Ultraje pode ser considerado a primeira
grande banda nacional dos anos 80. Afinal, quando lançou
o já clássico "Nós Vamos Invadir Sua
Praia", no começo de 1985, o grupo disparou nas paradas
de sucesso e em vendas. Apenas o RPM, um ano depois com o disco
ao vivo "Rádio Pirata" conseguiria ofuscar em
vendagens, mas não em qualidade.
Considerado um grupo “engraçadinho”
e debochado pela descontração de suas composições
e pela simplicidade do som (um rock básico e extremamente
irreverente), o Ultraje sofreu algumas injustiças. Por
não ter nenhum integrante de forte apelo sexual (o que
acontecida com Paulo Ricardo no RPM) e nem a pretensão
de messias que depois tomaria conta de Renato Russo, tornou-se
uma banda subestimada, apesar de sempre venderem bem. Mas um aviso:
anos antes de “Será” da Legião Urbana
virar um hino, Roger já havia composto “Inútil”
uma das grandes pérolas do cancioneiro tupiniquim. Com
uma linguagem extremamente simples, acessível e divertida,
Roger mostrava a cara de um país sufocado pelo regime militar
(foi composta em 1983) e a falta de confiança de uma população
que sonhava com a liberdade.
Para explicar tudo isso,
Roger concedeu uma entrevista por 40 minutos, onde conta um pouco
da carreira do grupo, suas idéias e da atual cena do rock
nacional. Se você pensa que é um cara que adora fazer
piadas o tempo inteiro ou sem idéias definidas, irá
se surpreender. Deixe o homem “invadir sua praia”
e sua cabeça com o que verá a seguir.
Pergunta: Olá
Roger. Eu gostaria que você comentasse em primeiro lugar
os 20 anos do lançamento do compacto “Inútil”,
um dos melhores do rock nacional. Como você a compôs?
É sua canção preferia do Ultraje e o maior
clássico da banda?
Roger: Bem,
o rock brasileiro só teve meia dúzia de compactos
(risos). A minha canção preferida é “Nós
Vamos Invadir Sua Praia”, mas “Inútil”
foi nossa melhor sacada, quando conseguimos sintetizar tudo que
queríamos falar. Na época todos tínhamos
um inimigo comum que era a ditadura. Muitas vezes me perguntavam
se eu considerava todo mundo inútil. Eu dizia que não,
que estavam fazendo o brasileiro de inútil, mas que também
muitas vezes “somos inútil”, porque nós
temos até hoje uma mentalidade complicada e muitas vezes
penso que nem queremos mudar.
Pergunta: A sua
geração era menos politicamente correta do que a
de hoje. Por que?
Roger:
Não concordo com essa sua opinião. Às vezes
falávamos mal de algumas pessoas, mas era mais por inexperiência
mesmo, típica de adolescente, embora eu não fosse
mais adolescente. Hoje eu não faço mais isso, não
ataco nenhum colega de profissão.
Pergunta: Atualmente o objetivo das bandas novas é aparecer
na MTV. Há 20 anos, não existia MTV e o espaço
era menor. Vocês tinham que mostrar mais qualidades e ocupar
o espaço era muito mais complicado. Como você vê
isso?
Roger:
Os objetivos eram outros. Quando nós, o Ira!, os Titãs
começamos queríamos apenas um espaço para
tocar, ninguém tinha a intenção de aparecer.
Cada um tinha sua personalidade musical e quando nos reuníamos
comentávamos que tinham aberto novos espaços como
o Carbono 14, o Napalm (antigas casas noturnas de São Paulo).
A idéia básica era aparecer. Hoje vejo grupos com
um ano de carreira dizendo que já querem estourar. Pô,
um ano não é nada! Eu recebo um monte de demos e
percebo como várias bandas não têm o menor
talento para a coisa. E ficam pedindo para dar uma força,
que é difícil... A nossa geração,
por exemplo, nunca correu atrás da Rita Lee para pedir
um auxílio, porque não era a nossa preocupação
imediata. As bandas têm muita vaidade e pouco conhecimento
de música. Basta aparecer um grupo fazendo sucesso e todo
mundo sai copiando.
Pergunta: E vocês
tinham um som particular. Um exemplo é o Ultraje e o Ira!
que apesar de serem da mesma cidade, tinham propostas completamente
distintas e interessantes.
Roger:
É isso mesmo. Cada um tinha seu som, cabíamos como
vanguarda. Hoje é muito mais tedioso.
Pergunta: Você
é um dos melhores compositores de sua geração.
Suas letras abordavam os mesmos assuntos por exemplo da Legião,
mas a embalagem era mais divertida. Você se sente subestimado
como letrista?
Roger:
Acho que sim. Eu sempre procurei ser sintético em dar às
letras várias interpretações, mas sem ser
taxativo ou me levar muito à sério. Nunca quis ser
o dono da verdade. As pessoas falavam que eu era apenas avacalhado,
debochado e não era a verdade. Fico contente que hoje algumas
pessoas entendam mais o meu estilo.
Pergunta: Até
porque é muito mais difícil fazer letras engraçadas
do que coisas sérias, não é?
Roger:
Exato, porque precisa ter um poder maior de síntese. Eu
vejo vários letristas que ficam horas falando de um mesmo
assunto quando poderiam sintetizar em uma única frase.
É mais difícil resumir e não bancar uma de
professor ou senhor da verdade. Fico contente com sua observação.
Me dá mais vontade de continuar a compor. Eu me patrulho
nesse sentido de ficar rancoroso.
Pergunta: Em 85,
vocês e o RPM eram as duas bandas que mais vendiam e todo
mundo corria atrás. Conte um pouco dessa época.
Roger: Naquela época todo mundo vendeu muito,
graças ao Plano Cruzado. O Nós Vamos Invadir
Sua Praia quebrou vários recordes, foi o primeiro
a ganhar Disco de Ouro, quebramos recorde de público no
Canecão e até hoje acho que vendeu muito mais do
que falam. Pena que não tenho como provar isso.
Pergunta: Vocês
esperavam todo aquele sucesso quando começaram a gravar?
Roger:
A gente achou que fosse vender bem, mas não tanto. Quando
lançamos o compacto “Inútil” sabíamos
que não ia vender muito, o que acabou acontecendo. Com
o disco foi diferente, porque nós já tínhamos
um grande repertório e público. Hoje você
faz sucesso e depois vem o público e naquela época
era exatamente o contrário. Você tinha que conquistar
o público para chamar a atenção. Primeiro
vinha o estofo, o repertório musical, o estilo, para depois
gravar. Esse é o caminho natural. Nós esperávamos
o sucesso porque conhecíamos o nosso público e imaginávamos
que ia estourar, não como aconteceu, mas o sucesso era
esperado sim.
Pergunta: Vocês
tinham alguma preocupação comercial ao gravar uma
música?
Roger:
Não. O que acontecia é que nós sabíamos
que ela faria sucesso por causa da reação do público
nos nossos shows. Mas nunca sentei e pensei “vou fazer um
sucesso” até porque não funciona assim. O
próprio John Lennon disse uma vez que se soubesse a fórmula
do sucesso, montaria os Beatles novamente e ficaria apenas como
empresário (risos).
Pergunta: Como
foi a pressão para gravar o segundo disco?
Roger:
Não houve pressão alguma. A única vez que
nos submetemos à gravadora foi quando gravamos o primeiro
compacto e o Peninha (Pena Schmidt, produtor) levou uma demo para
o estúdio, porque o Edgar (Scandurra) ia sair da banda
para ficar apenas com o Ira! e nós gravamos o repertório
para o próximo guitarrista que viria a ser o Carlinhos.
Depois disso nunca mais precisamos mostrar nada para a gravadora,
tínhamos carta branca para fazermos qualquer coisa. E o
segundo disco, eu soube por cima que a gravadora não esperava
muita coisa. Quando lançamos o segundo compacto, eles refizeram
o contrato e assinamos por três discos. Mesmo assim, não
botavam muita fé na gente, porque existia aquele tabu de
que quem faz sucesso com o primeiro LP não consegue repetir.
Eu me lembro que quando o Midani (presidente da Warner) ouviu
Sexo!!, ele disse “pô, o Roger conseguiu
de novo”... (risos). Na verdade a pressão vinha de
nós mesmos. O segredo é não deixar o público
te dominar, porque eles nunca sabem o que querem ouvir. Se soubessem,
nunca teríamos feito sucesso. (mais risos). O que vendia
era a MPB e nós estávamos na direção
oposta.
Pergunta: Naquela
época não era mais estimulante?
Roger:
Claro que era. Primeiro, porque eu falava para pessoas iguais
a mim. Hoje eu cresci e meu público é mais jovem
e eu não sou mais complacente, não fico parando
o show perguntando o que eles querem ouvir. Se curtirem, ótimo,
mas também se odiarem, não me importo.
Pergunta: Eu me
lembro de uma cena inesquecível do Ultraje no programa
"Perdidos na Noite" (que passou pelas emissoras Record
e Bandeirantes e era apresentado pelo então novato Fausto
Silva): ele chegou para vocês e perguntou se a banda era
boa. Você retrucou na hora que não devia ser porque
estavam no programa dele...
Roger:
(risos) Jura? Eu não me lembro disso.
Pergunta: E o Faustão
era um achado. Inteligente, debochado, alto, gordo, divertido.
Pena que acabou indo para a Globo.
Roger:
Ele era bom sim.
Pergunta: E naquele
período os programas eram escassos, mas todo mundo parava
para ver os grupos nacionais nas emissoras, porque era um acontecimento.
Eu sou taxado de saudosista, mas já parei para ouvir vários
cds de bandas nacionais da atualidade e não consigo ver
graça. Muitas vezes é só palavrão,
ataques sem sentidos e nas entrevistas muitos deles não
sabem sequer expressar suas opiniões. Eu acho isso preocupante,
porque são formadores de opinião...
Roger:
É a tal obrigação moral. Antes tinha um movimento
em várias frentes. Você ligava a televisão
e via suas bandas amigas. Muitas pessoas perguntam no site da
banda (www.ultraje.com.br) porque não vamos mais na televisão.
Eu explico que nós vamos, tanto que já aparecemos
em todos os programas que existem. O problema é que às
vezes você demora muito tempo para voltar e só pode
tocar um número ao vivo. E eu não tenho saco, nunca
tive e não tenho hoje para fazer parte do esquemão.
Hoje todo mundo entra com a idéia de vender apenas seu
peixe, eu acho isso muito chato. Eu regulo programa mesmo, não
deixo filmarem minha casa. Eu não estou vendendo a minha
casa! Eu quero ir a programas em que eu possa tocar. O que não
gosto é desses programas que me pedem opinião.
Pergunta: Não
falta referência musical para a geração mais
jovem?
Roger:
Falta. E hoje é muito mais fácil procurar, porque
existem internet, MP3 e mesmo assim não vão atrás.
E nos anos 80 todas as bandas tinham ouvido todos os estilos.
Pergunta: Por que
na segunda metade dos anos 90, muitas bandas voltaram a fazer
sucesso em acústicos, como os Titãs e hoje com o
Capital Inicial, e depois sumiram?
Roger:
Porque a garotada não tinha mais o que ouvir e pegaram
os discos dos pais e viram qualidade. Na verdade não tem
um porquê de estar na mídia. Hoje eles levantam e
derrubam ao bel-prazer deles, não tem um público
específico, tudo é fashion, da moda. Não
sei se tem a ver, mas penso assim. Muitas pessoas chegam para
mim e dizem que gostam de nós, mas é chato falar
bem do Ultraje porque estamos fora da mídia. No meu tempo
era diferente, nós queríamos ouvir justamente o
que era fora de moda. Espero que mude, porque todo movimento é
pendular. Eu espero que mude, mas não tenho aspiração
de querer revolucionar, apenas quero fazer música boa.
Pode ser até que aconteça, mas não conto
com isso.
Pergunta: O que
você gosta de ouvir?
Roger:
Coisas velhas: Stones, Kinks, Who, Beatles, anos 50, doo-wop,
surf music. Ouço as coisas novas para me manter atualizado
e gosto de Foo Fighters e de Sugar Ray.
Pergunta:
Porque esse último cd Os Invisíveis tem apenas 30
minutos de duração?
Roger:
Seriam 33 minutos porque ía entrar uma cover do Elvis Presley,
mas não conseguimos autorização. Na verdade
foi um aprendizado com o Ó!, que tinha
quase uma hora. A gente achava que como no cd tem mais espaço
podíamos preencher com mais música, mas descobrimos
que uma hora de música é muita coisa. Nesse eu preferi
colocar só as boas. E como todas são curtinhas ficou
deste tamanho.
Pergunta: Como
os fãs podem saber mais sobre o Ultraje, shows, contato?
Roger:
Basta entrar no nosso site (repetindo: www.ultraje.com.br) e consultar
nossa agenda ou mesmo escrever para nós.
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