351 - Rory Gallagher - Tattoo

Anos atrás falei de Irish Tour e sempre senti vontade de contar um pouco a história do jovem Rory Gallagher, desde os primeiros passos, passando pelo Taste e até se tornar um dos grandes nomes do rock dos anos 70. Essa coluna mostrará os primórdios desse músico extremamente talentoso e que tanta falta faz hoje.


A música sempre esteve no sangue de Rory Gallagher, desde muito cedo.

Para esse irlandês, nascido no dia 2 de março de 1948, em Ballyshannon, County Donegal, e que se mudou com a família, primeiro para Derry, onde nasceu seu irmão Dónal, em 1949, e, depois, para Cork, em 1950.

Para ele, não havia outra saída do que fazer da arte sua vida e o sonho de William Rory Gallagher começou a se realizar aos 9 anos quando ganhou seu primeiro violão e começou a aprender sozinho os rudimentos do instrumento.

No ano seguinte, inicia uma série de apresentações em concursos amadores, vencendo um deles, aos 12 anos, em Cork, quando comprou sua primeira guitarra elétrica. Com um violão e a guitarra começa a se apresentar.

Aos 13 anos entra em seu primeiro grupo e, em 1963, aos 15 anos, compra a famosa Fender Stratocaster Sunburst 1961, que o acompanharia por toda a vida, por 100 libras, uma pequena fortuna naqueles dias.

Sua primeira paixão foi o skiffle, após conhecer Lonnie Donegan. Através das ondas de rádio se apaixona pelo blues e pelo rock de Buddy Holly e Eddie Cochran.

Fontana Show Band. Rory está ajoelhado, ao centroSem condições de comprar discos, grudava os ouvidos nas rádios Luxembourg and AFN e aprendia o que podia de música, especialmente de seu ídolo Muddy Waters.

Uma curiosidade: as duas emissoras chegaram a ser citadas por Van Morrison na canção "In the Days Before Rock 'N' Roll" -, do álbum Enlightenment, de 1990: "And I'm searching for Luxembourg, Luxembourg, Athlone, Budapest, AFN, Hilversum, Helvetia".

Assim como Rory, Van ouviu muito as duas emissoras e apurou seus ouvidos, embora seu tivesse uma gigantesca coleção de discos de blues e jazz.

No ano seguinte, integra os Fontana Show Band, que depois seria rebatizado de The Impacts, com amigos da escola. A banda consistia em Rory Gallagher (guitarra solo); John Lehane (sax); Eamon O'Sullivan (bateria); Declan O'Keeffe (guitarra-base); Oliver Tobin (baixo); Bernard Tobin (trombone e sax).

E foi com o Impact, que causa uma pequena confusão, onde dá sinais de seu verdadeiro talento. A banda iria participar do programa Pickin' The Pops, um programa da televisão irlandesa e Rory deixou os demais integrantes furiosos ao tocar "Slow Down", de Larry Williams, ao invés da combinada "Valley of Tears", de Buddy Holly.

Rory já usava cabelos compridos, tinha fama de rebelde e cativou a platéia.

"Rory causou grande impressão e surpreendeu todo mundo ao fazer algo completamente diferente. Ele era único e mudou toda a cena de showband", conta Larry Gogan, que era o DJ residente do local.

O Impact fez uma pequena excursão pelo Reino Unido e até uma viagem pela Alemanha - quase uma obrigação para as bandas britânicas da época - onde se separaram.

Rory dificultava ao máximo a vida dos companheiros. Na época, as bandas de showband tocavam as músicas das paradas e tal obrigação irritava Rory, que queria tocar o que apreciava.

Apesar de ter um gênio forte, Rory sempre preferiu canalizá-lo na música, ao invés de entrar em gangues como era costume, sempre tendo a companhia do irmão Dónal.

Rory queria uma atitude mais rebelde e independente dos colegas, inspirado no que ouvia e via nos Beatles e nos Rolling Stones. E foi nos Stones que descobriu Brian Jones, que o inspirou a tocar slide guitar. "Brian foi um dos músicos mais substimados de todos os tempos."

Essa liberdade o fez largar o grupo e montar uma banda dentro dos parâmetros que desejava: nascia o Taste.

A primeira formação do trio trazia, além de Rory, Eric Kitteringham (baixo) e Norman Damery (bateria).

Eric e Norman integravam o Axills e o Taste nasceu de um show em que os dois mais Rory tocaram no mesmo dia em que o Axills fazia um de seus últimos shows.

"Por causa disso, algumas pessoas acharam que eu fazia parte da banda, o que não era verdade, apenas tocamos juntos, no mesmo dia. E formamos o Taste", conta Rory.

O Taste era, a grosso modo, um acompanhamento para Rory desfilar toda sua técnica e suas canções.

O trio começou a construir um culto com shows na Alemanha, Irlanda do Norte, onde eram frequentadores regulares do Maritime Hotel, local, aliás, homenageado no disco Irish Tour. A experiência de palco era extenuante - chegaram a tocar sete horas consecutivas em Hamburgo - e o grupo vivia o dilema de ser obrigado a ser apresentar em ballrooms - locais destinados às showbands -, o que desagradava Rory.

Além disso, havia uma lei do sindicato dos músicos da Irlanda, que obrigava uma banda a ter, no mínimo, sete ou oito músicos. O Taste era um trio. A saída era chamar alguns amigos e pedir para que pegassem alguns instrumentos e fingissem que eram músicos.

"Imagine a nossa vergonha após 15 ou 20 minutos de show, quando ficava claro que apenas eles três tocavam e nós apenas fazíamos mímica", conta Dónal Gallagher.

Com tantos problemas em Cork, o trio acabou indo para Belfast, cidade portuária que amava os blues, especialmente os LPs que vinham da América e entravam pelo porto da cidade.

Nessa época, Rory já tinha desenvolvido um estilo muito superior aos seus contemporâneos.

Apesar de não ter tido aulas formais, enfiava o nariz em livros e estudava sem parar. Em Belfast, nascia o verdadeiro Taste.

Infelizmente, a primeira formação do grupo acabou em 1968, quando entraram Richard McCracken (baixo) e John Wilson (bateria). A banda resolve mudar para Londres, para terem mais chances.

A estadia em Londres logo deu resultado e, em 1969, assinam com a Polydor, que lança o primeiro LP, Taste.

Produzido por Tony Colton, o disco trazia nove números, sendo cinco canções inéditas de Rory.

O Taste seguia a linha de power trio, assim como o Cream e o The Jimi Hendrix Experience e contaram com um entusiasmado fã: John Lennon, que elogiou o grupo no semanário New Musical Express.

O LP trazia as seguintes faixas:

Lado A

1. Blister On The Moon (Gallagher)
2. Leaving Blues (Huddie Ledbetter aka Leadbelly)
3. Sugar Mama (Trad. arr. Gallagher)
4. Hail (Gallagher)
5. Born On The Wrong Side Of Time (Gallagher)

Lado B

1. Dual Carriageway Pain (Gallagher)
2 . Same Old Story (Gallagher)
3 . Catfish (Trad. arr. Gallagher)
4 . I'm Moving On (Hank Snow)

No ano seguinte, 1970, a banda lança um segundo LP, On The Boards e saem em excursão pela Escandinávia, EUA e Canadá, quando abrem para a mais nova banda de Eric Clapton, Blind Faith.

A banda encerra as atividades naquele ano, após a lendária participação no Festival Isle of Wight, que viraria um álbum póstumo.

Produzido novamente por Tony Colton e tendo todas as composições assinadas por Rory, On The Boards conseguiu uma boa vendagem, mostrando que a música de Gallagher tinha potencial econômico.

O LP trazia as seguintes faixas:

Lado A

1. What's Going On
2. Railway and Gun
3. It's Happened Before, It'll Happen Again
4. If the Day Was Any Longer
5. Morning Sun

Lado B

1. Eat My Words
2. On the Boards
3. If I Don't Sing I'll Cry
4. See Here
4. I'll Remember

A partir daí, Rory começaria uma bem sucedida carreira-solo, criando a Rory Gallagher Band.

As várias formações da RGB até sua morte foram:

1970 - 1972 - Rory (guitarra e vocal), Gerry McAvoy (baixo) e Wilgar Campbell (bateria).

1972 - 1976 - Rory (guitarra e vocal), Gerry McAvoy (baixo), Rod D'eath (bateria) e Lou Martin (teclados).

1976 - 1981 - Rory (guitarra e vocal), Gerry McAvoy (baixo) e Ted McKenna (bateria).

1981 - 1991 - Rory (guitarra e vocal), Gerry McAvoy (baixo) e Brendan O' Neill (bateria).

1992 - 1994 - Rory (guitarra e vocal), David Levy (baixo), Jim Levaton (teclados), John Cooke (teclados), Richard Newman (bateria) e Mark Feltham (gaita).

Sem o Taste, Rory acabou convidando o baixista Gerry McAvoy (seu mais fiel escudeiro em toda a carreira) e o baixista Wilgar Campbell para um novo início. Em 1971, Rory lança seu primeiro disco, que levaria apenas seu nome.

Produzido e escrito inteiramente por Rory, o disco mostra um artista maduro, que ainda tocou bandolim, sax e gaita, tendo Vicent Crane como convidado, ao piano. O álbum teve boa repercussão e vendeu mais de 100 mil cópias.

O LP trazia as seguintes faixas

Lado A

01. "Laundromat" - 4:38
02. "Just The Smile" - 3:41
03. "I Fall Apart" - 5:12
04. "Wave Myself Goodbye" - 3:30
05. "Hands Up" - 5:25

Lado B

01. "Sinner Boy" - 5:04
02. "For The Last Time" - 6:35
03. "It's You" - 2:38
04. "I'm Not Surprised" - 3:37
05. "Can't Believe It's True" - 7:16

No mesmo ano é editado o segundo álbum, Deuce, que manteve o mesmo ritmo e sucesso. Rory não parava de gravar e excursionar.

Como curiosidade, vale dizer que Deuce foi um dos discos chaves na carreira de Johnny Marr, ex-guitarrista dos Smiths.

Mais uma vez Rory assinou a produção e todas as canções, tendo apenas Gerry e Wilgar como companheiros dentro do estúdio.

O LP trazia as seguintes faixas:

Lado A

01. "I'm Not Awake Yet" - 5:24
02. "Used to Be" - 5:06
03. "Don't Know Where I'm Going" - 2:42
04."Maybe I Will" - 4:15
05."Whole Lot of People" - 4:57

Lado B

01. "In Your Town" - 5:47
02. "Should've Learnt My Lesson" - 3:36
03. "There's a Light" - 5:59
04. "Out of My Mind" - 3:05
05. "Crest of a Wave" - 6:00

capa do LP Live In EuropeCapa do CD Live In Europe

O ano de 1972 seria o começo de sua virada. Perto de sua maturidade musical, Rory lança um dos melhores álbuns ao vivo da década, Live In Europe, mostrando que tinha muita bala na agulha. Azeitados após dois anos e inúmeras apresentações, o trio esbanjava técnica e inventividade e foi o primeiro LP de Gallagher a fica no Top 10 no Reino Unido.

O LP trazia apenas sete músicas, aumentadas para nove, em CD. O LP trazia as seguintes faixas:

Lado A

1. "Messin' With the Kid" (Wells)
2. "Laundromat" (Rory Gallagher)
3. "I Could've Had Religion" (Trad. Arr: Rory Gallagher)
4. "Pistol Slapper Blues" (Blind Boy Fuller)

da esquerda para a direita: Gerry, Rod, Rory e LouLado B

1. "Going to my Hometown" (Rory Gallagher)
2. "In Your Town" (Rory Gallagher)
3. "Bullfrog Blues" (Trad. Arr: Rory Gallagher)

Em CD, foram acrescidas as músicas "What In The World" (Trad. Arr: Rory Gallagher) e "Hodoo Man" (Trad. Arr: Rory Gallagher), entre "In Your Town" e "Bullfrog Blues".

Em uma entrevista dada a Mick Rock, jornalista e fotógrafo da Rolling Stone e publicada no relançamento em CD, Rory falava de sua maneira de trabalhar, organizando tudo cuidadosamente e da alegria de ter total liberdade artística por parte da Polydor.

Palco e estúdio pareciam o binômio ideal para Rory, que entra 1973 com a idéia de lançar dois LPs. E o trio agora seria um quarteto, com a saída do baterista Wilgar Campbell e as entradas de Rod D'eath (bateria) e Lou Martin (teclados).

capa do relançamento em CDcapa do LP original

Em ótima forma, o quarteto produz Blueprint. Com produção de Rory e todas as faixas compostas por ele, o disco foi um outro sucesso comercial e trazia as seguintes faixas:

Lado 1

1. "Walk on Hot Coals" – 7:03
2. "Daughter of the Everglades" – 6:13
3. "Banker's Blues" – 4:46
4. "Hands Off" – 4:31

Lado 2

1. "Race the Breeze" – 6:54
2. "Seventh Son of a Seventh Son" – 8:25
3. "Unmilitary Two-Step" – 2:49
4. "If I Had a Reason" – 4:30

Em CD viriam, de bônus, "Stompin' Ground" e "Treat Her Right".

No mesmo ano, Rory volta aos estúdios e lança aquele que é considerado seu melhor disco, ao lado de Irish Tour: Tattoo.

Esse e Blueprint seriam boa parte do repertório de Irish Tour, a próxima turnê mundial de Rory.

Com o entrosamento adquirido nos palcos, o quarteto daria arranjos definitivos às canções, especialmente "Tattoo'd Lady", "Cradle Rock" e a brilhante "A Million Miles Away".

O LP trazia as seguintes faixas:

Lado A

01. "Tattoo'd Lady" - 4:34
02. "Cradle Rock" - 6:15
03. "20:20 Vision" - 4:02
04. "They Don't Make Them Like You Anymore" - 4:05
05. "Livin' Like A Trucker" - 4:19

Lado B

01. "Sleep On A Clothes Line" - 5:13
02. "Who's That Coming" - 7:09
03. "A Million Miles Away" - 6:55
04. "Admit It" - 4:19

Em CD foram lançadas as faixas bônus "Tucson, Arizona " e "Just A Little Bit".

Tattoo consolidaria a carreira de Rory, que mostrava-se um compositor de mão cheia e que não tinha medo de transitar em diversos estilos como o rock and roll, jazz, blues, sempre com muita consistência.

Por isso é, sem dúvida, um dos melhores discos da década e um dos preferidos dos fãs.

O sucesso que viria com Irish Tour no ano seguinte, dava apenas a medida do que já estava previsto: sucesso e prêmios como destaque em várias revistas do planeta.

Deixo vocês com a discografia completa do mestre. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

com o Taste

Taste (1969)
On The Boards (1970)
Live Taste (1971)
Live at the Isle of Wight (1972)
In the Beginning, an early Taste of Rory Gallagher (1974)
Take It Easy Baby (demo sessions, 1974)
Rock Is Dead (2008)

Solo

Rory Gallagher (1971)
Deuce (1971)
Live In Europe (1972)
Blueprint (1973)
Tattoo (1973)
Irish Tour (1974)
Against The Grain (1975)
Calling Card (1976)
Photo Finish (1978)
Top Priority (1979)
Stage Struck (1980)
Jinx (1982)
Defender (1987)
Fresh Evidence (1990)
Etched In Blue (1991)
BBC Sessions (1999)
Let's Go To Work (2001)
Wheels Within Wheels (2003)
The Big Guns: The Very Best of Rory Gallagher (2005)
Live at Montreux (2006)
The Essential (2008)
Notes from San Francisco (2011)

 

 

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