O U2 atravessou
um período de intensas agitações entre o
final de 1985 até 1987. Primeiro houve o projeto contra
o regime do apartheid liderado por Little Steven, que rendeu um
disco chamado Sun City. Depois a banda sofreu severas críticas
da imprensa de seu país por participarem do criticado show
Self-Aid, em Dublin, em 1986, quando também foram integrantes
da turnê "Conspiracy of Hope", para a Anistia
Internacional, e Bono participou em uma canção do
grupo irlandês Clannad, que virou um grande hit mundial.
The Edge botou as manguinhas de fora e lançou seu primeiro
disco-solo tendo a participação de uma novata chamada
Sinéad O’ Connor em uma das faixas. É ainda
o período em que ocorre o lançamento e o estouro
mundial com The Joshua Tree, disco que vendeu mais de 17 milhões
de cópias e definitivamente sedimentou a banda entre as
mais importantes da história. E além dos problemas
ocorridos no show de Dublin, um boato de que Larry precisaria
operar as mãos causou uma comoção entre os
fãs. Bono também experimentaria outro imenso sentimento
de perda e ficaria completamente arrasado com a morte de Greg
Carroll, ao fazer um favor ao cantor. Bono acabou compondo e dedicando
"One Tree Hill" à Greg. E se The Joshua Tree
trouxe mais dinheiro e deu o primeiro lugar nas paradas de vendagens
e compactos, a fama e responsabilidade colocadas nos ombros dos
integrantes, fizeram com que os três próximos anos
fossem os mais pesados e chatos de toda a carreira do U2, nas
palavras de Adam Clayton e Larry Mullen. Como já perceberam,
assunto é o que não falta...
1
– Artistas Unidos contra o Apartheid
Ainda
em 1985, após a viagem para a Etiópia, Bono resolveu
aceitar um convite: participar de um disco-protesto contra o regime
do apartheid da África do Sul. O convite veio através
de Little Steven, guitarrista da E Street Band, de Bruce Springsteen.
Lá, existia um clube chamado Sun City, onde tocavam artistas
diversos e onde apenas os brancos eram permitidos.
Steven reuniu um batalhão
de notáveis para o projeto: gente do calibre de Miles Davis,
Ron Carter, Herbie Hancock, Bob Dylan, Lou Reed, Bobby Womack,
Ringo Starr, Peter Gabriel, George Clinton, Run DMC, Jimmy Cliff,
Pete Townshend, e muitos outros nomes. Ele havia tido a idéia
após uma visita ao país em 1984, e quis criar um
movimento como o Live Aid e como o We Are the World, feito apenas
por artistas norte-americanos. Chamou esse super-grupo de Artists
United Against Apartheid e começou a trabalhar em um disco,
que seria produzido por ele mesmo e Arthur Baker em Nova York.
Alguns artistas, como Ringo e Pete Townshend, gravaram suas partes
em Londres e enviaram para a América. Cada artista cantaria
cinco versos antes do refrão e seriam então mixadas.
Nesta época Bono
estava na América, mas precisamente em Nova York. Junto
com Peter Wolf, do J. Geils Band (alguém ainda se lembra
que o U2 abriu para eles bem no início?) foram visitar
o amigo Steve Lillywhite que estava com um trabalho grandioso
nas mãos: produzir um novo disco dos Rolling Stones, que
resultaria em Dirty Work. Bono e Peter chegaram
em um intervalo onde Keith Richards estava tocando alguns blues
em um piano. Bono ficou fascinado com aquelas canções.
Keith olhou então para o jovem cantor e pediu que ele se
sentasse ao instrumento e tocasse alguma de suas composições.
Bono gelou. Além de não saber tocar piano, se sentia
nu sem The Edge ao seu lado e mais impotente por desconhecer o
blues. Keith deu uma longa risada e disse que precisaria ensinar
ao irlandês algumas músicas. “Quando minha
geração apareceu, evitávamos de ouvir blues
ou qualquer tipo de música muito velha por considerarmos
ultrapassadas. E percebi a tolice disso quando encontrei Keith.
Eu simplesmente não tinha como oferecer algo a ele.”
Bono então pediu
a Keith que o ajudasse, e junto com o outro guitarrista dos Stones,
Ron Wood, se trancaram em um estúdio. Em míseras
48 horas nascia o primeiro blues escrito por Bono: “Silver
and Gold”.
Bono explica um pouco como
escreveu a letra: “é a primeira composição
que eu escrevi sob o ponto de vista de uma outra pessoa. Também
é a primeira canção que escrevi que foi influenciada
pelo blues. Eu toquei guitarra com meus pés microfonados
do jeito que os antigos bluesmen, como Robert Johnson,
faziam. E eu ficava batucando no corpo da guitarra para manter
o ritmo. A idéia surgiu com uma citação sobre
um boxeador, com a imagem de um lutador no seu canto sendo repreendido
pelo seu treinador. É um esporte que eu vinha acompanhando
com certo interesse no passado. Considero vários aspectos
do boxe muito sórdido, mas aquela imagem era realmente
muito boa.”
Depois
de pronta e mixada, Bono pediu que Steven a utilizasse no disco
Sun City. Steve agradeceu, mas avisou que o disco
já estava finalizado e que as primeiras cópias já
estavam sendo prensadas e que não teria como. Porém,
Bono não desistiu e ela entrou, ainda que não constasse
o nome da faixa, na contra-capa dos primeiros vinis por não
ser possível mudar toda a arte do trabalho, o que posteriormente
foi corrigido.
O disco foi um grande sucesso
nas paradas de sucesso da Inglaterra, América, e banida
da África do Sul, como era esperado. Foi criada também
uma lei que os artistas ingleses e norte-americanos seriam proibidos
de tocarem naquele país, sendo que quem desobedecesse,
seria severamente multado pelo sindicato dos músicos. Era
a forma encontrada para apoiar as sanções econômicas
contra o regime racial. Veja a letra de "Sun City",
escrita por Steven Van Zandt, mais conhecido como Little Steven.
We're rockers and
rappers united and strong
We're here to talk about South Africa we don't like what's going
on
It's time for some justice it's time for the truth
We've realized there's only one thing we can do
I ain't gonna play
Sun City
Relocation to phony
homelands
Separation of families I can't understand
23 million can't vote because they're black
We're stabbing our brothers and sisters in the back
I ain't gonna play
Sun City
Our government
tells us we're doing all we can
Constructive Engagement is Ronald Reagan's plan
Meanwhile people are dying and giving up hope
This quiet diplomacy ain't nothing but a joke
I ain't gonna play
Sun City
Boputhuswana is
far away
But we know it's in South Africa no matter what they say
You can't buy me I don't care what you pay
Don't ask me Sun City because I ain't gonna play
I ain't gonna play
Sun City
It's time to accept
our responsibility
Freedom is a privilege nobody rides for free
Look around the world baby it can't be denied
Why are we always on the wrong side
I ain't gonna play
Sun City
Relocation to phony
homelands
Separation of families I can't understand
23 million can't vote because they're black
We're stabbing our brothers and sisters in the back
2 – Propaganda
e a Mãe dos novos irlandeses
Alguns
acontecimentos agitaram o início de 1986 para o U2. A primeira
foi o lançamento da revista Propaganda
que seria editada para suprir a sede de informações
sobre a banda. Originalmente seria uma revista trimestral contando
todos os detalhes sobre o grupo e seria vendida via correio. No
entanto, antes já existia uma revista trimestral, chamada
U2 Magazine, e que tinha sido lançada em novembro de 1981.
Na primeira edição, trazia uma entrevista com Larry,
Bono contando as gravações de “Silver and
Gold” e com o Clannad, além de um selo que o grupo
lançava, o Mother Records.
Vamos comentar alguns desses
fatos. O primeiro e mais interessante é o lançamento
da Mother Records. A idéia partiu da banda para ajudar
a promover novos grupos locais que não conseguiam espaço
em grandes gravadoras. A Mother funcionaria com uma ponte entre
as majors do continente, dando a oportunidade de gravarem
um ou dois compactos no início. A idéia nasceu em
1984 e o primeiro grupo a gravar por ela foi o In Tua Nua, do
violinista Steve Winckham, que havia tocado em “Sunday Bloody
Sunday”. “Coming Thru/ Laughing at The Moon”.
Este foi o primeiro lançamento da nova casa. O selo durou
até 1990 e o grupo que mais sucesso obteve foram os Hothouse
Flowers, que depois assinariam com a London, e que é uma
banda que vale muito a pena ser ouvida.
O segundo fato interessante
é a parceria de Bono com o Clannad. Uma das bandas mais
populares da Irlanda, na ativa desde o início da década
de 70, fazia uma ponte entre o folk celta e elementos de rock,
com pitadas de rock progressivo. O destaque ficava com a cantora
Máire Brennan.
A primeira vez em que o
U2 encontrou com o Clannad foi totalmente acidental, nos estúdios
Windmill. O Clannad havia gravado “Harry’s Game”
para o filme de mesmo nome, em 1982 e outra para a série
televisa Robin of Sherwood, de 1984. A canção
deu uma reputação grande ao grupo e vez por outra,
quando o U2 viajava pela América perguntavam a eles algo
sobre o Clannad. Bono e companhia respondiam, constrangidos, que
não sabiam nada sobre eles, apesar de Bono confessar que
quase bateu seu carro na primeira vez que ouviu a canção,
tamanho impacto causou no vocalista. Portanto, quando as duas
bandas se encontraram no estúdio começaram a conversar.
O Clannad igualmente desconhecia o U2 e aos poucos iniciaram uma
ligação. Máire sugeriu então que as
duas bandas entrassem em estúdio para gravarem juntos,
mas chegaram à conclusão de que talvez não
desse certo. Bono então sugeriu que ele tentasse alguma
canção com o Clannad. Entraram no estúdio
com o produtor Steve Nye, e Bono pediu um microfone e começou
a cantar mesmo sem ter ouvido toda a melodia. O resultado depois
de pronto foi estonteante.
“In
A Lifetime” colocou novamente o Clannad (e Bono) na parada
e um belo e caro vídeo foi produzido em Gweedore, para
divulgar a canção. O cantor lembra que os meses
entre as gravações com Keith Richards e com o Clannad
foram mágicos, embora perigosos. “Algumas vezes temi
que pensassem que eu quisesse seguir uma carreira-solo após
me envolver com o disco Sun City, trabalhar com
Keith e com o Clannad. Mas isso jamais passou pela minha cabeça
porque minha banda favorita continuava sendo o U2. Era apenas
um leque de oportunidades que se abriu e que resolvi aproveitar.”
Ainda em fevereiro, a banda
foi eleita pela Rolling Stone como grupo do ano (novamente)
e melhor grupo, ao vivo.
O grupo havia então
se transformado do ponto de vista sonoro, abrindo seu leque de
opções durante os shows. A banda agora cantava “Cold
Turkey”, de John Lennon, “C’mon Everybody”,
de Eddie Cochran, “Candle in the Wind”, de Elton John
e “Walk On the Wild Side”, de Lou Reed. E o apogeu
desse repertório foi o show que rendeu a primeira grande
paulada para a banda em sua Irlanda natal…
3 – Self-Aid
A
idéia era boa: ajudar os desempregados na Irlanda. As bandas
formavam a nata do rock irlandês, com alguns poucos convidados
ingleses. Mas tudo deu errado e rendeu críticas furiosas.
Mas por que?
A Irlanda sempre foi um
país com um gravíssimo problema de desemprego, que
acaba obrigando muitos a saírem do país, para tentar
uma vida melhor. E a década de 80 foi extremamente dura
para o pequeno país. Calculava-se que, em média,
50 irlandeses disputavam arduamente qualquer emprego que aparecesse
no país, um “vestibular” odioso e nojento.
Animados com o acontecimento do Live Aid, meses antes, 27 artistas
resolveram fazer um show que seria mostrado pela televisão
RTE para tentar angariarem fundos e ajudar aos desempregados.
Cada banda teria 15 minutos para se apresentar.
A relação
completa dos artistas, em ordem de apresentação
foi a seguinte: Brush Shields, Bagatelle, Blue in Heaven,
Stockton’s Wing, In Tua Nua, Clannad, Big Self, Les Enfants,
The Chieftains, Chris Rea, Freddie White, Those Nervous Animals,
The Pogues, Cactus World News, Scullion, De Dannann, The Fountainhead,
Paul Brady, The Boomtown Rats (último show do grupo), Auto
de Fe, Moving Hearts, Rory Gallagher, Christy Moore, Elvis Costello,
Chris de Burgh, Van Morrison e U2. O show estava programado
para o dia 16 de maio no RDS, em Dublin.
O evento tinha como slogan
a frase “Let’s Make It Work” (algo como “vamos
fazer isso funcionar”), mas os críticos chamaram
o Self-Aid de “Self-Aid Makes it worse!” (o Self-Aid
só fez piorar!). A grande revolta dos críticos em
geral era simples: não cabia aos músicos criarem
esperanças e empregos aos irlandeses, e sim ao governo,
que era taxado de lento e mentiroso. Eles argumentavam que o Self-Aid
não ajudaria em nada e até pioraria ainda mais,
já que o governo usaria o concerto em seu benefício.
Uma revista chamada In Dublin foi mais longe, usando
uma foto de Bono e escrevendo em sua manchete frases como “The
Great Self-Aid Farce” e “Rock Against the People”.
(“A Grande Farsa do Self Aid” e “Rock Contra
as pessoas”). Dois artigos particularmente atacaram o grupo.
Um de Eamon McCann, intitulado Self-Aid Makes It Worse
e um de John Waters, Deus Ex Machina: The Band Who Grew
to Earth. Ironicamente, no futuro Waters ficaria amigo
do grupo e escreveria um belo livro sobre a banda.
Críticas
à parte, o U2 fez um espetacular show que rendeu um espetacular
bootleg (eu tive...), com um repertório diferente.
Abriram com “C’mon Everybody”, e seguiram com
“Pride”, “Sunday Bloody Sunday”, “Maggie’s
Farm”, “Bad”, onde Bono improvisou versos de
“Candle in the Wind” e “Walk On the Wild Side”.
Para encerrar, ex-integrantes do Thin Lizzy subiram ao palco para
homenagear o falecido Phil Lynott, e tocaram alguns clássicos,
com Bono liderando os vocais em “Whisky In The Jar”.
O saldo final foi até bom já que mais de 1300 empregos
foram gerados e perto de um milhão de libras irlandesas
arrecadadas.
Passado o show era hora
de mais festivais e por uma causa ainda maior... A Anistia Internacional...
4 - Conspiracy
of Hope Tour
Em agosto de 1985, Jack
Healey, um ex-monge e que era diretor executivo da Anistia Internacional
nos Estados Unidos, conseguiu se aproximar de Paul McGuinness
e de Bono após um show da banda. Ele havia ficado impressionado
com o desempenho e fez uma proposta. Jack queria aumentar o número
de voluntários da Anistia na América que eram de
apenas 150 mil, um número irrisório perto dos 170
milhões de habitantes dos Estados Unidos. Healey queria
organizar um evento e alguns shows pelo país no ano de
1986 como uma forma de chamar a atenção para a organização.
Ele sabia que a música poderia ser um veículo perfeito.
O que ele queria era simples: poderia o U2 disponibilizar uma
semana de seu extenso calendário para a Anistia nesse ano?
Paul e Bono disseram que sim. Healey conseguiu a promessa por
escrito e começou a planejar o festival.
Com a carta do U2 embaixo
dos braços, começou a procurar outros nomes e falar
com promotores sobre o evento. Recebeu um sim de Sting, que chegou
a dizer que a única coisa que poderia fazê-lo sair
da cama ultimamente seria a Anistia. Lou Reed afirmou não
ver uma melhor maneira de usar seu tempo e Peter Gabriel concordou
em abrir uma brecha em sua excursão mundial promovendo
seu disco So.
A maratona seria de sete
concertos pela América, comemorando os 25 anos da Anistia
Internacional. Os participantes seriam, além do U2, Lou
Reed, Sting e Peter Gabriel, Bryan Adams, Joan Baez e Neville
Brothers.
O
ponto alto seria o último concerto no dia 15 de junho no
Giant Stadium, em Nova Jersey para uma platéia de 55 mil
pessoas. Esse evento ficaria marcado na vida do grupo assim como
o Live Aid. Em primeiro lugar, Paul McGuinness resolveu que era
hora de testar a joven Anne-Louise Kelly como coordenadora da
turnê. Paul iria apenas comparecer como convidado, deixando
todo o trabalho para Anne. Uma experiência e tanto. Ela
havia tido uma boa influência em angariar nomes para o festival,
em especial de Sting e Gabriel.
A dor de cabeça
era grande, principalmente na parte técnica. Os técnicos
do grupo responsáveis pela iluminação não
haviam conseguido convencer a MTV a mudar o posicionamento das
luzes.
A
emissora não deu bola para as reclamações
e não abriu mão de seu contrato. Quando Bono pisou
no palco, sentiu um calafrio. As luzes quase o cegaram e ele não
conseguia enxergar nada. Mesmo assim, começou o show de
maneira feroz. Abriu a apresentação, com “MLK”,
seguiu com “Pride”, “Bad”, “Sunday
Bloody Sunday” (onde fez um pequeno discurso), atacou com
“Maggie’s Farm”, “Cold Turkey”,
“Help!” e fechou com “Sun City”, quando
dividiu os microfones com Ruben Blades, Lou Reed e Nona Hendryx.
Mas a banda não
era a última atração. Uma espetacular apresentação
do The Police fecharia o concerto. Sting estava meio rouco, mas
mesmo assim a banda atacou seus clássicos. A grande surpresa
aconteceu quando Bono apareceu no palco para dividir os vocais
em “Invisible Sun”. Ao final da canção,
enquanto Sting vai cantando “one, two three, four, five,
six”, Bono vai acompanhando os dedos até chegar o
número seis, simbolizando os seis prisioneiros políticos
que foram “adotados” pela Anistia como causas urgentes.
Ao
final da canção, uma celebração geral.
Todos os artistas que eram os principais, além daqueles
que eram convidados para cobrir eventuais buracos – como
o próprio Ruben Blades, Miles Davis, Carlos Santana, Yoko
Ono, Fela Kuti (que foi realmente beneficiado pela Anisitia e
libertado após 20 meses de prisão em seu país
natal, a Nigéria), subiram ao palco e liderados por Bono
cantaram “I Shall Be Released”, de Bob Dylan. Um último
detalhe: Larry e Adam tocaram com os instrumentos de Stewart Copeland
e Sting, do Police, sendo que Clayton recebeu um carinhoso beijo
na nuca de Sting!
Aparte o grande espetáculo,
Bono reuniu toda sua equipe e queria saber porque o grupo tivera
condições técnicas tão desfavoráveis.
O U2 havia sido, novamente, o destaq ue da noite, mas Bono estava
irritado com o tratamento dado ao grupo.
5 – Uma morte
e uma viagem de dar medo
Logo após a excursão, o grupo voltou rapidamente
para Dublin para um descanso e uma programação pessoal
de Bono. Ele queria conhecer a América Central e ver as
condições de vida na Nicarágua e em El Salvador
e conferir pessoalmente o clima de terror e morte que rondavam
os países. Mas, antes, uma morte de alguém bem mais
próximo o deixou arrasado: a de seu assistente Greg Carroll.
No
dia 3 de julho, Bono pediu um simples favor para Greg, a de ir
buscar sua motocicleta. Greg foi e no meio do caminho encontrou
Guggi, velho amigo de Bono e membro do Virgin Prunes. Os dois
conversaram, empinaram as motos, brincaram e foram cada um para
seu canto. Quando estava na rua Morehampton, Greg foi atropelado
por um motorista bêbado que entrara na rua sem dar sinal.
Imediatamente foi levado para o hospital St Vicent, mas acabou
morrendo. Dias depois, Steve Iredale e Joe O’Herlihy viajaram
com o corpo para a Nova Zelândia, terra natal de Carroll,
para o enterro, sendo seguidos por Bono, Larry e Ali, além
de Katie McGuinness, irmã de Paul e namorada de Greg. Todos
participaram do tangi, uma tradição Maori
que dura três dias e três noites, e aconteceu em Kai-iwi
Marae, perto de sua terra natal, Wanganui.
Bono confessa que apenas
a morte de sua mãe o havia chocando tanto: “eu já
tinha sentido isso antes, com a morte de minha mãe. Agora
sinto novamente. Convivemos por muito pouco tempo, mas eu e Greg
éramos unha e carne e eu o amava como a um irmão.
Ele foi uma dessas pessoas boas demais para viver nesse mundo.
Eu precisava vir até aqui, pois senti que devia algo a
um amigo e colega de trabalho e desejar que ele retornasse a sua
terra natal com a honra que ele merece.”
Em
homenagem a Greg, Bono escreveu “One Tree Hill”. Perto
da cidade de Auckland existem cinco ilhas vulcânicas e a
mais alta delas é chamada de One Tree Hil. Greg a havia
mostrado ao cantor na primeira noite em que chegaram à
Nova Zelândia, nos primeiros shows promovendo The
Unforgettable Fire. A canção entraria em
The Joshua Tree e seria lançado em single,
apenas neste país.
Logo após o funeral,
Bono viajou para a América Central e viu de perto o clima
de medo e selvageria na Nicarágua e El Salvador. A experiência
o marcou profundamente e ele a retrataria na canção
"Bullet the Blue Sky". O cantor lembra do medo que sentiu
nesses lugares e como a vida humana não possui muito valor
em locais assim.
Mas não foi apenas
Bono que teve algumas surpresas. Talvez a maior de todas tenha
acontecido com Larry.
6 – Uma (falsa)
cirurgia anunciada
Larry
Mullen deu entrada em um hospital em Nova York para operar suas
mãos por sentir muita dor. O problema era tão grave
que se não fosse bem sucedida a cirurgia, Larry jamais
poderia tocar novamente.
Quando aconteceu isso?
Não aconteceu. Mas o boato infernizou a vida do baterista
e causou comoção entre os fãs. Quando a notícia
se espalhou, o DJ Martin Whelan da Radio 2, de Dublin, disse que
os fãs estariam rezando e o apoiando em cada minuto. Mas
Larry não estava em Nova York e sim, em Dublin ensaiando
as novas composições. Inicialmente, um porta-voz
do grupo tentou desmentir os boatos, dizendo que Larry tinha um
problema em uma das mãos, mas que era algo perfeitamente
normal para um baterista e que em nenhum momento deixaria de tocar
ou que seria operado. “Não são mãos
de pianista e sim de um baterista. Larry pode e deverá
tocar ainda por muitos anos”, disse o porta-voz.
Confuso com o boato, o
próprio Larry deu uma entrevista explicando a história:
“eu realmente tenho um problema em minha mão esquerda
e ele se manifestou um ano atrás, durante um show em São
Francisco. Senti uma dor imensa e me senti sem condições
físicas de fazer o show daquela noite. Fui levado a um
hospital e um médico me examinou e disse que eu precisaria
ficar duas semanas sem tocar. Mas estávamos no meio da
turnê e as datas não poderiam ser canceladas e ele
me receitou uns analgésicos para que eu pudesse tocar.
Mas os analgésicos e os anti-inflamatórios não
estavam fazendo efeito e conversei com Max Weiberg, que tocava
com Bruce Springsteen, que já tinha operado cada dedo de
todas as mãos. Ele me disse para não ficar maluco
que isso era normal. Mas eu fiquei.”
Assim
que terminou a turnê, Larry visitou vários médicos
que não conseguiam identificar a causa. Alguns especularam
se a postura de Larry na hora de tocar não estava o obrigando
a fazer uma força desnecessária com a mão
esquerda. “Visitei o maior médico da Europa e ele
sugeriu que fizéssemos uma cirurgia para que ele pudesse
ver o que havia de errado, pois ele nada encontrava superficialmente
ou nos exames. Mas eu não topei e recentemente um médico
de Dublin me deu uns remédios novos que estão me
ajudando muito. Não é um esteróide e não
é uma droga. Não sei como funciona mas ele reduz
o inchaço e agora existem menos problemas. É uma
questão de saber o quanto eu posso forçar a minha
mão e então cuidar dela, banhando em água
gelada e descansando o máximo possível.”
Segundo Larry, o boato
se espalhou por uma coisa tola: “Max me ligou um dia para
saber como ia minha mão e me disse que um hospital de Nova
York estava fazendo uma campanha para prevenir problemas nas mãos
em músicos. Max pediu que eu desse uma entrevista para
a revista Musician alertando os bateristas do cuidado
que devemos ter com as mãos. Acho que esses boatos nasceram
assim.”
O baterista conta que ficou
muito decepcionado com a imprensa inglesa. “Que o Daily
Mirror, que é um jornal sensacionalista e que só
publica merda, fale isso de mim, não me incomodo, mas fiquei
muito triste quando vi a matéria no Independent
e no Herald, pois sei que são jornais sérios
e eles poderiam, ao menos, ter verificado melhor antes de criarem
toda essa confusão.”
Larry ressalta que depois
de toda a confusão, as dores passaram e que estavam totalmente
controladas.
E se Larry e Bono tiveram
momentos estranhos e penosos, o mesmo não aconteceu com
The Edge. Pelo contrário, o guitarrista tinha até
uma curiosa notícia para dar...
7 – The
Edge faz disco solo e lança Sinéad
Enquanto
o grupo começava a escrever novas canções,
The Edge lança em agosto um disco-solo, intitulado
Captive. Na verdade, era uma trilha sonora para um filme
dirigido por Paul Mayersberg e que não fez grande sucesso.
The Edge explica que não
havia pensado em escrever algo para o cinema. “Essas canções
começaram a ser escritas em Londres, durante uma pausa
nossa. Eu comecei simplesmente a compor algumas canções,
mas sem nenhum objetivo maior. De repente, achei que elas poderiam
servir para algum filme, e tentei fazer algum contato em Hollywood.
Mas tudo lá é muito complicado, um grande labirinto.
Como não conseguia nada, me lembrei de David Puttman, que
é um produtor britânico de filmes e pedi sua ajuda.
No mesmo instante, a indústria britânica abriu as
portas para mim.”
Puttman acabou fazendo
alguns contatos até chegar em Don Boyd, que estava produzindo
Captive. Boyd mostrou o trabalho para Mayersberg
e os dois gostaram muito das músicas e convidaram o guitarrista
para viajar até Paris, onde o filme estava sendo produzido.
“Eles
não fizeram nenhuma exigência e nem ficaram indo
ao estúdio para ver como andava o processo. Perguntaram
se eu podia escrever alguma canção que ajudasse
a promover o filme, mas disse que não iria prometer nada,
pois não tinha nenhuma experiência em produzir músicas
com essa finalidade. Para me ajudar no processo Michael Brook
veio me auxiliar e fizemos as músicas”
Mas The Edge conseguiu
sim uma música que ajudou a promover o filme. E para isso
contou com a ajuda de uma novata: Sinéad O’ Connor.
Sinéad era uma amiga de The Edge e o ajudou a escrever
“Heroine”.
O
disco era totalmente estranho para os fãs do U2 já
que o guitarrista explorou seu lado mais “europeu”.
“Bono fala que eu sou o mais europeu dos membros do U2,
mas não acho que tem mais a ver com o meu gosto por música.
Não sou um grande fã de solos de blues. Prefiro
coisas mais esparsas, melancólicas e isso tende a ser relacionado
mais com a Europa do que com a América.”
O guitarrista lembra que a experiência foi muito interessante
e um tanto assustadora. “É impressionante o número
de pessoas envolvidas em uma produção dessas. Você
acaba nem sabendo mais quem manda ou quem está controlando
quem. Existem atores, diretores, iluminadores, e eu ficava no
meu canto escrevendo as canções e pensando se estava
fazendo bem o meu trabalho.”
Depois de tantos shows,
projetos, traumas e aventuras pessoais era a hora de todos os
integrantes se reunirem e pensarem em um novo disco. E assim começa
a construção do mais bem-sucedido disco da carreira
do U2...
8 – The Joshua
Tree
O disco que levou o U2 aos píncaros do sucesso começou
de uma maneira bem lenta, indecisa e totalmente inusitada. Mais
uma vez Brian Eno e Daniel Lanois foram convocados para a empreitada.
As diversas experiências desde o lançamento de The
Unforgettable Fire deveriam ser agora traduzidas. “Nossa
primeira preocupação era voltarmos a pensar em termos
de canções. Quando gravamos o último disco
fizemos coisas maravilhosas como “4th of July” de
uma maneira muito improvisada. Desta vez resolvemos pensar em
estruturar canções e trabalharmos nelas”,
lembra The Edge.
Adam lembra que pela primeira
vez Bono teve tempo suficiente para escrever suas letras. “É
verdade, eu já vinha pensando nelas desde 1985. O que me
incomodava é que elas não pareciam ser canções
para o U2 gravar. Havia um pouco de blues, um pouco de gospel.
Pensei o que faria com elas até observar que o grupo estava
preso em uma camisa-de-força e resolvi que deveríamos
dar um passo a frente.”
Bono lembra que muitas
das músicas foram gravadas de maneira quase amadora. “Muitas
vezes quando estávamos no estúdio e a luz vermelha
acendia, não conseguíamos render. Por isso preferimos
gravá-las em um quarto na casa de Larry ou na sala de Adam,
como se fossem demos. Queríamos deixá-las brotarem
livremente.”
Nessa época o grupo
já estava mais influenciado pela música norte-americana.
Assim “Bullet the Blue Sky”, foi totalmente baseada
sobre a viagem que Bono fez para a América Central e com
forte influência do blues, que The Edge, já havia
confessado não ser sua maior influência.
“Red Hill Mining
Town” foi escrita sobre a greve dos mineiros na Inglaterra
que ocorreu em 1985 e que depois de terminada, deixou muitos deles
desempregados, já que as empresas fecharam as portas. Bono
havia lido um livro justamente chamado Red Hill,
do jornalista Tony Parker, sobre o tema. Curiosamente, essa canção
é a mais misteriosa do disco por dois motivos. O primeiro
é que ela foi pensada como um single e um vídeo
foi feito, dirigido pelo aclamado diretor irlandês Neil
Jordan. Porém, o vídeo e a canção
nunca foram lançados, oficialmente porque a banda não
gostou do resultado final. Alguns, no entanto, especulam, que
Bono pediu para que ela não se tornasse uma música
de trabalho, pois não conseguiria reproduzir no palco as
notas altas que conseguiu em estúdio.
O
disco caminhava, mas uma faixa, particularmente, estava tirando
o sono de Brian Eno: “Where the Streets Have No Name”.
Brian estava desesperado com o começo da canção
e mesmo tendo trabalhado nela diversas vezes, não conseguia
encontrar o arranjo ideal. Em um momento de puro ódio,
resolveu jogar fora a canção inteira, mas foi proibido
por um jovem engenheiro que estava no local e não deixou
que Eno cometesse tal crime. Ela acabou sendo uma das quatro canções
que foram dadas para que Steve Lillywhite mixasse. As outras seriam
“Bullet The Blue Sky”, “With or Without You”
e “Red Hill Mining Town”. A canção falava
da relação de amor e ódio de Bono com Dublin.
O cantor relata que ficava desesperado com a degradação
da cidade, com a construção de prédios e
de ver algumas paisagens de sua infância simplesmente desaparecerem.
“De todas, é a canção que mais se parece
com o velho espírito do U2, porque foi feita aos pedaços.
Eu estava tentando encontrar uma local para poder retratar, talvez
um local espiritual, talvez algo mais romântico, tentando
capturar algo, enfim. Eu sempre senti claustrofobia em grandes
cidades e imaginei um lugar onde não houvesse ruas, paredes,
nada.”
Daniel Lanois é
considerado uma figura-chave de todo o trabalho. Ele funcionava
como uma ponte entre o que a banda queria e o que Eno sugeria.
“Muitas vezes parecia que o estúdio ia desabar com
as diferenças entre Brian e a banda”, lembra Lanois.
O tema das drogas voltaria
a ser abordado em uma outra canção, “Running
to Stand Still”. Na letra há uma referência
às “sete torres”, um condomínio localizado
nas Torres de Ballymun, na parte norte de Dublin onde Bono costumava
brincar quando menino. Lá, era o local preferido para as
pessoas comprarem e usarem drogas.
“Mothers of Disappeared”
foi feita em homenagem às mães que viram seus filhos
sumirem durante governos ditatoriais. Ele conta que durante a
viagem à América Central, várias delas mostravam
cartazes com fotos de seus filhos seqüestrados pelo governo.
A metáfora valia também para os violentos governos
na Argentina, na década de 70 e no Chile, nos anos comandados
por Pinochet.
“One Tree Hill”, como já citada foi feita em
homenagem à Greg Carroll, a quem o grupo dedicou o disco.
“I Still Haven't
Found What I'm Looking For” veio de uma frase falada por
The Edge durante as gravações e que parecia premonitória.
The Edge conta que ela nasceu como um reggae, em que Bono bolou
uma melodia e Edge entrou com o título. A música
estava sendo deixada de lado quando começaram a ouvir os
discos de música gospel que Brian Eno havia levando, e
que só perceberam o quão especial era na hora da
mixagem. “Muitos críticos norte-americanos a odiaram
quando ouviram pela primeira vez, dizendo que tínhamos
feito uma imitação fraca da música deles
e que ‘I Want To Know What Love Is’ do Foreigner era
muito melhor do que a nossa”, lembra o guitarrista.
E havia, claro, “With
Or Without You”, primeiro single do novo disco e a primeira
canção a dar ao grupo o primeiro lugar nas paradas
norte-americanas. Reza a lenda que a inspiração
veio de Lou Reed que disse a Bono e que ele tinha um grande dom
e deveria espalhar isso para o mundo. A letra fala de um amor
físico impossível de ser vivido e que acaba fulminando
os desejos ou sonhos do outro. Uma das canções mais
belas do grupo, lindamente construída sob uma sólida
base rítmica feita por Larry e Adam e que explode na voz
de Bono.
O
título do disco é até hoje pouco explicado
pelo grupo. Originalmente o título foi tirado de uma pequena
cidade que leva esse nome no chamado “Vale da Morte”
na Califórnia. Foi lá que Gram Parsons, ex-integrante
dos Byrds e do Flying Burrito Brothers, foi enterrado. As fotografias
tiradas pelo já fotógrafo oficial Anton Corbjin
mostravam o deserto da região, e nela existe uma árvore
chamada justamente de Joshua Tree. Mas Bono gosta de dizer que
para ele, o título do disco traz uma metáfora intraduzível
e que prefere que as pessoas descubram algum significado. “Afinal,
é mais um espírito de todo nosso processo do que
uma simples explicação.”
Lançado
no dia 9 de março de 1987, The Joshua Tree
teve um efeito devastador no mundo, sendo até hoje o disco
que mais rápido vendeu na Inglaterra – cerca de 300
mil cópias em míseras 48 horas. O disco estreou
na sétima posição nos Estados Unidos e em
três semanas alcançava o primeiro lugar. No total,
seriam mais de 17 milhões de cópias vendidas pelo
mundo e uma comoção que a banda jamais sonhara.
O grupo começaria
então uma série de shows pela América sedimentando
sua relação ambígua com o país e onde
se tornariam a banda mais famosa e importante dos anos 80.
Mas o desfecho de tudo
isso, a excursão, a capa da revista Time, os singles,
o controvertido clip para “Where the Streets Have No Name”,
a pressão que as palavras e as manifestações
de Bono trouxeram para cima da banda e a gestação
de Rattle and Hum ficam para o próximo
capítulo...
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