O disco The
Unforgettable Fire e o Live Aid foram os dois grandes acontecimentos
na vida do grupo nesse período. Isso sem falar do projeto
Band Aid no qual Bono e Adam Clayton participaram. Foi no estádio
de Wembley que a banda pulou para o posto de supergrupo. O U2
também ganhou o título de "grupo dos anos 80"
da Rolling Stone e que muito ajudou a renegociar um contrato milionário
com a Island. E ainda teve um EP (Wide Awake in América)
e o nascimento de "Pride" e "Bad", dois dos
maiores clássicos de seu repertório. De quebra,
um texto apaixonado escrito por Joan Baez sobre a performance
do grupo no Live Aid, traduzido por Maria Teresa Menegassi da
Rosa, uma das maiores fãs da banda no Brasil. Pelo resumo,
já percebeu que a história será longa...
1–
A exposição inesquecível
A
excursão promocional de War deu o respaldo
que a banda tanto precisava. Com shows esgotados pela América,
eram, finalmente, uma das maiores bandas do planeta, ou até
a maior. E começavam a receber convidados em suas apresentações.
Na Filadélfia, Bruce Springsteen subiu ao palco para tocar
com a banda. Ao término da turnê, o grupo doou para
o Chicago Peace Museum todo o cenário utilizado na turnê,
para ser exibido em uma exposição muito particular:
pinturas feitas por moradores de Hiroshima e Nagasaki à
época do bombardeamento das cidades japonesas, na Segunda
Guerra Mundial. O nome da exposição era “The
Unforgettable Fire”.
A exposição
sensibilizou muitos os quatro músicos e acharam que o nome
daria uma bela idéia para um novo disco. E o novo disco
era uma preocupação imensa naquele momento. A maior
dificuldade era convencer o produtor que desejavam a trabalhar
com eles: Brian Eno.
Brian
era uma figura cultuada no meio. Ex-integrante do Roxy Music,
era considerado um homem singular, por suas idéias e o
conceito de “no musician”. Segundo Brian, um músico
não precisa ser virtuose para ser um considerado um mestre.
Brian acreditava (e ainda acredita) que se cada um souber trabalhar
os arranjos e conseguir aproveitar todo o seu potencial, por menor
ou maior que ele seja, atingirá uma excelência. E
Brian havia feito muito disso com dois artistas que o U2 amava:
David Bowie e Talking Heads.
Mas o problema é
que Brian não estava muito animado em produzir o grupo.
Ele conta que ficou meses sem responder os insistentes telefonemas
da banda para que telefonasse para eles. O motivo é que
não via como poderia se encaixar nas canções
do grupo. “Para ser sincero, eu tinha odiado todo o trabalho
deles, não havia nada em comum comigo e não tinha
idéia porque tinham me escolhido.”
Depois de tanto insistirem, Brian concordou
em viajar até Dublin para conhecer os insistentes irlandeses,
levando um jovem engenheiro de som chamado Daniel Lanois.
O encontro foi melhor do
que Brian esperava. A princípio, tentou demover a banda
dizendo que se fossem produzidos por eles soariam como jamais
pensariam e que mudariam totalmente de estilo. Pois Brian ficou
surpreso quando o grupo disse que era justamente isso que desejavam.
“Não queremos fazer um filho do War.
Queremos dar um passo à frente em nossa música”,
disse The Edge.
Brian confessa que mais
do que as músicas, o que realmente o interessou foram os
próprios integrantes. “Quando vi Bono pela primeira
vez sabia que teria que trabalhar com ele. Não sei explicar
o que senti, apenas que o achei uma figura interessante demais
para ser descartada. O mesmo se aplicou com The Edge, Adam Clayton
e Larry Mullen. Eles não eram pessoas convencionais de
uma banda convencional. Ali, vi que seria um projeto muito interessante.”
2 – A banda
do ano fica milionária
Em
março de 1984 o grupo é escolhido como o grupo do
ano pela revista Rolling Stone. Se a banda gostou, Paul
McGuinness simplesmente pulou de alegria com a notícia.
E não era para menos. Finalmente ele tinha um grande trunfo
para tentar renegociar, mais uma vez, o contrato do grupo com
a Island. Paul então marcou uma reunião com o Chris
Blackwell e levou Owen Epstein e Ossie Kilkenny.
Ao final da reunião,
os três saíram pulando que nem crianças. O
antigo acordo de US$ 50 mil mais royalties tinha se transformando
em um novo contrato para mais quatro discos ganhando US$ 2 milhões
adiantados por disco mais royalties. Traduzindo: o U2
era uma banda milionária agora. Os anos de dureza haviam
terminado.
McGuinness e Epstein voaram
para Dublin até os estúdios Widmill Lane onde a
banda estava gravando o novo disco. Paul reuniu a banda e deu
a grande notícia. O grupo ouviu em silêncio e então
Paul levou uma ducha gelada de Bono. “O dinheiro poderá
nos destruir, nos corromper. Pode nos separar dos amigos, de nossas
famílias, de nossas raízes. Estamos felizes pelo
acordo, mas não há necessidade para a festa. Agora
precisamos voltar ao trabalho e terminar esse disco.”
Paul esperava tudo, menos
ouvir isso. “Não é possível”,
pensava, “fiz um acordo milionário e eles reagem
com essa frieza?”
Mas o que o empresário
não sabia é que as gravações estavam
sendo caóticas como nunca haviam sido anteriormente. O
motivo é que as músicas não funcionavam.
Após definirem que usariam a exposição “The
Unforgettable Fire” seria o tema central, nada mais deu
certo. Duas semanas antes de começarem as gravações
com Brian e Lanois, o grupo não tinha sequer uma única
nova canção. Para piorar, o grupo temia que Eno
pensasse “meu Deus, que banda horrorosa. Como fui entrar
nessa?” O pânico era tão grande que pensaram
em desistir de tudo.
Quando
Brian e Daniel chegaram para começarem o trabalho, The
Edge resolveu sentar com os dois para discutirem as idéias.
O primeiro passo era tentar encontrar o som correto para as músicas.
Quais guitarras e tratamentos seriam usados? Como seriam gravadas?
Haveria muito ensaio ou seria algo mais “ao vivo”?
A idéia central era falar do horror da guerra nuclear e
tentar fazer com que tudo isso se encaixasse. Era um trabalho
imenso, mas possível. Ou não?
Uma das primeiras atitudes
foi mudar de local. O grupo deixou Widmill e foi trabalhar no
Slane Castle, mesmo local que haviam tocado com o Thin Lizzy anos
atrás. Todos ficariam praticamente trancados trabalhando
lá até que conseguissem encontrar o que procuravam.
E
algumas tensões começaram a acontecer. Enquanto
Brian e The Edge ficavam conversando e tocando algumas melodias,
Bono os rondava com um lobo ouvindo cada nota para tentar encontrar
inspiração. Brian ficava irritado com a situação,
já que para ele, Bono deveria estar escrevendo. Mas o que
Brian não sabia é que Bono só escrevia após
ouvir a melodia que The Edge construía. Não haveria
imagem se não houvesse uma melodia. E The Edge precisava
explicar isso calmamente para Eno.
Na verdade, Brian estava tentando ajustar o som do U2 ao seu.
Quando disse que mudaria radicalmente o som do grupo, não
estava blefando. O grupo trabalhava em três canções,
de início: “Wire”, “White City”
e “Pride”.
Aos poucos Brian foi entendendo
a maneira de trabalhar da banda e misturando toda a intensidade
e paixão do U2 com sua paixão, a música gospel.
Brian tentava explicar que se houvesse o clima certo as letras
seriam transmitidas da mesma maneira. Em seu modo de pensar, a
música era mais importante que a palavra. Algo excitante,
mas muito sutil.
Bono
recorda um pouco sobre esse período: “Nós
últimos anos, cada banda do planeta ligou para Eno e o
convidou para ser o produtor, mas o único grupo que ele
aceitou foi desses quatros patetas irlandeses, por um motivo qualquer.
Na verdade, acho que ele viu algo em nós. E tem sido uma
experiência maravilhosa. Ele nos mostrou muito da “soul
music”, sua grande paixão. Comecei a perceber que
havia uma grande relação conosco, porque vários
fãs nos falavam que tínhamos uma grande espiritualidade
e eu acabei encontrando isso nesses discos. Não temos raízes
na música negra, mas nossa alma é similar. Com Eno
redescobrimos o espírito em nossa música e a confiança
em nós mesmos.”
3 – Sai Reagan,
entra Martin Luther King
A primeira amostra dessa
nova espiritualidade aconteceu em "Pride". Bono explica
que só conseguiu completar a canção quando
mudou o enfoque. “Originalmente escrevi ‘Pride”
em cima de Reagan. Reagan e sua atitude ambivalente sobre a América
e como ele queria construir um imenso arsenal nuclear, mas isso
não estava funcionando. Então lembrei uma frase
de um velho sábio que havia me dito ‘não tente
enfrentar a escuridão com a luz, somente faça a
luz brilhar mais intensamente. Foi então que percebi que
estava dando importância em demasia a Reagan. Comecei a
pensar em Martin Luther King e vi que ele era o homem.”
Para The Edge, “Pride”
foi a melhor canção pop que já escreveram.
“Para mim 'pop' tem a melhor conotação possível,
quando você consegue fazer uma idéia ser perfeitamente
entendida. Me lembro quando Bono disse que queria fazer uma música
falando das lutas pacifistas e queria incluir Martin Luther King.
Eu exclamei que isso não ia funcionar, mas de repente ele
veio com a letra e percebi que era maravilhosa. Não havia
o que retocar. Foi simples assim.”
Como curiosidade, vale
ressaltar que no encarte há agradecimentos para uma senhora
chamada Christine Kerr. Ela era ninguém menos que Chrissie
Hynde, líder dos Pretenders e que acabara de casar com
Jim Kerr, do Simple Minds.
Outra composição
foi particularmente dolorosa para o cantor: “Bad”.
A canção fala da luta de um fogo inesquecível,
mas é uma metáfora para o vício nocivo da
heroína, que escraviza o viciado. E Bono havia perdido
amigos para a droga. “Quando um amigo seu vira um viciado
cessa a amizade, porque ele vai querer te roubar, te bater. Isso
causou um grande efeito em mim e perdi duas pessoas queridas dessa
maneira.”
“Bad” é
até hoje a canção favorita de muitos fãs
do grupo.
Com
o clima mais leve a medida que as canções iam sendo
trabalhadas, o grupo e Brian Eno tornaram-se cada vez mais próximos.
E Brian ousou em fazer experiências como o grupo como foi
o caso de “Elvis Presley and America”.
“Brian estava segurando
um microfone e pediu para que eu fizesse uma experiência.
‘Cante essa letra bem lentamente com a melodia invertida,
ou sei lá, de qualquer outra maneira, apenas cante. ‘Eu
pensei que ele estava maluco, mas obedeci. E quando acabei havia
essas linhas incríveis e melodias juntas. Cheguei para
ele e disse que não esperava a hora de vê-la pronta.
Brian então me disse: ‘o que você quer dizer
com isso? Ela já está pronta!”
The Edge confirma o jeito
peculiar de Brian enquanto gravavam “4th of July”.
“Eu e Adam estávamos fazendo uns testes. Brian tinha
uns tratamentos e efeitos para o vocal e amplificou minha guitarra
neles. Deixou um gravador correndo e soou bem e ele colocou tudo
em um fita de um quarto de polegada. A canção acabou
sendo produzida assim, de uma maneira e ficou com uma ambientação
maravilhosa.”
Em
setembro de 1984, é lançado o primeiro single: “Pride”.
A canção bateu direto na terceira posição
na parada britânica, mas passou longe das dez mais na América,
o que causou uma ponta de frustração na banda e
para a Island. No mesmo mês é lançado o disco
The Unforgettable Fire. O disco foi direto para
a primeira posição na Inglaterra, mas não
decolou nos Estados Unidos. De forma velada, Paul culpou a falta
de divulgação da gravadora pela falta de publicidade
para o disco na América.
Mas
“Pride” estava subindo aos poucos e virando um autêntico
hino. Por isso vale a pena reproduzir a letra aqui...
Pride (In The
Name of Love)
One man come in
the name of love
One man come and go.
One man come he to justify
One man to overthrow.
In the name of
love
What more in the name of love.
In the name of love
What more in the name of love.
One man caught
on a barbed wire fence
One man he resist
One man washed up on an empty beach
One man betrayed with a kiss.
In the name of
love
What more in the name of love.
In the name of love
What more in the name of love.
Early morning,
April four
Shot rings out in the Memphis sky.
Free at last, they took your life
They could not take your pride.
In the name of
love
What more in the name of love.
In the name of love
What more in the name of love.
In the name of
love
What more in the name of love.
In the name of love
What more in the name of love
Enquanto a canção
tomava de assalto as 10 mais na Europa, o grupo começou
uma nova turnê mundial, desta vez iniciando pela Austrália
e Nova Zelândia. Mas o que era para ser uma festa (contrato
milionário, novo disco, sucesso nas paradas) virou um pesadelo
no palco. As novas canções simplesmente não
funcionavam ao vivo. “Wire” e “The Unforgettable
Fire” eram impossíveis de serem tocadas e o grupo
percebeu que haviam se esquecido de moldarem as novas canções
para os formato ao vivo. Em meio ao desespero e a pouca animação
dos presentes, descobriram que ao menos uma canção
rendia bem ao vivo: “Bad”. Talvez seja uma razoável
explicação do motivo de ser tão apreciado
pelos fãs e pelos próprios integrantes do U2.
O grupo estava exasperado
com os responsáveis pela parte técnica, especialmente
Bono, que rosnava em cima de todos. O problema é que eles
utilizavam muitos roadies locais para diminuir os custos e isso
não estava funcionado de forma nenhuma. Para tentar diminuir
o problema, resolveram viajar de voltar à Irlanda para
acertarem os milhões de problemas. E na “bagagem”,
ganharam um novo integrante...
4 – Greg
Carroll, a sombra de Bono
Durante
a seqüência de shows na Nova Zelândia, Greg encontrou
algumas pessoas do staff da banda com uma jaqueta com
o nome do grupo. Perguntou se poderia conseguir uma jaqueta igual
e soube que era destinada apenas às pessoas que trabalhavam
com o U2.
Em Auckland, uma banda
local abriu para o U2 e Greg trabalhava para esse pequeno grupo.
Ele era então um jovem Maori, com um sorriso fácil
e que gostava do que fazia. Foi então convidado para trabalhar
para o grupo durante a excursão. Greg topou na hora. Sua
maneira simples e sua competência cativaram todos, especialmente
Bono com quem logo estabeleceu uma amizade. Como Bono andava irritado
com as dificuldades, Paul McGuinness teve a idéia de oferecer
a Greg um emprego de roadie. Ele teria como missão cuidar
apenas do vocalista.
Quando chegaram à
Dublin passaram um tempo tentando arrumar as canções.
Nesse meio tempo, o U2 recebeu um convite inesperado. Bob Dylan
iria fazer um show em Dublin, no Slane Castle e convidou o grupo
para participar. A banda se sentiu honrada, mas disse que não
se sentiria confortável. Porém, Bono aceitou o convite.
Dylan disse a Bono que fariam um dueto em “Blowin’
in the Wind” e perguntou se ele conhecia a letra. “Sim,
é claro”, afirmou Bono. Dylan ficou satisfeito. Mas
ao chegar no palco após ser anunciado, o imprevisto aconteceu.
Bono percebeu que não conhecia nenhum dos versos do imortal
clássico de Dylan e começou a improvisar versos
desconexos. E pela primeira vez recebeu vaias em sua terra natal,
vindo dos fãs do menestrel norte-americano, revoltados
com a suposta falta de respeito com uma canção tão
importante. Mas se o público vaiava, Dylan divertiu-se.
No começo, ficou meio chocado ao descobrir que Bono não
conhecia a letra, mas depois achou divertido. No final do show,
relatou que seus filhos eram grandes fãs do U2.
Dois meses depois após
ensaios, abriram a primeira parte da turnê européia
em Lyon, França, no dia 18 de outubro. Algumas curiosidades
então ocorreram: em Bruxelas, na Bélgica, no show
do dia 27 ou 28 de outubro, os amplificadores da banda abafaram
um alarme de terremoto que disparou no observatório da
cidade. Após o show, The Edge disse que os culpados haviam
sido os pedais de Adam!
O grupo partiu para shows
na Holanda, Inglaterra, Escócia e Alemanha. O último
show aconteceu em Dortmund, no dia 21 de novembro. Quatro dias
depois, Bono e Adam Clayton atenderam um pedido especial do amigo
e compatriota Bob Geldof...
5 – Band
Aid
Bob
Geldof entrou para a história com esse projeto que angariou
muito mais dinheiro e fama do que ele próprio sonhara.
Ele havia feito uma canção em parceria com Midge
Ure, do Ultravox, chamada “Do They Know It’s Christmas?”
A idéia era combater a fome na África, e Geldof
sonhava em arrecadar 72 mil libras esterlinas com um projeto convidando
várias estrelas da música. Só que o projeto
virou um monstro! Inicialmente Sting, Paul Young, Boy George,
George Michael, Phil Collins, Duran Duran David Bowie e Mick Jagger,
entre outros, foram convidados. Bob também convidou o U2,
mas apenas Bono e Adam compareceram, pois The Edge ficara doente
no último instante. A idéia era gravar um compacto
com duas canções, “Do The Know It’s
Christmas” e “Feed the World”, que nada mais
era a mesma melodia de “Do They Know...” mas com mensagens
de Natal dos artistas. O disco seria lançado estrategicamente
no Natal daquele ano, 1984.
O
evento foi filmado por sete televisões. As várias
vozes dividiam pequenas linhas da canção: Paul Young,
Sting, Simon Le Bon, George Michael, Boy George e Bono. E o que
era para ser uma pequena diversão virou um sucesso imenso:
cerca de 600 mil cópias foram vendidas em cinco dias e
o compacto vendeu, no total, cerca de 3 milhões de cópias.
Como não puderam comparecer aos estúdios, Jagger
e Bowie lançaram um compacto com um clássico da
Motown e deram todo o dinheiro arrecadado para o projeto: “Dancing
in the Street”. Ao final, as 72 mil libras sonhadas viraram
oito milhões, o que inspirou Geldof a fazer o maior show
da década meses depois. Mas antes do Live Aid, eles tiveram
outra agradável notícia e um contratempo...
6 – U2 é eleito a banda da década
e Adam apronta
O U2 seguiu para a América
para uma série de 12 shows entre os dias 12 de dezembro
de 1984 até 5 de janeiro de 1985. Neste último,
Bono se juntou ao Simple Minds para cantar “New Gold Dream”.
Quando
tudo parecia calmo, um pequeno incidente iria acabar com a paz,
envolvendo Adam Clayton No dia 10 de janeiro, o baixista havia
nocauteado um policial e o arrastado por vários metros
após berrar com ele para cessar o barulho. Adam foi detido
e ficou sem sua carteira de habilitação por dois
anos. Clayton acabou virando manchete dos jornais. A perda da
carteira e uma multa foram as únicas punições.
Refeitos da confusão,
voltaram para a Europa para shows na Dinamarca, Suécia,
Alemanha Ocidental, Itália, Suíça e França,
encerrando com uma entrevista para Dave Fanning, em Dublin, no
dia 18 de fevereiro. Uma semana depois já voavam novamente
para a América para mais 42 apresentações,
sendo a última no dia 4 de maio, em Fort Lauderdale. Essa
parte final da excursão foi muito importante para a banda
por dois motivos: em abril a Rolling Stone colocou novamente
a banda na capa, mas desta vez, não apenas como a banda
do ano e sim como a banda da década de 80. E a alegria
foi maior ainda quando conseguiram lotar o imenso Madison Square
Garden, em Nova York, no dia 1º de abril, com quase todos
os familiares dos integrantes presentes. O repertório desse
show inesquecível para o U2 teve as seguintes músicas:
"11 O'clock Tick Tock, I Will Follow,
Seconds, Two Hearts Beat As One, MLK, The Unforgettable Fire,
Wire, Sunday Bloody Sunday, The Electric Co., A Sort Of Homecoming,
Bad, October, New Year's Day, Pride (In The Name Of Love)",
Knocking On Heaven's Door, Gloria e 40"
Voltam para a Irlanda como
heróis nacionais e pela primeira vez em muitos anos, Bono
conversa com seu pai sobre seu futuro. Explica que todo o dinheiro
e fama não o mudariam. Ele seria o Paul que seu pai tanto
amava e que o U2 era mais do que uma banda de rock, era sua vida.
A fé do cantor tranqüilizou seu pai, que o abraçou
e o abençoou. Finalmente Bono e Bobby estavam em paz a
partir de agora.
Entre março e abril dois lançamentos agitaram mais
a vida do grupo: o vídeo The Unforgettable Colection
e o novo single, do disco, exatamente a faixa-título: “The
Unforgettable Fire”.
O
vídeo captura os meses da gravação do disco
e que recebeu críticas entusiasmadas. Dirigido pelo velho
amigo Barry Devlin,, além de Meiert Avis e Donald Cammell
trazia também duas músicas do disco apresentadas
ao vivo, “Bad” e “A Sort Of Homecoming”,
além de um clip alternativo de “Pride”, bem
diferente do clip que ficou famoso e que ficou conhecida como
“versão 2”.
Em abril é lançado
o novo single que trouxe algumas canções curiosas
no lado B. Uma delas era uma versão de “A Sort of
Homecoming” enquanto faziam uma checagem de som do show
do dia 15 de novembro de 1984, no Wembley Arena. As outras duas
eram “Love Comes Tumbling” e “The Three Sunrises”
que seriam usadas, posteriormente no EP Wide Awake in
America. A canção também entrou
na compilação Now That's What I Call Music
5 and 1985 Comes Alive e ficou em terceiro lugar nas
paradas britânicas. Vejam a letra desse clássico...
The
Unforgettable Fire
Ice, your only
rivers run cold.
These city lights, they shine as silver and gold.
Dug from the night, your eyes as black as coal.
Walk on by, walk
on through.
Walk till you run and don't look back
For here I am.
Carnival, the wheels
fly and the colours spin through alcohol.
Red wine that punctures the skin.
Face to face in a dry and waterless place.
Walk on by, walk
on through.
So sad to besiege your love oh hang on.
Stay this time,
stay tonight in a lie.
I'm only asking, but I, I think you know.
Come on take me away, come on take me away
Come on take me home, home again.
And if the mountains
should crumble
Or disappear into the sea
Not a tear, no not I.
Stay this time,
stay tonight in a lie.
Ever after is a long time.
And if you save your love, save it all, save it all
Don't push me too far, don't push me too far.
Tonight, tonight
Em
junho, outro lançamento e que tanto honra os brasileiros:
Wide Awake in America. E o motivo para isso é
simples: Apenas nos Estados Unidos, no Japão e no Brasil
saíram as edições em vinis, na década
de 80. O disco é composto por duas faixas ao vivo, “Bad”
e “A Sort of Homecoming”, mais as duas canções
utilizadas no single The Unforgettable Fire: “Three
Sunrises e “Love Comes Tumbling”. Cada canção
teve um produtor diferente e a curiosidade acaba sendo o nome
de Tony Visconti, que trabalhou com David Bowie em vários
discos do cantor na década de 70.
E tudo isso serviu como
um grande aperitivo para o evento do ano e da década...
7 – Live
Aid
Se
o U2 era famoso e conhecido pelas apresentações
ao vivo, sua fama ficou sedimentada no Live Aid. Após o
sucesso do projeto Band Aid, Geldof resolveu fazer um concerto
monstro simultaneamente em duas cidades: Londres e Filadélfia.
Os convidados seria a nata do rock mundial. De todos os artistas
(David Bowie, Sting, Phil Collins, Queen, Elvis Costello, Eric
Clapton, The Who, etc...) a maior expectativa era uma volta especial,
a do Led Zeppelin, banda que havia acabado após a morte
de John Bonham. O grupo teria Tony Thompson, ex-Chic em seu lugar.
Mas quem roubou a cena e fez o nome foi o U2.
O
show daria alguns minutos para cada artista. O U2 teria aproximadamente
15 minutos e tocariam três canções: “Bad”,
“Pride” e “Sunday Bloody Sunday”. A expectativa
era enorme, pois o evento seria transmitido, via satélite,
para várias partes do globo. Às 17h20, direto da
Filadélfia, Jack Nicholson anuncia a próxima atração
em Londres: “e agora diretamente de Londres, um grupo que
tem seu coração na cidade de Dublin, Irlanda e o
espírito por todo mundo; um grupo que não tem problema
algum em dizer o que sentem: U2!”
Bono se aproxima da platéia
e anuncia “Sunday Bloody Sunday” e uma histeria toma
conta dos 72 mil espectadores. Ao final da canção,
Bono faz mais um discurso: “ Nós somos uma banda
irlandesa, viemos de Dublin, Irlanda. Como todas as cidades, Dublin
possui coisas boas e ruins. Essa canção se chama
‘Bad’”.
Ao pronunciar essas palavras,
Bono simplesmente quebrou todo o protocolo e o andamento que haviam
planejado. No meio da canção, Bono começa
a andar sem parar pelo palco e desce para o fosso perto da platéia.
Um misto de desespero dos organizadores e dos presentes toma conta
do lugar.
Durante
alguns segundos, a televisão tenta achar, em vão,
o cantor. Bono havia visto uma garota na platéia e resolveu
dançar com ela, para desespero dos seguranças. Pula
então e a puxa e começam a bailar. No meio de “Bad”,
canta “Ruby Tuesday”, “Sympathy for the Devil”
(ambas dos Rolling Stones) e “Walk on the Wild Side”
(Lou Reed). Por causa de sua peripécia, não conseguiram
tocar “Pride”. Mas não importava, pois para
1,5 bilhão de pessoas haviam sido a grande atração
do evento. O show depois marcaria profundamente Bono, que ao assistir
o vídeo, ficou enojado com sua performance e quis largar
a banda.
“Depois que vi o
video entrei em choque. Eu tinha milhões de coisas a dizer
sobre a fome e tudo que consegui fazer foi ter uma postura idiota
de um roqueiro. Durante alguns dias, dirigi a esmo, sem conversar
com ninguém. Ao parar em lugar, encontrei um escultor que
sabia muito pouco sobre música e não me conhecia.
Ele estava fazendo uma escultura batizada de ‘O Salto' e
disse que havia trabalhado nela após ver nossa apresentação
no Live Aid. Eu fiquei surpreso e feliz com isso, pois se uma
pessoa que nunca havia ouvido nossos discos ou não nos
conhecia, havia conseguido enxergar algo assim, talvez eu não
tivesse feito algo tão errado.”
E
não fez mesmo. Para ilustrar o sentimento que Bono despertou
em que o assistiu, utilizarei um texto que a cantora norte-americana
Joan Baez escreveu logo após assistir o show da banda e
após sua apresentação. O texto conta em sua
autobiografia And a Voice to Sing With e foi
traduzido por Maria Teresa Menegassi da Rosa, uma das maiores
fãs do U2 no Brasil e que gentilmente cedeu o texto, devidamente
traduzido...
"Eu vejo um rosto
que eu não reconheço na tela da TV. Deve ter vindo
da Inglaterra porque o público que se agita está
pontilhado de bandeiras inglesas. O vocalista, vestido de preto,
tem cabelo longo e castanho, ligeiramente desarrumado. Ele está
pingando de suor, e um pouco do cabelo está grudado no
seu rosto, como o desenho de um mapa, fazendo com que eu queira
puxar seu cabelo de volta para trás. A canção
é cósmica, celestial, modulada e contínua.
Ele salta no ar e pisa forte, com botas pesadas. Ele não
transa com o microfone, do jeito que astros do rock fazem quando
eles se dão conta de que a tecnologia torna possível
a eles derramar o próprio ego sobre milhares de pessoas.
Não, esse jovem leva as coisas à sério, e
ele se expressa com tal ternura, suficiente para partir o meu
coração. Ele chama pelo público. Eles respondem.
Ele canta pequenos trechos de canções dos anos 50
e 60 na sua própria maneira distinta, e eles cantam com
ele. Ele conduz um coral. Eles são o coral e estão
enlevados. Eu estou imaginando tudo isso? Ë possível.
O nome do grupo aparece ao lado do símbolo do Live Aid,
sobreposto pela sua dança mística. U2 Ao Vivo no
Estádio de Wembley. Esse é o grupo que os meus conselheiros,
adolescentes de 15 anos, me recomendaram observar. Esse é
o grupo que dizem que é político, até mesmo
pacifista. O vocalista abre caminho em direção ao
público, pulando sobre uma estreita borda de madeira, menos
de um metro abaixo do palco. Ele faz gestos para a multidão,
acenando para alguém na sua direção. Ele
vence a altura até o fosso da orquestra e continua o seu
convite, em linguagem de sinais. Finalmente uma garota é
erguida completamente e passada por sobre a cerca que o separa
da multidão. Ela é simplesmente passada adiante
como uma oferenda. Ela agora está de pé, nos braços
dele, que dança com ela. Ela está provavelmente
paralisada, em estado de choque, e sua cabeça está
docemente inclinada para baixo e, por alguns segundos, ele a está
ninando enquanto eles dançam.
Eu não posso
me lembrar de ter visto nada parecido na minha vida. Ë uma
atuação, um número, mas não é
um número. Ë um momento privado, aceito por 70.000
pessoas. A dança é curta, sensual e angustiantemente
terna. Ele então escapa dela e é ajudado a subir
para o nível logo abaixo do palco e lá ele encontra
outra garota, e dança com ela do mesmo jeito. Tudo isso
enquanto a percussão e a hipnótica guitarra continuam
implacavelmente, liricamente, com o público agitando os
braços para trás e para frente, como parte do ritual.
O vocalista então retorna para o palco e, ainda derramando
suor, continua a canção. Sua voz não tem
nada de especial. Ë instável e, vez por outra, falha.
Mas ela é irresistível, assim como ele é
irresistível. Existe alguma coisa na seriedade dele que
me cativou.
Astros do rock podem
parecer e ser sérios, mas normalmente é com respeito
a eles mesmos, ou à versão inflada deles mesmos.
Nenhum de nós, que enfrentamos 100.000 pessoas, ouvindo
nossa voz (e banda) amplificada, modificada, ecoada e suavizada
como veludo cósmico, pode escapar de certas ilusões
engrandecidas sobre nós mesmos. Mas esse rapaz irlandês
está envolto em algo mais do que mania de grandeza.
Temos que admitir,
seu ego está intacto, e ele é um showman magnífico,
mas existe algo mais acontecendo. E eu gostaria de saber o que
é. Que eu gostaria de ser envolvida pelos braços
dele, como a garota inglesa, não há dúvida.
Mas se o meu instinto está certo, existe algo que nos previne
de flertar com ele. Algo maior do que ele ou eu, ou nós
dois juntos, ou nossa música junta. Algo a ver com política,
crianças, frescor e pioneirismo. E amor.
De
todas as horas do Live Aid que eu assisti ao final do dia, o ponto
alto foi testemunhar a mágica do U2. Eles me emocionaram
como nada mais me emocionou. Eles me tocaram com sua novidade,
sua juventude e sua ternura.
Eu termino com a cerveja
morna de alguém ... e fecho meus olhos. Eu vejo o pequeno
mapa de cabelos grudados no rosto juvenil, imaculado, do vocalista
irlandês do U2."
8 – Bono
vira voluntário na África
“Após participar
do Live Aid eu fui para a Etiópia com minha esposa para
trabalhar. Nós passamos um mês, no meio da fome e
eu vi coisas lá que reorganizaram a minha maneira de ver
o mundo. Eu não sabia o que fazer sobre aquilo. Você
pode atirar algumas moedas, mas em um determinado momento senti
que Deus não procura por almas, Deus procura por atos.
Você não pode resolver todos os problemas, mas aquele
que você pode, você precisa ir até o fim.”
A
viagem para a África afetou de maneira profunda o cantor.
Bono quis ver de que maneira o dinheiro arrecadado com o Live
Aid (cerca de US$ 60 milhões) seria utilizado e como viviam
as pessoas no continente africano. Os dois moraram em Ajibar,
uma cidade no alto de uma montanha e que tinha um vento tão
gelado de noite que poderia cortar a pele, nas palavras do próprio
Bono. Lá, Bono viu a miséria da maneira mais crua
e violenta que jamais presenciara e tirou algumas fotografias
que mostravam a dor das pessoas. A idéia era tentar retratar
a real tragédia e resgatar o senso de dignidade das pessoas.
Bono conclui que ao final da viagem recebeu mais do povo etíope
do que deu.
Sua
missão em Ajibar era ir ao escritório de nutrição
do World Center (“uma casa com pedaços de lata, ferros
enferrujados e pedaços de madeira”, relata Bono)
e ver qual era sua missão no dia. O cantor e Ali ficaram
em condições muito modestas, vivendo em abrigos
igualmente de lata e madeiras e comendo a comida local, além
de tentarem ganharem a confiança e o respeito dos etíopes.
Bono conta que viu casos de cortar o coração entre
pessoas que dividiam algum medicamento para poderem sobreviver.
“O medicamento às vezes nem era suficiente para uma
pessoa, mas me lembro de um homem que quis dividir com sua namorada.
Disseram a ele que se fizesse isso, os dois morreriam, enquanto
se ele usasse poderia viver. Ele simplesmente fechou os olhos
e disse que só gostaria de viver se fosse ao lado dela.
E assim decretou sua morte com sua amada. Foi a maior prova de
amor que já presenciei.”
O
ano de 1985 ainda foi ainda muito rico para o grupo e Bono, especificamente,
com outro projeto: Sun City, organizado por Little
Steven, contra o apartheid, na África do Sul. Porém,
como a coluna já está extensa demais, esse tema
será abordado no próximo capítulo.
Obrigado por chegarem até
aqui. Um abraço e até o próximo texto!
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