201 - The United States of America

É possível um grupo entrar para a história da música lançando apenas um disco e que ainda assim não foi um grande campeão de vendas? A resposta é sim se você pensar no The United States of America. Mas se você acha que eles fizeram um som que Bush aplaudiria de pé, se enganou. Aliás, se fosse presidente naquela época, provavelmente teria impedido de uma banda tão ultrajante usar o nome de sua querida pátria. Afinal, onde estava o country que tanto ama? E o que seria aquele monte de experimentos eletrônicos, sons estranhos? Veja porque o grupo entrou para a história com algo tão ousado nos anos 60...


Joseph ByrdQuem imaginaria que esse professor de música da escola Redwood foi protagonista de um dos mais importantes e inovadores lançamentos da década de 60? Pois Joseph Byrd liderou o combo The United States of America, dono de um único lançamento, mas essencial para quem gosta de improvisações e experimentações.

Quando Joseph Byrd montou o The United States of America tinha um conjunto por demais sofisticado: um grupo niilista, revolucionário, anti-autoritário e criar uma experiência radical, um grupo avant-garde de rock, que misturaria eletrônica com psicodelismo, radicalismo político e arte performática. Um desafio e tanto...

E o grupo já nasceu na contramão dos demais. Ao invés de ser brotado em uma garagem, Byrd era aluno da UCLA (Univerisdade de Los Angeles). Nascido em Tucson, Arizona, começou a entrar no mundo eletrônico em Nova York, quando entrou em contato com esse tipo de música. Lá, trabalhou como regente, arranjador, professor e assistente de Virgil Thompson.

Byrd resolveu se mudar para a Califórnia quando explodiu o rock psicodélico e entrou para a UCLA. Lá trabalhou como professor assistente e também estudou sobre acústica, psicologia e música indiana. Logo, resolveu deixar a universidade para trabalhar em tempo integral com música.

Ele era companheiro e amigo de La Monte Young, Terry Riley e vários nomes avante-garde americana e começou a bolar um conceito de aproximar o rock do experimentalismo, da cultura indiana e escancarar a experiência que os Beatles haviam iniciado com Sgt. Pepper's. Foi assim que nasceu o The United States of America, em 1967.

Foi quando resolveu montar um grupo ao lado de sua namorada Dorothy Moscowitz (voz); Michael Agnello (ativista político e que não tocava instrumento algum) e o baixista Stu Brotman. Mas os dois deixaram o grupo pouco antes de assinarem contrato com a Columbia e entraram para o Kaleidoscope. Em seus lugares entraram Gordon Marron (violino elétrico e ring modulator); Rand Forbes (baixo) e Craig Woodson (bateria eletrônica e percussão). Ed Bogas tocou órgão, teclados e calliope como músico convidado. Byrd tocava calliope, electric harpsichord, piano e cantou em algumas faixas.

Um dos preceitos básicos - a ausência de liderança dentro do grupo - foi quebrado com a saída de Agnello. Ele deixou o grupo reclamando da liderança que Joseph impunha aos demais. Dorothy havia vindo de Nova York para a Califórnia a convite de Byrd. Ex-atriz de teatro e escritora e dividia as letras com o namorado.

O The United States of America foi um dos primeiros a usar um sintetizador, ainda que o equipamento fosse um grande mistério: "nós não sabíamos exatamente como trabalhar com aquilo. Não havia o equipamento em série, então tínhamos que construir algo. Você aumentava o volume e de repente saía um 'sqwak' ou então um 'bleep'. Mas não nos importávamos desde que conseguíssemos manter o ritmo certo. Tudo isso era excitante e qualquer barulho era incorporado à música", conta Dorothy.

capa do disco The United States of AmericaO grupo acabou assinando com a Columbia, que teve problemas com o grupo. O primeiro foi banir a capa de discos desejada pela banda: uma bandeira norte-americana com gotas de sangue pingando. A solução dada foi colocar uma foto bem comportada dos integrantes com o nome da banda no meio.

O disco em questão trazia 10 faixas:

1) The American Metaphysical Circus
2) Hard Coming Love
3) Cloud Song
4) The Garden Of Earthly Delights
5) I Won't Leave My Wooden Wife For You, Sugar
6) Where Is Yesterday
7) Coming Down
8) Love Song For The Dead Che
9) Stranded In Time
10) The American Way Of Love

Com o disco lançado, a banda começou a fazer shows, reproduzindo fielmente as músicas no palco. O problema era encontrar uma audiência apta para tal experiência. Além dos títulos estranhos e até ofensivos (imagine uma canção de amor para Che Guevera em plena América de Richard Nixon!), Byrd dizia que tentou explorar os universos despertados pelos Beatles: "não sei se eles me influenciaram, talvez inconscientemente. Eu tinha mais conexões com Jefferson Airplane, Country Joe and The Fish e Blue Cheer, The Greay Society (a primeira banda de Grace Slick) e também Red Crayola."

Porém, ele não gostava de ouvir dizer que "I Won't Leave My Wooden Wife For You" tinha uma influência direta de Zappa: "muitas pessoas fizeram essa comparação, mas eu discordo totalmente. Primeiro porque Zappa era um ilustre desconhecido. Segundo, porque eu odiava aquele som frouxo dele e por achar seus sentimentos por demais juvenis e simplistas. Zappa escolhia alvos fáceis, enquanto eu alvejava a cultura americana como um todo. Por falar nisso, ele também não gostava do que eu fazia."

Um dos grandes problema do disco foi a péssima mixagem, a cargo do próprio Byrd. Ele disse que quando saiu dos estúdio, às 4 da manhã, estava eufórico, mas ao tocar o disco para os demais integrantes, viu que havia cometido um enorme erro técnico. "Ali perdi a confiança de todos, de forma irremediável."

Os shows marcaram um período extremamente difícil para o grupo. David Rubinson, produtor do disco, lembra que Byrd era uma pessoa extremamente horrível de se lidar: "nunca conheci alguém que gostasse tanto de controlar. Eu também era difícil, pois tinha vinte e poucos anos, mas ele era realmente bizarro."

Para piorar, a total ausência de guitarra (como um grupo de rock não poderia ter uma?), a pressão da Columbia pelas baixas vendagens (o máximo que ele conseguiu foi ser o número 181 nas paradas) e o alto consumo de drogas, aumentava ainda mais a tensão entre os membros, a ponto de Byrd e Gordon Marron trocarem socos em cima do palco no afamado Fillmore East, em Nova York. A apresentação foi tensa, pois Dorothy estava com uma faringite que a impedia sequer de falar. "Liguei para Bill Graham e ele me ameaçou dizendo que caso eu não fizesse o show, me queimaria no país inteiro."

O grupo chegou uma vez a tocar junto com o Velvet Underground, a quem Byrd acusava de ter destruído seus amplificadores.

O ponto final aconteceu em um show no Orange County, na Califórnia, quando Joseph e Dorothy tiveram que subir ao palco com alguns músicos convidados, já que os demais haviam sido presos por porte de maconha.

capa do disco The American Metaphysical CircusCom a ruptura da banda, Joseph montou uma outro grupo - Joe Byrd & the Field Hippies e lançou um único disco, The American Metaphysical Circus, ironicamente o nome da faixa de abertura do disco do The United States of America. O grupo consistia em mais 12 músicos em um clima místico, religioso.

Depois disso, Joseph e Dorothy nunca mais se aproximaram, embora Dorothy recorde um telefonema que recebeu do produtor do segundo disco de Byrd para que cantasse as novas composições: "eles diziam que as músicas eram ótimas, assim como as letras, mas não os cantores e pediram para que fosse lá. Mas eu estava cansada daquilo tudo e preferi não ir."

Byrd é hoje professor e a mágoa entre ele e os demais parece persistir. Recentemente ele contou que quase não recebeu dinheiro algum - apenas US$ 300 - quando a gravadora Sundazed resolveu relançar a obra-prima esquecida com mais 10 faixas inéditas. Se tiver a chance, confira o disco.

Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

The United States of America (1968)


 

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