47 - The Velvet Underground & Nico
Tente imaginar a seguinte cena: estamos no ano de 1967, o auge do movimento hippie e do rock psicodélico. Por toda a América e pelo mundo, jovens andam de bata, cultivam paz e amor, tomam LSD, fumam maconha, tudo ao embalo de bandas como Grateful Dead (a mais expressiva de todas e de maior número de fãs), Jefferson Airplane, Love, Jimi Hendrix Experience, Doors, Mamas and the Papas, além de Bob Dylan, The Who, Beatles, Rolling Stones, etc... Agora imagine uma versão totalmente radical disso: uma banda em que os músicos, principalmente seu líder, compõem uma ode à heroína, arrancam sons horripilantes de suas guitarras, a ponto de espantar qualquer engenheiro de som do estúdio, e letras que falam de sadomasoquismo, drogas, sexo, submundo, caos e homossexualidade. Acrescente uma turnê em pequenas casas, com performances esquisitas, uma deslumbrante cantora húngara com um forte sotaque e tudo isso dirigido por Andy Warhol. Só poderia acontecer em Nova York. Só poderia ser um fracasso de venda. Só poderia causar escândalo. Mas o que ninguém previu na época é que esse grupo se tornaria um dos mais importantes e influentes de todos os tempos. O nome? Velvet Underground. Sabe de onde foi tirado tal nome? De um livro underground pornô. Tá bom ou quer mais?

Durante uma entrevista nos anos 80, um repórter perguntou, cuidadosamente para Lou Reed, que tinha fama de ser agressivo com a mídia, qual seria a definição sobre o primeiro álbum do Velvet. Lou nem pensou: "é simplesmente o mais importante disco da história do rock". Desconcertado com a resposta, o repórter tentou argumentar se não seria o Sgt. Pepper's dos Beatles. Lou não perdeu a calma e fulminou: "eu disse o mais importante e não o que mais vendeu. Se não está convencido, pergunte para essa nova geração de onde eles tiram esse som."


Apesar da arrogância, Lou Reed estava certo. Mesmo com pouca repercussão na época do lançamento, já que ia tudo contra o que se gravava naquele tempo, o disco da "banana" como ficou conhecido, está entre os mais importantes já feitos. O que Lou esqueceu de dizer é que não foi apenas a geração dos anos 80 influenciada por ele, mas todo o movimento punk. Isso se esquecermos o impacto que causou em alguns dos seus contemporâneos, como David Bowie e Iggy Pop. Mas por que tanto sucesso para uma banda obscura? Com a palavra, Iggy: "eu me lembro que fui à casa de uma amiga. Entre um beijo aqui e ali, ela colocou o disco do Velvet. Na hora eu parei, fiquei assustado, e depois não parava de ouvir. Eu queria saber mais sobre aquelas letras, aquela selvageria no som. Eu perguntei o que era e ela riu na minha cara, falando que eu era muito careta. Pois foi isso que me senti na hora: um careta! Como uma banda dessas existia e eu não conhecia?"

Bowie não fica atrás: "eu ouvi o disco em Londres pouco tempo depois do lançamento. Não acreditava nos meus ouvidos. Era totalmente fora de moda, agressivo, sujo, excitante. Ninguém concordava comigo quando mostrava o disco e colocava para ouvir. As pessoas pediam para eu desligar o aparelho de som, ficavam chocadas. Londres apesar de ser uma das principais cidades da época em qualidade de música, não estava preparada para agüentar aquilo. Sinceramente, nem eu sabia como gostava. Só sabia que pensava conhecer esse grupo."

David fez muito mais do que conhecer o Velvet. Foi ele o principal responsável pela volta de Lou Reed ao mundo do rock nos anos 70, quando ninguém queria dar um contrato ao cantor, devido ao seu passado. Bowie discorda: "eu não fiz nada por Lou. Apenas abri algumas portas para que ele voltasse a compor. Fiquei muito honrado em produzir Transformer, mas depois ele mostrou que tinha muito a oferecer. Gosto de pensar que ajudei na sua volta, mas o mérito depois de continuar e tornar-se o que é até hoje é totalmente dele. E ele merece muito mais." Vale registrar que no seu disco de 1971, Hunky Dory, Bowie compôs "Queen Bitch" inspirado em Lou.

Mas o que fez do Velvet Underground uma banda tão peculiar, a ponto de influenciar todo mundo, mesmo depois de extinta? A mesma "febre" aconteceu com os Doors de Jim Morrison, na época, a ponto de uma revista colocar uma foto do cantor em uma capa com os seguintes dizeres: “ele é quente, ele é bonito e ele está morto”. Por que as duas bandas se tornaram maiores depois de acabadas do que quando existiram? Uma das respostas pode ser a postura dos dois grupos, especialmente de seus líderes: tanto Jim como Lou eram inteligentes, agressivos, polêmicos, carismáticos. A diferença é que Morrison virou um símbolo sexual, mais admirado do que entendido e que isso o irritava, a ponto de no final da banda, engordar e fazer músicas mais complicadas para perder esse rótulo que tanto o atormentava. Infelizmente teve a vida abreviada. Mas um dia voltaremos ao fenômeno Doors. Por hora, falemos da turma de Andy Warhol.


Lou já tinha experiência como compositor do pequeno selo Pickwick Records. Havia gravado alguns compactos, em várias bandas obscuras. Quando entrou para a Universidade de Syracuse, era um dos DJs do local, tocando os mais diversos tipos de música. Foi ali que começou a tocar junto de Sterling Morrison, um garoto que ficava no campus da Universidade, embora não fosse um aluno legalmente matriculado. Foi também quando conheceu um de seus maiores influenciadores, se não o maior, o poeta Delmore Schwartz, que morava lá.

"Quando conheci Delmore, ele me disse que a pior coisa que poderia fazer para a minha carreira era gastar meu tempo lendo James Joyce (escritor irlandês e que ficou famoso pelo seu romance Ulisses). Comecei a ler então Raymond Chandler, Burroughs, para poder começar a escrever minha canções."

Schwartz , que morreu em 66, antes mesmo do grupo gravar o seu primeiro disco, foi decisivo na carreira do compositor: "Nunca vou me esquecer um dia em que estávamos em um bar, pouco antes de sua morte. Bebíamos muito e eu estava tentando ler ao mesmo tempo preocupado em levá-lo para a sua casa. Ele virou para mim e disse que quando morresse iria para um lugar bem melhor e que de lá estaria observando meus passos. Também falou para que eu nunca vendesse minha arte, que não me submetesse a quem quer que fosse. E concluiu: “se ninguém poderá te assombrar, lembre-se que tenho esse poder sobre você”. Aquilo me deixou muito impressionado e quando compus “European Son”, coloquei no sub-título, 'para Delmore Schwartz'."


Lou continuou na pequena Pickwick escrevendo canções e formando seus primeiros grupos. Montou uma banda chamada Primitives e depois de compor "The Ostrich", que desagradou o selo, programou um show para a banda. Nessa época conheceu John Cale. Natural do País de Gales, na cidade de Garnant, pode ser considerado o verdadeiro músico da banda, já que por anos freqüentou escolas para desenvolver sua aptidão. Dividido entre a paixão pelas canções folclóricas e pelo rock and roll que chegava pela Rádio Luxemburgo, Cale mudou ainda jovem para estudar na Golsdmith College of Art, de Londres, e começou a escrever suas primeiras sinfonias. Conseguiu uma bolsa para estudar composição moderna, em Tanglewood, Massachusetts. No final do curso, ao invés de investir na carreira de música clássica, viajou para Nova York, encantando com o espírito de "vale tudo" que a cidade oferecia e acabou se juntando ao grupo minimalista de LaMonte Young, chamado Dream Syndicate. No grupo começou a tocar viola, um instrumento incomum. Cale explicou que optara pela viola quando estava na escola porque era o único instrumento que tinha sobrado para ele. Agradou em cheio, pois criou um tipo de blues, tipo de música que para LaMonte todos os acordes deveriam ser tocados juntos, e isso acabou sendo a base do som do Velvet. "A viola, quando amplificada, produzia um zumbido e criava uma paisagem para improvisarmos à vontade".

Nessa época, Cale queria encontrar alguém da Pickwick. Apareceu o violinista Tony Conrad, do Dream, que marcou uma apresentação conjunta com os Primitives. Durante o primeiro encontro com John Cale, Lou mostrou umas novas canções que estava compondo, entre elas "Heroin". Decidiram então montar um novo grupo. Lou lembrou-se de Sterling e convidou para trabalhar junto com os dois. Na bateria, foi chamado Angus MacLise, que fazia parte do grupo de LaMonte e tinha profundo conhecimento do submundo musical e cinéfilo da cidade. Sterling, que tinha estudado trumpete até os 13 anos, abandonou o instrumento e começou a aprender guitarra para poder entrar em uma banda. Morrison vivia em Long Island e adorava o som das rádios, especialmente o rock que o DJ Alan Freed, talvez o mais famoso e importante do rock, colocava no ar. Ele lembra que todo aquele som invadia o céu e que para um garoto da modesta Long Island, Nova York era bem mais distante que Oz.

"O que mais gostei em Lou é que nós dois não víamos o blues como uma religião e não queríamos ser um virtuose do instrumento e nem pretendíamos aprender cada riff de guitarra. Eu gostava, por exemplo, da guitarra de Chuck Berry, mas gostava muito mais de suas letras."

Com a formação fechada, a banda escolheu o nome de Warlocks, que depois foi alterado para Falling Spikes. O nome Velvet Undergound só foi adotado quando Tony trouxe um livro de sadomasoquismo de Michael Leigh. "Adoramos o nome, que soava legal e dava uma alusão ao cinema underground da cidade. E já tínhamos composta Venus in Furs, que caiu como uma luva no contexto. Não havia nenhuma conotação bizarra sexual no nome que escolhemos como as pessoas pensavam. Era apenas um exercício literário."

Durante todo o ano de 1965, o Velvet ensaiou sem parar no apartamento de John e fez suas primeiras apresentações no Cinematheque da Rua Lafayette, fazendo trilhas sonoras de filmes obscuros. Conrad começou a gravar os tapes dessas sessões, que sedimentou o som do Velvet. Em algumas delas, ouvia-se sons de carros e buzinas da rua passando embaixo da janela aberta. O tape já tinha canções como "Heroin", Venus in Furs", "All Tomorrow Parties" e "I'm Waiting for The Man". Nessas gravações ouvia-se apenas três integrantes do que seria o Velvet, Sterling, Lou e John. Tony apenas gravava, sem tocar nada.

"No início, tocávamos para nós mesmos, sem maiores compromissos. Começamos a achar então que talvez alguém se interessasse pelo nosso som. Durante uma viagem para a Inglaterra, John pegou uma fita (com "Heroin", "I'm Waiting for The Man" e "Wrap Your Trouble in Dreams") e começou a tentar mostrá-la, ainda que de forma amadora, até chegar em Marianne Faithfull, que era empresariada por Andrew Oldham, mesmo empresário de os Rolling Stones, lembra Sterling.

John ri quando lembra do encontro com Marianne: "Eu cheguei para ela e disse que estávamos querendo um contrato com uma gravadora e perguntei se Mick Jagger poderia nos ajudar. Ela me olhou quase rindo e disse que iria falar de nós para ele, fechando a porta na minha cara. Eu dei também uma cópia para alguns amigos meus da Goldsmith, na esperança que alguém pudesse nos ajudar. Mas a coisa mais importante que trouxe quando voltei para Nova York, foram os discos do Small Faces e do The Who, que já começavam a colocar barulhos em suas composições. Eu disse ao Lou que eles estavam tocando aquilo para nós, afinal era o que fazíamos."

Ainda na Inglaterra, apesar de pouca divulgação conseguida, o grupo chamou a atenção do diretor Antonioni, que filmaria no ano seguinte "Blow Up", um retrato da juventude londrina. Sua banda favorita para aparecer na película era do The Who, de Pete Townshend. Como não conseguiu chegar a um acordo financeiro com eles, acabou assinando com o Yardbirds. Mas mesmo antes de fechar com os Yardbirds, Antonioni gostou do som do VU e tentou um contato, mas fracassou devido às barreiras trabalhistas inglesas.

Ao voltar para Nova York, chamaram a atenção do crítico musical Al Aronowitz, que trabalhava para Bob Dylan, e na companhia do cantor norte-americano, acabou conhecendo os Beatles e os Stones. Ele se comprometeu a ajudar a banda, quando tiveram uma briga com Angus MacLise. "Angus achou que estávamos violentando nossa arte, ao comercializá-la. Ele nos dizia que éramos artistas e deveríamos ser apenas isso. Nós falávamos que estávamos morrendo, falidos, e que queríamos ajuda. Ele não aceitou nossos argumentos, pediu demissão e voltou para o submundo", fala Sterling Morrison.

Sem Angus, o grupo tinha que achar um novo baterista. Foi chamada então Maureen Tucker, uma apaixonada por Stones e Bo Diddley, além dos ritmos africanos. Seu kit de bateria era o mais simples possível. No dia 11 de novembro de 1965 fizeram o primeiro show, na Summit High School, arranjado por Aronowitz. Era um show de três bandas (além do Velvet, 40 Fingers e Myddle Class tocariam. O Velvet era a banda do meio) e executaram apenas três canções: "Heroin", "Venus in Furs" e "I'm Waiting for The Man". Depois dessa apresentação, o jornalista conseguiu em dezembro, um contrato para um show, no Café Bizarre, pagando cinco dólares para cada membro. Além das músicas próprias, o grupo complementava o set-list, com três covers: ("Brights Light, Big City", de Jimmy Reed, "Carol" e "Little Queenie, ambas de Chuck Berry) . O Velvet acabaria sendo criticado e banido em outros bares ao tocar uma nova composição, "Black Angel's Death Song". Lou até concorda que mereciam ser barrados: "Nossa idéia era de berrar as palavras junto com o som, sem nenhum significado. Além da letra pesada, John tocava a viola bem alto, que chocava com o som da minha guitarra e de Sterling. Era realmente muito agressivo."

O Velvet começou a mostrar então seu desprezo pelos clubes locais. Foram escalados para tocar em um bar na noite de véspera de Natal e odiaram a idéia. Para provocar o dono do local, tocaram "Black Angel's..". Ele ordenou que a banda parasse com aquele barulho, e por pura provocação, executaram de novo a canção. Foram demitidos na hora, mas conseguiram um fã, Andy Warhol, que estava na platéia e havia sido levado ao show por Gerard Malanga, um estudante que morava nos estúdios Factory de Andy e tinha visto o grupo tocar no Cinematheque. Warhol ficou impressionado com o que viu e ouviu, perguntou se poderia integrar a banda ao seu estúdio e começou a produzir o primeiro disco do grupo, em maio de 1966.

Mas Andy nunca havia produzido um disco antes e deixou que a banda se sentisse à vontade no estúdio para tocar enquanto gravava todas as sessões. Decidiu então colocar a banda como principal atração do seu projeto multimídia, "The Exploding Plastic Inevitable", que ficou conhecido pela sigla E.P.I. Enquanto a banda ensaiava, bolou a famosa capa, fazendo da banana um desenho fálico em rosa, tentando captar a essência das letras de Reed, que abusava da palavra sexo das mais estranhas maneiras.

O projeto incluía o que se chama Light Show, ou seja, projeções coloridas no fundo do palco enquanto alguma ação está realizada no palco. Esta é a primeira vez que um light show é levado em circuito. Mormente para ser usado durante uma apresentação de uma banda de rock. "The Exploding Plastic Inevitable" excursionou boa parte da América onde o grupo teve a oportunidade de ser vaiado em lugares variados como Texas, Novo México e em Los Angeles.

Warhol foi corajoso, se não imprudente, mas apesar de toda má critica em relação ao espetáculo apresentado, o jogo de luz (light show) acabou sendo a primeira coisa absorvida pelo sistema. Pink Floyd é uma banda que assumiu como obrigatório em todas as suas apresentações. Bill Graham, ao inaugurar o Fillmore East, contratou toda uma equipe chamado The Joshua Light Show, para oferecer light shows durante as apresentações de todas os grupos que lá tocaram.

Curiosamente, Warhol não foi quem inventou o conceito de jogos de luz. Isto foi bolado na década de 50 por dois beatniks em um hotel de Marrocos. A criação desta arte é de Brion Gysin e Ian Sommerville, e utilizaram primeiro em Paris com fitas gravadas e projeções enquanto poetas recitavam seus poemas.

Começou a haver uma interação entre a banda e Warhol. O grupo precisava de alguém como Andy para estruturar sua vida, arranjar shows, enquanto Andy tinha a banda só para ele e usando-a nos seus mais variados projetos, em várias trilhas sonoras (veja a lista no final do texto). De forma lenta, convenceu o Velvet a aceitar uma cantora húngara, de sotaque carregado, chamada Christa Paffgen, e conhecida como Nico. No seu currículo, havia uma ponta no filme "La Dolce Vita", do cineasta italiano Fellini, em 1960. Ela havia gravado um compacto lançado na Inglaterra em 1965, que tem em seu lado B uma música folk chamado "I'm Not Saying" com a particiapção de Brian Jones nas guitarras e Backing Vocals. O lado A teria a curiosa co-autoria de Olhdam-Page chamado "The Last Mile", sem Jones, porém com um um músico brilhante, que depois marcaria de forma definitiva o rock: nada menos que Jimmy Page na guitarra. Igualmente responsável pela produção do compacto, Page fazia parte do selo Immediate Records do empresário dos Stones, Andrew Oldham.


O próximo trabalho de Andy era fazer Lou Reed compor alguma música para a voz de Nico. Lou fez "Femme Fatale" e "I'll be Your Mirror". O primeiro atrito entre Lou e o pessoal da Factory foi com o diretor Paul Morrissey, um diretor cult que conseguiu relativa fama com um filme de temática homossexual chamado Flesh, estrelado por Joe Dallesandro. Paul achava que Nico deveria cantar todas as músicas. Lou não concordou. No final, além das duas canções escritas para ela, seria a voz principal de "All Tomorrow's Parties". Mas Nico começou a mostrar uma forte personalidade e várias vezes se recusava a cantar. Ao mesmo tempo, virou a estrela do "Exploding Plastic Inevitable", pela sua beleza.

"Nessa época criou-se um clima tenso entre nós, porque Lou queria tocar e Nico muitas vezes não queria fazer. Ela não estava nem aí para o que a banda achava. Os ânimos só foram acalmados quando Lou fez as duas canções para Nico, que ficou realmente comovida. Depois disso, os dois criaram um vínculo tão forte, que acabou ajudando muito", lembra Cale.

Tom Wilson foi contratado para produzir o disco, que havia assinado com a Verve, uma subsidiária da MGM. O disco estava pronto no final de 1966. O momento era o melhor possível: a tour E.P.I. começava a causar furor e o Velvet era a grande estrela. Quando pensavam que o disco finalmente seria lançado, aconteceu um imprevisto: a gravadora resolveu primeiro lançar um grupo chamado The Mothers of Invention, liderado por Frank Zappa, alegando que também era um tipo de som totalmente diferente do que se fazia na época.

As duas bandas eram realmente originais, mas com propostas e atitudes totalmente antagônicas: enquanto Zappa, que odiava a cultura hippie e a ideologia do flower power que considerava estúpida, infantil e impraticável na prática, além de desprezar as drogas, o Velvet abusava da substâncias químicas em alta escala, com letras muito mais agressivas, falando do submundo de Nova York.


Superado o problema, finalmente foi lançado o disco intitulado The Velvet Underground and Nico. A contra-capa do disco captura a banda tocando ao vivo, tendo atrás o filme Chelsea Girls projetado, que acabou causando um problema sério para a MGM. O principal ator do filme, Eric Emerson, fora preso por posse ilegal de ácido e processou a gravadora por uso indevido da imagem. Na verdade, precisava do dinheiro para pagar o processo. A gravadora chegou a um acordo com o ator, e em compensação, fez uma má distribuição do LP. Quando a primeira prensagem foi vendida, não foi feita outra imediatamente. Finalmente, quando o disco voltou a ser comercializado, foi totalmente ignorado, especialmente após o lançamento de Sgt. Pepper's dos Beatles.

Depois do fiasco, o grupo entrou em crise, já que voltara às suas origens, ou seja, ao total esquecimento. Não havia mais ninguém para discutir, polemizar, o Velvet simplesmente desaparecera do cenário. Como "vingança", entraram novamente em estúdio com a firme intenção de fazer um disco altamente barulhento, denso, cheio de feedbacks. Começava a nascer White Light/White Heat. Novos problemas começaram a surgir: Tom Wilson roubara o posto de produtor que era de Andy Warhol, que por sua vez, não sabia como lidar com a indústria fonográfica. Além de tudo, Warhol não esperava que o primeiro disco fosse tão ruim de venda. Insatisfeito, se afastou da banda. "Foi um choque para nós, porque Andy podia ter todos os defeitos, mas era um homem de palavra, e tinha garantido que nos ajudaria até o fim.", disse Reed. Andy argumentara que precisava fazer dinheiro para manter seus projetos, e que não conseguiria manter o grupo apenas com apresentações em galerias de arte. Além da derrocada de Andy, Nico começou a ficar incontrolável e pensava em abandonar o grupo e seguir para uma carreira solo. Ela lentamente havia preparado o terreno ao conhecer um jovem compositor chamado Jackson Browne, durante a E.P. I. e no mesmo ano, lançou seu primeiro disco, Chelsea Girl.

"Foi muita coisa para nós. Primeiro Andy, depois Nico. Nós ficamos totalmente perdidos. A gota final foi quando ela chegou atrasada para o show no Boston Tea Party, aparecendo apenas para cantar a última música e nós não deixamos. Não havia mais Velvet e Nico e não havia mais Andy", lembra Tucker.

Mesmo assim, o grupo gravou o segundo álbum. Mas as richas internas eram grandes e no álbum seguinte The Velvet Underground foi a vez de John Cale ser expulso por Lou Reed, por diferenças "ideológicas".

Depois disso, o grupo perdeu Lou enquanto gravava o quarto disco Loaded. O Velvet ainda existia quando Lou saiu, mas sem ele, John e Nico, obviamente não significava mais nada. Eles voltaram a se encontrar juntos, pela última vez, em alguns shows na França, em 72. Depois disso, cada um seguiu carrreira solo. John e Lou só voltariam a ser amigos em 1989, quando fizeram juntos um emocionante disco chamado Songs for Drella, em homenagem a Andy, que morrera anos antes. Drella era o apelido de Warhol, uma mistura de Drácula com Cinderela e que ele odiava. A banda ainda voltaria a se juntar, em 1993, fazendo uma turnê vitoriosa pelo mundo. Foi o último suspiro da banda, que gravou um disco ao vivo duplo e virou lenda, entrando anos depois no Rock and Roll of Fame, introduzidos por uma velha amiga: Patti Smith.

Só para ilustrar a parceria de Andy Warhol e o grupo, vale citar as trilhas sonoras em que a banda participou de filmes produzido por Andy.

Hedy (1965)

Direção: Andy Warhol
Filmmakers Co-op
Trilha Sonora: Velvet Underground

Andy Warhol fez vários filmes "alternativos" na segunda metade dos anos 60 sendo que os entre 65 e 66, geralmente continham música incidental com Velvet Underground improvisando livremente.

The Chelsea Girls (1966, drama, cor/p&b, 210 min.)

Direção: Andy Warhol
Roteiro: Ronald Tavel
Filmmakers Co-op
Elenco e Participações: Ondine, Brigid Polk, Mary Woronov, Nico, Eric
Emerson.
Trilha Sonora: Velvet Underground

Andy Warhol tenta nos apresentar um pouco da boêmia nova-iorquina dos anos 60. Esse filme é possivelmente o primeiro filme "underground" dos 60's a ser parcialmente aceito pelo "sistema". Ele chegou a ser um "hit" em New York, foi bem aceito em Los Angeles e San Francisco mas foi banido em Chicago e Boston.

The Velvet Underground & Nico (1966, documentário, p&b, 70 min.)

Direção e produção: Andy Warhol
Filmmakers Co-op
Elenco e Participações: Velvet Underground e Nico

Documentário da banda com sua formação original - Lou Reed, John Cale, Sterling Morrison e Maureen Tucker - mais a modelo/cantora Nico.

Four Stars (1967, drama, p&b, 1.500 min.)

Direção e produção: Andy Warhol
Filmmakers Co-op
Elenco e Participações: Viva, Ondine, Nico, Patrick Close, Brigid Polka, Taylor Mead, Edie Sedgwick, Alan Midgette, The Velvet Underground.

Extravagância de Warhol concluir um filme com duração de 25 horas. Ele mistura cenas dando um efeito psicodélico, marca dos tempos. Voyerismo com cenas de amor e de estupro, alem de situações homossexuais. Uma versão de "apenas" 120 minutos fora editado, porém muitos ainda assim poderão achar o filme um pouco tedioso ou ofensivo. Parte do que ficou de fora dessa edição se tornou o filme Lovers of Odine (1968).

Immitation of Christ (1967, documentário, p&b, 70 min.)

Direção e produção: Andy Warhol
Filmmakers Co-op
Elenco e Participações: Nico, Brigit Polka, Ondine, Taylor Mead.

Warhol teria se inspirado em textos medievais de "Thomas a Kempis". Rapaz procura refletir sobre seu lugar no mundo. Nico é a empregada. Este ultimo é o único não ter trilha sonora do VU, embora tenha participação de Nico.

Antes de finalizar a coluna, quero agradecer e muito a ajuda do honorável Creedance Kiddo, da formidável coluna Pé de Página, e que me deu vários toques no texto, além de corrigir algumas informações equivocadas ou imprecisas que me passaram despercebidas.

Vale citar uma curiosidade: Zappa e Velvet nunca foram chegados, pelo contrário, todo os integrantes do Velvet o odiavam. Mas os dois foram homenageados pelo então novo presidente checo, Vaclav Havel, por sua contribuição à música. Quando Zappa morreu de câncer, nem assim foi perdoado por Lou, que fuzilou: "Ainda bem que morreu. É um cretino a menos no mundo." Com essa pequena história, deixo o tema aberto aos leitores e com a letra de "Heroin". Um abraço!

Heroin

I don’t know just where I’m going
but I’m gonna try for the kingdom
if I can, because it makes me feel like I’m a man
When I put a spike into my vein
then I tell you things aren’t quite the same,
When I’m rushing on my run
and I feel just like Jesus’son
and I guess that I just don’t konw
and I guess that I just don’t know

I have made a big decision
that I’m gonna try to nullify my life
because when the blood begins to flow
When it shoots off the droppers neck
When I’m closing in on death,
and you can’t help and not your guys
or all you silly girls with your sweet talk
you can all go take a walk,
and I guess that I just don’t know
and I guess that I just don’t know

I wish that I was born a thousand years ago,
I wish that I’d sailed the darkened seas
on a great big clipper-ship,
going from this land here to that,
on a sailor’s suit and cap
away fom the big city
Where a man can not be free
of all the evils of this town
and of himself and those around,
and I guess that I just don’t know
and I guess that I just don’t know

Heroin, be death of me,
Heroin, it’s my wife and it’s my life
because a mainer to my vein
leads to a center in my head,
and then I’m better up and dead
because when the smack begins to flow
I really don’t care anymore
about all you Jim-Jims in the town
and all the politicians making greasy sounds
and everybody putting everybody else down
and the dead bodies piled up in sounds

Because when the smack begins to flow
then I really don’t care anymore
Oh, when the heroin is in my blood
and the blood is in my heard
and than thank God, tha I’m good as dead
and thank your God, that I’m not aware
and thank God, that I just don’t know
Oh, and I guess I just don’t know

Discografia

The Velvet Underground and Nico (1967)
White Light/White Heat (1968)
The Velvet Underground (1969)
Loaded (1970)
Live at Max's Kansas City (1972)
Squeeze (1973)
1969: Velvet Underground Live vol.1 (1974)
1969: Velvet Underground Live vol.2 (1974)
VU (1985)
Another View (1986)
The Best of The Velvet Underground (1989)
Live MCMXCIII (1993)
What Goes On (1993)
Peel Slowly and See (1995)
20th Century Masters - The Millennium Collection: The Best of the Velvet Underground (2000)
An Introduction to The Velvet Underground (2000)
Bootleg Series, Vol. 1: The Quine Tapes (2001)
Le Bataclan '72 - Lou Reed, John Cale & Nico (2003)
Gold (2005)


 

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