399 - Bob Dylan - Time Out Of Mind

Há mais de um mês ando numa dieta de Bob Dylan que chega ao fanatismo. Livros, DVDs e CDs não param de ser consumidos. E nessa fome toda, peguei esse espetacular CD de 1997, de longe um dos cinco melhores que ele já fez. Time Out Of Mind é um disco de uma pessoa já entrando na terceira, um homem de 56 anos que expõe suas dores e feridas com a mesma sinceridade de Blood on the Tracks. E o que impressiona em Dylan é que não lança discos ruins, ao contrário de muitos contemporâneos que perderam a mão há décadas. Deve ser por isso que foi e segue sendo modelo para milhares, sem ser, no entanto, superado.


Qual o segredo de Bob Dylan? Será mais misterioso que o da Coca-Cola ou da bolacha Tostines?

A consistência de Dylan impressiona e mesmo próximo dos 70 anos e que sua voz ainda mais limitada, é capaz de lançar belos discos, como o recente Together Through Life.

Em 1997, vivia um período de incertezas.

Os poucos discos lançados na década de 90 não eram ruins, mas pareciam álbuns de um grande nome que gravava sem muito entusiasmo, apesar de boas letras. Mas desde Oh Mercy, de 1989, Dylan parecia acomodado com o status de lenda e se sentia pouco inspirado, com álbuns acústicos, irregulares e que não o agradavam.

Coincidência ou não, para o novo trabalho, Dylan socorreu-se novamente do produtor canadense Daniel Lanois, o mesmo de Oh Mercy e que lhe havia sido apresentado por Bono.

Lanois possui uma maneira relaxada de trabalhar, deixando o artista encontrar a própria voz e entrando com o entusiasmo, ocasionais instrumentos e muita elegância na produção.

E, após trabalhar com Dylan em 1989, sabia que não se deve nunca apressá-lo.

Dylan produziu dezenas de canções e acabou lançando um CD longo, com mais de 70 minutos e que resultou em um álbum duplo, algo que não ocorria desde The Basement Tapes, de 1975. O disco mostra canções inéditas em sete anos, desde o fracasso Under the Red Sky.

Aos 56 anos, parecia que ele não tinha nada mais a dizer e ele raramente mostrava alguma nova composição. Dylan não é um grande fã de gravar demos, preferindo levar algumas idéias ao estúdio e tocar com os músicos. Aos poucos, foi mostrando as novas composições para Daniel Lanois e experimentando um pouco em cima delas.

Entre todas, a que deu mais trabalho foi "Not Dark Yet", uma das canções mais amargas que escreveu, sob a perspectiva de uma pessoa mais velha e falando das desilusões da vida e da noite: "não está escuro ainda, mas está chegando".

Dylan virou noites escrevendo-a, alterando seu ritmo, dando forma definitiva.

Quando entrou em estúdio, em janeiro de 1997, com Lanois, que acabara de produzir um disco de Emmylou Harris, Wrecking Ball.

Segundo Lanois, para o segundo disco juntos, resolveram que o som seria igual aos antigos discos dos anos 50, com a voz à frente e os instrumentos atrás, para dar uma sensação de profundidade.

Dessa maneira, para captar melhor o ambiente, Lanois resolveu espalhar microfones por todos os cantos do estúdio, mixando-os de forma diferente. O resultado foi extremamente elogiado, menos por Dylan que não gostou do som.

O problema para Dylan é que ele sempre teve dificuldade com gravações, pois, segundo ele mesmo, "perco a inspiração com muita facilidade e fico entendiado facilmente e fico muito frustrado quando alguns takes não funcionam."

Para os trabalhos, Lanois convidou o guitarrista Cindy Cashdollar e o baterista Brian Blade, enquanto Dylan trouxe outro baterista, o lendário Jim Keltner, que tocou com John Lennon, Plastic Ono Band, George Harrison, Traveling Wilburys, Ringo Starr & His All-Starr Band, Steve Miller Band, Gary Lewis & the Playboys, entre outros.

Dylan ainda contratou Bob Britt, Duke Robillard, o organista Augie Meyers e Jim Dickinson.

As sessões foram lentas e confusas, pois Dylan também assumiu o papel de co-produtor e várias vezes os músicos não sabiam quando estavam apenas ensaiando ou gravando. Eram nada menos que 12 músicos dentro do estúdio, dois bateristas.

Lanois admitiu que produzir Dylan era um enorme desafio: "Dylan é um homem excêntrico e pode fazer um excepcional primeiro take ou não conseguir produzir nada. Tive longas conversas com ele no estacionamento do estúdio, sem os músicos, que estavam esperando pacientemente enquanto eu tentava achar um meio termo com Bob. Ele se recusava a conversar perto dos músicos, acho que ele não gosta muito de ser democrata com sua música."

Dylan conta que Lanois era um desafio, pois ele se ressentia dos trabalhadores do passado, pois eles achavam que "minha função era apenas cantar e escrever e nunca pensavam em arranjos mais elaborados, orquestrais, o que me deixava decepcionado."

Quando foi lançado, em setembro e 1997, Time Out Of Mind recebeu críticas acolhedoras e entusiasmadas. O disco mostrava um Dylan rejuvenescido, de idéias agudas e precisas e que alcançou o Top 10 na Inglaterra e nos EUA, algo que não acontecia desde Slow Train Coming, de 1979.

Nas faixas, Dylan mostrava um lado mais sombrio, de um homem velho, que enfrenta as realidades e coloca na balança sua vida. Ele também mostrava influências da poesia de John Keats e Robert Burns, já que a longa faixa "Highlands" foi inspirada no poema de Burns "My heart's in the highlands."

Dylan, porém, quase não comemorava o lançamento, pois logo após as gravações sofreu um sério problema no coração causado por um fungo e que resultou em uma pericardite, que o obrigou a ficar muito tempo internado em estado grave. "Pensei que iria encontrar Elvis (Presley) e fiquei muito feliz de que ainda não era a minha hora", disse Dylan, ao sair do hospital.

O álbum trazia as seguintes faixas:

Lado 1

1. "Love Sick" – 5:21
2. "Dirt Road Blues" – 3:36
3. "Standing in the Doorway" – 7:43
4. "Million Miles" – 5:52

Lado 2

1. "Tryin' to Get to Heaven" – 5:21
2. "'Til I Fell in Love with You" – 5:17
3. "Not Dark Yet" – 6:29

Lado 3

1. "Cold Irons Bound" – 7:15
2. "Make You Feel My Love" – 3:32
3. "Can't Wait" – 5:47

Lado 4

1. "Highlands" – 16:31

Com o prestígio em alta, tornou-se o grande vencedor do Grammy de 1998, com três prêmios, inclusive de disco do ano.

Curiosamente, o grupo de seu filho Jakob Dylan, Wallflowers também concorreu em algumas categorias, no mesmo ano,vencendo na de melhor performance para grupo ou dupla.

Recentemente alguns dos takes do disco foram editados no CD duplo Tell Tale Signs - Rare and Unreleased 1989-2006, lançado em 2008.

Hoje, com 68 anos, Bob Dylan continua mostrando fôlego para novas investidas na carreira e dificilmente deixará de produzir enquanto estiver vivo. Rezemos então para que não encontre Elvis tão cedo.

Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Bob Dylan (1962)
The Freewheelin' Bob Dylan (1963)
The Times They Are A-Changin' (1964)
Another Side of Bob Dylan (1964)
Bringing It All Back Home (1965)
Highway 61 Revisited (1965)
Blonde on Blonde (1966)
Bob Dylan's Greatest Hits (1967)
John Wesley Harding (1968)
Nashville Skyline (1969)
Self Portrait (1970)
New Morning (1970)
Bob Dylan's Greatest Hits, Vol. 2 (1971)
Pat Garrett and Billy the Kid (1973)
Dylan (1973)
Planet Waves (1974)
Before the Flood (1974)
Blood on the Tracks (1975)
The Basement Tapes (1975)
Desire (1976)
Hard Rain (1976)
Street Legal (1978)
At Budokan (1979)
Slow Train Coming (1979)
Saved (1980)
Shot of Love (1981)
Infidels (1983)
Real Live (1984)
Biograph (1985)
Empire Burlesque (1985)
Knocked Out Loaded (1986)
Dylan & the Dead (1988)
Down in the Groove (1988)
Oh Mercy (1989)
Under the Red Sky (1990)
The Bootleg Series Volumes 1-3 (1991)
Good as I Been to You (1992)
The 30th Anniversary Concert Celebration (1993)
World Gone Wrong (1993)
Bob Dylan's Greatest Hits, Vol. 3 (1994)
MTV Unplugged (1995)
Time Out Of Mind (1997)
The Bootleg Series, Vol. 4: Bob Dylan Live 1966 (1998)
The Essential Bob Dylan (2000)
"Love and Theft" (2001)
The Bootleg Series, Vol. 5: Bob Dylan Live 1975 (2002)
The Bootleg Series, Vol. 6: Bob Dylan Live 1964 (2004)
No Direction Home: The Soundtrack (The Bootleg Series Vol. 7) (2005)
The Best of Bob Dylan (2005)
Modern Times (2006)
Dylan (2007)
Tell Tale Signs - Rare and Unreleased 1989-2006 (2008)
Together Through Life (2009)

 

 

Colunas