Para quem se
acostumou e cresceu com aquelas musiquinhas de Natal tolas e que
"passaram de uma geração para outra",
o ano de 1984 foi inesquecível. Afinal, vários artistas
britânicos se juntaram para lançar uma canção
chamada "Do They Know it's Christmas?" por uma causa
nobre: angariar dinheiro para ajudar a Etiópia!
Com um elenco de
estrelas da época, tornou-se o single mais vendido da história
na Inglaterra, até 1997 - quando foi superado pela regravação
de "Candle in the Wind", que Elton John quando da morte
da Princesa Diana.
O single fez tanto
sucesso que acabou virando um concerto tributo batizado de Live
Aid - essa história já foi contada algumas vezes
aqui, nesse site. Mas, como hoje é 24 de dezembro, porque
não contar a história de como surgiu esse clássico
roqueiro e natalino?
Sou
o dono das duas piores canções da história:
'"Do They Know It's Christmas" e "We Are the World"
(resposta americana ao projeto inglês, que "apresentou"
ao Brasil, Bruce Springsteen).
Palavras duras de Sir Robert
Frederick Zenon Geldof, um irlandês nascido há 60
anos, em Dún Laoghaire, County Dublin, Irlanda e que fez
fama e dinheiro com a primeira canção.
Geldof (com a camisa "Feed
the World") e Midge Ure (o risonho ao lado) compuseram a
música recordista em venda por 13 anos e que alegrou o
Natal de vários adolescentes (como eu), com mais de 3,5
milhões de cópias, apenas no Reino Unido e um projeto
que arrecadou mais de 100 milhões de libras para os etíopes
e que quase o transformou no primeiro roqueiro a ganhar um Nobel
da Paz.
Será que foi
tão ruim assim, Sir Bob?
A história da canção
começou em outubro de 1984. Bob havia assistido um especial
da BBC sobre os famintos na Etiópia e quis fazer algo.
Alarmado, quis ajudar de alguma forma e contatou o amigo Midge
Ure. Nascido James Ure, o escocês de Cambuslang, Lanarkshire,
Escócia, era líder do Ultravox.
Em poucos dias escreveram
a canção e Geldof agendou uma entrevista no programa
de rádio de Richard Skinner. Ao invés de falar da
canção, Geldof malandramente disse que gostaria
de fazer uma canção para ajudar os etíopes
tendo a colaboração de vários músicos
para a empreitada. A notícia voou por todo o Reino Unido.
A lista de participantes
é impressionante: David Bowie, Phil Collins, Paul MacCartney,
Sting; Adam Clayton e Bono (U2); Bob Geldof, Pete Briquette, Johnny
Fingers e Simon Crowe (The Boomtown Rats); Steve Norman (Spandau
Ballet); Midge Ure e Chris Cross (Ultravox); Simon Le Bon, Roger
Taylor, Nick Rhodes e John Taylor (Duran Duran); Paul Young; Tony
Hadley, John Keeble, Martin Kemp e Gary Kemp (Spandau Ballet);
Glenn Gregory (Heaven 17); Marilyn; Keren Woodward, Sara Dallin
e Siobhan Fahey (Bananarama); Jody Watley (Shalamar), Paul Weller
(The Style Council); James "J.T." Taylor, Robert 'Kool'
Bell e Dennis J. T. Thomas (Kool & the Gang); George Michael
(Wham!); Martyn Ware (Heaven 17); Francis Rossi e Rick Parfitt
(Status Quo); Boy George e Jon Moss (Culture Club); Holly Johnson
(Frankie Goes to Hollywood); Stuart Adamson, Bruce Watson, Tony
Butler e Mark Brzezicki (Big Country).
Esse
supergrupo foi batizado de Band Aid por Geldof e entraram nos
estúdios Sam West, em Notting Hill, em Londres, no dia
25 de novembro.
Quatro dias depois estava
pronta a canção que varreria a parada britânica.
Segundo Midge, "Bob
estava vendo um programa que sua esposa (Paul Yates) apresentava
na BBC e me ligou para fazermos algo."
Segundo Bob, após
o primeiro contato "Midge enviou uma fita com uma melodia
feita num teclado Casio e já era a canção
quase pronta. A maior parte da letra foi escrita por mim."
Após fazerem uma
demo, Geldof escreveu a maioria das letras. No dia 25 de novembro,
os músicos chegaram ao estúdio para gravarem suas
participações.
Um
dos primeiros a chegar foi Phil Collins com um kit de bateria.
A voz principal ficaria
a cargo de Paul Young, famoso pela canção "Everytime
You Go Away", que ficaria em primeiro lugar, nos EUA, em
1985. Seguiriam-se as vozes de Boy George (que não iria
participar e só gravou às 6 horas da tarde), George
Michael, Simon Le Bon, Tony Hadley (Spandau Ballet), Sting e Bono.
Além deles, aparecem na tela Paul Weller.
Inicialmente a produção
ficaria com Trevor Horn, mas na impossibilidade de contar com
ele, coube a Midge Ure assumir a função.
Outros cantores não
puderam comparecer à sessão, mas gravaram mensagens
que entraram na versão remix da canção no
single de 12 polegadas, como é o caso de David Bowie.
Ure
teve que lidar com vários problemas, entre eles alguns
de ego, como era o caso de Boy George, que gravou sua parte imediatamente
antes de George Michael, de quem não gostava.
Trabalhando como maluco,
conseguiu completar a canção no mesmo dia, sendo
editada quatro dias depois.
Do They Know It's
Christmas? entrou direto no primeiro lugar daparada inglesa,
arrecadando milhões e dando a Geldof uma fama muito maior
do que com seu ex-grupo, Boomtown Rats.
O compacto de 7 polegadas
trazi,a no lado B, um remix da canção e "Feed
the World". O disco de 12 polegadas trazia uma versão
remix da canção (a que inclui a mensagem de Bowie),
diferente da original (que foi limada nesse compacto) e no lado
B, de "One Year On (Feed the World)".
Após o sucesso nas
paradas, os integrantes do projeto foram convidados para fazerem
o programa de televisão, Top of the Pops, uma espécie
de Globo de Ouro (exinto programa da Rede Globo que acontecia
às sextas-feiras), na semana do Natal.
Além de todos fazerem
mímica o mais bizarro foi ver Paul Weller (que odiava as
armações desse tipo) "dublar" Bono, já
que o cantor do U2 não foi convidado, pois a banda ainda
era semi-desconhecida, na Inglaterra!
Ironicamente,
seis meses depois, o U2 se tornaria um dos destaques do Live Aid,
show organizado por Geldof, e a banda se tornaria uma das maiores
do planeta nos próximos dois anos.
Na semana do lançamento
do single, o cantor Jim Diamond, dono do compacto mais vendido
na Inglaterra, com "I Should Have Known Better", pediu
que seus fãs parecem de comprar seu compacto e adquirissem
o do Band Aid, em um gesto altruísta.
"Estou felicíssimo
em ser o número 1, mas nessa semana não quero que
comprem meu disco e sim o do Band Aid."
A empreitada acabaria gerando
a "resposta americana "We Are the World". A do
Band Aid, no entanto, virou um hino de Natal, tanto que no ano
seguinte, na mesma época, chegou ao terceiro posto na parada
britânica.
Bob Geldof pode até
odiá-la hoje, embora tenha dado fama e dinheiro a ele.
Não importa. O que importa é que os jovens daquela
época, tiveram outra canção para cantar na
noite de Natal.
Me lembro com tristeza
um dia em que ela tocou numa casa onde eu passava a data e a dona,
entediada, trocou de estação por um pagode, para
minha tristeza.
Cada tem a trilha-sonora
natalina que merece. O meu, no entanto, é o mesmo desde
1984.
Ah, sim, ia me esquecendo:
ela ganhou duas versões modernas: uma, ainda na década
de 90, e outra uns dois anos atrás. Mas quem se lembra
delas? Fiquem com a original.
Bom Natal a todos e até
a próxima coluna!
|