01 - Teenage Fanclub

Quando montei esse site tinha como idéia chamar algumas pessoas para postar textos e aumentar a pluralidade do espaço. A idéia rendeu algumas colaborações já, mas eu pensei em ter alguns membros mais fixos e parece que a idéia deve, finalmente, vingar. E estreando esse monte de gente boa está um velho conhecido e amante da Escócia, incluindo o Celtic. Pedro é simplesmente obcecado pelo bom rock feito na terra do uísque e do Jesus and Mary Chain e não poderia deixar de ser apaixonado pela instituição Teenage Fanclub. Sendo assim, ele nos brinda com uma excepcional biografia da banda em sua estréia nesse site no "On The Rocks", com uma discografia completa. Espero que Pedro (e os demais) possam iluminar o site por um bom tempo. Valeu Pedro! Segue a história...


Teenage Fanclub: a conquista do pop perfeito

Por Pedro Damian

da esquerda para a direita: Francis MacDonald, Gerard Love, Norman  Blake e Raymond McGinleyNão foram poucas as bandas que, na história do rock, dedicaram-se a apurar suas melodias, limando ruídos e caprichando nos vocais, em busca de um gênero muito falado mas pouco definido, o pop perfeito.

Pois bem, se há um grupo que nunca procurou se encaixar em rótulo algum, mas é o que vem produzindo as melhores canções dos últimos dez anos, este atende pelo nome de Teenage Fanclub.

O grupo escocês hoje é formado por quatro membros, três dos quais excelentes compositores (o guitarrista e vocalista Norman Blake, o baixista Gerard Love e o guitarrista Raymond McGinley) e um competente baterista (Francis MacDonald). Surgiu em 1989, quando Norman e Raymond se juntaram a Gerard Love para um novo projeto.

Os três tocavam no Boy Hardresses, banda que compôs um único single, desde 1987, sendo que Blake ainda fez parte de outra conceituada banda escocesa, o BMX Bandits, nesse meio tempo. Da primeira formação também fez parte o baterista atual, Francis MacDonald, que também tocava no BMX.

capa do disco A Catholic EducationSem gravadora, os quatro músicos tiraram dinheiro do próprio bolso para bancar o seu primeiro álbum, A Catholic Education que, bem menos produzido e muito mais barulhento que os trabalhos atuais, trouxe o primeiro e um dos grandes clássicos do TFC até hoje, "Everything Flows".

Era o ano de 1990, e o mundo estava para ser chacoalhado pelo fenômeno Nirvana.

A Catholic Education pode ser considerado até um predecessor do movimento grunge, embora seja evidente que os músicos escoceses, mesmo sem serem gênios em seus instrumentos, revelavam muito mais qualidade técnica que os seus contemporâneos norte-americanos.

Neste início de carreira, a santíssima trindade de influências da banda (Neil Young, Big Star e Byrds) ainda não havia se configurado totalmente. Havia ecos do bardo canadense, porém o power pop da Grande Estrela e as harmonias vocais dos Byrds foram sendo utilizadas nos trabalhos posteriores. A Catholic Education soa, na verdade, como um Sonic Youth com cérebro e emoção.

capa do disco BandwagonesqueTrabalhadores incansáveis na busca da eterna evolução musical, os escoceses produziram sua primeira obra-prima no disco posterior, Bandwagonesque, com Brendan O'Neil na batera.

Com melodias afinadas, letras irônicas e vocais harmoniosos, conquistaram crítica e público britânicos (e também norte-americanos, já que este foi considerado "disco do ano" pela conceituada revista Spin, superando Nevermind, do Nirvana, e Out of Time, do R.E.M.).

Pela primeira vez a influência de Big Star eqüilibra-se com a de Neil Young - enquanto os vocais passam a remeter aos Byrds.

Ao contrário do disco anterior, que tinha em "Everything Flows" seu grande destaque, Bandwagonesque traz diversos clássicos do Teenage Fanclub: "Alcoholiday", "The Concept", "Star Sign", "Metal Baby", "What You Do To Me" e "December".

Nessa época já estavam no lendário selo Creation (e até hoje a "descoberta" do Teenage é colocada como ponto alto do currículo do seu ex-proprietário, Alan McGee - e olha que o empresário lançou outras celebridades como Oasis, Primal Scream e My Bloody Valentine).

Gerard e RaymondA fama da banda chegou até os ouvidos da DGC (Geffen, uma importante gravadora norte-americana, que acabou firmando um contrato com o TFC para representá-lo nos EUA substituindo o selo Matador nesse papel).

Na verdade, era a mesma gravadora do Nirvana, co-responsável pelo estouro mundial da banda de Kurt Cobain.Antes de começarem a produzir o terceiro álbum, chamado Thirteen (nome de uma música do Big Star), surgiram alguns enroscos na carreira do TFC.

Primeiramente, por exigência contratual com a Matador, tiveram que entregar várias músicas para um EP.

Porém, o selo recusou as canções (a maioria instrumental, entre elas "Interestellar Overdrive", cover do Pink Floyd, somadas a uma inacreditável cover de Madonna, "Like a Virgin", que fez muito sucesso no meio alternativo da época), e os escoceses, novamente, tiraram dinheiro do bolso para lançar as músicas em um EP chamado The King.

O segundo enrosco foi a proposta da Geffen de transformar o Teenage Fanclub em um "novo Nirvana". Sabendo valorizar o seu trabalho, e também que música não é um produto para ser consumido como sorvete, os escoceses deram um pé na gravadora e ficaram somente com a Creation.

Esse relacionamento não foi nada amigável, o que pode ser sentido na música "Commercial Alternative", do álbum Thirteen, composta por Norman Blake em homenagem ao ex-chefe David Geffen.

Raymond, Norman, Brendan e GerardO álbum é considerado por alguns um ponto menor na carreira do TFC.

Um engano, já que não há pontos baixos na impressionante carreira dos escoceses, toda construída sobre belas e bem trabalhadas canções.

A essa altura, os vocais a lá Byrds já se destacavam sobre as guitarras ruidosas de Norman e Raymond, em músicas célebres como "Hang On", que começa com um barulho infernal e vai passando lentamente a uma das mais doces melodias já compostas, "Song to the Cynic", "Fear of Flying", "Norman 3" e "120 minutes". A primeira prensagem do disco trouxe um adicional fantástico para o crescente grupo de fãs da banda: nada menos de seis faixas extras.

Foi em Thirteen que os integrantes do TFC passaram a dividir irmanamente as faixas a serem incluídas em seus discos. A partir deste trabalho, o TFC inclui, com raras exceções, 12 músicas em seus CDs, quatro cantadas e compostas para cada integrante da banda, assegurando espaço exatamente igual para cada integrante dentro do grupo.

Graças a esta divisão é que podemos comprovar a qualidade e a competência de Norman Blake, Gerard Love e Raymond McGingley - este começou mais tímido na banda, deixando as composições nos dois primeiros discos a cargo e Norman e Gerard. Mas em Thirteen já se ouve suas primeiras obras-primas, como "120 minutes".

capa do disco Grand PrixO disco era um primor técnico, porém, em termos comerciais não rendeu o esperado pela banda. Em outras palavras, vendeu pouco. Mais problemas viriam pela frente.

O baterista Brendan O'Hare abandona o grupo e deixa as baquetas para Paul Quinn, do Soupdragons.

Porém, o Teenage Fanclub é daquelas bandas que crescem frente às adversidades. As críticas desfavoráveis, a troca de baterista e as baixas vendas de Thirteen não foram empecilhos para que os escoceses realizassem a seguir o que é considerado por muitos críticos o grande disco dos anos 90: Grand Prix.

Lançado em 1995, em pleno olho do furacão Oasis, Grand Prix não só não rivalizou com o badalado "(What's the Story) Morning Glory?" da banda de Manchester, como ganhou a simpatia dos irmãos Gallagher que, na época, afirmavam que o Teenage Fanclub era "a segunda melhor banda do mundo". Atrás do Oasis, claro.

Norman, Raymond e GerardO disco, que traz na capa a frente de um carro de Fórmula 1, é uma Ferrari, se formos utilizar uma metáfora automobilística.

Da música que abre, "About You", até a última, "Hardcore/Ballad", não há um só ponto baixo. É o chamado disco perfeito, que deixa a concorrência (no caso gente como Blur, Oasis, Pulp e congêneres), comendo poeira a quilômetros de distância.

Difícil é encontrar o pico entre tantos pontos altos. A música que a maioria dos teenegemaníacos aponta entre a "melhor das melhores" é Neil Jung (que causou comoção no público que foi assisti-los nos inesquecíveis shows que realizaram no Brasil, em 2004).

Com um riff de guitarra que deixaria um dos homenageados do título (Neil Young, o outro é o psicanalista Carl Jung) babando, Norman transforma-se em um velho amigo que aconselha seu companheiro apaixonado por uma garota bem mais nova. Quem disse que psicanálise e rock são inconciliáveis?

capa do disco Songs From Northern BritainSongs From Northern Britain, de 1997, foi o álbum que teve a difícil tarefa de manter em alta a qualidade musical do Teenage Fanclub.

E os escoceses conseguiram isso com um pé nas costas. E por um motivo muito simples: todos estavam muito felizes, principalmente Norman e Gerard, agora casados e com filhos.

Sabendo-se deste fato, pode-se compreender porque Songs... está menos roqueiro... Menos Neil Young solo, mais Byrds e Crosby, Still, Nash e Young - e alguma coisa ainda de Big Star.

Belas canções, arranjos orquestrais, letras românticas (sugerindo que este ainda é um mundo agradável de se viver) e um honesto arrebatamento poucas vezes encontrado em um grupo de rock. Os três estavam em um astral tão positivo que até abriram espaço para o "quarto Teenage" Francis MacDonald, novamente de volta ao grupo na bateria, compor uma das mais lindas melodias do álbum, "Planets".

Antes de ter sido tocada nos shows do TFC no Brasil, Mr. Francis fez a gentileza de tocá-la em terras tupiniquins um ano antes, quando veio com sua banda paralela, Nice Man. É outro trabalho onde não se consegue distinguir uma música que seja considerada "melhor". Ainda sim, pode-se dizer que "Songs..." é o disco que traz "Ain't That Enough", "Start Again", "I Don't Want Control of You" e "Your Love Is the Place Where I Come From", clássicos absolutos da banda.

capa do disco Howdy!Se o Teenage Fanclub tivesse parado nesse disco, poderia-se dizer que sua contribuição para a qualidade musical do rock foi das maiores. Mas os escoceses continuaram, para a felicidade geral de seus fãs, e lançaram mais dois bons discos. Como acabam de fundar sua própria gravadora, é de se esperar que mais pérolas venham a ser compostas no futuro.

Três anos depois de Songs From Northern Britain o Teenage lança Howdy!, que traz Raymond particularmente inspirado, com grandes composições ("I Can't Find My Way Home", "Happiness" e "My Uptight Life"), assim como os sempre inspirados Norman Blake (em "Accidental Life" e "Stright and Narrow) e Gerard Love (em "I Need Direction", o grande clássico do disco).

Em termos comerciais, é um disco de transição, já que os escoceses haviam saído da Creation, após a dissolução do selo, e procuravam gravadora durante o processo de criação. Mas nem tudo isso atrapalhou o lançamento de outro álbum magnífico.

Raymond, Norman e GerardEntre 2000, ano de Howdy, e 2005, quando lançaram o último disco, Man Made, o Teenage Fanclub esteve presente no mercado com duas obras.

A primeira, a coletânea Four Thousand Seven Hundred and Sixty-Six Seconds: A Short Cut to Teenage Fanclub, que traz em seu título a contagem exata dos segundos das 21 obras-primas inseridas (inclusive as inéditas "The World'll Be OK", "Empty Space" e "Did I Say").

A segunda, Words of Wisdom and Hope, uma bem-intencionada parceria com Jad Fair, do Half Japanese. Um disco que vale pela curiosidade do encontro da perfeição musical do TFC com os vocais dementes do norte-americano.

Em 2005 o Teenage Fanclub abre sua própria gravadora, PeMa e, por meio dela, lança seu último trabalho, Man -Made. Nele, a qualidade, tanto das letras como das canções, continua a mesma. Houve um toque do produtor John McEntire, líder da banda de pós-rock Tortoise, porém nada que descaracterizasse o som dos escoceses.

Mas há que se notar um ponto. Em Man-Made, de uma maneira geral, percebe-se que Norman Blake continua o mesmo: às vezes irônico, às vezes sério, e mestre na composição de melodias absolutamente perfeitas.

Raymond e GerardSão deles as novas obras-primas "It's All In My Mind", em que comenta a inexorável passagem do tempo e a necessidade de se aproveitar os bons momentos da vida; "Cells", uma emocionante balada; "Flowing", maravilhoso power pop que lembra muito Badfinger e também uma canção dos conterrâneos Captain America chamada "Breakfast", e a rapidinha "Fallen Leaves", um rock bem básico.

As diferenças para os álbuns anteriores estão nos outros dois gênios da banda: Gerry Love parece mais com os pés no chão, embora com a mesma verve poética de sempre. "Born Under a Good Sign" não se parece com nada do que ele tenha feito antes.

É uma canção com suingue, malícia, enfim, nada a ver com o estilo Gerry de compor. Mesmo assim, é perfeita. Suas outras colaborações no disco são "Time Stops", esta sim, uma balada de arrancar lágrimas, e as igualmente emocionantes "Save" e "Fallen Leaves".

Por seu lado, Raymond McGinley cada vez está compondo e cantando melhor. Depois das bárbaras "Happiness" e "I Can’t Find My way Home", do Howdy!, Ray produziu mais duas obras de arte em Man-Made: "Nowhere" e "Only With You", onde despeja um romantismo digno de seus dois companheiros geniais. "Feel" e "Don’t Hide" estão em um nível inferior – se bem que nível inferior em se tratando de Teenage Fanclub ainda seja superior a tudo o que é feito hoje no mundo pop-rock. Entretanto, são rocks bem agradáveis.

Com a constante melhora de Raymond nas elaboraçõe de canções e também no vocal, o Teenage Fanclub ganha mais uma arma para se manter no mais alto posto do rock de qualidade feito hoje no planeta.

Discografia

Discos

A Catholic Education (Creation / Matador) (1990)
The King (Cration / Geffen) 1991)
Bandwagonesque (Creation / Geffen) (1991)
Thirteen (Creation / Geffen) (1993)
Grand Prix (Creation / Geffen) (1995)
Songs From Northern Britain (Creation / Columbia) (1997)
Howdy! (Columbia) (2000)
Man-Made (PeMa) (2005)

Coletâneas

Peel Sessions (Strange Fruit) (1991)
Deep Fried Fanclub (Paperhouse/Fire) (1995)
Four Thousand Seven Hundred and Sixty-Six Seconds: A Short Cut to Teenage Fanclub (Columbia) (2003)

Singles

Everybody's Fool [7 Single] (Matador) (1990)
Everything Flows [7 Single] (Paperhouse) (1990)
Everything Flows (Paperhouse) (1990)
God Knows It's True [Matador] [7 Single] (Matador) (1990)
God Knows It's True [Matador] (Matador) (1990)
God Knows It's True [Paperhouse] [7 Single] (Paperhouse) (1990)
God Knows It's True (Paperhouse) (1990)
The Ballad of John and Yoko (Paperhouse) (1990)
Star Sign [Heavy Metal 6] (Creation) (1991)
Star Sign [Like a Virgin] (Creation) (1990)
Star Sign Creation (1991)
The Concept [7 Single] (Creation) (1991)
The Concept Creation (1991)
Free Again/Bad Seeds (1992)
What You Do to Me [UK] (Creation) (1992)
What You Do to Me [US] (DGC) (1992)
Australian Tour Sampler (DGC) (1993)
Hang On (Creation) (1993)
Norman 3 (Creation) (1993)
Radio (Creation) (1993)
Mellow Doubt [Alternative Version] (Creation) (1995)
Mellow Doubt [Db Version] (Creation) (1995)
Mellow Doubt (Creation) (1995)
Neil Jung [#1] (Creation) (1995)
Neil Jung [#2] (Creation) (1995)
Sparky's Dream [#1] (Creation) (1995)
Sparky's Dream [#2] (Creation) (1995)
Teenage Fanclub Have Lost It Creation (1995)
Ain't That Enough [#1] (Creation) (1997)
Ain't That Enough [#2] (Creation) (1997)
I Don't Want Control of You [#1] (Creation) (1997)
I Don't Want Control of You [#2] (Creation) (1997)
Start Again [#1] (Creation) (1997)
Start Again [#2] (Creation) (1997)
I Need Direction [#1] (Columbia) (2000)
I Need Direction [#2] (Columbia) (2000)
Dumb Dumb Dumb (Sony International) (2002)
Near to You (Import) (2002)
Born Under a Good Sign (PeMa) (2005)
Fallen Leaves (PeMa) (2005)