Em 1976, Bob Dylan
mostrava-se incansável. Em menos de dois anos lançava
seu quinto disco e trazia uma das canções mais polêmicas
e longas de todo seu catálogo: "Hurricane". A
música conta a história de um boxeador negro, Rubin
Carter, conhecido como "Hurricane" (Furacão)
e que foi preso injustamente. A canção abria o novo
disco do maior compositor do rock, Desire, e lhe rendeu um belo
processo por parte de algumas pessoas citadas na letra. Ainda
assim, Bob Dylan não parou e lutou pela causa de Rubin
por muitos anos. E ainda produziu um belo disco.
Tiros
de revólver ressoam na noite dentro do bar
entra Patty Valentine vinda do salão superior
ela vê o garçon numa poça de sangue
solta um grito "Meu Deus, mataram todos eles!"
aí vem a história
do Furacão
o homem que as autoridades acabaram culpando
por algo que ele nunca fez
colocando-o numa cela
de prisão, mas houve um tempo
em que podia ter sido o campeão mundial
(Hurricane)
Provavelmente você
já deve ter ouvido falar da história de Rubin "Hurricane"
Carter, um boxeador que foi preso, em 1966, injustamente acusado
de um crime que não cometeu.
Rubin
ficou famoso ao ser brilhantemente interpretado por Denzel Washington
no filme Hurricane (O Furacão,
no Brasil) quando foi indicado ao Oscar de melhor ator, em 2000,
além de vencer o Globo de Ouro no mesmo ano, na mesma categoria.
O filme do diretor Norman
Jewison fez um grande sucesso e contou um pouco do drama desse
boxeador negro, que ficou preso até 1985, cumprindo 19
anos de uma sentença absurda, impedindo, entre outras coisas,
de disputar o título mundial dos meio-pesados.
Mas um dos primeiros e
mais importantes ativistas pela causa de Rubin Carter era Bob
Dylan. Aos 34 anos, atravessava um de seus melhores momentos.
Após
uma série de discos excepcionais - Before the Flood,
Blood on the Tracks e The Basement Tapes
- o menestrel varria a América com a excursão Rolling
Thunder Revue, acompanhando de Joan Baez, Roger McGuinn,
Ramblin' Jack Elliott, Kinky Friedman, Bob Neuwirth e até
de Mick Ronson, ex-guitarrista de David Bowie.
Dylan havia acabado de
gravar Desire e começou os ensaios para
a turnê com Rob Stoner (baixo), Howie Wyeth (bateria) e
Scarlet Rivera (violinista), que tinham participado das gravações.
Aos três, foram adicionados
T-Bone Burnett, Steven Soles e David Mansfield.
Dylan também teve
a idéia de fazer uma excursão intinerante por toda
a América, convidando músicos para participarem
dos shows.
Uma
dessas convidadas foi Patti Smith, que havia lançado Horses.
Mas Patti recusou o convite,
talvez por se sentir intimidada por subir ao palco com um de seus
grandes ídolos, problema enfrentado por dois velhos amigos
de Dylan, Roger McGuinn (dos Byrds) e Joan Baez.
A excursão durou
quase sete meses, tendo início no dia 30 de outubro de
1975 e terminando no dia 25 de maio de 1976. Foram 57 shows, no
total. Boa parte da história e das músicas está
presente no álbum The Bootleg Series Vol. 5: Bob
Dylan Live 1975, The Rolling Thunder Revue.
Enquanto
a turnê corria solta, é editada no dia 5 de janeiro
de 1976 (exatamente há 33 anos atrás e isso
foi apenas uma coincidência desse escriba, que ficou surpreso
ao descobrir a data exata, 5 de janeiro), é lançado
um dos mais importantes discos de Dylan daquela década:
Desire.
Não são poucos
os que consideram os álbuns lançados por Dylan,
nos anos 70, superiores aos que editou na década anterior.
Mais maduro e ciente da
sua importância, Dylan mostrava novas facetas ao público,
além de não ser mais aquele jovem arrogante e crítico
nas entrevistas coletivas.
Não há a
menor dúvida que a canção mais importante
do disco seja mesmo "Hurricane". Dylan conta que prestou
atenção na vida de Rubin Carter após este
lhe mandar uma cópia de sua auto-biografia que escrevera
na prisão, The Sixteenth Round: "ao
ler o livro de Rubin, percebi que éramos irmãos,
espiritualmente falando. Ele é um homem brilhante e um
dos mais honestos e profundos que conheci. É um cidadão
perfeito e eu o amo como a um irmão. Não foi justo
que aconteceu com ele e precisa ser solto."
A
causa de Carter havia gerado a The Hurricane Trust Found,
e Dylan, mesmo não sendo uma das celebridades que a ajudavam,
deu muita credibilidade ao escrever a canção, além
de fazer um concerto no Madison Square Garden, que tocou com várias
presenças ilustres, sendo o legendário boxeador
Muhammad Ali, uma delas.
Em um dos momentos mais
emocionantes, ligaram para a prisão onde Carter estava,
que emocionado agradeceu o esforço. Os dois se encontraram
pessoalmente no dia 5 de dezembro de 1975 - como mostra a foto
- na prisão Clinton State, onde fez um concerto, com Rubin
subindo ao palco.
"Hurricane" é
uma das canções mais longas já escritas por
Dylan, uma história de quase seis páginas e teve
que ser reescrita por pressão dos advogados da Columbia
Records que temiam processos de Alfred Bello e Arthur Dexter Bradley,
que eram acusados por Dylan de "sumirem com os corpos",
crime, do qual, não foram sequer julgados.
Mas "Hurricane",
rendeu a ele um processo da ex-garçonete Patty Valentine,
que não gostou nada de ver seu nome usado sem autorização.
O LP trazia as seguintes
canções:
Lado 1
1. "Hurricane" – 8:33
2. "Isis" – 6:58
3. "Mozambique" – 3:00
4. "One More Cup of Coffee (Valley Below)" (Dylan) –
3:43
5. "Oh, Sister" – 4:05
Lado 2
1. "Joey" – 11:05
2. "Romance in Durango" – 5:50
3. "Black Diamond Bay" – 7:30
4. "Sara" (Dylan) – 5:29
Uma
das primeiras novidades é ver Dylan dividindo a autoria
de sete das nove canções, no caso Jacques Levy.
Além de "Hurricane",
o disco trazia outros momentos inesquecíveis. "Isis"
fala de uma jovem que casa antes mesmo de aprender os valores
da lealdade. "Mozambique" nasceu de uma brincadeira
entre Dylan e Levy que queriam ver quantas palavras com a terminação
"ique" conheciam.
"One More Cup of Coffee"
traz um dueto com a cantora country Emmylou Harris. "Oh,
Sister", novamente cantada com Emmylou se tornou um dos momentos
principais dos shows, em que fala da fragilidade do amor.
"Joey" rendeu
outra polêmica, pois era uma homenagem ao gangster Joey
Gallo, morto em 1972, aos 43 anos. Para Dylan, Gallo era um homem
com princípios, que se recusava a matar inocentes, era
amigo dos negros e um homem que protegeu seus familiares quando
levaram tiros em um restaurante.
O
disco fecha com uma balada dirigida à ex-esposa Shirley
Marlin Noznisky, conhecida como Sara Dylan: "Sara".
Ela já havia sido
tema de uma linda e pungente canção de amor em Blonde
on Blonde ("Sad Eyed Lady of the Lowlands").
O divórcio fora retratado no primoroso disco Blood
on the Tracks.
Ao ser lançado,
Desire recebeu aprovação unânime
da crítica e foi para o topo da parada norte-americana.
Produzido por Don DeVito, o disco havia contado com um imenso
time de músicos e produtores:
Bob Dylan – vocals,
rhythm guitar, harmonica, piano on "Isis"
Scarlet Rivera – violin
H oward Wyeth – drums, piano
Dominic Cortese – accordion, mandolin
Vincent Bell – bellzouki
Rob Stoner – bass guitar, background vocals
Emmylou Harris – background vocals
Ronee Blakley – background vocals on "Hurricane"
Steven Soles – background vocals on "Hurricane"
Luther Rix - congas on "Hurricane"
Apesar
de tanta publicidade, Rubin Carter não conseguiu a liberdade
tão sonhada. Mas o esforço de Dylan não foi
em vão e por alguns segundos o vemos em um palco na película
Hurricane.
A turnê renderia
um disco ao vivo, Hard Rain, lançado em
setembro de 1976. Seria o sexto disco do artista em menos de três
anos, uma marca espantosa e que fecharia um período extremamente
proveitoso para ele.
Deixo vocês com a
letra integral de "Hurricane" e a discografia de Dylan.
Um abraço e até
a próxima coluna.
Tiros de revólver
ressoam na noite dentro do bar
entra Patty Valentine vinda do salão superior
ela vê o garçon numa poça de sangue
solta um grito "Meu Deus, mataram todos eles!"
aí vem a história do Furacão
o homem que as autoridades acabaram culpando
por algo que ele nunca fez
colocando-o numa cela de prisão, mas houve um tempo
em que podia ter sido o campeão mundial
Três corpos deitados
ali é o que Patty vê
e outro homem chamado Bello rodeando misteriosamente
"Eu não fiz isso"ele diz e joga os braços
pra cima
"Estava só roubando a registradora , espero que você
entenda
eu os vi partindo" ele diz e pára
"É melhor um de nós ligar pros tiras"
e assim Patty chama os tiras
e eles chegam na cena com suas luzes vermelhas piscando
na noite quente de New Jersey
Enquanto isso, bem longe, em
outra parte da cidade
Rubin Carter e uns dois amigos estão dando algumas voltas
de carro
o pretendente número um à coroa dos pesos-médios
não tinha idéia do tipo de merda que estava para
baixar
quando um tira o fez parar no acostamento
igualzinho à vez anterior e à outra vez antes dessa
em Paterson é assim mesmo que as coisas rolam
se você é negro, melhor nem aparecer na rua
a não ser que queira atrair uma batida policial
Alfred Bello tinha um parceiro
e ele soltou um papo atrás dos tiras
ele e Arthur Dexter Bradley estavam só fazendo uma ronda
ele disse "Vi dois homens sairem correndo, pareciam pesos-médios
pularam dentro de um carro branco com a placa de outro estado"
e a senhorita Patty Valentine apenas assentiu com a cabeça
um tira disse "Esperem um minuto, rapazaes, este aqui não
está morto"
então o levaram à enfermaria
e embora esse homem mal pudesse enxergar
disseram a ele que podia identificar os culpados
As 4 da manhã eles arrastam
Ruby consigo
o levam para o hospital e o trazem escada cima
o homem ferido olha pra cima através de seu único
olho moribundo
diz " Por que vocês o trouxeram aqui dentro? Não
é esse o cara !"
sim, eis aqui a história do Furacão
o homem que as autoridades acabaram culpando
por algo que ele nunca fez
colocando numa cela de prisão, mas houve um tempo
em que podia ter sido o campeão mundial
Quatro meses depois, os guetos
estão em chamas
Rubin está na América do Sul, lutando por seu nome
enquanto Arthur Dexter Bradley continua no ramo do assalto
e os tiras estão apertando-o
procurando alguém pra culpar
"Lembra daquele assassinato que aconteceu num bar?"
"Lembra que você disse ter visto o carro fugitivo?"
"Você acha que está a fim de brincar com a lei?"
"Não acha que talvez tenha sido aquele lutador
que você viu correndo pela noite?"
"Não se esqueça de que você é
branco"
Arthur Dexter Bradley disse
"Não tenho muita certeza"
os tirs disseram "Um rapaz como você precisa de uma
folga da polícia
te pegamos por aquele serviço no motel
e agora estamos conversando com seu amigo Bello
agora,você não querter de voltar pra cadeia
seja um sujeito legal
Você estará fazendo um favor a sociedade
aquele filho-da-puta é valente e está ficando cada
vez mais
nós queremos botar o rabo dele pra fritar
queremos pregar esse triplo assassinato nele
o cara não é nenhum cavalheiro"
Rubin podia apenas nocautear
um cara com apenas um soco
mas nunca gostou muito de falar sobre isso
"É meu trabalho", diria, "E eu o faço
para ser pago
e quando isso termina, prefiro cair fora o mais rápido
possível
na direção de algum paraíso
onde riachos de trutas correm e o ar é ótimo
e andar a cavalo ao longo de uma trilha"
mas aí o levaram para a cadeia
onde tentaram transformar um homem num rato
Todas as cartas de Rubin já
estavam marcadas
o julgamento foi um circo de porcos, ele não teve a menor
chance
o juiz fez das testemunhas de Rubin bêbados das favelas
e para os brancos que assistiam, ele era um vagabundo revolucionário
e para os negros, apenas mais um crioulo maluco
ninguém duvidava que ele tinha apertado o gatilho
e embora não conseguissem produzir a arma
o promotor público disse que era ele o responsável
e o juri, todos de brancos, concordou
Rubin Carter foi falsamente
julgado
o crime foi de assassinato "em primeiro grau"
adivinha quem testemunhou?
Bello e Bradley,e ambos mentiram descaradamente
e os jornais, todos pegaram uma carona nessa onda
como pode a vida de um homem desses
ficar na palma da mão de algum tolo?
vê-lo obviamente condenado numa armação
não teve outro jeito a não ser me fazer sentir vergonha
de morar numa terra onde a justiça é um jogo
Agora todos os criminosos em
seus paletós e gravatas
estão livres para beber martinis e assitir o sol nascer
enquanto Rubin fica sentado como Buda em uma cela de 3 metros
um inocente num inferno vivo
essa é a história do Furacão
mas não terá terminado enquanto não limparem
seu nome
e devolverem a ele o tempo que serviu
colocado numa cela de prisão, mas houve um tempo
em que podia ter sido o campeão mundial
Discografia
Bob Dylan (1962)
The Freewheelin' Bob Dylan (1963)
The Times They Are A-Changin' (1964)
Another Side of Bob Dylan (1964)
Bringing It All Back Home (1965)
Highway 61 Revisited (1965)
Blonde on Blonde (1966)
Bob Dylan's Greatest Hits (1967)
John Wesley Harding (1968)
Nashville Skyline (1969)
Self Portrait (1970)
New Morning (1970)
Bob Dylan's Greatest Hits, Vol. 2 (1971)
Pat Garrett and Billy the Kid (1973)
Dylan (1973)
Planet Waves (1974)
Before the Flood (1974)
Blood on the Tracks (1975)
The Basement Tapes (1975)
Desire (1976)
Hard Rain (1976)
Street Legal (1978)
At Budokan (1979)
Slow Train Coming (1979)
Saved (1980)
Shot of Love (1981)
Infidels (1983)
Real Live (1984)
Biograph (1985)
Empire Burlesque (1985)
Knocked Out Loaded (1986)
Dylan & the Dead (1988)
Down in the Groove (1988)
Oh Mercy (1989)
Under the Red Sky (1990)
The Bootleg Series Volumes 1-3 (1991)
Good as I Been to You (1992)
The 30th Anniversary Concert Celebration (1993)
World Gone Wrong (1993)
Bob Dylan's Greatest Hits, Vol. 3 (1994)
MTV Unplugged (1995)
Time Out Of Mind (1997)
The Bootleg Series, Vol. 4: Bob Dylan Live 1966 (1998)
The Essential Bob Dylan (2000)
"Love and Theft" (2001)
The Bootleg Series, Vol. 5: Bob Dylan Live 1975 (2002)
The Bootleg Series, Vol. 6: Bob Dylan Live 1964 (2004)
No Direction Home: The Soundtrack (The Bootleg Series Vol. 7)
(2005)
The Best of Bob Dylan (2005)
Modern Times (2006)
Dylan (2007)
Tell Tale Signs - Rare and Unreleased 1989-2006 (2008)
Together Through Life (2009)
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