Há uns
cinco anos fiz uma coluna sobre Syd
Barrett e falei de passagem dos dois primeiros discos do Pink
Floyd, já que a coluna era especificamente sobre o primeiro
líder da banda. No entanto, os dois discos são tão
bons que me sinto na obrigação de falar sobre eles.
Apesar de um período relativamente curto, Syd deixou uma
marca imensa dentro do grupo que nunca foi muito bem digerida.
Ao longo dos anos, os demais integrantes sempre deixaram impressões
ambíguas sobre ele; ora falando com amor, outras com ódio.
Por isso, o assunto é mais do que relevante.
Falar
do início do Pink Floyd é falar de Syd Barrett.
Roger Keith Barrett nasceu no dia 6 de janeiro de 1946, em Cambridge
e na escola ganhou o apelido de Syd.
Ainda estudante, Syd ficou
amigo de Roger Waters e David Gilmour e começou a tocar
em várias bandas: The Abdabs, The T-Sets, Sigma 6 e no
Meggadeath.
Nessas bandas começou
a tocar com Bob Close, Nick Mason e Rick Wright, além do
próprio Roger Waters. Quando Bob Close saiu, Syd resolveu
que era deles terem sua própria banda.
Nascia
assim o Pink Floyd, nome tirado de dois bluesmen que
Barrett adorava: Pink Anderson e Floyd Council.
Syd era uma pessoa extremamente
criativa, inteligente, mística e carismática. Antenado
com o que acontecia do outro lado do Atlântico, especialmente
as bandas californianas como o Love, também tinha paixão
por ícones do passado, como Bo Diddley, uma de suas maiores
influências como guitarrista. Barrett era o principal compositor
e líder do Floyd, escrevendo quase todas as músicas
e sendo o grande destaque.
O grupo conseguiu fazer
shows longos em casas como o UFO e o Rondhouse e no Marquee Club,
onde dividiam o palco com o Soft Machine, então liderado
por Daevid Allen.
O
grupo começava a mostrar suas primeiras composições
próprias. Entre os fãs estava o diretor Peter Whitehead
que os convidou para participarem da trilha-sonora do filme Tonite
Let's All Make Love in London.
O grupo participou com
duas faixas: uma longa performance de "Interstellar Overdrive"
e uma outra faixa chamada "Nick's Boogie". Em 1995 foi
lançado um EP chamado London '66-'67,
contendo essas duas faixas e fotos e um texto sobre o grupo.
Em alta, montam a Blackhill
Enterprises junto com os empresários Peter Jenner e Andrew
King que tomavam conta da banda.
O
sucesso acaba rendendo um contrato com a Columbia e, em março
de 1967, lançam o primeiro compacto, Arnold Layne,
que contava a história de um menino que roubava calcinhas
no varal e que as vestia. Segundo Roger Waters, o personagem era
real e ele roubava as peças íntimas de sua mãe
e também da mãe Syd, em Cambridge. E, apesar do
personagem ser um travesti, o compacto chegou ao Top 20, até
ser banida pela Radio London, pelo tema. O lado B trazia "Candy
and a Currant Bun", outra canção polêmica,
já que tinha o sugestivo título de "Let's Roll
Another One" ("Vamos Enrolar Outro") e trazia a
frase "I'm high - Don't try to spoil my fun" ("estou
chapado, não estrague minha diversão") e o
disco foi produzido por Joe Boyd.
Em
junho é lançado outro compacto ainda mais antológico;
See Emily Play. A canção tinha o nome de
"Games for May" quando a tocaram no Queen Elizabeth
Hall. Segundo, Barrett, a canção foi feita após
ver a menina de nome Emily andando pelo bosque onde dormia após
tomar ácido.
Emily seria, na verdade,
Emily Young, e conhecida como a garota psicodélica do clube
UFO. O compacto fez um enorme sucesso, chegando à 6ª
posição e colocando o Floyd bem perto da fama. O
lado B trazia "The Scarecrow".
Apesar do sucesso, o compacto
foi palco para brigas entre Syd e o produtor Norman Smith, especialmente
pela edição final. Extremamente criativo, Syd fez
um slide na guitarra com um isqueiro.
Essa
gravação foi particularmente importante para um
futuro membro: David Gilmour. "Syd me ligou em casa perguntando
se eu não queria aparecer no estúdio e fazer uma
visita. Fiquei espantado quando lá cheguei, pois ele sequer
me reconheceu e nem se lembrava que tinha me telefonado."
Segundo David, Syd começava a mostrar os primeiros sinais
de problemas mentais que o faria ser expulso do Floyd.
O sucesso começou
a alterar a rotina da banda e Syd experimentava uma pressão
insuportável para seus padrões. Enquanto gravavam
o compacto, o grupo começou a escrever novas composições
para o disco de estréia. A banda gravava no estúdio
3 do lendário Abbey Road, enquanto os Beatles estavam no
estúdio 2 gravando Sgt. Pepper's Lonely Hearts
Club Band.
Em
agosto é lançado o primeiro LP, The Piper
at the Gates of Dawn. O disco mostra todo o mundo peculiar
de Syd. Autor de oito das 11 faixas, além de ser co-autor
dos temas instrumentais - "Interstellar Overdrive" e
"Pow R. Toc H." - Syd falava de gnomos,
espantalhos, de um gato demoníaco, e criava climas incomuns.
A produção
mais uma vez estava com Norman Smith. Norman lembra que as gravações
foram tensas e que não estava muito satisfeito com a pouca
técnica dos quatro membros do Floyd, que segundo ele, dificultaram
bem sua vida.
As
gravações aconteceram entre fevereiro e julho de
1967. Uma das canções mais difíceis de gravar
foi "Bike". Originalmente intitulada "The Bike
Song", Norman conta que Syd tinha um modo muito peculiar
de usar as letras com a música.
Além disso, Syd
não conseguia repetir duas vezes o solo em estúdio.
"Ele fazia uma versão e cinco minutos depois fazia
outra inteiramente diferente e era praticamente impossível
editar. Ele fez minha vida um inferno."
"Interstellar Overdrive"
foi outro exemplo de como ele trabalhava. Segundo Andrew King,
Syd foi até a mesa de som e mexeu nos equalizadores de
qualquer maneira, sem uma ordem específica. "Ele fazia
as coisas de uma maneira artística."
A
capa foi fotografada por Vic Singh e o título foi tirado
do sétimo capítulo do romance The Wind in
the Willows, de Kenneth Grahame.
O disco foi lançado
em 5 de agosto e conseguiu a sexta posição na parada
britânica. Na América foi lançado em novembro,
apenas com o nome Pink Floyd, embora o título do disco
aparecesse na contra-capa, igual à edição
britânica, ficando apenas na 131ª posição
e com faixas trocadas.
Eis as músicas da
edição inglesa:
Lado
1
1. "Astronomy Domine" –
4:12
* Lead vocals: Syd Barrett and Rick Wright
2. "Lucifer Sam" – 3:07
* Lead vocals: Syd Barrett
3. "Matilda Mother" – 3:08
* Lead vocals: Rick Wright and Syd Barrett
4. "Flaming" – 2:46
* Lead vocals: Syd Barrett
5. "Pow R. Toc H." (Syd Barrett, Roger Waters, Rick
Wright, Nick Mason) – 4:26
* Vocalisations: Syd Barrett and Roger Waters
6. "Take Up Thy Stethoscope and Walk" (Roger Waters)
– 3:05
* Lead vocals: Roger Waters
Lado 2
1. "Interstellar Overdrive" (Syd
Barrett, Roger Waters, Rick Wright, Nick Mason) – 9:41
* Instrumental
2. "The Gnome" – 2:13
* Lead vocals: Syd Barrett
3. "Chapter 24" – 3:42
* Lead vocals: Syd Barrett
4. "The Scarecrow" – 2:11
* Lead vocals: Syd Barrett
5. "Bike" – 3:21
* Lead vocals: Syd Barrett
As faixas da edição
norte-americana são:
Lado 1
1. "See Emily Play" – 2:53
* Lead vocals: Syd Barrett
2. "Pow R. Toc H." (Syd Barrett, Roger Waters, Rick
Wright, Nick Mason) – 4:26
* Instrumental
3. "Take Up Thy Stethoscope and Walk" (Roger Waters)
– 3:05
* Lead vocals: Roger Waters
4. "Lucifer Sam" – 3:07
* Lead vocals: Syd Barrett
5. "Matilda Mother" – 3:08
* Lead vocals: Syd Barrett and Rick Wright
Lado 2
1. "The Scarecrow" – 2:11
* Lead vocals: Syd Barrett
2. "The Gnome" – 2:13
* Lead vocals: Syd Barrett
3. "Chapter 24" – 3:42
* Lead vocals: Syd Barrett
4. "Interstellar Overdrive" (Syd Barrett, Roger Waters,
Rick Wright, Nick Mason) – 9:41
* Instrumental
Ao longo dos anos, o disco
foi ganhando edições especiais e recentemente foi
editado uma comemorativa de 40 anos, com e CDs. Nos dois primeiros
o disco aparece em mono e em estéreo. O terceiro traz as
seguintes faixas:
1. "Arnold Layne"
- 2:57
2. "Candy and a Currant Bun" - 2:45
3. "See Emily Play" - 2:54
4. "Apples and Oranges" - 3:05
5. "Paint Box" - 3:45
6. "Interstellar Overdrive" (Take 2/ French EP Version)
- 5:15
7. "Apples and Oranges" [stereo] - 3:11
8. "Matilda Mother" (Belloc Version) - 3:09
9. "Interstellar Overdrive" (Take 6) - 5:03
O
sucesso do disco faz com que saiam em excursão com o Jimi
Hendrix Experience e o Move. Syd e Jimi acabariam bons amigos
durante a viagem.
Em novembro é lançado
um terceiro compacto, Apples and Oranges. O lado
B trazia "Paintbox" e marca a participação
derradeira de Barrett. Segundo o próprio compositor, a
canção marcava uma nova sonoridade para a banda.
O lado B segue sendo a minha canção favorita de
todo catálogo floydiano, apesar de Wright detestar seus
vocais.
Syd começa a mostrar
sinais perturbadores e no programa Top of the Pops vai
sem barbear e com um ar distante, vago. Mesmo em tais condições,
o grupo parte para a América, o auge da loucura do mentor,
quando se recusou a dublar as canções em programas
televisivos, desafina a guitarra constantemente e até sai
do palco. A excursão acaba sendo abortada e a banda decide
por sua expulsão.
Expulsar
Syd, no entanto não era tarefa fácil, especialmente
para Roger Waters. Enquanto procuram uma maneira para isso, chamam
David Gilmour e o grupo fica durante dois meses como um quinteto.
"Eu conhecia Syd desde
os 15 anos e meu grupo costumava abrir para o Floyd, em Cambridge
e me juntei a eles no Natal de 1967. Foi uma experiência
estranha ficar ao lado dele. Syd já era um mito, uma lenda
viva. Era algo paranóico a convivência com ele. Quando
produzi seus discos-solos quase enlouqueci. O que aconteceu com
ele foi uma das mais tristes histórias dentro da música.
Ele era um compositor fantástico e em seus melhores dias,
quando estava bem, era capaz de bater Ray Davies (dos Kinks)."
A entrada foi traumática
para Gilmour, que confessa ter levado meses para se sentir um
membro do grupo e não apenas um tapa-buraco. O grupo já
estava começando a gravar o segundo disco, A Saucerful
of Secrets, uma verdadeira maratona. As gravações
aconteceram entre agosto e outubro de 1967 e janeiro até
abril de 1968.
O disco traz os dois guitarristas
nas sete faixas do disco. Syd participou de três - "Remember
a Day", "Set the Controls for the Heart of the Sun"
e "Jugband Blues" (essa última de sua autoria).
Ele queria a inclusão
também de "Vegetable Man", recusada por ser autobiográfica
demais. Outra canção de Syd recusada na época
era "Scream Thy Last Scream". Essas três canções
foram gravadas em 1967 e finalmente a banda resolveu por mandar
Barrett embora, em março de 1968.
"Foi um período
duro porque havia o acordo entre os quatro membros originais e
os empresários Peter Jenner e Andrew King como Blackhill",
segundo Rick Wright. A solução foi encontrada após
o novo Pink Floyd sair da companhia e chamar Brian Morrison para
ser o empresário.
"Tínhamos que
voltar a ser um novo grupo. Todos achavam que o Pink Floyd era
a banda de Syd e que sem ele, nada daria certo", conta Gilmour.
Wright lembra com alívio a saída do ex-líder.
"Meu Deus, ele estava louco. Aquelas canções
malucas, suas atitudes. Finalmente, poderíamos voltar a
tocar."
Syd não havia gostado
particularmente da composição "Set the Controls
for the Heart of the Sun" de Roger Waters e que levava o
grupo para uma direção que não aprovava.
Aliás, essa é a única canção
em que o quinteto atuou junto. Roger Waters resolveu tomar posse
do grupo, mas Rick Wright colaborou com duas faixas: "See-Saw"
e a linda "Remember a Day".
Quando
lançado, A Saucerful of Secrets alcançou
o nono lugar na parada britânica, mas foi o único
disco da banda a não entrar na parada norte-americana.
Para muitos, o disco marca
a fase space rock da banda e trazia as seguintes faixas:
Lado 1
1. "Let There Be More Light"
(Roger Waters) – 5:38
* Lead vocals: Rick Wright, David Gilmour, and Roger Waters
2. "Remember a Day" (Rick Wright) – 4:33
* Lead vocals: Rick Wright
3. "Set the Controls for the Heart of the Sun" (Roger
Waters) – 5:28
* Lead vocals: Roger Waters
4. "Corporal Clegg" (Roger Waters) – 4:13
* Lead vocals: David Gilmour and Nick Mason
Lado 2
1. "A Saucerful of Secrets" (Roger
Waters/Rick Wright/David Gilmour/Nick Mason) – 11:57
* Instrumental
2. "See-Saw" (Rick Wright) – 4:36
* Lead vocals: Rick Wright
3. "Jugband Blues" (Syd Barrett) – 3:00
* Lead vocals: Syd Barrett
A capa do disco trazia uma imagem do Living
Tribunal dos quadrinhos Marvel, no canto alto à esquerda.
Após o disco, três
compactos acabaram sendo lançados:
It Would Be So Nice"
/ "Julia Dream" (19 April 1968, 7" UK release)
"See Emily Play" / "The Scarecrow" (22 July
1968, U.S. re-release 7")
"Point Me at the Sky" / "Careful with That Axe,
Eugene" (6 December 1968, 7" UK release)
Com
eles, a banda enterrava de vez a fase Barrett e começaria
uma nova e produtiva carreira como um dos ícones do rock
progressivo.
Antes de encerrar a coluna,
deixo uma curiosidade: na década de 90, os três primeiros
compactos do grupo com Syd - See Emily Play, Arnold Layne
e Apples and Oranges, com seus respectivos lados B, foram
editados em um formato que imita as capas de vinil. Uma preocisidade
que vale ter. A minha cópia não vendo por nada.
Um abraço e até
a próxima coluna.
Discografia
The Piper at the Gates of Dawn (1967)
A Saucerful of Secrets (1968)
Soundtrack from the Film More (1969)
Ummagumma (1969)
Atom Heart Mother (1970)
Relics (1971)
Meddle (1971)
Obscured by Clouds (1972)
The Dark Side of the Moon (1973)
A Nice Pair (1973)
Wish You Were Here (1975)
Animals (1977)
The Wall (1979)
A Collection of Great Dance Songs (1981)
The Final Cut (1983)
Works (1983)
A Momentary Lapse of Reason (1987)
Delicate Sound of Thunder (1988)
Shine On (1992)
The Division Bell (1994)
P•U•L•S•E (1995)
Is There Anybody Out There? (2000)
Echoes: The Best of Pink Floyd (2001)
Oh, By The Way (caixa com 14 CDs, 2007)
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