296 - Dexys Midnight Runners

Anos atrás fiz uma coluna sobre o terceiro disco do Dexys, Don't Stand Me Down. Mas o tempo passa, a saudade bate e porque não fazer uma coluna contando a história dessa peculiar banda, liderada por ser ainda mais peculiar, Kevin Rowland. Kevin é um daqueles gênios que literalmente aposta tudo e vai até o fim. E o fim para ele significou perder tudo, inclusive seu lar e ir morar na rua como um mendigo. Isso sem falar que foi alvo de garrafas no Festival de Reading quando subiu ao palco usando um vestido para promover seu disco-solo My Beauty, que vendeu apenas 500 cópias, segundo o próprio selo, a Creation. Mas entre uma loucura e outra, Kevin liderou o Dexys em três álbuns fantásticos de estúdio e merece ter sua vida melhor contada.


"Eu enlouqueci." Foi dessa maneira que Kevin Rowland resumiu sua vida após o final do Dexys Midnight Runners.

Esse homem de 55 anos comeu o pão que o diabou amassou várias e várias vezes e, acredite, mesmo tendo dois hits em primeiro lugar na parada britânica e um na norte-americana, perdeu tudo, inclusive casa, e virou mendigo, dormindo na rua e sendo preso por não ter dinheiro para pagar uma simples xícara de café.

O auge de sua decadência aconteceu em 1999.

Após lançar o segundo álbum-solo, My Beauty, onde aparecia na capa vestido de mulher, Kevin teve a infeliz idéia de aparecer dessa maneira no Festival de Reading, com duas dançarinas. Precisou deixar o palco após ser vítima de várias garrafas de cerveja jogadas em sua direção.

capa do disco My BeautyO álbum vendeu incríveis 500 cópias, quase quebrou a Creation e causou uma crise interna imensa, culminando com a saída de Alan McGee do selo.

Foi preciso muito sofrimento até que Kevin retomasse a carreira, remontando o Dexys Midnight Runners (ou Dexy's Midnight Runners, já que na capa dos discos aparece sem o apóstrofe).

Em épocas negras, chegava a consumir quatro gramas de cocaína todas as noites, até perder a casa e pedir esmola na rua. Como pode um astro da música chegar a tanto? O que terá acontecido?

O grupo começou quando Kevin Rowland (nascido em 17 de agosto de 1953, em Wolverhampton) e Kevin 'Al' Archer resolveram deixar o grupo punk The Killjoys para montar uma banda inspirada em soul music, especialmente os grupos da Stax.

Assim, saíram pelas ruas de Birmigham atrás de músicos. O primeiro a ser chamado foi o baterista Andy Growcott, que recebeu o apelido de Stoker de Archer, que o acompanha até hoje.

O próximo a ser recrutado foi o tecladista Pete Saunders e depois o saxofonista Geoff 'JB' Blythe foi roubado da banda Geno Washington and the Ram Jam Band.

Curiosamente, Geno seria homenageado no primeiro grande sucesso do grupo, anos depois.

Para o baixo, foi contratado Pete Williams e o grupo ficou completo com as entradas de Seteve "Babyface" Spooner no sax alto e Big Jimmy Paterson no trombone.

Surgia assim o Dexys Midnight Runners, nome tirado da droga dexedrina, usada pelos jovens para dançarem a noite inteira. O uso dela é bem retratado no filme Quadrophenia, pela gangue liderada por Jimmy.

Ironicamente, Kevin Rowland impôs um ritmo duro de trabalho e obrigou a todos os músicos a não usarem drogas.

A banda ensaiava cerca de oito horas diárias em uma garagem. Inspirados por Sam & Dave, James Brown, Aretha Franklin, os Kevin - Archer adotou o nome de Al Archer para se diferenciar de Rowland ("um Kevin na banda já é suficiente) - o grupo começou a formar um repertório e tocavam pelas redondezas, clássicos do r&b como "Hold On I'm Coming", "Big Time Operator" e "Respect".

Kevin impunha um controle imenso sobre os músicos, dizendo até o que deveriam se vestir e pedindo que alguns fizessem corridas pela manhã, para perderem peso e ficarem mais apresentáveis nas roupas durante os shows.

O grupo acaba assinando contrato com o selo especializado em ska, Two Tone e sai em excursão com os Specials e Selector.

Em dezembro de 1979, lançam pelo selo Oddball Productions. ligado à EMI o compacto Dance Stance, que fica entre as 40 mais da parada.

Nessa época, a banda havia adotado o visual "estivador", com chapéus e jaquetas, como se fossem uma verdadeira gangue. É com essa formação que a banda prepara um novo compacto, Geno.

Segundo Archer, essa foi a primeira que escreveu junto com Rowland e prestava uma homenagem a Geno Washington.

Segundo Archer, a canção ganhava muita força ao vivo, já que nessa época o grupo tocava sem parar " e a melhor maneira de crescer como músico é fazendo shows", segundo Archer.

O sucesso foi tão grande que a música atingiu o topo da parada britânica, um imenso sucesso. Rowland afirma que a música era inspirada no que ouvia quando menino e a banda embarca em uma imensa turnê, batizada Intense Emotions Revue.

Enquanto excurisonavam, a banda gravava pela EMI, o primeiro disco, Searching For The Young Soul Rebels. E aprontariam a primeira grande confusão com o selo, ao roubarem a fita master do disco, por não concordarem com o contrato que haviam assinado e exigiram mais dinheiro, o que foi aceito.

Em julho de 1980, é lançado o LP de estréia, que fica na 10ª posição. Nessa época, o grupo já tinha sofrido algumas mudanças na formação com a entrada de Andy Leek nos teclados em substituição a Pete Saunders. A banda tinha também lançado um terceiro compacto, um mês antes, There, There My Dear.

O disco trazia uma banda impecável, fazendo um soul de extrema competência que casava com os vocais graves, dramáticos e emocionantes de Kevin Rowland.

Mas Rowland começava a mostrar traços de excentricidade: primeiro avisa à imprensa que não dará mais entrevistas e que só comunicará apenas através de textos em algumas entrevistas onde comprariam espaços publicitários.

O disco trazia as seguintes faixas:

Lado A

01. Burn It Down 4:21
02. Tell Me When My Light Turns Green 3:46
03. The Teams That Meet in Caffs 4:08
04. I'm Just Looking 4:41
05. Geno 3:31

Lado B

01. Seven Days Too Long 2:43
02. I Couldn't Help If I Tried 4:14
03. Thankfully Not Living in Yorkshire It Doesn't Apply 2:59
04. Keep It 3:59
05. Love Part One 1:12
06. There, There, My Dear 3:31

O Dexys em 1980. Talbot é o mais alto de todos, de cabelo loiroAlém disso, o regime quase ditadorial que impõe ao grupo começa a provocar novas deserções. Leek é o primeiro a sair, entrando o jovem Mick Talbot em seu lugar. No futuro, Talbot ficaria famoso ao ser parceiro de Paul Weller no Style Council.

Rowland exige que a gravadora lance um novo compacto, Keep It Part Two (Inferiority Part One), um imenso fracasso comercial. Essa é a única gravação de Talbot com a banda. Após o fracasso, há uma batida em retirada geral. Williams, Blythe, Spooner, Growcott e Talbot resolvem formar o The Bureau, deixando Kevin, Archer e Paterson sem um grupo de apoio.

A solução é ir atrás de novos músicos e contratam o baterista Seb Shelton, os saxofonistas Paul Speare e Brian Maurice, o baixista Steve Wynne e o tecladista Micky Billingham.

É nessa época, que Kevin obriga a todos a praticarem corridas, deixa os músicos longe de bebidas e drogas e a mudar o visual.

Mas nem Archer agüenta a pressão e deixa o antigo companheiro para montar o The Blue Os Babes, entrando Billy Adams em seu lugar.

A nova banda grava um outro single, Plan B, que fracassa nas paradas. Rowland acusa a EMI de não promoverem o compacto corretamente e descobre uma brecha no contrato que permitem pular fora. Só que sem o dinheiro da gravadora, cancelam a excursão Projected Passion Revue.

O grupo assina com a Mercury e lança Show Me, que fica entre as 20 mais. Mas o irrequieto Rowland está infeliz com o grupo e quer mudar radicalmente de estilo e pede que Paterson, Maurice e Speare aprendam a tocar instrumentos de cordas, como violoncelo e viola. Dessa forma, lançam o compacto Liars A To E, com um novo baixista Giorgio Kilkenny.

Durante essa época, ele se encontra com Kevin Archer e ouve uma fita do novo grupo de Archer, com instrumentos de cordas.

Resolve convidar a violinista Helen Bevington para entrar no grupo. Helen adota o sobrenome O'Hara e é a mais nova integrante do Dexys, assim como Steve Brennan and Roger MacDuff. O trio é batizado de The Emerald Express e estréiam no compacto The Celtic Soul Brothers.

Nessa época, Kevin tinha mexido completamente na formação e era o único membro original. Em junho de 1982, lançam então aquele que seria o maior sucesso do grupo, Come On Eileen, primeiro lugar nos Estados Unidos e na Inglaterra.

Mas a canção, quem diria, deixou um imenso sentimento de culpa de Rowland. Em uma entrevista à revista Q, em 1993, Rowland admitiu que roubou algumas idéias de Kevin Archer para fazer o compacto e o segundo disco, Too Rye-Ay.

Segundo Rowland, ele foi tomado por um forte sentimento de culpa e isso demorou anos para passar: "eu fique mal por muito tempo e achei que tinha me superestimado e passei a me ver como o pior merda do mundo e que eu era o menos talentoso do grupo e que era apenas uma farsa. Demorei muito tempo para entender o que tinha realmente acontecido: Kevin tinha tocado uma demo tape e eu havia ficado influenciado com a idéia de combinar violinos com um som de piano ao estilo Motown, acelerando a canção e depois diminuindo. E foi apenas isso, porque eu não roubei uma linha da letra ou alguma nota da música dele. Apenas me inspirei no que havia me mostrado."

Enquanto a culpa não o consumia, era lançado Too-Ry-Ay e a banda é chamado pela gravadora de Kevin Rowland & Dexys Midnight Runners.

O LP chega ao segundo posto na parada britânica e a banda embarca na turnê The Bridge com novos músicos e lança novo compacto: Jackie Wilson Said (I'm In Heaven When You Smile), canção de Van Morrison.

O LP trazia as seguintes faixas:

Lado A

01. The Celtic Soul Brothers 3:07
02. Let's Make This Precious 4:03
03. All in All (This One Last Wild Waltz) 4:08
04. Jackie Wilson Said (I'm in Heaven When You Smile) 3:06
05. Old 5:00

Lado B

01. Come on Eileen 4:07
02. Plan B / I'll Show You 7:45
03. Liars A to E 4:10
04. Until I Believe in My Soul 7:00

Outra turnê estafante, com várias brigas internas e nova debandada geral dos músicos. Essa é a rotina de Kevin Rowland.

O grupo some do mapa por três anos e reaparece em 1985 com novo disco, roupagem e formação. É a vez do mais intricado disco de todos e, talvez o mais belo: Don't Stand Me Down.

Tendo Billy Adams e Helen O'Hara como escudeiros, Kevin embarca num disco difícil, mas cheio de belos momentos, embora sem facilitar em nada ao ouvinte. Alternado momentos cantados e discursados, Kevin entrega à Mercury um LP com apenas sete faixas

Desesperada, a gravadora procurava e não encontrava uma faixa de trabalho. A solução foi fazer uma cirurgia: no meio da longa "This is What She's Like", metade falada e metade cantada, a gravadora retirou o "miolo" dela, justamente quando é cantada e fez um compacto. Um enorme fracasso. A música ficou apenas na 78ª posição, enquanto o álbum alcançou a 22ª, embora tenha recebido efusivos elogios.

As sete faixas do disco eram:

Lado A

The Occasional Flicker
This is What She's Like
Knowledge of Beauty

Lado B

One of Those Things
Reminisce Part Two
Listen to This
The Waltz

Após o fracasso comercial, o grupo ainda teve um alento ao lançar o compacto Because Of You, tema do seriado da BBC Brush Strokes, mas não resistiu.

CD de 1997"Versão do Diretor"

O mais curioso é que o disco virou um clássico e teve duas versões novas em CDs: uma em 1997 e outra em 2002, batizado de Don't Stand Me Down: Director's Cut. E as duas traziam novas faixas:

A de 1997 era composta das seguintes faixas:

The Occasional Flicker
This is What She's Like
My National Pride
One of Those Things
Reminisce (Part Two)
I Love You (Listen to This)
The Waltz
Reminisce (Part One)
The Way You Look Tonight

A segunda, que trazia um DVD extra, tinha:

Disco 1

Kevin Rowland's 13th Time
The Occasional Flicker
This is What She's Like
My National Pride
One of Those Things
Reminisce (Part Two)
I Love You (Listen to This)
The Waltz

Disco 2, DVD Videos

This is What She's Like
My National Pride
I Love You (Listen to This)

O fracasso derrubou Kevin por um tempo, que tentou retomar a vida como artista-solo, lançando em 1988, The Wanderer, outro enorme fracasso. O disco trazia entre os convidados o brasileiro Eumir Deodato.

Com isso, Kevin começou a usar as drogas que tanto abominava. Ele ainda tentou uma retomada da banda na década de 90, ao lado de Jimmy Paterson, inultimente.

Daí em diante é a história já contada no início do texto: drogas, sentimento de culpa e falência, além do desespero causado ainda maior com My Beauty, disco que era importante até porque a Creation havia dito que aceitaria lançar um novo álbum do Dexys.

A virada começou a ser dada em 2003, quando Kevin montou um novo Dexys e lançou duas canções novas, "Manhood" e "My Life In England", além de uma excursão pela Escandinávia e Inglaterra intitulada To Stop The Burning, que teve lotação esgotada em todos os lugares.

Em 2007, o grupo lançou o disco The Projected Passion Review, que traz momentos gravados na BBC em 1981 e está prometendo algo novo para 2008, aguçando a vontade fãs antigos, como eu.

Kevin Rowland, ao que parece, está livre das drogas e com vontade de retomar a carreira. "Não carrego mais sentimento de culpa dentro de mim. Estou bem mais velho e não serei burro de cometer os mesmos erros de antes."

Kevin disse que aprendeu a controlar o seu gênio. Certa vez foi preso por agredir um grupo de homens com uma barra de ferro. "Aprendi desde menino que quando você é insultado, você deve revidar e vi que isso era incomum na indústria musical."

Esperando uma nova chance na carreira, aos 55 anos, Kevin mantém ainda acesa a paixão pela música e descobriu que não é uma fraude, longe disso. Deixo vocês com uma antiga foto do trio principal, por volta de 1985 e a discografia.

Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Discos

Searching For The Young Soul Rebels (1980)
Too Rye Ay (1982)
Geno (1983)
Don't Stand Me Down (1985)
The Very Best Of Dexys Midnight Runners (1991)
BBC Radio One Live In Concert (1993)
1980 - 1982 The BBC Radio 1 Sessions (1995)
It Was Like This (1996)
The Master Series (1996)
Let's Make This Precious The Best Of Dexys Midnight Runners (2003)
The Projected Passion Review (2007)


Singles

Dance Stance - I'm Just Looking (1979)
Geno - Breaking Down The Walls Of Heartache (1980)
There There My Dear - The Horse (1980)
Thankfully Not Living In Yorkshire It Doesn't Apply - The Horse (1980)
Keep It Part Two (Inferiority Part One) - One Way Love (1980)
Plan B - Soul Finger (1981)
Show Me - Soon (1981)
Liars A To E - And Yes We Must Remain The Wildhearted Outsiders (1981)
Celtic Soul Brothers - Love Part Two (1982)
Come On Eileen - Dubious (1982)
Jackie Wilson Said - Let's Make This Precious (1982)
Let's Get This Straight From The Start - Old (1982)
The Celtic Soul Brothers (More, Please, Thank You) - Reminisce Part One (1983)
Dance Stance - There There My Dear (1984)
One Of Those Things - The Occasional Flicker (1985)
This Is What She's Like - Marguerita Time (1985)
Because Of You - Kathleen Mavourneen (1986)
Manhood (2003)

 


 

 

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