275 - Vzyadoq Moe
 

Irônico como as pessoas odeiam os anos 80. Nunca entendi o motivo. E o mais incrível é que a música daquela época é odiada e, ao mesmo tempo, lotas festas retrô em todos os cantos. E os anos 80 nos deram ótimas coisas. E também coisas esquisitas, que, de tão esquisitas, eram boas. É o caso do Vzyadoq Moe, um grupo sorocabano, que ousou misturar samba com minimalismo, dadaísmo e rock industrial e que virou a sensação no meio alternativo, entre 1987 e 1990. Em seu primeiro disco, O Ápice, lançado pela Wop-Bop, deixaram sua marca registrada: um rock "industrial" com letras influenciadas por Clarice Lispector, Augusto dos Anjos e impressionismo alemão.


Nos anos 80, o rock brasileiro começava a se atualizar com a música produzida no exterior, especialmente na Europa e Estados Unidos. Embora a importação de instrumentos e tecnologias fosse quase impossível, devidos aos impostos e burocracia, os emergentes artistas nacionais procuravam compensar a falta de estrutura com originalidade e muita vontade.

O Vzyadoq Moe foi mais exemplo de como o Brasil dos anos 80 era interessante e o que poderiam ter feito se tivessem tido a chance de trabalhar em condições ideais.

O grupo surgiu em 1986, na improvável cidade de Sorocaba, interior de São Paulo, a "Manchester paulista". O nome do grupo já mostrava o quão original era: as letras foram sortedas e no final saiu algo "vzyadoqmof". O grupo resolveu deixá-la mais palatável, criando o Vzyadoq Moe e era formado por meninos com idade entre 15 e 17 anos: Fausto Marthe (voz e letras); Marcelo Raymond (guitarra), Marcos Stefafeni "Peroba" (bateria e percussão), Edgard Degas (baixo) e Jacksan Moreira (guitarra).

O grupo foi percebido pela primeira vez na extinta seção da Revista BIZZ chamado "Porão" (bons tempos...). Veja o artigo assinado por Sônia Maia...

VZYADOQ MOE
Um nome impronunciável para um som impressionante.
(Revista Bizz – Novembro de 1986)


Quando a fita aterrissou aqui na redação, os primeiros ouvidos logo questionaram: O que é isso? De onde vêm: Quem são?” Isso era uma mistura inspirada no expressionismo alemão e na poesia dadaísta, usando latas como bateria e percussão, e um vocal antivocal, fora do ritmo. Eles vêm de Sorocaba, interior de São Paulo, e são os Vzyadoq Moe.

Nossos ouvidos não mentiram. Apesar de terem montado o grupo há apenas sete meses, esses garotos (15 a 17 anos) já têm seus caminhos muito bem definidos.
“Queremos chegar à Europa. Tem muita gente que acha que banda nacional não presta. Queremos mudar isso. Temos condições de arrebatar o cetro de Londres. Lá está tudo morto! As únicas coisas novas e que realmente prestam são Smiths e Jesus and Mary Chain.
E aqui? “Mercenárias, Akira S & As Garotas que Erraram, Cabine C, Chance e Fellini”, concordam.
Orlak acrescenta: “Mercenárias estão acima dos outros, mas o Vzyadoq está acima de tudo”, conclui Fausto.
O nome foi feito á base de sorteio de letras. No mais, minimalismo e preocupação de não parecer nada. “Virou até paranóia. Descartamos muitas músicas, porque achamos que pareciam com alguma coisa. Além disso, o que torna o som característico é o fato de todos os instrumentos estarem direcionados para idéia de banda, e não o contrário”, vão completando um após o outro.
Edgard (baixo), Fausto T. (vocal e letras), Orlak (guitarra), J. Calegari Jr. (guitarra) e Marcos (percussão) não estão sendo arrogantes. O Vzyadoq é diferente, é novo, é demente, é idéia pura. Que venha o vinil para que todos possam conferir.

Sônia Maia.

O som do Moe era derivativo, por vezes, de baluartes dos anos 70 e 80, como o Pere Ubu, Joy Division, PiL, e bandas industriais, como o alemão Einstürzende Neubauten. A bateria era formada por latas, pedaços de metal, chapas de zinco, e produziam um som hipnótico e perto do violento. As composições eram feitas de maneiras livres: "'Não existe lei. Às vezes o baixo faz a linha da guitarra, a guitarra marca o ritmo e a bateria define a melodia", falava Marcelo "Peroba", dono da garagem onde rolaram os primeiros ensaios.

O grupo impressionava ao vivo pela violência e carisma em cima do palco, além do som incomum por esses lados. Seduzido por isso, o selo independente Wop-Bop ofereceu-lhes um contrato para a produção de um LP próprio. O produtor escolhido era o jornalista José Augusto Lemos, músico independente do grupo Chance.

capa do disco O ÁpiceEm 1988 é lançado O Ápice, disco que chamou a atenção de críticos no Brasil e no exterior, embora a produção não tenha sido das mais primorosas, tecnicamente falando.

René Ferri, um dos sócios e dono da Wop-Bop, lembra dos problemas: "O disco do Vzyadoq Moe nos deu a idéia completa do que é editar um retumbante fracasso. A gravação se deu no velho e superadíssimo Estúdio Eldorado, sei lá por que motivo. Acho que os músicos não levaram muito a sério o trabalho. A banda devia ser um brinquedo para eles. O corte do disco na RCA saiu ruim e ninguém percebeu ou fez que não percebeu. Conseguimos vender menos de 300 cópias. Foi o disco que mais divulgamos e o que menos deu retorno. Um fracasso completo."

O disco chama a atenção pelas cantadas em português por Fausto, dono de uma poesia única: "ousaste na infância temer a doença / lançaste ao vento mil sortes remotas/ não estás na verdade em alma e transe / e o amor urge, não tarda ou recua."

Ainda assim, o disco mostrava ineditismo do material feito no Brasil e o grupo a se apresentar em vários palcos das regiões Sul e Sudeste.

capa do disco Sanguinho Novo - Arnaldo Baptista RevisitadoEm 1989 o grupo participa da coletânea Sanguinho Novo - Arnaldo Baptista Revisitado, coletânea lançada pela gravadora Eldorado, com novas bandas brasileiras interpretando clássicos dos ex-líder dos Mutantes.

O Moe participa com a faixa "Bomba H Sobre São Paulo". Nessa época, o guitarrista Jacksan deixa o grupo para acabar os estudos, entrando Fernandão Dias.

Em 1990, o grupo participa de nova coletânea, Enquanto Isso...?!, produzida por RH Jackson e Alex Antunes.

O disco trazia faixas das bandas 3 Hombres, Solano Star, Killing Chainsaw, Akt2 e Notícias Populares, além do próprio Moe, que contribui com "The Cabinet" (a primeira composição da banda cantada em inglês) e "Santa Brigida" e foi lançado pelo selo Manifesto, em outubro de 1990.

O grupo começa, porém, a se ressentir, de melhores condições técnicas e financeiras para trabalhar e o grupo precisa trabalhar em locais improvisados entre São Paulo e Sorocaba para produzirem mais.

Ainda em 1990, o grupo é convidado para tocar em Nova York, no Cat Club, pelo New Music Seminar, mas não podem aceitar o convite por falta de recursos financeiros. Frustrados, entram novamente no estúdio SoftSynch, com RH Jackson e saem de lá com cinco novas músicas.

Após uma parada em 1992, o grupo retorna no ano seguinte como um quarteto e um som mais pesado, próximo do speed metal e gravam mais duas músicas em um estúdio da capital paulista. Ainda nesse ano produzem o primeiro vídeo, “Rompantes de Fúria”. Mesmo assim, desanimam com as pouquíssimas oportunidades e o grupo termina.

Em 1999, sai um último disco da banda, Hard Macumba, de material inédito, além de algumas faixas tiradas de um showno Aeroanta em São Paulo, no ano de 1991.

Em 2001, a Gorila Groove relança, em CD, todo o catálogo da Wop-Bop. O disco O Ápice é editado e se esgota rapidamente, apesar de alguns problemas técnicos. A faixa seis "Não Há Morte" some misteriosamente, e entra em seu lugar, de forma repetida, a número três, "O Incerto". Infelizmente, nenhum dos discos da banda se encontra mais em catálogo.

Deixo vocês com a discografia do grupo. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

O Ápice (1988)
Sanguinho Novo (1989)
Enquanto Isso...?! (1990)
Hard Macumba (1999)

 

 


 

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