Uma banda obscura
(depois de um disco tão grandioso como o de John Coltrane),
porém talentosa. Nascido no meio da década de 80,
o Wire Train foi uma daquelas bandas que perseguiu o pop perfeito,
lendo cartilha de Beatles e outros artistas dos anos 60. Se você
viveu e consumiu vinis na década de 80, talvez se lembre
de uma série da antiga CBS intitulada New Rock Collection.
Entre um disco do Clash, o primeiro do Lone Justice,e o terceiro
do R.E.M., saiu Between Two Words. Eu cheguei a ouvir o disco,
mas não comprei. Anos depois, quando balconista da saudosa
Sweet Jane, encomendei o disco para o Carlos e veio um daqueles
2 em 1, trazendo o primeiro, ... in a chamber, e esse citado.
Bem, desde então acabou sendo um bom companheiro e qual
não foi a minha surpresa ao encontrar um site bacana do
grupo. Aí um neurônio cutucou o outro e perguntou:
por que não? "É, por que não?",
pensei. Aí está então...
O
Wire Train nasceu através de uma talentosa dupla de compositores,
Kevin Hunter e Kurt Herr. Hunter foi um menino de sorte e deixou
a América para estudar na França, Itália
e Espanha. Desde cedo, Kevin era chegado em poesia e literatura,
e teve dois contos publicados aos dezesseis anos. Ao voltar para
seu país, foi estudar poesia em San Francisco e deu de
cara com Kurt Herr. Logo na primeira conversa, fulminou o futuro
parceiro com duas perguntas? “você toca algo?”
“gostaria de formar um grupo?”. Kurt apenas disse
não para as duas perguntas.
Kurt ainda não havia
tido contato algum com uma guitarra e Hunter só sabia que
queria escrever. Depois de muita saliva gasta, Kevin convenceu
Kurt, e juntos, ficaram seis meses tentando aprender a tocar.
Enquanto aprendiam a tocar conheceram dois outros jovens, o sueco
Anders Rundblad, baixista e um argentino chamado Federico Gil-Sola,
que tocava bateria. Resolveram formar um grupo, The Renegades,
e iniciaram um sério processo de composição
e gravação de uma demo.
“Na época
dos Renegades, tínhamos um ritmo duro de trabalho, tocando
de madrugada, já que estudávamos e tínhamos
que nos manter. Ensaiávamos de uma até às
três da madrugada e quase não víamos ninguém.
Estávamos apenas focado em nossas músicas.”
Em junho de 1983, conseguiram
um contrato com o selo 415 Records e o grupo mudou o nome para
Wire Train, palavra usada em uma das primeiras composições
deles. Imediatamente correram para um estúdio chamado Automatt,
em San Francisco e ali nasceu ... in a chamber.
O
disco foi gravado em 17 dias e custou US$ 22 mil para ser feito.
Mas o resultado foi compensador: contendo melodias etereais, guitarras
faiscantes e todos os truques que os Beatles ensinaram às
várias gerações que os sucederam.
“Chamber Of Hellos”
é a grande canção do disco e tornou-se um
pequeno hit na América. O disco chegou a figurar em algumas
listas do ano e Bono o considerou seu disco favorito de 1984.
O disco deu uma grande
credibilidade à banda e fez bonito nas college radios,
onde foi tocado por vários meses. Com isso, a banda saiu
em excursão pelos clubes de toda a América, chegando
a abrir para o grupo Big Country, em sua turnê “The
Crossing Tour”. Mas logo finalizaram os shows, Gil-Sola
resolveu sair fora e foi substituído por Brian Macleod.
Apesar do sucesso, Kevin
não acha que o grupo tinha alguma similaridade com os grupos
californianos, como Long Ryders e Green On Red.
"Wire Train é
totalmente diferente das bandas da Califórnia. Se o objetivo
é criar boa música – com sensibilidade, inteligência
e um pouco de diversão – a coisa que mais nós
tínhamos em mente era o pop dos anos 60. O que fazemos
(e as outras bandas californianas ignoram) é trabalhar
o ponto em que você sente essa clima dos anos 60, mas não
precisa ficar imerso em todo aquele rótulo da época”,
explicou Kevin.
Tendo
o disco distribuído pela CBS (hoje Sony), o Wire Train
começou a ficar mais famoso, embora Kevin Hunter dissesse
que as músicas não fossem tão simples: “não
somos músicos muito bons, mas ela não flui de uma
maneira tão óbvia. Isso frustrou alguns, que pensavam
em nós como um grupo descartável. Nós fazemos
um som mais sutil, mais triste.”
Kevin descreve o seu método
de composição como algo muito delicado, como se
colocasse novas texturas em um sonho.
No ano seguinte, o grupo
voou para Viena, por dois motivos: por ser a casa do produtor
Peter Maunus, produtor do novo disco e pela similaridade emocional
com San Francisco. Kevin lembra bem dessas gravações:
“Viena é uma cidade muito quieta, com apenas um clube
noturno e você não ouve um som nas ruas de noite.
O único barulho audível lá era quando ensaiávamos.
As pessoas podiam nos ouvir por vários quarteirões!
Nós também tocamos em alguns lugares e as pessoas
se mostraram educadas e quietas, mas quando já estávamos
na metade de nossa apresentação, alguns começaram
a ter uma atitude meio esquizofrênica, com as pessoas socando
o ar com os punhos, berrando e pulando. Foi algo fantástico
de se ver.”
As
sessões foram muito produtivas e escreveram 30 músicas,
mas apenas 10 foram aproveitadas no disco Between Two
Words, que foi lançado aqui em 1986, na tal série
da CBS, mencionada logo no começo. Mas o disco (que saiu
originalmente em 1985) marcou a saída de Kurt Herr, que
queria seguir uma carreira solo.
O álbum contém
uma cover para um clássico de Bob Dylan, "With God
on Our Side", que no disco saiu com o título de "God
on Our Side". Dylan foi uma das maiores influências
de Kevin Hunter.
Com uma turnê já
agendada, tiveram que contratar o guitarrista dos Replacements,
Jeffrey Trott, que teve apenas duas semanas para aprender todo
o repertório do grupo. Primeiro abriram para os australianos
do INXS na Califórnia e depois seguiram por conta própria.
Durante a turnê o
grupo começou a se chocar com a CBS. Tudo por causa de
um vídeo para a canção “Last Perfect
Thing”, que seria a música de trabalho. “A
gravadora veio com uma idéia de chamar Steve Price, que
havia feito uns vídeos para o Sisters Of Mercy, para gravar
um filme para “Last Perfect Thing”. Eles estavam dispostos
a gastar US$ 30 mil com isso e eu achei um absurdo. Por que gastar
se não iríamos aparecer na MTV? Ninguém consegue
ter um vídeo em alta rotação, a não
ser que seja um artista como Phil Collins. Todos os 20 vídeos
mais vistos são de bandas que já alcançaram
a marca de discos de platina antes de chegarem à MTV. Você
sabe o que esse dinheiro compra? No máximo cinco segundos
de um vídeo do Phil Collins ou três em um de Michael
Jackson. Uma banda hoje gasta quase o dobro só gravando
uma demo. Eu não quero que fiquemos marcados por isso.
Se não é para ser veiculado, não quero contrair
uma dívida”, resumiu Kevin.
Em 1986, o Wire Train fez vários shows pela Europa, abrindo
para os grupos The Alarm, Bangles e Waterboys. Jeffrey quase entrou
para o grupo de Mike Scott, mas preferiu permanecer no Wire Train,
para alívio de todos.
O grupo resolveu que era
hora de escreverem novas canções para um novo disco,
que seria gravado no segundo semestre de 1986. Em 1987 é
lançado Ten Women, que contou com as participações
do próprio waterboy Mike Sott e de Dave Sharpe
(Alarm).
O
grupo voltou a excursionar pela Europa, abrindo para o The Alarm
novamente e quando voltaram para San Francisco, sumiram do mapa.
A causa era simples: o selo 415 Records havia sido vendido e quando
a banda ligou para o escritório da companhia, foram surpreendidos
com a notícia e conversando com pessoas estranhas. Eles
resolveram mudar para uma grande gravadora e os novos donos da
451 disseram que precisariam fazer tudo de forma legal.
“Quando advogados
são envolvidos tudo se complica e eles não têm
nenhum interesse em resolverem rapidamente”, afirmou Anders
Rundblad.
O resultado disso é
que por dois anos ninguém ouviu falar deles, até
que em 1990 voltaram com um álbum chamado apenas de Wire
Train e por uma nova companhia, a MCA.
Os dois anos serviram para
que os músicos se virassem como podiam. Jeff acabou tocando
com Karl Wallinger no grupo World Party e participou do excepcional
disco Goodbye Jumbo (comentado nesse espaço,
dê uma caçada), enquanto Brian tocou com Madonna
e Michael Jackson. Wire Train acabou sendo um
disco totalmente estranho, com uma influência maior de Jeff
e composições mais bucólicas, folks. E ninguém
mais prestou atenção no grupo, apesar da MTV tocar
algumas vezes o single “Should She Cry?”.
A solução
foi cair na estrada e abrindo para um dos ídolos de Kevin:
Bob Dylan. A banda começou a notar que Bob Dylan era um
cara totalmente excêntrico. “Em alguns dias, com a
temperatura passando dos 40 graus e Dylan subia com dois casacos
e um chapéu de veludo. Ele é muito estranho”,
diria Kevin.
Um
novo disco só sairia em 1992: No Soul No Strain,
era um jogo de palavras com a foto da capa e com as palavras “Nose
Hole, Nose Train”. E, apesar de terem agora um grande apoio
da MCA, o disco foi um fracasso. O grupo abraçou o estilo
“MOR” (More Oriented Rock), fazendo músicas
mais comerciais, arriscando até um funk desavergonhado
no single “Stone Me”. O grupo participou do Reading
Festival, na Inglaterra, onde fizeram um bom show e foram elogiados
pelo semanários ingleses.
Mas o final era eminente
e o grupo resolveu se dissolver em 1993. A banda só voltou
a ser notícia quando um pequeno selo americano chamado
Oglio, resolveu lançar os dois primeiros discos da banda
em único CD (a versão que possuo), com pouca informação.
E,
para não deixar de faturarem algum, a Columbia (que era
o braço da CBS e agora da Sony) resolveu soltar a coletânea
Last Perfect Thing - A Retrospective, com várias
faixas raras, incluindo uma inédita, “I Will Wait
For You”.
Após esses lançamentos,
pouco ou nada é comentado sobre o grupo ou os integrantes.
Há algumas boas informações no site Wire
Train, que resume a vida de todos.
Deixo vocês com duas
letras do primeiro disco: o clássico “Chamber Of
Hellos” e de “Like”, minha favorita. Um abraço
e até a próxima coluna.
Chamber of Hellos
Someone's masquerading
in the galleries today
Beside the arch it is always following me
It seems
Confusion dance and echoes ringing loud
So clear
Vaging on these loops are filled with
Empty dreams
In a chamber of
hellos
In a chamber of hellos
In a chamber of hellos
In a chamber of
Such familiar feelings
Come and go
Betraying
Such familiar prayers said to the way
And gone
Someone's masquerading in the galleries
Leave no one
Making all these moves when no one really
Hears hallo
In a chamber of
hellos
In a chamber of hellos
In a chamber of hellos
In a chamber of
Hello hello hello
In a chamber of
In a chamber of
In a chamber of
hellos
In a chamber of
Hello hello
Hello hello
Hello hello
Hello hello
Hello
Like
Like a walk down
through the misty changes
And I run a run away
I never thought I'd change like this
In terms of I as I turn
Turn
Turn
Turn
Like I said you're
standing by my side
By my side I could
Could not see
High up up
On the edge I'm standing in my dreams
Like I heard your
friends call you away
Call you away from here
Outta place
I too run back to me
Run to me
To me back
Run around
Round
Round
Turn me around
Discografia
... in a chamber (1984)
Between Two Words (1985)
Ten Women (1987)
Wire Train (1990)
No Soul No Strain (1992)
... in a chamber / Between Two Words (relançamento 2 em
1, 1995)
Last Perfect Thing: A Restrospective (1996)
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