixas ouviam-se
influências díspares como o grupo alemão Can,
o jazzista norte-americano Ornette Coleman, coros de vozes formado
por crianças, e convidados especialíssimos como
Steve Winwood, tocando um órgão Hammond, além
de outros músicos como Robbie McIntosh (novamente), Danny
Thompson, David Rhodes e Ian Curnow.
Veja a letra de "Life's
What You Make It"...
Life Is What You
Make It
(Mark Hollis / Tim Friese-Greene)
Baby, life's what
you make it
Can't escape it
Baby, yesterday's favourite
Don't you hate it
Everything's all right
Life's what you make it
Everything's all right
Baby, life's what you make it
Don't backdate it
Baby, don't try to shade it
Beauty's naked
Everything's all right
Life's what you make it
Everything's all right
Life's what you make it
Baby, life's what you make it
Celebrate it
Anticipate it
Yesterday's faded
Nothing can change it
Life's what you make it
Everything's all right
Life's what you make it
Everything's all right
Life's what you make it
Everything's all right
O
resultado agradou tanto os ouvidos e bolsos da EMI, que a gravadora
disponibilizou uma generosa quantia para a turnê promocional.
Durante a excursão,
foi lançado o segundo single "Living In Another World",
que como o predecessor, foi lançado em dois formatos distintos
em 12 polegadas, ganhando uma versão "Extended Dance
Mix" e em um luxuoso picture disc sete polegadas, uma versão
"U.S. Remix".
O disco ainda rendeu mais
duas canções de trabalho, "Give It Up"
e "I Don't Believe In You". Em alguns shows a formação
chegou a contar com até oito pessoas, e um dos mais célebres
foi uma apresentação que ocorreu em Montreux, na
França.
Mesmo com o sucesso mundial
conseguido com The Colour Of Spring, Mark Hollis
não se deixou contagiar e mostrou ser mesmo uma pessoa
com hábitos diferentes.
Deixou Londres e foi morar
em Suffolk, onde durante dois anos e meio gravava na igreja local
e não permitia que ninguém da gravadora fosse até
lá para ouvir ou mesmo ver os ensaios. Durante 14 meses
a espera foi grande e Mark não dava a menor pista de quando
estaria terminado.
Finalmente entregaram o
trabalho avisando que não haveria nenhuma canção
de trabalho, devido à complexidade das composições
e que não fariam uma excursão para promover o disco
devido ao mesmo problema.
Spirit
Of Eden foi uma ducha gelada nos planos do selo: as seis
músicas eram longas, realmente complexas, longe de qualquer
apelo comercial.
O grupo ousou misturar
Miles Davis com Debussy e Neil Young e o resultado, embora brilhante,
fez com que as discussões entre a banda e os diretores
da EMI ficassem ríspidas.
A gravadora alegava que
tinha dado dinheiro e prazo reservados apenas aos grandes nomes,
enquanto Mark argumentava que havia entregado uma obra de arte,
que segundo a gravadora seria um fracasso de vendas, o que de
fato aconteceu, apesar das várias e elogiosas críticas
sobre o disco.
Desesperada, a EMI tentou
fazer uma versão reduzida de "I Believe in You"
e lançá-la como single, mas ela fracassou miseravelmente
em seu intento.
Sabendo que havia cometido
um suicídio comercial", Mark não ficou surpreso
quando foram dispensados ao final do contrato. Rapidamente assinaram
com a Polydor. Surpresa mesmo foi ver sua ex-casa lançar
uma coletânea, Natural History: The Very Best Of
Talk Talk, em Março de 1990, que alcançou
o Top 40 e vendeu mais de um milhão de cópias.
Enquanto a banda preparava
seu novo disco, a EMI resolveu novamente capitalizar em cima e
lançou History Revisited: The Remixes,
o que fez Keith Aspen criticar a forma vergonhosa com que o selo
remexia as sobras da banda.
"Se não queriam
mais o grupo, porque lançam agora duas coletênas
do Talk Talk? O grupo voltou a ser comercial ou é apenas
uma forma de exploração?", vociferou o empresário
da banda.
E em Novembro de 1991,
lançam o primeiro disco pela nova casa, Laughing Stock,
mantendo a mesma linha do disco anterior: poucas faixas, músicas
longas, belos arranjos e, novamente, um fracasso comercial.
Para aumentar a importância,
o disco tinha no selo a marca Verve, selo famoso pela suas investidas
no jazz e a própria Verve resolveu lançar uma edição
limitada de três pictures cds com versões alternativas
das músicas.
Após
o disco, a banda acabou se separando e várias coletâneas
foram lançadas, mas o melhor lançamento póstumo
foi o London 1986, que captura o grupo tocando
na turnê de seu melhor ano.
Mark sumiu durante seis
anos e apenas no início de 1998 reapareceu com um brilhante
disco-solo, apenas com seu nome e um memorável caleidoscópio
que misturava jazz, ambient e folk music.
O lançamento foi
considerado um dos mais intimistas já feitos por um artista
vindo do rock e cheio de complexidade. Mark Hollis reafirmou seu
talento genuíno e a busca pela perfeição,
ainda que para isso tivesse que abrir mão de altas vendagens.
Sua volta após
seis anos é a prova de que a qualidade ainda é sua
a maior preocupação. Ou como disse o prório
Mark em uma entrevista ao lançar seu disco solo: "algumas
pessoas acham que o som é o componente mais importante
de uma canção. Considero isso uma simplificação
pois o silêncio é tão importante e belo quanto
uma nota. Essa referência eu tenho ouvindo durante anos
e anos vários artistas de jazz, onde você literalmente
pode ouvir o músico tomando fôlego e dando alguns
segundos para que a música possa soar sem a presença
de um instrumento. Assim como a poesia, é necessário
um pequeno intervalo para que o ouvinte possa ter chances para
digerir e compreender o real significado. Em meus discos com o
Talk Talk sempre busquei esse equilíbrio, e apesar de várias
brigas com as gravadoras e o alto custo e a lentidão das
composições, quero acreditar que fui bem sucedido
nesse ponto. A música tem seu espaço, assim como
o silêncio, ou do contrário, seríamos apenas
produtores de camadas e camadas de sons e ruídos."
Quase
todos os discos da banda saíram no Brasil e você
pode achá-los e descobrir que os anos 80 não foram
nada ruins como alguns gostam de entoar.
Obviamente, em todas as
décadas há coisas ótimas e os lixos, assim
como em cada estilo, e certamente o Talk Talk é uma rara
e desconhecida banda que merece ser ouvida.
Deixo vocês com a
discografia do Talk Talk. Até a próxima coluna e
um abraço!
Discografia
The Party's Over (1982)
It's My Life (1984)
It's My Mix (1984)
The Colour Of Spring (1986)
Spirit Of Eden (1988)
Natural History: The Very Best Of Talk Talk (1990)
Laughing Stock (1991)
History Revisited: The Remixes (1991)
The Very Best Of Talk Talk (1997)
Asides And Besides (1998)
London 1986 (1999)
The Collection (2000)
Essential (2003)
Introducing (2003)
Time It's Time (2003)
Solo de Mark Hollis
Mark Hollis (1997)
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