Em 1987, o mundo todo cantava uma
canção de uma garota com um violão e que
contava a história de um garoto chamado Luka. Era aquela
música que acabou tocando em todas as festinhas de adolescência
e até de formatura. Alguns anos depois, já morando
em São Paulo, um amigo meu me criticou quando eu disse
que adorava a canção por ser divertida. "Você
devia voltar às aulas de inglês e ler com mais atenção
a letra. Não há nada de belo em uma criança
vítima de espancamento". Bem, esse é um dos
problemas de cantarmos algo quando não dominamos a língua:
basta uma melodia leve e alegre para acharmos que a letra é
igual. Suzanne Vega tinha chegado ao estrelato e, acabou se tornando
uma das porta-vozes da novíssima geração
de cantoras que empunhavam um violão e tinham algo a dizer
(Tracy Chapman foi outra de enorme sucesso, mais ou menos na mesma
época), que havia se iniciado com Joan Baez e Joni Mitchell.
Uma cantora de voz frágil, porte físico idem, mas
de um senso aguçado e nada açucarado para uma menina.
E que me fez começar a andar com os Michaelis da vida na
minha mochila...
Se Suzanne
não fosse uma cantora e quisesse escrever sua biografia,
ainda assim seria uma pessoa diferenciada. Se há uma coisa
que não existe na vida dela é espaço para
o lugar-comum.
Vamos a alguns detalhes
então: nascida no dia 11 de julho de 1959, em Santa Monica,
no estado da Califórnia, foi criada pela sua mãe
e por um escritor porto-riquenho, Ed Vega. Nesta altura, os Vega
já moravam em Manhattan e Suzanne convivia com a vizinhança
barra-pesada de origem hispânica do Harlem. Mas como Suzanne
tinha sangue 50% hispânico (assim ela acreditava) aceitava
bem e tinha uma vida tranqüila e completamente satisfatória.
Suas
primeiras tentativas com a música foram aos 14 anos, mas
acabou entrando em uma escola de arte para ser dançarina.
Já mais velha, entrou na Barnard College e nessa época
começou a renovar sua paixão pela música,
em especial pelo cantor e compositor canadense Leonard Cohen.
Como diversão, empunhava um violão e tocava suas
composições folks nos cafés do Greenwich
Village, se apresentando no Folk Club, bar que ficou famoso por
ter sido um dos primeiros palcos do jovem Bob Dylan nos anos de
1960 e 1961. Sua vida (musical) virou do avesso de verdade em
1979 após assistir um show de Lou Reed, outro de seus heróis.
Decidiu então abandonar a literatura da escola e tentar
a vida como cantora e compositora.
Mas sua vida (pessoal)
mudaria do avesso de verdade e de maneira profunda quando Ed Vega
contou a Suzanne uma verdade aterradora: ele não era seu
pai biológico. Sua mãe havia se casado e divorciado
antes de tê-lo conhecido ainda na Califórnia e nunca
haviam tido notícia do paradeiro do seu verdadeiro pai.
A notícia a devastou e Suzanne anos depois contrataria
um detetive para descobrir por onde andava e vivia seu pai. O
encontro só aconteceria muitos anos depois.
Nesse meio tempo, Suzanne
começou a tocar mais e mais nos clubes locais. Após
formar-se na escola, arranjou os mais diversos serviços
para poder viver e também tornou-se uma das pequenas promessas
como cantora nos arredores de Greenwich Village. Começou
a mostrar suas demos para várias gravadoras, que não
viam muito futuro em uma cantora folk. Mesmo assim, com o auxílio
de Steve Addabbo e Ron Fierstein (seus empresários), tanto
fizeram que conseguiram um contrato com a A&M, que já
a havia recusado um par de vezes, em 1983.
Em 1985, tendo o lendário guitarrista Lenny Kaye (que havia
tocado com Patti Smith) como produtor, lançou seu primeiro
disco, em 1985, apenas com seu nome.
Com a canção
“Marlene on the Wall” sendo o carro-chefe do LP, Suzanne
virou uma mini-coqueluche no Reino Unido, sendo lá disco
de platina, além de vender 200 mil cópias na América,
para espanto da gravadora. A jovem cantora começou a ser
comparado à ícones femininos como Joni Mitchell
ou James Ian. Alguns repararam (e com toda correção)
em conexões a Cohen. Seu fraseado delicado de violão,
seu jeito de cantar, meio falado faziam dela uma das mais promissoras
e importantes novas cantoras-compositoras que surgiriam, destacando–se
entre nomes como Tracy Chapman, Tori Amos, PJ Harvey, k.d. lang,
Shawn Colvin, Michelle Shocked, etc...
Mas
sucesso de verdade, viria, e de forma irresistível dois
anos depois, com o disco Solitude Standing, quando
deixou a aura de artista cult para ser uma cantora de fama mundial,
maior até do que gostaria ou sonhara. E tudo por culpa
de um garotinho: Luka.
Todo mundo se lembra da
canção que começava com o verso “My
name is Luka...”. O que quase ninguém prestou atenção
(ao menos nos países em que a língua inglesa não
era a oficial) era o conteúdo da letra: por detrás
daquele arranjo alegre e da voz calma de Suzanne, vivia um menino
que sofria abusos e era espancado em seu apartamento. Uma das
canções mais doces e tristes já compostas.
Se você quiser conferir, eis a letra...
My name is Luka
I live on the second floor
I live upstairs from you
Yes I think you've seen me before
If you hear something
late at night
Some kind of trouble. some kind of fight
Just don't ask me what it was
Just don't ask me what it was
Just don't ask me what it was
I think it's because
I'm clumsy
I try not to talk too loud
Maybe it's because I'm crazy
I try not to act too proud
They only hit until
you cry
And after that you don't ask why
You just don't argue anymore
You just don't argue anymore
You just don't argue anymore
Yes I think I'm
okay
I walked into the door again
Well, if you ask that's what I'll say
And it's not your business anyway
I guess I'd like to be alone
With nothing broken, nothing thrown
Just don't ask
me how I am
Just don't ask me how I am
Just don't ask me how I am
O
disco simplesmente disparou nas paradas de sucesso tendo vendido
mais de um milhão de cópias na América, em
poucos meses e mostrando que um novo nicho de artistas folk (gênero
considerado morto na década de 80) estavam loucos e prontos
para o sucesso. A produção de Kaye e Addabbo fez
questão de ressaltar o talento de Suzanne como compositora
e preferiu não abusar de recursos tecnológicos,
deixando que as composições se sobressaíssem
por si só. E acertaram em cheio.
Com o disco estourado por
todo o planeta, realizou uma série de concertos mundo afora
por mais de um ano. Após o fim da turnê, voltou para
Nova York e intensificou as buscas por seu pai biológico.
Depois de um merecido descanso, começou a trabalhar em
um novo disco. Mas desta vez resolveu assumir a produção,
ao lado do tecladista e namorado Anton Sanko. Nascia assim Days
of Open Hand, um disco estranho e nada parecido com o
anterior. Até o compositor minimalista Philip Glass participou
em uma das faixas, o que acabou confundindo público e crítica.
O
trabalho teve baixas vendagens, mas o inesperado veio salvá-la.
Um duo inglês batizado de DNA (nada a ver com a célebre
banda norte-americana liderada por Arto Lindsay) simplesmente
havia feito uma versão de uma canção que
abria e fechava Solitude Standing, “Tom’s
Diner”, num sucesso das pistas de dança. A música
era apenas uma gravação com Suzanne cantando/declamando
a letra sem nenhum instrumento. Pois, a dupla meteu uma batida
eletrônica, lançou um disco pirata intitulado Oh
Suzanne e faturava horrores. A A&M resolveu acabar
com a brincadeira e processar a dupla, mas Suzanne interviu e
permitiu que a mesma fosse lançada como um single oficial
dela, sendo seu segundo estrondoso sucesso.
Eis a letra de “Tom’s
Diner”.
I am sitting
In the morning
At the diner
On the corner
I am waiting
At the counter
For the man
To pour the coffee
And he fills it
Only halfway
And before
I even argue
He is looking
Out the window
At somebody
Coming in
"It is always
Nice to see you"
Says the man
Behind the counter
To the woman
Who has come in
She is shaking
Her umbrella
And I look
The other way
As they are kissing
Their hellos
I'm pretending
Not to see them
And Instead
I pour the milk
I open
Up the paper
There's a story
Of an actor
Who had died
While he was drinking
He was no one
I had heard of
And I'm turning
To the horoscope
And looking
For the funnies
When I'm feeling
Someone watching me
And so
I raise my head
There's a woman
On the outside
Looking inside
Does she see me?
No she does not
Really see me
Cause she sees
Her own reflection
And I'm trying
Not to notice
That she's hitching
Up her skirt
And while she's
Straightening her stockings
Her hair
Is getting wet
Oh, this rain
It will continue
Through the morning
As I'm listening
To the bells
Of the cathedral
I am thinking
Of your voice...
And of the midnight
picnic
Once upon a time
Before the rain began...
I finish up my
coffee
It's time to catch the train
Espantada
com o sucesso da versão dance de sua canção,
Suzanne resolveu abrir seu leque de opções. Começou
a trabalhar com Mitchel Froom, que era famoso por seus projetos
com Elvis Costello, Richard Thompson e Crowded House. Com arranjos
mais dissonantes e fazendo uso de percussão, nascia seu
novo disco 99.9° F..
O disco falhou no intento
de introduzi-la como uma nova artista dance, apesar das raízes
folks estarem todas lá, ainda que mascaradas com baterias
eletrônicas e efeitos mil.
Uma das curiosidades do
disco é a letra de “Blood Sings” onde relata
o reencontro com seu verdadeiro pai e a descoberta que sua avó
havia sido baterista de uma banda de jazz feminino nas décadas
de 20 e 30! “Isso só prova que sempre tive uma grande
veia feminina musical na minha família, pois minha mãe
tocava guitarra na adolescência”. O mais incrível
disso tudo é que o pai de Suzanne soube desse passado de
sua mãe dois anos antes de reencontrar a filha! “Passamos
depois disso horas e horas olhando as fotos dela quando tocava
em bandas de vaudeville do Meio-Oeste. Ela teve quatro filhos
e colocou três deles em orfanatos, mas desistiu em deixar
meu pai ser adotado. Então, basicamente, venho de uma família
de músicos andarilhos e órfãos. Eu fiz a
canção, mas não dei nenhuma pista sobre o
assunto nela. Sou obscura em minhas letras, nunca digo o que realmente
quero.”
Mas
se o disco não agradou tanto, pelo menos o coração
da moça não teve do que reclamar, já que
acabou se casando com Mitchell Froom.
Suzanne teve uma filha,
Ruby, em 1994 e desapareceu do mapa. “É muito complicado
você se inspirar em escrever uma canção quando
sua filha chora após tomar vacina contra catapora ou acorda
no meio da madrugada doente. Não há muita poesia
nisso, apenas a vida de uma mãe”, diria em uma entrevista,
anos depois.
A
volta aos estúdios aconteceria apenas em 1996, com Nine
Objects of Desire. Voltou a ser produzido pelo agora marido Mitchell
e continuou a explorar mais os climas e texturas, mas de uma maneira
menos “perdida” do que o anterior. Suzanne começava
a explorar novos sentidos e temas, como a maternidade e o casamento,
em letras. Partiu novamente para uma série de shows mundo
afora, levando sua filha a tiracolo.
Suzanne
lembra bem da postura de Ruby na turnê: “ela odeia
quando pego o violão e começo a tocar. Em meus shows,
quando eu começava a conversar com a platéia, ela
do balcão do teatro berrava ‘por favor mamãe,
apenas cante!’, e todos riam. Ela quer saber tudo sobre
sua origem, minha família e tem uma personalidade extremamente
forte. Ela morre de ciúmes quando começo a compor.”
Mas como Suzanne nunca foi uma garota com uma vida simples, um
divórcio apareceu em sua vida. Em 1998, ela e Mitchell
se separaram, pois o mesmo começou um romance com a cantora
Vonda Shepard.
Abalada
e traumatiza com o acontecimento, teve ainda outro aborrecimento
ao romper com o empresário Ron Fierstein. Resolvida a fazer
um balanço de sua carreira e encerrar um ciclo, lança
a coletânea The Best of Suzanne Vega: Tried and
True, que trazia duas canções inéditas,
“Book & a Cover” e “Rosemary”. Ao
mesmo tempo lançou um livro intitulado The Passionate Eye.
Apostando
em uma volta simples, tendo Michael Visceglia, baixista e amigo
de longa data ao lado, fez alguns shows mais intimistas, com novas
músicas falando do final de seu casamento. O resultado
foi Songs In Red and Gray, uma espécie
de volta às raízes dos dois primeiros discos. Em
algumas canções ela retratou como sua filha veria
um rompimento do casamento, e no geral, é um disco bem
mais leve e agradável do que os dois anteriores.
Suzanne
voltou aos palcos, com vários shows e em 2003 lançou
uma outra coletânea retrospectiva de toda sua carreira Retrospective:
The Best of Suzanne, que teve duas edições
diferentes, sendo uma americana, com 21 canções
e uma inglesa, com 27, sendo seis delas, ao vivo ("The Queen
and The Soldier", "Widow's Talk", "Solitude
Standing", "Blood Makes Noise", "In Liverpool
(Intro/Narrative)" e "In Liverpool") e com capas
diferentes. A edição inglesa traz na capa a mesma
foto usada no DVD que leva o mesmo nome, e conta com nada menos
do que 52 músicas, sendo uma opção bem mais
interessante.
Nas
duas fotos você confere as capas das edições
inglesas e americana, respectivamente.
Com a audição incessante de Suzanne enquanto escrevo
esta coluna, deixo vocês mais uma vez. Até a próxima
e um abraço!
Discografia
Suzanne Vega (1985)
Solitude Standing (1987)
Days of Open Hand (1990)
99.9° F. (1992)
Nine Objects of Desire (1996)
The Best of Suzanne Vega: Tried and True (1999)
Songs In Red and Gray (2001)
Retrospective: The Best of Suzanne Vega (2003)
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