116 - U2 - 1988 e 1989

Os últimos anos da década de 80 foram os anos em que a banda acabou sofrendo críticas de todos os lados e virando até motivo de piada. Até Bo Diddley ironizou, dizendo que deveria constar nos créditos de "Desire", já que The Edge havia feito uma cópia descarada do estilo legendário de Bo na guitarra. Quando Rattle and Hum saiu havia quem ficasse surpreso com o grupo, mas há quem virou a cara, pela ousadia de Bono em escrever "God Part II", que seria uma continuação à canção de John Lennon, que ele cantou em seu disco Plastic Ono Band. Além disso, o grupo regravou Beatles, Bob Dylan, usou Hendrix em "Bullet the Blue Sky", gravou com B.B. King e o próprio Dylan e citou John Coltrane, Miles Davis, Billie Holiday, entre outros mitos da música. Mesmo tendo vendido 14 milhões de cópias, o disco e o filme subseqüente fizeram o U2 entrar em um redemoinho e por muito pouco não causa o fim do grupo. Uma fase em que teve de tudo, até a prisão do quieto Adam Clayton por posse de maconha e prêmios Grammy.


Um aviso: após esse capítulo que encerra os anos 80, darei um descanso na biografia do U2. O motivo é o mais simples possível: esses textos deram mais trabalho e consumiram mais tempo do que imaginei e para evitar uma saturação minha (e de alguns leitores) resolvi deixar o tema descansando. Assim, poderei fazer outras colunas que há tempos quero produzir e que estão na berlinda – muitos deles, foram pedidos por vários leitores há anos atrás. Mas não fiquem desesperados, o U2 voltará, após merecidas férias... Mas antes de gozarem um descanso, vamos ao nono capítulo....


1 – O reconhecimento da indústria

O U2 na festa do GrammyO ano de 1988 começou com grande movimentação para o grupo. Em fevereiro, se reuniram com Paul McGuinness e o diretor Phil Joanou para começarem a montagem do novo filme, que ainda não possuía um título. No mês seguinte, a indústria americana abre os braços para os irlandeses, dando dois prêmios Grammy, sendo um o de melhor disco do ano. Em um dos discursos, Bono agradeceu o apoio das college radios. As college foram um fenômeno que assolou a América nos anos 80 e tinham como missão apoiar bandas desconhecidas ou foram do mainstream, e, muitas delas tinham suas sedes nas universidades. As bandas norte-americanas preferidas nos anos 80 eram R.E.M., Husker Dü e Replacements.

capa do single One Tree HillEm março ainda sai um novo single do The Joshua Tree, editado especialmente na Nova Zelândia, país de Greg Carroll, One Tree Hill. A foto era a mesma utilizada no single In God’s Country.

Mas a grande preocupação era realmente o filme. Joanou tinha uma difícil missão que era editar 250 horas de filmagem com o grupo. Ele tinha uma ordem expressa de não glamourizar o grupo. A idéia era mostrar os integrantes sendo o mais simples possível. Por isso mesmo, uma das imagens que Joanou tinha em mente foi abortada, para sua tristeza - justamente a cena em que mostra Bono dando entrada no hospital, após sofrer uma queda no palco. O cantor berrava para que parasse a filmagem, e a única imagem aproveitada foi quando a banda se dirigiu a uma igreja do Harlem para fazer um ensaio de “I Still Haven’t Found What I’m Looking For” com Bono tendo o braço imobilizado, já que havia deslocado o ombro.

Joanou resolveu aproveitar os vários momentos da excursão do grupo dentro da América, mostrando o grupo gravando “Angel of Harlem”, no Sun Studio, uma apresentação ao lado de B.B.King e a visita do grupo em Graceland, a mítica mansão de Elvis Presley. Elvis era o grande ídolo de Larry, que protagoniza dois momentos tocantes: sentando em uma motocicleta Harley Davidson e uma rápida entrevista, onde confessa sua paixão pelo cantor desde quando era menino.

O ano de 1988 foi o primeiro em que o grupo não realizou shows, com exceção de uma apresentação solitária em Londres, em Novembro, em prol da Jamaica, quando o furacão Gilbert, devastou o país. As primeiras notícias sobre os novos rumos era que um novo disco sairia e que ele seria ao vivo. O grupo tratou de explicar que um novo álbum seria lançado contendo algumas faixas ao vivo e outras inéditas, em estúdio. Mas não deu pistas de quais canções seriam.

“Escrever novas canções é um ato de sobrevivência para nós. Nós pensamos da seguinte maneira: se não conseguimos tocar as antigas músicas, então escreveremos novas e as tocaremos. Se os fãs gostarão ou não, é outro assunto, mas o fato é que nós precisamos disso. Não há como ficar preso no passado. A evolução é uma conseqüência natural”, segundo Bono.

O que o grupo temia – e que já acontecia – era aumentar as críticas sobre a “americanização” do grupo. Desde que tinham virado a grande banda da década e ganhado prêmios Grammy, tudo parecia muito fácil para o U2. O dinheiro entrava fácil, os projetos eram variados e a fome de novas experiências maiores ainda.

2 – "Nós precisamos de rivais"

O grande medo da banda era simplesmente a falta de competidores, principalmente dentro da Irlanda. Para Adam, a pressão em cima do U2 era simples de ser explicada: não havia alguém com quem pudessem dividir os holofotes.

“A pressão em cima de nós está sendo cruel até certo ponto, porque não temos nenhum outro artista irlandês que faça sucesso como nós. Se isso é bom em alguns aspectos, causa um estresse porque temos nossos passos vigiados. Eu sinto falta de Phil (Lynott, líder do Thin Lizzy, que morreu no começo de 1986) porque ele era uma pessoa que tinha os mesmos problemas que enfrentamos hoje e seria alguém com quem poderíamos conversar. Sei que parece ridículo reclamar, pois parecemos mimados, mas a verdade é que toda a mídia da Irlanda fez do U2 seu maior combustível. Existe uma diferença entre a Europa e a América. Lá você é um astro, as pessoas têm menor contato e uma imagem diferente. Eu não abro mão de viver em Dublin, porque amo essa cidade e porque ela nos proporciona um conforto e uma tranqüilidade que não teríamos em outra parte do planeta, mas reconheço que os problemas estão crescendo.”

A falta de Lynott era sentida também por Bono. “A coisa que mais me lembro dele é quando aluguei uma casa na mesma rua em que ele morava. Era algo estranho, pois você nunca o encontrava em sua residência, apenas na rua. Nós nos cumprimentávamos e ele me chamava para ir até sua casa para um almoço e eu retribuía o convite para que também me visitasse. Só que os convites acabavam ali mesmo. Phil era um cara bacana, uma pessoa com quem conversei algumas vezes e que sentia a pressão da mídia. Infelizmente ele foi embora cedo demais.”

3 – Rock nas paradas

 

No entanto, o grupo continuava a caminhar sempre pensando em se aperfeiçoar. The Edge era um dos maiores entusiastas das novas canções e sentia que a banda estava atingindo um ponto que jamais havia sonhado. “As novas canções me deixaram extremamente feliz. Eu sinto uma espécie de energia dos mesmos discos da década de 50 e 60. Naquela época você sentia os músicos interagindo, ao contrário de hoje, em que os discos são comandados pelos produtores. E essa qualidade é que estamos tentando buscar no nosso trabalho. Eu não acho que esse trabalho seja revivalista porque ele reflete nosso momento. Também não estamos fingindo que não sofremos influência de outros músicos. Mas eu fico feliz quando vejo que nossas músicas estão no topo da parada porque o rock parecia ter sido esquecido das paradas.”

capa do single DesireThe Edge estava se referindo não apenas aos hits de The Joshua Tree, mas principalmente ao primeiro compacto do novo disco, “Desire”. Com um riff roubado diretamente do estilo de Bo Diddley de tocar, a canção foi a primeira a conseguir o topo da parada inglesa para o grupo. Nos Estados Unidos, “Desire” alcançou o terceiro lugar.

“Desire” foi lançada em setembro um mês antes do novo disco e projeto do grupo, Rattle and Hum, que era, de longe, o mais ambicioso que já haviam realizado: um disco duplo, com faixas ao vivo e de estúdio e o tão esperado e comentado filme. Analisemos cada um...

4 – Rattle and Hum, o disco

capa de Rattle and HumSe o U2 queria causar polêmica não podiam ter começado o disco com uma canção melhor: nada menos do que um clássico do Beatles e que havia sido “usada” pelo assassino psicopata Charles Manson na década de 60 para matar pessoas: “Helter Skelter”. E a frase inicial da canção dita por Bono era ainda mais megalomaníaca: “essa canção Charles Manson roubou dos Beatles e nós a estamos roubando de volta.”

Executada com grande precisão e gravada ao vivo durante a turnê do ano anterior, a canção mostrava a energia do novo U2: um grupo mais afinado e pesado do que nunca e que escorregavam nas famosas bandas de “rock de arena”, com um som gordo, bem costurado e potente.

A segunda faixa era ainda uma surpresa maior, já que era uma canção folk cantada e escrita por The Edge, “Van Diemen’s Land”. A letra conta a história de John Boyle O’Reilly um dos líderes do levante irlandês de 1848 contra a Inglaterra. Esse levante acabou gerando a “Grande Fome” que devastou o país e Boyle acabou sendo expulso e deportado para a Tasmânia.


A terceira canção era “Desire” primeiro single do disco e que começa com Joanou entrevistando a banda e Adam tentando responder. A conversa acaba em risadas, em um papo que havia sido editada e os risos aconteceram porque Larry Mullen imitava os gestos de Adam enquanto ele falava. Essa parte é mostrada no filme.

A quarta canção é uma das mais belas e surpreendentes do disco: “Hawkmoon 269”. Primeiro por conter Bob Dylan no órgão Hammond. Essa canção possui um dos títulos mais interessantes e cheios de história sobre sua origem. A primeira é que ela foi inspirada em um livro do escritor norte-americano Sam Shepard, Hawk Moon. E Shepard lançou outro livro chamado Motel Chronicles e que supostamente foi escrito em um quarto de número 269. Os dois livros discutem e fundem imagem dos desertos do sul dos Estados Unidos nas obras, um tanto quanto autobiográficas, de Sam. Hawkmoon é uma locação em Rapid City, em Dakota. E há ainda quem considere (como o autor de U2 – The Ultimate Encyclopedia, Mark Chatterton) como o número de vezes que a canção foi mixada. Mas essa versão não parece ser muito real, já que Bono disse isso em uma entrevista, em meio a gargalhadas gerais dos outros integrantes.

O lado B abre com um clássico de Dylan, mas que ficou imortalizada com Jimi Hendrix. Sobre essa canção Bono comentou: “qual banda em uma posição igual a nossa iria aprender os acordes cinco minutos de subir ao palco, tocá-la e ainda gravá-la? Nenhuma.” Essa é a famosa canção que aparece Bono pichando o monumento no show grátis em São Francisco.


O disco continua com “I Still Haven’t Found What I’m Looking For” gravada da maneira que o grupo sempre sonhou: com um coro gospel, o Voices of Freedom. Em seguida, uma canção de 38 segundos e que nenhum membro do grupo toca, “Freedom for my people”. Ela é executada por Sterling Magee (guitarras e percussão) e Adam Gussow (gaita), dois músicos de rua e que o grupo encontrou no Harlem, encontro, aliás, também presente no filme.

“Silver and Gold”, feita para o projeto Sun City é a próxima canção e onde Bono faz um discurso inflamado contra o apartheid. A próxima canção talvez seja o maior exemplo do rock de arena, com “Pride” em um formato tocado com Bono cantando alto e os instrumentos extremamente encorpados.

capa do single Angel of HarlemO lado C abre com uma das canções que virou um dos hits do disco, “Angel of Harlem”. Feita em homenagem à Billie Holiday, uma das grandes divas do jazz e figura trágica, o disco é cheio de metais (cortesia do The Memphis Horns) e citações a Miles Davis e John Coltrane. A canção foi gravada nos dois dias em que o grupo esteve no Sun Studios, quando trabalharam com Cowboy Jack Clement.

Outra canção gravada no mesmo local e novamente com a presença de Bob Dylan, “Love Rescue Me”, é uma bela letra sobre dor e esperança e citações bíblicas.


capa do single When Love Comes to TownO disco ganha o peso do blues com “When Love Comes to Town”, que contava com a presença inusitada de B.B.King, o lengendário bluesman, que cantou a maior parte das letras e ficou com a guitarra solo, deixando para The Edge o incômodo trabalho de fazer a guitarra rítmica, já que King confessou ser horrível com acordes.


The Edge conta como surgiu a canção:

“Bono e eu encontramos B.B.King em Dublin e ele disse que deveríamos escrever uma canção para ele. Nós dissemos ‘ah, claro’, até que um dia Bono disse que havia feito uma canção que tinha ficado boa e queria oferecer a ele. E assim ela entrou no disco. Nós descobrimos que havia algo em comum entre o U2 e artistas mais velhos, como é o caso de B.B. Quando nos encontramos haviam um grande entendimento e nada foi dito, porque era desnecessário. Nós demoramos 10 anos para alcançarmos essa posição e não precisávamos provar nada para alguém.”

A próxima canção, “Heartland” conta a participação de dois velhos amigos, Brian Eno e Daniel Lanois, embora Brian só tenha tocado teclados e talvez seja a canção mais “americana” no sentido de retratar as paisagens sulistas da América.

A próxima canção pode ser considerada a mais delicada e mais egocêntrica que o grupo já realizou: “God Part II”. A razão para tanto é que Bono mexeu em território minado, pegando uma canção de John Lennon, intitulada “God” e resolveu fazer uma continuação. Na original, Lennon nega acreditar em qualquer coisa, exceto nele e em Yoko. Só que a canção de Lennon era calma, cantada com angústia, mas de maneira quase acústica. Aqui, Bono berra a letra, fazendo crer que realmente tem uma bola de fogo, como diz a letra. Bono berra os versos para concluir que ele acredita no amor.
Uma curiosidade sobre a canção: antes do U2 escrever, já existia uma canção intitulada igualmente “God Part II”. Ela havia sido feita por um cantor gospel chamado Larry Norman, que concluía acreditar em Deus. No entanto, Larry, mudou o nome de sua obra para “God Part III”, quando soube da existência da canção do U2.


E a próxima canção, é de fato, a síntese de todo o disco, de toda a relação de amor e ódio com a América; “Bullet the Blue Sky” e vale uma explicação mais detalhada. Em primeiro lugar, é dessa música que foi retirada o título do disco; foi dela também retirada a imagem da capa do disco, quando Bono joga um canhão de luz em cima de The Edge. E tem mais: antes dela aparecem alguns segundos de “Star Spangled Banner” tocada por ninguém menos que Jimi Hendrix. E finalmente, é a letra mais crítica em relação à América que explora os imigrantes, os pobres e os velhos. Como já foi citada na coluna anterior, foi a última música a ficar pronta para entrar em The Joshua Tree pela escolha do último verso. Vale ressaltar o excepcional trabalho de The Edge e o peso da bateria de Larry Mullen, que soa igual a um trovão.


capa do single All I Want Is YouEncerrando o disco, a bela “All I Want Is You”, com um arranjo de cordas Van Dyke Parks, que trabalhou em vários discos dos Beach Boys. É considerada também uma declaração de amor de Bono para sua esposa, Ali.

Rattle and Hum teve críticas confusas. Se por um lado foi eleito o álbum do ano pela Rolling Stone, na Europa tomaram algumas sovas da crítica por terem esquecido sua origem européia. Algumas críticas mais ranzinzas chegaram a dizer que a banda poderia se mudar para a América porque haviam traído suas raízes.

Vale dizer que o disco vendeu a impressionante marca de 14 milhões de cópias, ou 28 milhões de cópias, já que era um álbum duplo e que o disco foi produzido por Jimmy Iovine.

Mas isso era apenas uma parte do pacote...

5 – Rattle and Hum, o filme

cartaz do filmeSe o disco foi um sucesso (ao menos, de venda), o filme não foi nem uma coisa e nem outra. Após oito meses de produção e trabalho extenuante de Phil Joanou e do grupo, o filme teve seu lançamento mundial no dia 27 de outubro, em Dublin. A cidade parou para ver o filme que falava dos filhos mais famosos da cidade. Uma produção que mostraria todo o mergulho do grupo na música norte-americana e que foi rodada, em sua maioria, em branco e preto, como se fosse um filme de arte.

 

 

 

U2 tocando em DublinA curiosidade era tão absurda que o grupo improvisou algumas músicas em um palco montado em cima da entrada do cinema. O filme ainda teve noites de estréia em Madri, Londres e Los Angeles.

Apesar das criticas, o filme é bom e deixa claro duas coisas: é um filme honesto, com um roteiro simples, bem construído, mas que chega a ser cansativo já que o grupo definitivamente não sabe “atuar”.

U2 tocando em Los AngelesAs partes mais constrangedoras e criticadas do filme são as tentativas de entrevista do diretor com a banda. “O filme está ficando caro, Phil?” pergunta Bono, em um momento. “Oh, God, I don’t know”, solta Adam Clayton. O melhor depoimento acaba sendo do personagem mais inusitado: Larry Mullen, quando o grupo vai até Graceland.

Em termos de música, não há reclamações: o grupo mostra uma força incrível em canções como “Exit”, onde improvisam “Gloria" (de Van Morrison, e não do disco October), “Silver and Gold”, a já famosa cena de “All Along the Watchtower”. Uma comovente atuação em “Bad” e uma versão furiosa de “Sunday Bloody Sunday”, filmada justamente no dia em que a cidade irlandesa de Enniskillen, na Irlanda do Norte e que vitimou 13 pessoas. No meio da canção, Bono começa um discurso virótico, condenando o ato e a “glória de morrer pela revolução”. “Foda-se a revolução!” grita o cantor com todas as letras. Sobre essa atuação, o cantor disse, que seria a última vez que o grupo apresentaria a mesma ao vivo em uma entrevista, meses depois, o que nunca aconteceu.

E talvez essa ingenuidade da banda, e principalmente de Bono, tenha sido o grande pecado. Joanou fez um bom filme dentro das possibilidades que tinha, já que em nenhum momento trabalhou com algum ator conhecido. Assim, as imagens do encontro do grupo com o coro Voice of Freedom em uma igreja no Harlem é válida ser registrada por ser um ensaio para a apresentação de dias depois e por mostrar Bono com o braço engessado e Larry brincando com uma conga cubana. Da mesma maneira, o encontro com B.B King em um ensaio, nos camarins mostrando a letra e no palco, chega ser comovente pela espontaneidade e deferência do grupo ao sexagenário B.B. (que confessa ter 62 anos, na película), e o elogio do velho mestre _“uma grande dose emoção de aqui meu jovem, uma grande dose” e batendo palma com as costas da mão ante a um olhar extasiado de Bono ou quando Bono pergunta a B.B King “você está brincando, certo?” quando King confessa ter horror a tocar acordes. “Edge também não gosta, ele só conhece dois!”

Phil Joanou e U2 conversam com Dave FanningO filme realiza seu intento musical: abrindo e fechando com duas apresentações em preto e branco – “Helter Skelter” e “Pride”, o filme ainda possui cenas feitas em cor, onde algumas canções são tocadas. (E antes que alguém pergunte se gostei do filme ou não, respondo que vi a pré-estréia em São Paulo, seis vezes o filme em Ribeirão Preto e comprei a fita de VHS logo que saiu e a assisti umas 200 vezes, fazendo essa resenha de cabeça).

Mas como eu sozinho não podia bancar toda a bilheteria, o filme naufragou e um mês depois estava quase que totalmente fora das salas de cinema dos Estados Unidos. Mesmo com as entrevistas. Phil explicava que o mote do filme era justamente a sinceridade do grupo e queria mostrar os passos do grupo no Sun Studios ou em entrevistas com a imprensa.

Embora tenha deixado algumas feridas aberta no grupo, a banda tratou de minimizar os efeitos. “Nós somos músicos de uma banda de rock e não atores profissionais e nossa intenção era mostrar todo o processo de criação do disco e não cenas técnicas”, reagiu The Edge.

 

 

 

Adam também defendeu semelhante posição: “estão nos chamando de megalomaníacos por termos feito um filme rodado na América e falando de nossas descobertas musicais. Eu não vejo o que há de errado nisso. Os nossos diálogos são ruins? Eles tinham que ser, eles não foram ensaiados por nós, eram espontâneos. Eu não sei qual o motivo de tanto alarde. Me parece que o motivo é o mesmo de sempre: ficamos grandes demais!”

6 – Roy Orbison

capa de Mystery GirlO ano de 1989 começou com mais prêmios Grammy, com “Desire” sendo escolhida a melhor canção de rock do ano. E logo em fevereiro o grupo surpreende ao ceder uma canção para o grande cantor Roy Orbison, “She’s A Mistery to Me”, que entrou em seu álbum póstumo Mystery Girl. Essa canção, aliás, possui uma explicação deliciosa dada por Bono. “Eu tinha acabado de assistir o filme Blue Velvet e tinha ficado chapado com a trilha sonora e especialmente com a canção “In Dreams”, com Roy Orbison. Após um show no Wembley Arena, em Londres, eu estava sem conseguir dormir e comecei a ouvir a fita com essa música, sem parar, até que entrei em um estado de inconsciência e pensei que tinha acordado dentro da canção. Eu pensei que era a mais extraordinária canção feita porque quebra todas as regras da música pop. E lá estava esta fantástica voz barroca. Assim, no dia seguinte, acordei e escrevi ‘She’s A Mistery to Me’. Depois me tornei um chato e fiquei falando de Roy Orbison o dia todo e comecei a tocar a música que havia escrito para o pessoal do grupo e eles gostaram. Ou pelo menos fingiram que gostaram porque tinha parado de falar nele. Enfim, fizemos outro show no Wembley Arena e eu estava sentado nos camarins quando nosso segurança, John, bateu na porta e me disse que Roy Orbison estava lá fora e queria nos conhecer. Todo mundo começou a me encarar e eu dizia ‘um minuto aí, eu não tinha a menor idéia que ele estava vendo o nosso show. E Roy entrou e começou a dizer que tinha gostado do show, embora não soubesse dizer o motivo. Conversamos um pouco sobre música até que peguei o violão e mostrei a música para ele. Meses depois, fui até Los Angeles fazer uma visita em sua casa e sua família foi muito generosa e passamos horas maravilhosas. Roy parecia uma pessoa surpresa com o talento que tinha recebido, com aquela voz de anjo. E hoje, ele é um deles.”

Mas o período continuava conturbado para o grupo e pioraria com um incidente que virou manchete mundial...

7 – A prisão de Adam Clayton

Em agosto Adam Clayton é preso por portar 19 gramas de maconha, em um domingo à noite, perto de sua casa. O baixista alegou que era apenas para seu consumo e foi solto após pagar uma fiança de 710 libras irlandesas, mas teria que comparecer a um julgamento no dia 1º de setembro.

A prisão e o julgamento fizeram de Adam a notícia mais quente do país por semanas. Finalmente (para os tablóides) um membro do grupo era notícia: “U2 MAN ON DRUGS CHARGES!”. No dia marcado, Adam compareceu ao tribunal acompanhado de Larry e de Paul McGuinness.

O julgamento foi rápido e breve. Após se declarar culpado e pedir desculpas pelo seu ato, o advogado disse que o réu estava disposto a fazer uma substanciosa contribuição para alguma entidade em troca de uma pena mais severa, já que Adam é um músico que vive viajando e sempre havia sido um bom cidadão, tendo inclusive se naturalizado irlandês no começo daquele ano.

E, para surpresa geral, o juiz ordenou que Adam doasse 25 mil libras irlandesas a The Women’s Aid Refuge Centre. A quantia foi paga imediatamente e Adam estava livre para voltar para casa, para alívio de todos, pois o grupo começaria sua última turnê da década de 80.


8 – Lovetown

B.B.King com o U2 durante coletivaA turnê havia sido planejada para acontecer apenas na Austrália, Nova Zelândia e Japão e com um show de encerramento no Point Depot, no dia 31 de dezembro, em Dublin, local onde o grupo havia gravado boa parte de Rattle and Hum. Eram mais de 20 meses sem uma excursão longa e desta vez não incluiriam a América no roteiro. Posteriormente shows na Alemanha, Irlanda, França e Holanda foram inclusos. A turnê, no entanto, não acabou no dia 31 como planejado, porque Bono perdeu a voz no concerto marcado para Amsterdã no dia 18 de dezembro e fizeram shows extras nos dias 5, 6, 9 e 10 de janeiro de 1990, em Roterdam. Era a primeira vez que tocavam na Nova Zelândia desde 1983 e no Japão desde 1983 e por isso, os ingressos esgotaram-se rapidamente. Como o grupo não havia feito uma tour para divulgar o disco, eles resolveram ensaiar 35 músicas e escolherem 20 canções para cada apresentação, fazendo que cada noite tivesse um set list completamente diferente do outro. Um documentário foi filmado por Richard Lowenstein e René Castro, artista chileno que Bono conheceu durante a turnê da Anistia, em 1986, cuidaria dos figurinos de palco. E a maior atração seria B.B. King que abriria todos os shows.

Larry durante a LovetownO filme mostrava uma garota australiana entrevistando cada integrante da banda dizendo quais eram as diferenças entre sexo e amor, além de colher depoimentos de espectadores.

O grande acontecimento no entanto aconteceu na última noite, em Dublin. Com o show começando antes meia-noite e terminando no ano de 1990. Na verdade, os cinco shows programados para o Point Depot, com capacidade para 5 mil lugares, acabaram sendo apenas quatro, pois o dia 29 foi cancelado por problemas com as cordas vocais de Bono. A primeira apresentação, no dia 26, foi feita em um estado emocional grande, já que dias antes havia falecido o grande escritor irlandês Samuel Beckett. No dia 27, Maria McKee subiu ao palco para tocar “People Get Ready” e Bono causou um frisson quando anunciou que a banda iria sumir por um tempo, dando margens às especulações de que o grupo iria terminar. O show do dia 30 foi considerado o melhor do grupo em toda sua carreira, tocando “She’s A Mystery To Me” e “11 O’Clock Tick Tock”.

Para o show do dia 31 uma grande operação foi feita para que 20 países transmitissem ao vivo o espetáculo e Bono brincava dizendo que só Deus sabia para onde iriam essas gravações.

Nesse dia, Bono disse duas frases emblemáticas e que mostrava o espírito do grupo. A primeira foi “nós não podemos continuar fazendo isso para sempre” e a outra “nós precisamos ir embora e voltarmos a sonhar novamente.”

O que ele quis dizer com isso era uma incógnita para todos, inclusive para o próprio Bono, que certamente não esperava que os destinos do grupo fossem mudar tão radicalmente e que a volta seria tão vitoriosa e com uma imagem totalmente diferente da que haviam cultivado. E se ele o grupo precisou de um ano para sonhar, eu também necessito de uns meses para descansar. A biografia do U2 fará uma pausa, mas ela volta. Um abraço!




 

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