Os últimos anos da década
de 80 foram os anos em que a banda acabou sofrendo críticas
de todos os lados e virando até motivo de piada. Até
Bo Diddley ironizou, dizendo que deveria constar nos créditos
de "Desire", já que The Edge havia feito uma
cópia descarada do estilo legendário de Bo na guitarra.
Quando Rattle and Hum saiu havia quem ficasse surpreso com o grupo,
mas há quem virou a cara, pela ousadia de Bono em escrever
"God Part II", que seria uma continuação
à canção de John Lennon, que ele cantou em
seu disco Plastic Ono Band. Além disso, o grupo regravou
Beatles, Bob Dylan, usou Hendrix em "Bullet the Blue Sky",
gravou com B.B. King e o próprio Dylan e citou John Coltrane,
Miles Davis, Billie Holiday, entre outros mitos da música.
Mesmo tendo vendido 14 milhões de cópias, o disco
e o filme subseqüente fizeram o U2 entrar em um redemoinho
e por muito pouco não causa o fim do grupo. Uma fase em
que teve de tudo, até a prisão do quieto Adam Clayton
por posse de maconha e prêmios Grammy.
Um
aviso: após esse capítulo que encerra os anos 80,
darei um descanso na biografia do U2. O motivo é o mais
simples possível: esses textos deram mais trabalho e consumiram
mais tempo do que imaginei e para evitar uma saturação
minha (e de alguns leitores) resolvi deixar o tema descansando.
Assim, poderei fazer outras colunas que há tempos quero
produzir e que estão na berlinda – muitos deles,
foram pedidos por vários leitores há anos atrás.
Mas não fiquem desesperados, o U2 voltará, após
merecidas férias... Mas antes de gozarem um descanso, vamos
ao nono capítulo....
1 – O reconhecimento da indústria
O
ano de 1988 começou com grande movimentação
para o grupo. Em fevereiro, se reuniram com Paul McGuinness e
o diretor Phil Joanou para começarem a montagem do novo
filme, que ainda não possuía um título. No
mês seguinte, a indústria americana abre os braços
para os irlandeses, dando dois prêmios Grammy, sendo um
o de melhor disco do ano. Em um dos discursos, Bono agradeceu
o apoio das college radios. As college foram
um fenômeno que assolou a América nos anos 80 e tinham
como missão apoiar bandas desconhecidas ou foram do mainstream,
e, muitas delas tinham suas sedes nas universidades. As bandas
norte-americanas preferidas nos anos 80 eram R.E.M., Husker Dü
e Replacements.
Em
março ainda sai um novo single do The Joshua Tree,
editado especialmente na Nova Zelândia, país de Greg
Carroll, One Tree Hill. A foto era a mesma utilizada
no single In God’s Country.
Mas a grande preocupação
era realmente o filme. Joanou tinha uma difícil missão
que era editar 250 horas de filmagem com o grupo. Ele tinha uma
ordem expressa de não glamourizar o grupo. A idéia
era mostrar os integrantes sendo o mais simples possível.
Por isso mesmo, uma das imagens que Joanou tinha em mente foi
abortada, para sua tristeza - justamente a cena em que mostra
Bono dando entrada no hospital, após sofrer uma queda no
palco. O cantor berrava para que parasse a filmagem, e a única
imagem aproveitada foi quando a banda se dirigiu a uma igreja
do Harlem para fazer um ensaio de “I Still Haven’t
Found What I’m Looking For” com Bono tendo o braço
imobilizado, já que havia deslocado o ombro.
Joanou resolveu aproveitar
os vários momentos da excursão do grupo dentro da
América, mostrando o grupo gravando “Angel of Harlem”,
no Sun Studio, uma apresentação ao lado de B.B.King
e a visita do grupo em Graceland, a mítica mansão
de Elvis Presley. Elvis era o grande ídolo de Larry, que
protagoniza dois momentos tocantes: sentando em uma motocicleta
Harley Davidson e uma rápida entrevista, onde confessa
sua paixão pelo cantor desde quando era menino.
O ano de 1988 foi o primeiro
em que o grupo não realizou shows, com exceção
de uma apresentação solitária em Londres,
em Novembro, em prol da Jamaica, quando o furacão Gilbert,
devastou o país. As primeiras notícias sobre os
novos rumos era que um novo disco sairia e que ele seria ao vivo.
O grupo tratou de explicar que um novo álbum seria lançado
contendo algumas faixas ao vivo e outras inéditas, em estúdio.
Mas não deu pistas de quais canções seriam.
“Escrever
novas canções é um ato de sobrevivência
para nós. Nós pensamos da seguinte maneira: se não
conseguimos tocar as antigas músicas, então escreveremos
novas e as tocaremos. Se os fãs gostarão ou não,
é outro assunto, mas o fato é que nós precisamos
disso. Não há como ficar preso no passado. A evolução
é uma conseqüência natural”, segundo Bono.
O que o grupo temia –
e que já acontecia – era aumentar as críticas
sobre a “americanização” do grupo. Desde
que tinham virado a grande banda da década e ganhado prêmios
Grammy, tudo parecia muito fácil para o U2. O dinheiro
entrava fácil, os projetos eram variados e a fome de novas
experiências maiores ainda.
2 – "Nós
precisamos de rivais"
O grande medo da banda
era simplesmente a falta de competidores, principalmente dentro
da Irlanda. Para Adam, a pressão em cima do U2 era simples
de ser explicada: não havia alguém com quem pudessem
dividir os holofotes.
“A
pressão em cima de nós está sendo cruel até
certo ponto, porque não temos nenhum outro artista irlandês
que faça sucesso como nós. Se isso é bom
em alguns aspectos, causa um estresse porque temos nossos passos
vigiados. Eu sinto falta de Phil (Lynott, líder do
Thin Lizzy, que morreu no começo de 1986) porque ele
era uma pessoa que tinha os mesmos problemas que enfrentamos hoje
e seria alguém com quem poderíamos conversar. Sei
que parece ridículo reclamar, pois parecemos mimados, mas
a verdade é que toda a mídia da Irlanda fez do U2
seu maior combustível. Existe uma diferença entre
a Europa e a América. Lá você é um
astro, as pessoas têm menor contato e uma imagem diferente.
Eu não abro mão de viver em Dublin, porque amo essa
cidade e porque ela nos proporciona um conforto e uma tranqüilidade
que não teríamos em outra parte do planeta, mas
reconheço que os problemas estão crescendo.”
A falta de Lynott era sentida
também por Bono. “A coisa que mais me lembro dele
é quando aluguei uma casa na mesma rua em que ele morava.
Era algo estranho, pois você nunca o encontrava em sua residência,
apenas na rua. Nós nos cumprimentávamos e ele me
chamava para ir até sua casa para um almoço e eu
retribuía o convite para que também me visitasse.
Só que os convites acabavam ali mesmo. Phil era um cara
bacana, uma pessoa com quem conversei algumas vezes e que sentia
a pressão da mídia. Infelizmente ele foi embora
cedo demais.”
3 – Rock
nas paradas
No
entanto, o grupo continuava a caminhar sempre pensando em se aperfeiçoar.
The Edge era um dos maiores entusiastas das novas canções
e sentia que a banda estava atingindo um ponto que jamais havia
sonhado. “As novas canções me deixaram extremamente
feliz. Eu sinto uma espécie de energia dos mesmos discos
da década de 50 e 60. Naquela época você sentia
os músicos interagindo, ao contrário de hoje, em
que os discos são comandados pelos produtores. E essa qualidade
é que estamos tentando buscar no nosso trabalho. Eu não
acho que esse trabalho seja revivalista porque ele reflete nosso
momento. Também não estamos fingindo que não
sofremos influência de outros músicos. Mas eu fico
feliz quando vejo que nossas músicas estão no topo
da parada porque o rock parecia ter sido esquecido das paradas.”
The
Edge estava se referindo não apenas aos hits de The
Joshua Tree, mas principalmente ao primeiro compacto
do novo disco, “Desire”. Com um riff roubado diretamente
do estilo de Bo Diddley de tocar, a canção foi a
primeira a conseguir o topo da parada inglesa para o grupo. Nos
Estados Unidos, “Desire” alcançou o terceiro
lugar.
“Desire” foi
lançada em setembro um mês antes do novo disco e
projeto do grupo, Rattle and Hum, que era, de
longe, o mais ambicioso que já haviam realizado: um disco
duplo, com faixas ao vivo e de estúdio e o tão esperado
e comentado filme. Analisemos cada um...
4 – Rattle
and Hum, o disco
Se
o U2 queria causar polêmica não podiam ter começado
o disco com uma canção melhor: nada menos do que
um clássico do Beatles e que havia sido “usada”
pelo assassino psicopata Charles Manson na década de 60
para matar pessoas: “Helter Skelter”. E a frase inicial
da canção dita por Bono era ainda mais megalomaníaca:
“essa canção Charles Manson roubou dos Beatles
e nós a estamos roubando de volta.”
Executada com grande precisão
e gravada ao vivo durante a turnê do ano anterior, a canção
mostrava a energia do novo U2: um grupo mais afinado e pesado
do que nunca e que escorregavam nas famosas bandas de “rock
de arena”, com um som gordo, bem costurado e potente.
A segunda faixa era ainda
uma surpresa maior, já que era uma canção
folk cantada e escrita por The Edge, “Van Diemen’s
Land”. A letra conta a história de John Boyle O’Reilly
um dos líderes do levante irlandês de 1848 contra
a Inglaterra. Esse levante acabou gerando a “Grande Fome”
que devastou o país e Boyle acabou sendo expulso e deportado
para a Tasmânia.
A
terceira canção era “Desire” primeiro
single do disco e que começa com Joanou entrevistando a
banda e Adam tentando responder. A conversa acaba em risadas,
em um papo que havia sido editada e os risos aconteceram porque
Larry Mullen imitava os gestos de Adam enquanto ele falava. Essa
parte é mostrada no filme.
A quarta canção
é uma das mais belas e surpreendentes do disco: “Hawkmoon
269”. Primeiro por conter Bob Dylan no órgão
Hammond. Essa canção possui um dos títulos
mais interessantes e cheios de história sobre sua origem.
A primeira é que ela foi inspirada em um livro do escritor
norte-americano Sam Shepard, Hawk Moon. E Shepard
lançou outro livro chamado Motel Chronicles
e que supostamente foi escrito em um quarto de número 269.
Os dois livros discutem e fundem imagem dos desertos do sul dos
Estados Unidos nas obras, um tanto quanto autobiográficas,
de Sam. Hawkmoon é uma locação em Rapid City,
em Dakota. E há ainda quem considere (como o autor
de U2 – The Ultimate Encyclopedia, Mark
Chatterton) como o número de vezes que a canção
foi mixada. Mas essa versão não parece ser muito
real, já que Bono disse isso em uma entrevista, em meio
a gargalhadas gerais dos outros integrantes.
O lado B abre com um clássico
de Dylan, mas que ficou imortalizada com Jimi Hendrix. Sobre essa
canção Bono comentou: “qual banda em uma posição
igual a nossa iria aprender os acordes cinco minutos de subir
ao palco, tocá-la e ainda gravá-la? Nenhuma.”
Essa é a famosa canção que aparece Bono pichando
o monumento no show grátis em São Francisco.
O
disco continua com “I Still Haven’t Found What I’m
Looking For” gravada da maneira que o grupo sempre sonhou:
com um coro gospel, o Voices of Freedom. Em seguida, uma canção
de 38 segundos e que nenhum membro do grupo toca, “Freedom
for my people”. Ela é executada por Sterling Magee
(guitarras e percussão) e Adam Gussow (gaita), dois músicos
de rua e que o grupo encontrou no Harlem, encontro, aliás,
também presente no filme.
“Silver and Gold”, feita para o projeto Sun
City é a próxima canção e
onde Bono faz um discurso inflamado contra o apartheid. A próxima
canção talvez seja o maior exemplo do rock de arena,
com “Pride” em um formato tocado com Bono cantando
alto e os instrumentos extremamente encorpados.
O
lado C abre com uma das canções que virou um dos
hits do disco, “Angel of Harlem”. Feita em homenagem
à Billie Holiday, uma das grandes divas do jazz e figura
trágica, o disco é cheio de metais (cortesia do
The Memphis Horns) e citações a Miles Davis e John
Coltrane. A canção foi gravada nos dois dias em
que o grupo esteve no Sun Studios, quando trabalharam com Cowboy
Jack Clement.
Outra canção
gravada no mesmo local e novamente com a presença de Bob
Dylan, “Love Rescue Me”, é uma bela letra sobre
dor e esperança e citações bíblicas.
O
disco ganha o peso do blues com “When Love Comes to Town”,
que contava com a presença inusitada de B.B.King, o lengendário
bluesman, que cantou a maior parte das letras e ficou com a guitarra
solo, deixando para The Edge o incômodo trabalho de fazer
a guitarra rítmica, já que King confessou ser horrível
com acordes.
The Edge conta como surgiu a canção:
“Bono
e eu encontramos B.B.King em Dublin e ele disse que deveríamos
escrever uma canção para ele. Nós dissemos
‘ah, claro’, até que um dia Bono disse que
havia feito uma canção que tinha ficado boa e queria
oferecer a ele. E assim ela entrou no disco. Nós descobrimos
que havia algo em comum entre o U2 e artistas mais velhos, como
é o caso de B.B. Quando nos encontramos haviam um grande
entendimento e nada foi dito, porque era desnecessário.
Nós demoramos 10 anos para alcançarmos essa posição
e não precisávamos provar nada para alguém.”
A próxima canção,
“Heartland” conta a participação de
dois velhos amigos, Brian Eno e Daniel Lanois, embora Brian só
tenha tocado teclados e talvez seja a canção mais
“americana” no sentido de retratar as paisagens sulistas
da América.
A próxima canção
pode ser considerada a mais delicada e mais egocêntrica
que o grupo já realizou: “God Part II”. A razão
para tanto é que Bono mexeu em território minado,
pegando uma canção de John Lennon, intitulada “God”
e resolveu fazer uma continuação. Na original, Lennon
nega acreditar em qualquer coisa, exceto nele e em Yoko. Só
que a canção de Lennon era calma, cantada com angústia,
mas de maneira quase acústica. Aqui, Bono berra a letra,
fazendo crer que realmente tem uma bola de fogo, como diz a letra.
Bono berra os versos para concluir que ele acredita no amor.
Uma curiosidade sobre a canção: antes do U2 escrever,
já existia uma canção intitulada igualmente
“God Part II”. Ela havia sido feita por um cantor
gospel chamado Larry Norman, que concluía acreditar em
Deus. No entanto, Larry, mudou o nome de sua obra para “God
Part III”, quando soube da existência da canção
do U2.
E
a próxima canção, é de fato, a síntese
de todo o disco, de toda a relação de amor e ódio
com a América; “Bullet the Blue Sky” e vale
uma explicação mais detalhada. Em primeiro lugar,
é dessa música que foi retirada o título
do disco; foi dela também retirada a imagem da capa do
disco, quando Bono joga um canhão de luz em cima de The
Edge. E tem mais: antes dela aparecem alguns segundos de “Star
Spangled Banner” tocada por ninguém menos que Jimi
Hendrix. E finalmente, é a letra mais crítica em
relação à América que explora os imigrantes,
os pobres e os velhos. Como já foi citada na coluna anterior,
foi a última música a ficar pronta para entrar em
The Joshua Tree pela escolha do último
verso. Vale ressaltar o excepcional trabalho de The Edge e o peso
da bateria de Larry Mullen, que soa igual a um trovão.
Encerrando
o disco, a bela “All I Want Is You”, com um arranjo
de cordas Van Dyke Parks, que trabalhou em vários discos
dos Beach Boys. É considerada também uma declaração
de amor de Bono para sua esposa, Ali.
Rattle and Hum
teve críticas confusas. Se por um lado foi eleito o álbum
do ano pela Rolling Stone, na Europa tomaram algumas
sovas da crítica por terem esquecido sua origem européia.
Algumas críticas mais ranzinzas chegaram a dizer que a
banda poderia se mudar para a América porque haviam traído
suas raízes.
Vale dizer que o disco
vendeu a impressionante marca de 14 milhões de cópias,
ou 28 milhões de cópias, já que era um álbum
duplo e que o disco foi produzido por Jimmy Iovine.
Mas isso era apenas uma
parte do pacote...
5 – Rattle
and Hum, o filme
Se
o disco foi um sucesso (ao menos, de venda), o filme não
foi nem uma coisa e nem outra. Após oito meses de produção
e trabalho extenuante de Phil Joanou e do grupo, o filme teve
seu lançamento mundial no dia 27 de outubro, em Dublin.
A cidade parou para ver o filme que falava dos filhos mais famosos
da cidade. Uma produção que mostraria todo o mergulho
do grupo na música norte-americana e que foi rodada, em
sua maioria, em branco e preto, como se fosse um filme de arte.
A
curiosidade era tão absurda que o grupo improvisou algumas
músicas em um palco montado em cima da entrada do cinema.
O filme ainda teve noites de estréia em Madri, Londres
e Los Angeles.
Apesar das criticas, o
filme é bom e deixa claro duas coisas: é um filme
honesto, com um roteiro simples, bem construído, mas que
chega a ser cansativo já que o grupo definitivamente não
sabe “atuar”.
As
partes mais constrangedoras e criticadas do filme são as
tentativas de entrevista do diretor com a banda. “O filme
está ficando caro, Phil?” pergunta Bono, em um momento.
“Oh, God, I don’t know”, solta Adam Clayton.
O melhor depoimento acaba sendo do personagem mais inusitado:
Larry Mullen, quando o grupo vai até Graceland.
Em termos de música,
não há reclamações: o grupo mostra
uma força incrível em canções como
“Exit”, onde improvisam “Gloria" (de Van
Morrison, e não do disco October), “Silver
and Gold”, a já famosa cena de “All Along the
Watchtower”. Uma comovente atuação em “Bad”
e uma versão furiosa de “Sunday Bloody Sunday”,
filmada justamente no dia em que a cidade irlandesa de Enniskillen,
na Irlanda do Norte e que vitimou 13 pessoas. No meio da canção,
Bono começa um discurso virótico, condenando o ato
e a “glória de morrer pela revolução”.
“Foda-se a revolução!” grita o cantor
com todas as letras. Sobre essa atuação, o cantor
disse, que seria a última vez que o grupo apresentaria
a mesma ao vivo em uma entrevista, meses depois, o que nunca aconteceu.
E
talvez essa ingenuidade da banda, e principalmente de Bono, tenha
sido o grande pecado. Joanou fez um bom filme dentro das possibilidades
que tinha, já que em nenhum momento trabalhou com algum
ator conhecido. Assim, as imagens do encontro do grupo com o coro
Voice of Freedom em uma igreja no Harlem é válida
ser registrada por ser um ensaio para a apresentação
de dias depois e por mostrar Bono com o braço engessado
e Larry brincando com uma conga cubana. Da mesma maneira, o encontro
com B.B King em um ensaio, nos camarins mostrando a letra e no
palco, chega ser comovente pela espontaneidade e deferência
do grupo ao sexagenário B.B. (que confessa ter 62 anos,
na película), e o elogio do velho mestre _“uma grande
dose emoção de aqui meu jovem, uma grande dose”
e batendo palma com as costas da mão ante a um olhar extasiado
de Bono ou quando Bono pergunta a B.B King “você está
brincando, certo?” quando King confessa ter horror a tocar
acordes. “Edge também não gosta, ele só
conhece dois!”
O
filme realiza seu intento musical: abrindo e fechando com duas
apresentações em preto e branco – “Helter
Skelter” e “Pride”, o filme ainda possui cenas
feitas em cor, onde algumas canções são tocadas.
(E antes que alguém pergunte se gostei do filme ou
não, respondo que vi a pré-estréia em São
Paulo, seis vezes o filme em Ribeirão Preto e comprei a
fita de VHS logo que saiu e a assisti umas 200 vezes, fazendo
essa resenha de cabeça).
Mas como eu sozinho não
podia bancar toda a bilheteria, o filme naufragou e um mês
depois estava quase que totalmente fora das salas de cinema dos
Estados Unidos. Mesmo com as entrevistas. Phil explicava que o
mote do filme era justamente a sinceridade do grupo e queria mostrar
os passos do grupo no Sun Studios ou em entrevistas com a imprensa.
Embora tenha deixado algumas feridas aberta no grupo, a banda
tratou de minimizar os efeitos. “Nós somos músicos
de uma banda de rock e não atores profissionais e nossa
intenção era mostrar todo o processo de criação
do disco e não cenas técnicas”, reagiu The
Edge.
Adam
também defendeu semelhante posição: “estão
nos chamando de megalomaníacos por termos feito um filme
rodado na América e falando de nossas descobertas musicais.
Eu não vejo o que há de errado nisso. Os nossos
diálogos são ruins? Eles tinham que ser, eles não
foram ensaiados por nós, eram espontâneos. Eu não
sei qual o motivo de tanto alarde. Me parece que o motivo é
o mesmo de sempre: ficamos grandes demais!”
6 – Roy Orbison
O
ano de 1989 começou com mais prêmios Grammy, com
“Desire” sendo escolhida a melhor canção
de rock do ano. E logo em fevereiro o grupo surpreende ao ceder
uma canção para o grande cantor Roy Orbison, “She’s
A Mistery to Me”, que entrou em seu álbum póstumo
Mystery Girl. Essa canção, aliás,
possui uma explicação deliciosa dada por Bono. “Eu
tinha acabado de assistir o filme Blue Velvet
e tinha ficado chapado com a trilha sonora e especialmente com
a canção “In Dreams”, com Roy Orbison.
Após um show no Wembley Arena, em Londres, eu estava sem
conseguir dormir e comecei a ouvir a fita com essa música,
sem parar, até que entrei em um estado de inconsciência
e pensei que tinha acordado dentro da canção. Eu
pensei que era a mais extraordinária canção
feita porque quebra todas as regras da música pop. E lá
estava esta fantástica voz barroca. Assim, no dia seguinte,
acordei e escrevi ‘She’s A Mistery to Me’. Depois
me tornei um chato e fiquei falando de Roy Orbison o dia todo
e comecei a tocar a música que havia escrito para o pessoal
do grupo e eles gostaram. Ou pelo menos fingiram que gostaram
porque tinha parado de falar nele. Enfim, fizemos outro show no
Wembley Arena e eu estava sentado nos camarins quando nosso segurança,
John, bateu na porta e me disse que Roy Orbison estava lá
fora e queria nos conhecer. Todo mundo começou a me encarar
e eu dizia ‘um minuto aí, eu não tinha a menor
idéia que ele estava vendo o nosso show. E Roy entrou e
começou a dizer que tinha gostado do show, embora não
soubesse dizer o motivo. Conversamos um pouco sobre música
até que peguei o violão e mostrei a música
para ele. Meses depois, fui até Los Angeles fazer uma visita
em sua casa e sua família foi muito generosa e passamos
horas maravilhosas. Roy parecia uma pessoa surpresa com o talento
que tinha recebido, com aquela voz de anjo. E hoje, ele é
um deles.”
Mas o período continuava
conturbado para o grupo e pioraria com um incidente que virou
manchete mundial...
7 – A prisão
de Adam Clayton
Em agosto Adam Clayton
é preso por portar 19 gramas de maconha, em um domingo
à noite, perto de sua casa. O baixista alegou que era apenas
para seu consumo e foi solto após pagar uma fiança
de 710 libras irlandesas, mas teria que comparecer a um julgamento
no dia 1º de setembro.
A
prisão e o julgamento fizeram de Adam a notícia
mais quente do país por semanas. Finalmente (para os tablóides)
um membro do grupo era notícia: “U2 MAN ON DRUGS
CHARGES!”. No dia marcado, Adam compareceu ao tribunal acompanhado
de Larry e de Paul McGuinness.
O julgamento foi rápido
e breve. Após se declarar culpado e pedir desculpas pelo
seu ato, o advogado disse que o réu estava disposto a fazer
uma substanciosa contribuição para alguma entidade
em troca de uma pena mais severa, já que Adam é
um músico que vive viajando e sempre havia sido um bom
cidadão, tendo inclusive se naturalizado irlandês
no começo daquele ano.
E, para surpresa geral,
o juiz ordenou que Adam doasse 25 mil libras irlandesas a The
Women’s Aid Refuge Centre. A quantia foi paga imediatamente
e Adam estava livre para voltar para casa, para alívio
de todos, pois o grupo começaria sua última turnê
da década de 80.
8 – Lovetown
A
turnê havia sido planejada para acontecer apenas na Austrália,
Nova Zelândia e Japão e com um show de encerramento
no Point Depot, no dia 31 de dezembro, em Dublin, local onde o
grupo havia gravado boa parte de Rattle and Hum.
Eram mais de 20 meses sem uma excursão longa e desta vez
não incluiriam a América no roteiro. Posteriormente
shows na Alemanha, Irlanda, França e Holanda foram inclusos.
A turnê, no entanto, não acabou no dia 31 como planejado,
porque Bono perdeu a voz no concerto marcado para Amsterdã
no dia 18 de dezembro e fizeram shows extras nos dias 5, 6, 9
e 10 de janeiro de 1990, em Roterdam. Era a primeira vez que tocavam
na Nova Zelândia desde 1983 e no Japão desde 1983
e por isso, os ingressos esgotaram-se rapidamente. Como o grupo
não havia feito uma tour para divulgar o disco, eles resolveram
ensaiar 35 músicas e escolherem 20 canções
para cada apresentação, fazendo que cada noite tivesse
um set list completamente diferente do outro. Um documentário
foi filmado por Richard Lowenstein e René Castro, artista
chileno que Bono conheceu durante a turnê da Anistia, em
1986, cuidaria dos figurinos de palco. E a maior atração
seria B.B. King que abriria todos os shows.
O
filme mostrava uma garota australiana entrevistando cada integrante
da banda dizendo quais eram as diferenças entre sexo e
amor, além de colher depoimentos de espectadores.
O grande acontecimento
no entanto aconteceu na última noite, em Dublin. Com o
show começando antes meia-noite e terminando no ano de
1990. Na verdade, os cinco shows programados para o Point Depot,
com capacidade para 5 mil lugares, acabaram sendo apenas quatro,
pois o dia 29 foi cancelado por problemas com as cordas vocais
de Bono. A primeira apresentação, no dia 26, foi
feita em um estado emocional grande, já que dias antes
havia falecido o grande escritor irlandês Samuel Beckett.
No dia 27, Maria McKee subiu ao palco para tocar “People
Get Ready” e Bono causou um frisson quando anunciou que
a banda iria sumir por um tempo, dando margens às especulações
de que o grupo iria terminar. O show do dia 30 foi considerado
o melhor do grupo em toda sua carreira, tocando “She’s
A Mystery To Me” e “11 O’Clock Tick Tock”.
Para
o show do dia 31 uma grande operação foi feita para
que 20 países transmitissem ao vivo o espetáculo
e Bono brincava dizendo que só Deus sabia para onde iriam
essas gravações.
Nesse dia, Bono disse duas
frases emblemáticas e que mostrava o espírito do
grupo. A primeira foi “nós não podemos continuar
fazendo isso para sempre” e a outra “nós precisamos
ir embora e voltarmos a sonhar novamente.”
O que ele quis dizer com
isso era uma incógnita para todos, inclusive para o próprio
Bono, que certamente não esperava que os destinos do grupo
fossem mudar tão radicalmente e que a volta seria tão
vitoriosa e com uma imagem totalmente diferente da que haviam
cultivado. E se ele o grupo precisou de um ano para sonhar, eu
também necessito de uns meses para descansar. A biografia
do U2 fará uma pausa, mas ela volta. Um abraço!
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