Um dos mais renomados,
vanguardistas e geniais compositores brasileiros da década
de 70, Walter Franco é um dos nomes mais importantes da
música brasileira e um dos primeiros a fazer música
concreta no país. Contestador, deixou quatro grandes discos
nos anos 70, antes de entrar em uma reclusão e ser recuperado
no ano 2000, com um documentário e no ano seguinte, com
um novo disco. Desde então, Walter tem se apresentado e
mostrado seu talento pelo país. Um enorme talento que merece
uma homenagem humilde, mas sempre reverente.
Poucas
pessoas sabem quem é Walter Franco, algo bem normal em
um país que desconhece os artistas com mais de 10 anos
de carreira ou quem busca um caminho totalmente pessoal e não
se prende às armadilhas da indústria musical.
Mas, esse paulista nascido
em 6 de janeiro de 1945, em São Paulo, foi um dos principais
expoentes da música brasileira dos anos 70, ao lado de
Jards Macalé, Itamar Assumpção, e por que
não, Arnaldo Baptista.
Desde jovem, Walter mostrou
tendências artísticas e por isso resolveu estudar
teatro, onde compunha trilhas para algumas peças, além
de se apresentar em festivais na virada dos anos 60 para os 70.
Conseguiu alguma projeção quando Geraldo Vandré
defendeu sua canção "Não se Queima um
Sonho", entre outras.
Porém,
seu primeiro momento solo aconteceu em 1972, no Festival Internacional
da Canção, da Rede Globo, quando tocou "Cabeça".
A confusão começou quando o júri formado
por Nara Leão, Roberto Freire, Rogério Duprat, Júlio
Medaglia e Décio Pignatari, resolveu premiar aquela música
estranha, experimental, com poesia cortada, com o primeiro lugar,
apesar das vaias da platéia.
Se a platéia odiou,
o que dirá a conservadora emissora, nos anos de chumbo
da ditadura. O resultado é que o júri foi demitido.
Mas, o momento de tensão ficou ainda maior, quando Roberto
Freire foi ao palco e denunciou toda a armação,
junto com o grupo Pholhas. Acabou sendo preso por isso.
Walter já tinha
chamado atenção suficiente para conseguir um contrato
e em 1972 assinou com a Continental. O produtor escolhido para
a empreitada seria o radialista Walter Silva, o Pica-Pau, mas
ele resolveu chamar o amigo Rogério Duprat, para a missão,
por não entender muito as idéias de seu xará.
Com
total liberdade no estúdio, o apoio de Duprat, e a melhor
tecnologia disponível na época, Walter estréia
com o clássico disco Ou Não (também
conhecido como Disco da Mosca ou Disco
Branco). A capa trazia apenas uma mosca ao centro de
um capa branca e apenas o título na contra-capa.
Ou Não
foi um lançamento revolucionário. Walter utilizava
técnicas incomuns, como a poesia concreta, repetições
de fragmentos de letras e arranjos extremamente elaborados. Não
são poucos os que consideram como a melhor estréia
de um artista brasileiro.
No ano seguinte, Walter
saiu com o show "A Sagrada Desordem do Espírito"
onde se apresentava sozinho, com um violão e em posição
de lótus. Seu único companheiro era a mesa de mixagem
comandada por Peninha Schmidt e que era usada como uma orquestra,
dando liberdade para Walter criar em cima do palco.
Em
1975, Walter participa do Festival Abertura, com a música
"Muito Tudo", ao lado de amigos, como Jards Macalé.
A música é
uma homenagem a alguns ídolos, casos de João Gilberto
e John Lennon. Os arranjos ficaram com o maestro Júlio
Medaglia. E, para variar, Walter foi duramente vaiado pela platéia,
apesar do terceiro lugar obtido.
Walter conseguiu mais uma
polêmica quando ele, o flautista Tony Osanah e Medaglia
subiram ao palco para apresentar a canção. Sob vaias
intensas, e sem ter como se apresentarem, os três começaram
a jogar um estranho jogo de dados, até que Medaglia rasgou
a partitura e a atirou no público.
Mas
nada disso seria páreo para o novo trabalho de Walter.
Gravado em outubro de 1975 e lançado no ano seguinte, Revolver
mostrava um Walter totalmente diferente. Antes de mais nada, o
nome do disco é tirado do verbo "revolver" e
não uma tradução do disco dos Beatles lançado
em 1966 (até porque em português seria Revólver).
Contudo, há uma
enorme influência de John Lennon na obra. Primeiro, porque
Walter se veste de terno branco, como Lennon na capa de Abbey
Road e em diagonal. Segundo, porque a sonoridade está
mais perto do rock, com guitarras, e principalmente da sonoridade
do ex-Beatle com sua Plastic Ono Band.
O álbum é
uma pérola do começo ao fim, abrindo com "Feito
Gente", um rock enérgico, conciso e com versos maravilhosos:
"feito gente / feito fase / eu te amei / como pude / fui
inteiro / fui metade / eu te amei / como pude... fui a vela /
fui o vento / eu te amei / como pude / a partida / fui a volta...".
Outros momentos inesquecíveis são a vinheta de sete
segundos "Apesar de tudo é muito leve", a linda
"Cachorro Babucho". Um dos discos mais importantes da
nossa música, seja rock ou MPB, com Walter mostrando-se
mais inspirado do que nunca e buscando novos horizontes.
Walter
só voltaria a lançar um novo disco em 1978. O resultado
seria outra obra-prima: Respire Fundo, que levou
oito meses de gestação e mais de 200 músicos
envolvidos.
O disco traz grandes clássicos,
casos da faixa-título e de "Coração
Tranqüilo", com o belíssimo verso "Tudo
é uma questão de manter / a mente quieta / a espinha
ereta / e o coração tranqüilo", explicitando
a influência da filosofia oriental em sua vida e obra.
No
ano seguinte, Walter lança outra obra fundamental, Vela
Aberta. O disco trazia a controversa canção
"Canalha", que rendeu a ele, novamente, vaias quando
foi defendida no Festival da Tupy. Berrada, gritada, Walter recebeu
enormes vaias e defendeu sua obra, dizendo que não estava
chamando ninguém de canalha e apenas falando de uma dor
canalha, que é a dor da existência de todo ser humano.
Outro grande momento é
a faixa título, composta com seu pai, Cid Franco, que escreveu
a letra.
Em
1981, ele ainda participou do festival, MPB-Shell, com a música
"Serra do Luar", grande sucesso posteriormente na voz
de Leila Pinheiro. No ano seguinte, lança um último
disco antes da reclusão, apenas com seu nome, pela pequena
gravadora Lança.
Após o disco, Walter
desapareceu da mídia, fazendo poucos e esparsos shows.
Sua voz só foi ouvida novamente, quando em 2000, foi realizado
o documentário Walter Franco Muito Tudo,
de 25 minutos e rodado em 16 mm, e com depoimentos do poeta Augusto
de Campos (um de seus grandes fãs e amigo), que traduziu
o poema "Um Lance de Dados", de Mallarmè, além
de entrevistas com Rogério Duprat, Júlio Medaglia,
Jorge Mautner, Nelson Jacobina, Jards Macalé, Lívio
Tragtenberg, Leila Pinheiro e Itamar Assumpção.
Em
2001, Walter voltou aos estúdios e lançou Tutano,
seu último disco pela pequena yesbrazil? e posteriormente
pela Trama e com participações especiais, como a
de Arnaldo Antunes.
Ele ainda continua dando
seus shows, sendo reverenciado pelos novos músicos e por
gente que não o conhecia, mas que acabaram virando novos
fãs.
Em 2001, os dois primeiros
discos dele foram relançados na série "Clássicos
da MPB - Série Dois Momentos", com a edição
produzida pelo baterista dos Titãs, Charles Gavin.
Deixo
a letra de "Revolver" e a discografia completa.
Um abraço e até
a próxima coluna.
Lembrar de esquecer
esquecer de lembrar
cansar de dormir
dormir descansar
sorrir de doer
doer de sangrar
sangrar de morrer
morrer de lembrar
lembrar de esquecer
esquecer de lembrar
cansar de dormir
dormir descansar...
Discografia
Ou Não (1973)
Revolver (1975)
Respire Fundo (1978)
Vela Aberta (1979)
Walter Franco (1982)
Tutano (2001)
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