No meio dos anos
80, mais precisamente em 1986, o mundo pop foi sacudido por uma
canção diferente, que misturava um country com um
ritmo pré-gravado e um casal totalmente diferente, munidos
de violões cantando "o futuro é tão
brilhante que preciso usar óculos escuros". E se a
música era estranha, o casal com seu visual hippie não
deixava nada a desejar. Assim, o mundo conhecia o estranho duo
Timbuk 3, que deixou ao menos um disco inesquecível e letras
repletas de sátiras. Com uma mistura inusitada de country
com bateria eletrônica, o Timbuk 3 está entre os
artistas mais curiosos e bacanas que já apareceram no meio
pop.
Talvez
quase ninguém se lembre de "The Future's So Bright
I Gotta Wear Shades" por aqui, mas essa música foi
uma das maiores surpresas de 1986, chegando ao Top 10 americano
e virando quase um hino. E, quando quase 15 anos depois, empresa
de telecomunicações AT&T tentou comprar os direitos
da dupla para um anúncio televisivo oferecendo a bagatela
de US$ 900 mil, ouviu um “não” como resposta.
E não foi apenas ela a única empresa interessada
em poder comprar os direitos de explorar a canção:
a Ford, a Ray-Ban e até o Exército do Tio Sam quiseram
usa-la. E para todos a resposta foi a mesma: não.
Afinal, o que faz dessa
música tão memorável e quem é, afinal,
o Timbuk 3? Bem, talvez esses versos possam dar uma pista: “eu
estudei ciência nuclear/adorava minhas aulas/tinha um professor
doido/ele usava óculos escuros/as coisas vão indo
bem/e elas estão apenas melhorando/eu estou indo bem/conseguindo
boas notas/o futuro é tão brilhante/que eu precisarei
usar óculos escuros.”
Em uma entrevista a um
jornal de Austin - cidade onde nasceu o grupo - em 2000, Barbara
falou sobre essa curiosa questão: "as pessoas sempre
acharam que somos completamente malucos. Alguns me perguntaram
porque não peguei o dinheiro delas e dei então para
algo que eu acredito, como a Anistia Internacional, por exemplo.
É uma boa questão, mas acho que há um falso
senso de achar que precisamos de grandes quantidades de dinheiro
para viver que torna-se ruim para o indivíduo ou uma comunidade.
O que precisamos é água limpa, comida saudável
e compaixão humana. E artisticamente, contribuir com minha
paixão e criatividade para uma coisa que só faz
criar mais um isolamento no mundo ou fazer pessoas desejarem ainda
mais um novo caminhão ou um novo par de óculos,
vai contra minha intuição e minha felicidade. E
o dinheiro não compra essas coisas de mim."
Barbara Kooyman desde pequena
viajou muito, graças a carreira militar de seu pai. Ela
morou no Alasca, Iowa, Colorado e Texas, e tocava violão
desde os 10 anos. Aos 12 anos tentou aprender o som que seu ídolo,
J.J. Cale fazia e tentou imitá-lo, sem sucesso. Barbara
chegou também a cantar em coral de igreja e fazer alguns
shows apenas com um violão, embora seus pais não
gostassem de tal comportamento.
Em
1978, Barbara estava na Universidade de Wisconsin, infeliz, quando
ouviu Pat McDonald cantar em um lugar com apenas 10 pessoas e
se apaixonou por Pat, por sua postura e sua mistura de blues com
o folk. Após terminada a apresentação, começaram
a conversar e namorar. Mas Barbara já estava determinada
a desistir da música. Mas ele a dissuadiu disso. "Eu
disse a Pat que ele fazia tudo o que eu sonhava, mas como eu não
tinha talento para tocar e cantar como ele, me sentia um nada
e por causa disso, iria desistir."
Mas Barbara não
desistiu e começou um longo trabalho de aprendizado. Enquanto
Pat fazia seus shows, ela ficava em casa estudando e aprendendo
a tocar melhor. Quando achou que poderia se arriscar, montou o
grupo Barbara K & the Kat's Away, que chegou a fazer mais
sucesso que o grupo de Pat, Pat MacDonald & the Essentials,
fato que ela própria estranhou, pois sempre considerou
melhores as composições do namorado. Mas ela se
encheu com o fato de ver que a platéia preferia ver as
garotas do que ouvir suas composições e acabou com
o grupo.
Ela
acabou optando por entrar no Pat MacDonald and the Essentials,
que gravou um LP, em 1981 - Lowdown, e um EP,
em 1983 - Essentialist Propaganda. Nesse último,
ela já estava grávida do único filho do casal,
Devin, e o grupo acabou logo após o último trabalho.
Os dois tentaram reformar
a banda para tentar vender os discos que tinham sobrado, mas ao
invés disso, resolveram mudar de Madison, onde moravam.
Ao mesmo tempo em que queriam sair da cidade, procuravam uma seção
rítmica para o grupo que haviam imaginado. Como não
encontravam pessoas dispostas a tocar o som que queriam, escolheram
usar um gravador.
Usando um gravador de 4
canais emprestado, um baixo e uma primitiva bateria eletrônica,
eles criavam as bases e depois adicionavam efeitos. Depois compraram
a melhor caixa que puderam encontrar. Assim nascia o Timbuk 3.
"Nós havíamos
lido um entrevista do Robert Fripp falando de uma pequena unidade
sonora inteligente. Aquilo era o que queríamos, porque
nos daria liberdade. Assim, definimos o nosso ideal e escolhemos
morar em Austin porque o clima era quente", disse Barbara.
Outro motivo para escolher
Austin foi que os dois conheceram pessoas de quem ficaram amigos
e que tocavam os discos do Essentials regularmente, criando uma
pequena audiência.
Logo, o grupo chamou a
atenção em um clube de Austin e foram convidados
para tocarem na MTV. Meses depois conseguiram um contrato com
a gravadora IRS, de propriedade de Miles Copeland, irmão
do ex-baterista do Police, Stewart Copeland, e que tinha em seu
elenco, uma banda promissora: R.E.M.
No
final do ano entraram para gravar o primeiro LP, Greetings
from Timbuk 3 e literalmente arrebentariam a boca do
balão com a canção "The Future's So
Bright I Gotta Wear Shades".
O sucesso assustou e surpreendeu
banda e selo. Eles apostavam que conseguiriam vender 25 mil cópias,
mas em poucos meses já tinham vendido dez vezes mais. Miles
fez um acordo com a banda no qual a dupla faria um grande trabalho
promocional para promover o single, inclusive na Inglaterra.
Além disso, a canção
escalou as paradas de sucesso até as 10 mais. E o que mais
surpreendia é que Pat e Barbara eram totalmente estranhos
ao mundo pop, já que não eram bonitos, jovens, apesar
de possuírem um grande talento em compor e letras inteligentes.
O grupo chegou a concorrer ao Grammy de Artista Novo, em 1987.
Com
o sucesso inesperado, o Timbuk 3 começou a excursionar
pelo mundo e fazer programas de televisão. Sempre apresentando-se
em dupla, Pat e Barbara não entendiam muito bem o que estava
acontecendo.
"Apenas usamos a base
pré-gravada porque não temos uma banda de apoio
e porque resolvemos trabalhar sozinho. As pessoas ficam olhando
para nós, fascinados, mas eu não entendo o motivo",
disse Pat em uma entrevista à época. O grupo abriu
shows de Sting, Jackson Browne e Bob Dylan.
Mas Barbara conta que a
gravadora não estava preparada para o sucesso que tiveram:
"se você olhar os pôsteres da época verá
que ele diz 'em LP e cassete', mas não cita os CDs que
já eram uma nova tecnologia. Mas a gravadora nem pensava
em fazer CDs do Timbuk 3, achavam que iriam desperdiçar
dinheiro. Por outro lado, ele só tinham 15 mil discos e
fitas em estoque para suprir a demanda."
E quando o grupo achava
que teria alguma regalia, começou uma pequena guerra com
a IRS. Miles insistia que o grupo gravasse o novo disco em Los
Angeles e que não levassem seu filho de quatro anos, Devin,
junto.
"Eu não devia
ter deixado isso acontecer. Você já tentou separar
uma mãe de seu filho de quatro anos por 1300 milhas? Eu
não estava feliz e nem Devin."
E
com esse clima pesado, o grupo gravou, em 1988 o segundo disco
Eden Alley. E, de certa forma, foi uma decepção.
Não para o grupo, mas sim para os que esperavam um novo
hit.
Apesar de ser um bom disco
e o grupo ser uma sensação, o fato é que
as vendas foram tímidas. O segundo disco também
foi produzido por Dennis Herring da banda Camper Van Beethoven.
Com o fim do frisson,
o Timbuk 3 se estabeleceu no sólido e confiável
mundo das college radios e eram uma das bandas alternativas
mais simpáticas, ao lado dos colegas de IRS, o R.E.M.,
e também junto dos Pixies e do Sonic Youth.
Para
o terceiro disco, Edge of Allegiance o grupo
resolveu radicalizar, gravando em um estúdio caseiro, produzindo
o trabalho e contando com o filho Devin nos teclados na canção
"Daddy's Down In The Mine".
Barbara confessa que o
disco teve um carárter experimental, porque pela primeira
vez ela estava sentando na mesa e trabalhando como produtora e
ficava lendo todos os manuais para saber como operar a mesa de
som.
O
grupo já estava em um processo de semi-obscuridade quando
lançou em 1991, Big Shot In The Dark.
Produzidos pela dupla e tendo vários músicos convidados,
o trabalho marca o começo do estranhamentos entre o casal
e a carreira do grupo.
"Muitas vezes eu me
perguntava o que queria com tudo isso. Eu simplesmente não
sabia."
O problema é que
o Timbuk 3 ficou tachado como "one hit wonders", ou
seja a banda de uma música só. "Shades"
ficou tão grande e tão famosa que se tornou um albatroz
para o duo, a ponto de lançarem um disco ao vivo em 1993
- Space Ornano - e não incluírem
a canção.
Quando
o grupo entrou em estúdio no ano de 1995 para produzir
um novo disco em clima de despedida, profissional e pessoal. A
Hundred Lovers é um disco de adeus, doloroso para
os dois.
E quando resolveram que
o Timbuk 3 iria acabar e iriam se separar, a primeira providência
foi assegurar o futuro de Devin. Procuraram Miles e renegociaram
o contrato do grupo com o selo, de forma a garantir um dinheiro
para o filho até os 18 anos.
E
Barbara fez questão de renegociar seu acordo com a IRS
pedindo para que eles a liberassem contratualmente para que pudesse
criar o filho.
Pat continou preso ao selo
e foi para a França acabar um novo disco e quando retornou
sentou com a esposa e trataram de um divórcio amigável
e pacífico. Os dois ainda se falam regularmente, discutindo
problemas ligados ao grupo e questões envolvendo Devin.
Mas decidiram que jamais voltarão a tocar com o nome Timbuk
3.
"A gente nunca deve
dizer nunca, mas estou firme em nunca mais fazer música
com Pat. Quando nossos destinos se separaram, se separaram de
vez. Como um casal, jamais voltarei a dormir com ele como marido
e esposa e esse pensamento se aplica com a música."
Os dois seguem suas carreiras
em separado, mas deixaram um legado interessante e que deve ser
ouvido. Deixo vocês com a letra do grande clássico
e a discografia da banda. Um abraço e até a próxima
coluna.
"The Future's So Bright I Gotta Wear Shades"
I study nuclear science
I love my classes
I got a crazy teacher
He wears dark glasses
Things are goin' great
And they're only gettin' better
I'm doin' alright
Gettin' good grades
The future's so bright
I gotta wear shades
I got a job waitin'
For my graduation
Fifty thou' a year
Will buy a lotta beer
Things are goin' great
And they're only gettin' better
I'm doin' alright
Gettin' good grades
The future's so bright
I gotta wear shades
I gotta wear shades
I'm heavenly blessed
And worldly wise
I'm a peeping tom techie
With X-ray eyes
Things are goin' great
And they're only gettin' better
I'm doin' alright
Gettin' good grades
The future's so bright
I gotta wear shades
I gotta wear shades...
Discografia
Greetings from Timbuk 3 (1986)
Eden Alley (1988)
Edge of Allegiance (1989)
Big Shot In The Dark (1991)
Some of The Best of Timbuk 3 / Field Guide (1992)
Espace Ornano (1993)
Looks Like Dark To Me (1994)
A Hundred Lovers (1995)
|