267 - U2 - 1994 e 1995

Trilhas sonoras como a de In The Name of the Father, Batman e muitas outras seriam uma constante nos anos de "descanso" do U2, aqueles em que os membros viveriam como "pessoas normais". Era a época em que Bono adquiriu uma propriedade na França; de Edge passar um tempo a mais com o filhos e de Larry e Adam se mandarem para Nova York para estudarem música e relaxarem. Porém, estava claro que ninguém conseguiria ficar muito tempo longe do batente. E nem queriam...


1 - Bono e Sinatra again...

O ano de 1994 começou com Bono recebendo diversos roteiros de cinema. Ele recusou todos, mas não uma proposta única: fazer um discurso para Frank Sinatra na noite do Grammy.

Bono fez um discurso particularmente brilhante e segundos após o término, Frank Sinatra cumprimentou o cantor visivelmente emocionado e quase chorando. O que se seguiu foi um dos momentos mais constrangedores na carreira de Sinatra. Profundamente tocado, o mito começou a falar mais do que necessário. Enquanto isso, no backstage, as pessoas imploravam para que Bono subisse ao palco e o retirasse, o que ele negou: "deixe ele falar, é Frank Sinatra, por Deus!". Mas o insensível produtor ousou cortar o microfone e chamar os comerciais enquanto, deixando todos chocados. Por causa disso, houve um protesto geral de fãs, anunciantes e da audiência que ficaram revoltados com o tratamento ao maior cantor da América.

Bono, porém, saiu-se bem e chegou a ganhar um relógio de ouro de Sinatra, como agradecimento. E agora viriam as...

2 - Férias

"Vamos relaxar, certo?"

Esse era a promessa que os quatro integrantes do U2 haviam feito entre si. Nada de estresse em 1994, apenas viver um pouco. Dessa forma, The Edge e Bono começaram a arrumar uma imensa propriedade que haviam comprado juntos, em 1992, no sul da França. Bono havia sugerido que os todos a comprassem, mas apenas Edge topou.

O guitarrista dizia que como estava começando uma nova etapa de sua vida, após o final de seu casamento, achou uma boa idéia. A vida boa no sul da França serviu para que se aproximassem de suas famílias, cuidassem dos filhos, ficassem com os amigos, fizessem coisas normais, como ir à padaria, andar na praia, etc..

Enquanto Bono e Edge tinham vidas caseiras, Adam e Larry resolveram fugir de Dublin também. Mas em direção à Nova York.

Foi Adam que sugeriu fugirem da Irlanda. Após o péssimo final de ano em 1993, o baixista estava determinado a parar de beber, enquanto Larry estava longe para deixar a pressão de lado e cuidar mais de projetos pessoais e desejava ter algumas aulas de bateria e aprender novas técnicas e aprender mais sobre programação. Adam gostou da idéia e da chance de estudar mais também sobre baixo e até de canto! Durante as aulas de canto, conheceu um professor de baixo, Patrick Pfeifer, que havia escrito um livro com um sugestivo título: "Bass Playing for Dummies (Tocando Baixo para Burros)".

Larry conheceu um baterista chamado David Beal e por ele foi parar em Gary Schaffe, em Boston, que era chamado de "doutor de baterista". Segundo Larry, a função de Schaffe era arrumar a postura dos bateristas que chegavam arrebentados e ensiná-los a tocarem com menos esforço físico. Foi ali que Adam e Larry começaram a ensaiar o tema do filme Missão Impossível, que faria um tremendo sucesso em 1996.

Nessa época, Bono e Edge começaram a pensar em um novo conceito para um álbum futuro, mais experimental e queriam que construir um álbum inteiro de trilhas-sonoras com Brian Eno. Bono queria escrever um disco inteiro com ele, como Bowie e Talking Heads haviam feito no passado.

A idéia era boa em tese, mas não em prática. Paul McGuinness não gostava da idéia de Eno ser considerado um membro do U2, especialmente porque Eno era uma pessoa difícil. Não se pode esquecer que ele quase causou a ruptura completa dos Talking Heads, que precisaram parar por quase dois anos devido às brigas internas. E quando voltaram, em 1982, havia um rígido acordo: sem Brian Eno. Bowie também havia tido imensas rusgas com ele e os dois só voltaram a se encontrar em 1995, uma década e meia depois, no álbum Outsider.

Segundo Paul, "sempre houve um pouco de tensão entre o U2 e Brian Eno porque Brian se considera uma força criativa. Eu penso que ele acha frustrante que dentro dos parâmetros que nós estabelecemos, ele não é um compositor, ele é um dos produtores e vai para o estúdio com tudo o que ele possui, seu talento como músico, seu julgamento e sua voz. E se Brian sopra alguma coisa que termina em um álbum, então é isso que os produtores devem fazer. Para isto eles recebem honorários e uma porcentagem do lucro, eles participam do sucesso do álbum assim como o artista. A questão dos créditos e royalties das composições tem sido debatida durante anos. Nós temos um processo colaborativo na montagem das músicas, isto foi estabelecido desde o início, mas eu não poderia permitir uma situação em que Brian Eno fizesse mais do que um membro do U2. Brian é um gênio, mas a banda também é. Eu acho que é um privilégio e aprendizado trabalhar com o U2 como produtor. Era contra esse contexto que se o U2 decidisse montar um álbum em que Brian fosse um integrante completo, não seria um álbum do U2, seria um projeto a parte."

Enquanto começavam a discutir o projeto, Bono havia trilhado um outro caminho...

3 - Em Nome do Pai

capa do disco In The Name of the FatherBono não havia totalmente parar de trabalho. Havia um projeto estava engajado de corpo e alma: a trilha-sonora do filme In The Name of the Father.

Bono, Maurice Seezer e Gavin Friday assinaram a trilha-sonora do filme que fala sobre os quatro jovens acusados injustamente de terem matados civis ao colocarem uma bomba em um pub de Londres. Fiz uma coluna sobre o tema.

O filme era dirigido por Jim Sheridan e tocava de certa maneira, além de render algumas histórias inusitadas.

Certa vez, Sheridan viajava com sua equipe de efeitos especiais de trem para Londres e discutiam o problema de explodirem uma bomba em determinado local e horário. Irritado, o diretor berrou que queria a bomba explodindo de qualquer jeito, para choque dos demais passageiros, pois pensava que fosse um membro do IRA...

Com a participação de Sinéad O'Connor em algumas faixas, especialmente na espetacular "You Made Me The Thief Of Your Heart", a trilha rendeu mais do que simples dividendos para o filme e os compositores; mostrava também outras possibilidades sonoras para Bono.

A parceria com Gavim Friday foi revigorante, afinal era seu melhor amigo desde moleque. Gavin relembra que apesar de ser um eterno trapalhão e capaz de esquecer tudo nos locais mais improváveis, poucas pessoas trabalham tão duro quanto Bono.

"A vida dele é um completo caos, o telefone toca todo segundo, é um desespero. São as mais variadas pessoas falando de diversos assuntos. Seus horários são incertos, mas há uma certa mágica quando ele começa a escrever. "

Os dois participaram do vídeo promocional da faixa-título que abria o disco, que não alcançou um grande sucesso comercial, ficando apenas na 46ª posição.

"Foi um projeto excelente de se fazer e voltamos em alguns aspectos de nossa infância. E acho que Bono usou muitas idéias para os próximos projetos do U2."

E os projetos continuavam...

4 - Batman

Férias dos palcos, mas não do estúdio. Após recusar um papel no novo filme Batman, o U2 cedeu uma música para a trilha-sonora do filme: "Hold Me, Thrill Me, Kiss Me, Kill Me". A música havia sido gravada durante o período de Zooropa e sofreu pequenas mudanças para entrar na trilha-sonora do filme Batman Forever e alcançou o segundo lugar na parada.

O mais curioso foi o vídeo. Bono havia se recusado a participar da película como Macphisto, mas no vídeo aparecia não só com ele e The Fly, sendo personagem de desenho animado.

5 - Passengers

Bono e Edge discutiam o projeto com Brian Eno. No início, iriam fazer a trilha-sonora do filme The Pillow Book, de Peter Greenaways, mas o projeto não andou. Eno sugeriu então que fizessem música livremente para filmes imaginários, aparecendo com esboço de roteiros e nomes de filmes. O projeto, porém, era bem diferente de qualquer disco do U2 e por isso foi formado um novo grupo, Passengers.

Nesse meio-ponto, Adam e Larry haviam voltado de Nova York, em ponto de bala e excitados para colocarem em prática o que haviam aprendido.

capa do disco do PassengersMas, como McGuinness temia, as gravações foram tensas. Eno se mostrou decepcionado com a falta de comprometimento dos integrantes, enquanto alguns reclamavam das idéias de Eno, especialmente Larry, que odeia o disco. Edge, por outro lado, amou o disco pelo seu caráter experimental, e na faixa "Your Blue Room", pela primeira vez se ouve a voz de Adam Clayton, embora seja apenas falando e não cantando.

Assim, é lançado Passengers: Original Soundtracks 1, em novembro de 1995. E apesar de não ter sido um imenso sucesso comercial ficou marcado por um simples detalhe...

6 - Luciano Pavarotti

Se há algo para ser lembrado no disco é a canção "Miss Sarajevo". O tenor italiano Luciano Pavarotti era grande fã do U2 e sabia que o pai de Bono, era grande fã seu. Dessa maneira começou a implorar para que Bono escrevesse uma canção especialmente para ele.

Nas palavras de Bono: "Foi uma viagem escrever para Pavarotti. Para entrar no estado de espírito ideal, eu incorporava meu pai cantando no chuveiro incorporando Pavarotti. Ele estava pedindo uma música. Na verdade pedir é um eufemismo. Ele estava ranzinza, rogando pragas pela casa. Ele me disse que se eu não compusesse uma canção para ele, Deus seria muito impiedoso comigo. E quando eu protestava dizendo que estávamos no meio do nosso álbum, ele falava, ‘Eu vou falar com Deus para ele conversar com você. É páscoa. Da próxima vez que eu ligar para você, você vai ter uma música’. Um dos melhores lutadores de queda de braço do século. A música foi a nossa resposta para os atos surreais de desobediência que aconteceram durante o cerco policial em Sarajevo. Uma mulher se recusou a ir para o refúgio e costumava tocar piano durante o bombardeio. Outra mulher organizou um concurso de beleza. ‘Nós vamos derrotá–los com nossos batons e saltos’, ela disse. Todas as garotas mais bonitas de Sarajevo subiram no palco com faixas dizendo ‘Vocês realmente querem nos matar?’ Isto era puro desafio e merecia ser celebrado com uma música."

A música teve uma audiência mundial no concerto Pavarotti & Friends, que o tenor organizava anualmente em sua cidade natal, em Modena, no dia 12 de setembro de 1995. Na oportunidade, Bono e Edge subiram ao palco com o tenor e cantaram a música.

Bono disse que a música tinha um certo surrealismo e alguma influência dadaísta: "em plena guerra civil, as mulheres de Sarajevo organizaram um concurso de beleza e desfilavam com cartazes dizendo 'você querem realmente nos matar?'. Era um tipo de desafio incrível e eu queria fazer uma música sobre isso."

O concerto todo acabou sendo filmado e lançado em CD e vídeo, em março de 1996, com o nome Together For the Children of Bosnia e o dinheiro doado integralmente para caridade.

Dessa maneira os anos de descanso e repouso do grupo terminaram. Bem calmos, como podem ver...

Gostaria de agradecer, antes de encerrar a coluna, ao pessoal do fórum do site Ultraviolet por ter traduzido partes do livro U2 by U2, onde tirei bastante material. Obrigado pelo magnífico trabalho!

Um abraço a todos e até a próxima coluna.

 

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