63 - Ultraje a Rigor

Ultraje pode ser considerado a primeira grande banda nacional dos anos 80. Afinal, quando lançou o já clássico "Nós Vamos Invadir Sua Praia", no começo de 1985, o grupo disparou nas paradas de sucesso e em vendas. Apenas o RPM, um ano depois com o disco ao vivo "Rádio Pirata" conseguiria ofuscar em vendagens, mas não em qualidade.


 

Considerado um grupo “engraçadinho” e debochado pela descontração de suas composições e pela simplicidade do som (um rock básico e extremamente irreverente), o Ultraje sofreu algumas injustiças. Por não ter nenhum integrante de forte apelo sexual (o que acontecida com Paulo Ricardo no RPM) e nem a pretensão de messias que depois tomaria conta de Renato Russo, tornou-se uma banda subestimada, apesar de sempre venderem bem. Mas um aviso: anos antes de “Será” da Legião Urbana virar um hino, Roger já havia composto “Inútil” uma das grandes pérolas do cancioneiro tupiniquim. Com uma linguagem extremamente simples, acessível e divertida, Roger mostrava a cara de um país sufocado pelo regime militar (foi composta em 1983) e a falta de confiança de uma população que sonhava com a liberdade.

Para explicar tudo isso, Roger concedeu uma entrevista por 40 minutos, onde conta um pouco da carreira do grupo, suas idéias e da atual cena do rock nacional. Se você pensa que é um cara que adora fazer piadas o tempo inteiro ou sem idéias definidas, irá se surpreender. Deixe o homem “invadir sua praia” e sua cabeça com o que verá a seguir.

Pergunta: Olá Roger. Eu gostaria que você comentasse em primeiro lugar os 20 anos do lançamento do compacto “Inútil”, um dos melhores do rock nacional. Como você a compôs? É sua canção preferia do Ultraje e o maior clássico da banda?

Roger: Bem, o rock brasileiro só teve meia dúzia de compactos (risos). A minha canção preferida é “Nós Vamos Invadir Sua Praia”, mas “Inútil” foi nossa melhor sacada, quando conseguimos sintetizar tudo que queríamos falar. Na época todos tínhamos um inimigo comum que era a ditadura. Muitas vezes me perguntavam se eu considerava todo mundo inútil. Eu dizia que não, que estavam fazendo o brasileiro de inútil, mas que também muitas vezes “somos inútil”, porque nós temos até hoje uma mentalidade complicada e muitas vezes penso que nem queremos mudar.

Pergunta: A sua geração era menos politicamente correta do que a de hoje. Por que?

Roger: Não concordo com essa sua opinião. Às vezes falávamos mal de algumas pessoas, mas era mais por inexperiência mesmo, típica de adolescente, embora eu não fosse mais adolescente. Hoje eu não faço mais isso, não ataco nenhum colega de profissão.


Pergunta: Atualmente o objetivo das bandas novas é aparecer na MTV. Há 20 anos, não existia MTV e o espaço era menor. Vocês tinham que mostrar mais qualidades e ocupar o espaço era muito mais complicado. Como você vê isso?

Roger: Os objetivos eram outros. Quando nós, o Ira!, os Titãs começamos queríamos apenas um espaço para tocar, ninguém tinha a intenção de aparecer. Cada um tinha sua personalidade musical e quando nos reuníamos comentávamos que tinham aberto novos espaços como o Carbono 14, o Napalm (antigas casas noturnas de São Paulo). A idéia básica era aparecer. Hoje vejo grupos com um ano de carreira dizendo que já querem estourar. Pô, um ano não é nada! Eu recebo um monte de demos e percebo como várias bandas não têm o menor talento para a coisa. E ficam pedindo para dar uma força, que é difícil... A nossa geração, por exemplo, nunca correu atrás da Rita Lee para pedir um auxílio, porque não era a nossa preocupação imediata. As bandas têm muita vaidade e pouco conhecimento de música. Basta aparecer um grupo fazendo sucesso e todo mundo sai copiando.

Pergunta: E vocês tinham um som particular. Um exemplo é o Ultraje e o Ira! que apesar de serem da mesma cidade, tinham propostas completamente distintas e interessantes.

Roger: É isso mesmo. Cada um tinha seu som, cabíamos como vanguarda. Hoje é muito mais tedioso.

Pergunta: Você é um dos melhores compositores de sua geração. Suas letras abordavam os mesmos assuntos por exemplo da Legião, mas a embalagem era mais divertida. Você se sente subestimado como letrista?

Roger: Acho que sim. Eu sempre procurei ser sintético em dar às letras várias interpretações, mas sem ser taxativo ou me levar muito à sério. Nunca quis ser o dono da verdade. As pessoas falavam que eu era apenas avacalhado, debochado e não era a verdade. Fico contente que hoje algumas pessoas entendam mais o meu estilo.

Pergunta: Até porque é muito mais difícil fazer letras engraçadas do que coisas sérias, não é?

Roger: Exato, porque precisa ter um poder maior de síntese. Eu vejo vários letristas que ficam horas falando de um mesmo assunto quando poderiam sintetizar em uma única frase. É mais difícil resumir e não bancar uma de professor ou senhor da verdade. Fico contente com sua observação. Me dá mais vontade de continuar a compor. Eu me patrulho nesse sentido de ficar rancoroso.

Pergunta: Em 85, vocês e o RPM eram as duas bandas que mais vendiam e todo mundo corria atrás. Conte um pouco dessa época.



Roger:
Naquela época todo mundo vendeu muito, graças ao Plano Cruzado. O Nós Vamos Invadir Sua Praia quebrou vários recordes, foi o primeiro a ganhar Disco de Ouro, quebramos recorde de público no Canecão e até hoje acho que vendeu muito mais do que falam. Pena que não tenho como provar isso.

 

Pergunta: Vocês esperavam todo aquele sucesso quando começaram a gravar?

Roger: A gente achou que fosse vender bem, mas não tanto. Quando lançamos o compacto “Inútil” sabíamos que não ia vender muito, o que acabou acontecendo. Com o disco foi diferente, porque nós já tínhamos um grande repertório e público. Hoje você faz sucesso e depois vem o público e naquela época era exatamente o contrário. Você tinha que conquistar o público para chamar a atenção. Primeiro vinha o estofo, o repertório musical, o estilo, para depois gravar. Esse é o caminho natural. Nós esperávamos o sucesso porque conhecíamos o nosso público e imaginávamos que ia estourar, não como aconteceu, mas o sucesso era esperado sim.

Pergunta: Vocês tinham alguma preocupação comercial ao gravar uma música?

Roger: Não. O que acontecia é que nós sabíamos que ela faria sucesso por causa da reação do público nos nossos shows. Mas nunca sentei e pensei “vou fazer um sucesso” até porque não funciona assim. O próprio John Lennon disse uma vez que se soubesse a fórmula do sucesso, montaria os Beatles novamente e ficaria apenas como empresário (risos).

Pergunta: Como foi a pressão para gravar o segundo disco?

Roger: Não houve pressão alguma. A única vez que nos submetemos à gravadora foi quando gravamos o primeiro compacto e o Peninha (Pena Schmidt, produtor) levou uma demo para o estúdio, porque o Edgar (Scandurra) ia sair da banda para ficar apenas com o Ira! e nós gravamos o repertório para o próximo guitarrista que viria a ser o Carlinhos. Depois disso nunca mais precisamos mostrar nada para a gravadora, tínhamos carta branca para fazermos qualquer coisa. E o segundo disco, eu soube por cima que a gravadora não esperava muita coisa. Quando lançamos o segundo compacto, eles refizeram o contrato e assinamos por três discos. Mesmo assim, não botavam muita fé na gente, porque existia aquele tabu de que quem faz sucesso com o primeiro LP não consegue repetir. Eu me lembro que quando o Midani (presidente da Warner) ouviu Sexo!!, ele disse “pô, o Roger conseguiu de novo”... (risos). Na verdade a pressão vinha de nós mesmos. O segredo é não deixar o público te dominar, porque eles nunca sabem o que querem ouvir. Se soubessem, nunca teríamos feito sucesso. (mais risos). O que vendia era a MPB e nós estávamos na direção oposta.

Pergunta: Naquela época não era mais estimulante?

Roger: Claro que era. Primeiro, porque eu falava para pessoas iguais a mim. Hoje eu cresci e meu público é mais jovem e eu não sou mais complacente, não fico parando o show perguntando o que eles querem ouvir. Se curtirem, ótimo, mas também se odiarem, não me importo.

Pergunta: Eu me lembro de uma cena inesquecível do Ultraje no programa "Perdidos na Noite" (que passou pelas emissoras Record e Bandeirantes e era apresentado pelo então novato Fausto Silva): ele chegou para vocês e perguntou se a banda era boa. Você retrucou na hora que não devia ser porque estavam no programa dele...

Roger: (risos) Jura? Eu não me lembro disso.

Pergunta: E o Faustão era um achado. Inteligente, debochado, alto, gordo, divertido. Pena que acabou indo para a Globo.

Roger: Ele era bom sim.

Pergunta: E naquele período os programas eram escassos, mas todo mundo parava para ver os grupos nacionais nas emissoras, porque era um acontecimento. Eu sou taxado de saudosista, mas já parei para ouvir vários cds de bandas nacionais da atualidade e não consigo ver graça. Muitas vezes é só palavrão, ataques sem sentidos e nas entrevistas muitos deles não sabem sequer expressar suas opiniões. Eu acho isso preocupante, porque são formadores de opinião...

Roger: É a tal obrigação moral. Antes tinha um movimento em várias frentes. Você ligava a televisão e via suas bandas amigas. Muitas pessoas perguntam no site da banda (www.ultraje.com.br) porque não vamos mais na televisão. Eu explico que nós vamos, tanto que já aparecemos em todos os programas que existem. O problema é que às vezes você demora muito tempo para voltar e só pode tocar um número ao vivo. E eu não tenho saco, nunca tive e não tenho hoje para fazer parte do esquemão. Hoje todo mundo entra com a idéia de vender apenas seu peixe, eu acho isso muito chato. Eu regulo programa mesmo, não deixo filmarem minha casa. Eu não estou vendendo a minha casa! Eu quero ir a programas em que eu possa tocar. O que não gosto é desses programas que me pedem opinião.

Pergunta: Não falta referência musical para a geração mais jovem?

Roger: Falta. E hoje é muito mais fácil procurar, porque existem internet, MP3 e mesmo assim não vão atrás. E nos anos 80 todas as bandas tinham ouvido todos os estilos.

Pergunta: Por que na segunda metade dos anos 90, muitas bandas voltaram a fazer sucesso em acústicos, como os Titãs e hoje com o Capital Inicial, e depois sumiram?

Roger: Porque a garotada não tinha mais o que ouvir e pegaram os discos dos pais e viram qualidade. Na verdade não tem um porquê de estar na mídia. Hoje eles levantam e derrubam ao bel-prazer deles, não tem um público específico, tudo é fashion, da moda. Não sei se tem a ver, mas penso assim. Muitas pessoas chegam para mim e dizem que gostam de nós, mas é chato falar bem do Ultraje porque estamos fora da mídia. No meu tempo era diferente, nós queríamos ouvir justamente o que era fora de moda. Espero que mude, porque todo movimento é pendular. Eu espero que mude, mas não tenho aspiração de querer revolucionar, apenas quero fazer música boa. Pode ser até que aconteça, mas não conto com isso.

Pergunta: O que você gosta de ouvir?

Roger: Coisas velhas: Stones, Kinks, Who, Beatles, anos 50, doo-wop, surf music. Ouço as coisas novas para me manter atualizado e gosto de Foo Fighters e de Sugar Ray.



Pergunta: Porque esse último cd Os Invisíveis tem apenas 30 minutos de duração?

Roger: Seriam 33 minutos porque ía entrar uma cover do Elvis Presley, mas não conseguimos autorização. Na verdade foi um aprendizado com o Ó!, que tinha quase uma hora. A gente achava que como no cd tem mais espaço podíamos preencher com mais música, mas descobrimos que uma hora de música é muita coisa. Nesse eu preferi colocar só as boas. E como todas são curtinhas ficou deste tamanho.

Pergunta: Como os fãs podem saber mais sobre o Ultraje, shows, contato?

Roger: Basta entrar no nosso site (repetindo: www.ultraje.com.br) e consultar nossa agenda ou mesmo escrever para nós.




 

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