É possível
um grupo entrar para a história da música lançando
apenas um disco e que ainda assim não foi um grande campeão
de vendas? A resposta é sim se você pensar no The
United States of America. Mas se você acha que eles fizeram
um som que Bush aplaudiria de pé, se enganou. Aliás,
se fosse presidente naquela época, provavelmente teria
impedido de uma banda tão ultrajante usar o nome de sua
querida pátria. Afinal, onde estava o country que tanto
ama? E o que seria aquele monte de experimentos eletrônicos,
sons estranhos? Veja porque o grupo entrou para a história
com algo tão ousado nos anos 60...
Quem
imaginaria que esse professor de música da escola Redwood
foi protagonista de um dos mais importantes e inovadores lançamentos
da década de 60? Pois Joseph Byrd liderou o combo The United
States of America, dono de um único lançamento,
mas essencial para quem gosta de improvisações e
experimentações.
Quando Joseph Byrd montou
o The United States of America tinha um conjunto por demais sofisticado:
um grupo niilista, revolucionário, anti-autoritário
e criar uma experiência radical, um grupo avant-garde de
rock, que misturaria eletrônica com psicodelismo, radicalismo
político e arte performática. Um desafio e tanto...
E o grupo já nasceu
na contramão dos demais. Ao invés de ser brotado
em uma garagem, Byrd era aluno da UCLA (Univerisdade de Los Angeles).
Nascido em Tucson, Arizona, começou a entrar no mundo eletrônico
em Nova York, quando entrou em contato com esse tipo de música.
Lá, trabalhou como regente, arranjador, professor e assistente
de Virgil Thompson.
Byrd resolveu se mudar
para a Califórnia quando explodiu o rock psicodélico
e entrou para a UCLA. Lá trabalhou como professor assistente
e também estudou sobre acústica, psicologia e música
indiana. Logo, resolveu deixar a universidade para trabalhar em
tempo integral com música.
Ele era companheiro e amigo
de La Monte Young, Terry Riley e vários nomes avante-garde
americana e começou a bolar um conceito de aproximar o
rock do experimentalismo, da cultura indiana e escancarar a experiência
que os Beatles haviam iniciado com Sgt. Pepper's.
Foi assim que nasceu o The United States of America, em 1967.
Foi
quando resolveu montar um grupo ao lado de sua namorada Dorothy
Moscowitz (voz); Michael Agnello (ativista político e que
não tocava instrumento algum) e o baixista Stu Brotman.
Mas os dois deixaram o grupo pouco antes de assinarem contrato
com a Columbia e entraram para o Kaleidoscope. Em seus lugares
entraram Gordon Marron (violino elétrico e ring modulator);
Rand Forbes (baixo) e Craig Woodson (bateria eletrônica
e percussão). Ed Bogas tocou órgão, teclados
e calliope como músico convidado. Byrd tocava calliope,
electric harpsichord, piano e cantou em algumas faixas.
Um dos preceitos básicos
- a ausência de liderança dentro do grupo - foi quebrado
com a saída de Agnello. Ele deixou o grupo reclamando da
liderança que Joseph impunha aos demais. Dorothy havia
vindo de Nova York para a Califórnia a convite de Byrd.
Ex-atriz de teatro e escritora e dividia as letras com o namorado.
O The United States of
America foi um dos primeiros a usar um sintetizador, ainda que
o equipamento fosse um grande mistério: "nós
não sabíamos exatamente como trabalhar com aquilo.
Não havia o equipamento em série, então tínhamos
que construir algo. Você aumentava o volume e de repente
saía um 'sqwak' ou então um 'bleep'. Mas não
nos importávamos desde que conseguíssemos manter
o ritmo certo. Tudo isso era excitante e qualquer barulho era
incorporado à música", conta Dorothy.
O
grupo acabou assinando com a Columbia, que teve problemas com
o grupo. O primeiro foi banir a capa de discos desejada pela banda:
uma bandeira norte-americana com gotas de sangue pingando. A solução
dada foi colocar uma foto bem comportada dos integrantes com o
nome da banda no meio.
O disco em questão
trazia 10 faixas:
1) The American Metaphysical
Circus
2) Hard Coming Love
3) Cloud Song
4) The Garden Of Earthly Delights
5) I Won't Leave My Wooden Wife For You, Sugar
6) Where Is Yesterday
7) Coming Down
8) Love Song For The Dead Che
9) Stranded In Time
10) The American Way Of Love
Com o disco lançado,
a banda começou a fazer shows, reproduzindo fielmente as
músicas no palco. O problema era encontrar uma audiência
apta para tal experiência. Além dos títulos
estranhos e até ofensivos (imagine uma canção
de amor para Che Guevera em plena América de Richard Nixon!),
Byrd dizia que tentou explorar os universos despertados pelos
Beatles: "não sei se eles me influenciaram, talvez
inconscientemente. Eu tinha mais conexões com Jefferson
Airplane, Country Joe and The Fish e Blue Cheer, The Greay Society
(a primeira banda de Grace Slick) e também Red Crayola."
Porém,
ele não gostava de ouvir dizer que "I Won't Leave
My Wooden Wife For You" tinha uma influência direta
de Zappa: "muitas pessoas fizeram essa comparação,
mas eu discordo totalmente. Primeiro porque Zappa era um ilustre
desconhecido. Segundo, porque eu odiava aquele som frouxo dele
e por achar seus sentimentos por demais juvenis e simplistas.
Zappa escolhia alvos fáceis, enquanto eu alvejava a cultura
americana como um todo. Por falar nisso, ele também não
gostava do que eu fazia."
Um dos grandes problema
do disco foi a péssima mixagem, a cargo do próprio
Byrd. Ele disse que quando saiu dos estúdio, às
4 da manhã, estava eufórico, mas ao tocar o disco
para os demais integrantes, viu que havia cometido um enorme erro
técnico. "Ali perdi a confiança de todos, de
forma irremediável."
Os shows marcaram um período
extremamente difícil para o grupo. David Rubinson, produtor
do disco, lembra que Byrd era uma pessoa extremamente horrível
de se lidar: "nunca conheci alguém que gostasse tanto
de controlar. Eu também era difícil, pois tinha
vinte e poucos anos, mas ele era realmente bizarro."
Para piorar, a total ausência
de guitarra (como um grupo de rock não poderia ter uma?),
a pressão da Columbia pelas baixas vendagens (o máximo
que ele conseguiu foi ser o número 181 nas paradas) e o
alto consumo de drogas, aumentava ainda mais a tensão entre
os membros, a ponto de Byrd e Gordon Marron trocarem socos em
cima do palco no afamado Fillmore East, em Nova York. A apresentação
foi tensa, pois Dorothy estava com uma faringite que a impedia
sequer de falar. "Liguei para Bill Graham e ele me ameaçou
dizendo que caso eu não fizesse o show, me queimaria no
país inteiro."
O grupo chegou uma vez
a tocar junto com o Velvet Underground, a quem Byrd acusava de
ter destruído seus amplificadores.
O ponto final aconteceu
em um show no Orange County, na Califórnia, quando Joseph
e Dorothy tiveram que subir ao palco com alguns músicos
convidados, já que os demais haviam sido presos por porte
de maconha.
Com
a ruptura da banda, Joseph montou uma outro grupo - Joe Byrd &
the Field Hippies e lançou um único disco, The
American Metaphysical Circus, ironicamente o nome da
faixa de abertura do disco do The United States of America. O
grupo consistia em mais 12 músicos em um clima místico,
religioso.
Depois disso, Joseph e
Dorothy nunca mais se aproximaram, embora Dorothy recorde um telefonema
que recebeu do produtor do segundo disco de Byrd para que cantasse
as novas composições: "eles diziam que as músicas
eram ótimas, assim como as letras, mas não os cantores
e pediram para que fosse lá. Mas eu estava cansada daquilo
tudo e preferi não ir."
Byrd é hoje professor
e a mágoa entre ele e os demais parece persistir. Recentemente
ele contou que quase não recebeu dinheiro algum - apenas
US$ 300 - quando a gravadora Sundazed resolveu relançar
a obra-prima esquecida com mais 10 faixas inéditas. Se
tiver a chance, confira o disco.
Um abraço e até
a próxima coluna.
Discografia
The United States of America
(1968)
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