295 - David Bowie - Aladdin Sane e Pin Ups

Este é o mais rock and roll dos álbuns de David Bowie. O disco que mais rápido vendeu na Inglaterra desde o famoso Álbum Branco dos Beatles. Aladdin Sane é um maravilhoso disco e é quase um milagre que tenha conseguido ser realizado no meio do caos em que Bowie vivia. O mito Ziggy o consumia cada vez mais: mais shows, mais compromissos, mais drogas, mais sexo e cada vez mais a persona tomava conta do seu criador. Matá-lo era necessário, mas não foi assim tão fácil. O fantasma de Ziggy ainda iria persegui-lo por toda década de 70.


Ano novo, personagem novo. Bowie anuncia que agora será Aladdin Sane, um personagem mais insinuante que Ziggy. Com novas composições sendo escritas desde setembro de 1972, Bowie termina as gravações do novo disco no dia 24 de janeiro de 1973 e no dia faz outra viagem de navio até Nova York.

Enquanto isso, Tony DeFries negocia um novo contrato com a RCA e consegue um aumento. Ao invés dos US$ 37.500 dólares de adiantamento para cada disco, a cifra aumenta para US$ 60 mil em 1973 e US$100 mil, em 1974, além de um aumento nos royalties.

DeFries começa a planejar uma nova turnê de três semanas pela América, mas sem a multidão da excursão anterior. Agora será apenas Bowie, seguranças e a banda. Mas a selvageria continua. Bowie continua cercado de fãs, e dorme com várias delas, ao mesmo tempo em que Angela tinha um caso com o principal segurança do cantor, Dennis.

A turnê abre no Royal Albert Hall, com lotação esgotada e mais de 6 mil clones de Ziggy na audiência. Entre eles, estão Truman Capote, Salvador Dali, Johnny Winter e Todd Rundgren. Durante "Rock 'n' Roll Suicide", Bowie desmaia após um fã pular ao palco. Ele é atendido por uma enfermeira que diagnostica cansaço e Bowie dorme cerca de 12 horas no dia seguinte.

Amigos mais próximos começam a reparar uma mudança drástica na personalidade de Bowie, que encarna ao extremo Ziggy Stardust, abusando das drogas e tendo um estilo de vida absolutamente selvagem. Apesar de magro, Bowie consegue ficar ainda mais debilitado, chegando a pesar apenas 50 kg.

Em fevereiro é lançado um LP duplo pela sua antiga gravadora, London, chamado Images 1966-67, tentando faturar em cima da fama Ziggy, da mesma forma que a RCA tinha lançado no final de 1972 um EP com as canções "Space Oddity", "Moonage Daydream", "Life on Mars?" e "Ain't It Easy".

Em março, janta com o baterista Ringo Starr e dias antes é ameaçado por um fã maluco, de cabelo rosa que o ameaçou matá-lo, para desespero do já paranóico Bowie.

Em abril é lançado um novo compacto, com as canções "Drive-In Saturday" e "Round and Round". O compacto chega ao 3º posto no Reino Unido.

Dois dias depois, Bowie é recebido no Japão, onde faria sua primeira excursão, em clima de total histeria. Bowie é cercado e paparicado pelos japoneses de uma maneira mais intensa do que no Reino Unido.

Junto de si, leva a banda, que além dos habituais Mick Ronson, Trevor Bolder, Mick Woodmansey e Mike Garson, contava ainda com o segundo guitarrista John Hutchinson e o saxofonista Ken Fordham.

Bowie usa alguns quimonos durante os shows feitos pelo estilista Kansai Yamamoto, que havia conhecido meses antes, em Nova York. Inspirados no teatro Kabuki, enquanto o fotógrafo Masayoshi Sukita é nomeado assistente do cantor durante sua estadia.

Em 6 de abril é lançado o novo LP, Aladdin Sane. Com vendas antecipadas de 100 mil cópias, é o disco que mais rapidamente vendeu desde o famoso disco The Beatles, também conhecido como Álbum Branco e vai direto ao posto da parada britânica e chega ao 17º lugar nos EUA.

capa do disco Aladdin SaneSegundo Bowie, seu novo personagem era "Ziggy na América". O nome também fazia um trocadilho com a frase "a land insane (uma terra insana)", que era como Bowie via os Estados Unidos.

E a América, aos olhos de Ziggy não era normal. Bowie estava fascinando pelo país e desenvolvia uma relação de amor e ódio pela América.

 

O disco trazia as seguintes faixas:

Lado 1

1. "Watch That Man" New York – 4:25
2. "Aladdin Sane (1913-1938-197?)" RHMS Ellinis – 5:06
3. "Drive-In Saturday" Seattle–Phoenix – 4:29
4. "Panic in Detroit" Detroit – 4:25
5. "Cracked Actor" Los Angeles – 2:56

Lado 2


1 . "Time" New Orleans – 5:09
2 . "The Prettiest Star" Gloucester Road – 3:26
3 . "Let's Spend the Night Together" (Mick Jagger, Keith Richards) – 3:03
4 . "The Jean Genie" Detroit and New York – 4:02
5 . "Lady Grinning Soul" London – 3:46

A América de Bowie era decadente, selvagem e abre com a furiosa "Watch That Man", inspirada no disco Exile on Main St. dos Rolling Stones. Um rock and roll simples, selvagem, rápido.

parte interna do discoA segunda faixa é uma das assinaturas de Bowie. A faixa-título. A faixa tinha dois nomes possíveis: " A Lad Insane" e "Love Aladdin Vein", descartada por possíveis alusões às drogas. A letra havia sido inspirada no livro Vile Bodies de Evelyn Waugh.

Bowie viu na estória recheada frivolidade, decadência, uma eminente catástrofe e um interessante paralelo com a sociedade atual. No final, Bowie canta trechos de "On Broadway", clássico dos Drifters, de 1960. O grande charme da faixa é o espetacular solo de Garson ao piano, no melhor estilo avant-garde. Garson conta que esse solo o marcou para sempre: "até hoje, eu falo mais sobre esse solo do que os outros 11 discos que fiz antes, os outros seis que fiz como co-líder de uma banda ou as centenas de gravações que realizei com outros artistas. E duvido que pare de responder as perguntas sobre isto!"

Bowie também brincava com a salsa em "Panic in Detroit" e enfrentou resistências da RCA na faixa "Time". A primeira faixa do lado B falava de masturbação masculina, prostitutas e citava Quaaludes e Billy Doll. Billy Doll era nada menos que Billy Murcia, baterista do New York Dolls, que havia morridos meses antes, em Londres, em uma festa, após ingestão de Quaaludes.

O disco trazia ainda uma versão do clássico dos Stones, "Let's Spend the Night Together" e uma homenagem à Iggy Pop, em "Jean Genie".

Após a excursão, em mais uma excentricidade, Bowie resolveu pegar o Trans-Siberian Express, ao lado de Leee Childers, vice-presidente da MainMan na América. Uma semana depois estavam em Moscou, onde ficaram dois dias e logo pegaram o Orient Express para Paris, onde encontraram Jacques Brel, retornando em seguida à Londres. Bowie diria que ficara com medo com a probreza vista dentro da União Soviética e que estava aliviado de ter voltado ao "lado ocidental."

Bowie retorna então à Londres para a terceira e última turnê de Ziggy na Inglaterra. Serão 45 shows em 37 cidades e a abertura será em um local novo, o Earl's Court, com capacidade para 18 mil pessoas. O show é um fracasso, devido ao tamanho do palco e as novas estruturas e o segundo show que estava marcado no mesmo local é cancelado. Começava mal a turnê de despedida.

A turnê segue com alguns problemas e apresentações canceladas em alguns lugares e fãs selvagens e sedentos por tocar em Ziggy. Enquanto isso, a RCA pressiona DeFries para uma volta à América, já que a MainMan deve mais de US$ 150 mil à gravadora. DeFries quer tocar em arenas, mas a gravadora prefere locais menores, porém mais datas. O impasse é mantido por meses.

capa do disco Raw PowerNo dia 1º de junho é editado o disco Raw Power, creditado a Iggy & The Stooges. Bowie havia mixado o disco, apesar de Iggy ser contrário à idéia. Seria o último álbum dos Stooges em décadas.

A estafante maratona de turnês tinha criado uma necessidade imensa de privacidade em Bowie. Ele não suportava mais a histeria dos fãs, da mídia.

Ao mesmo tempo, alguns outros astros anunciavam sua "aposentadoria", casos de Ray Davies, líder dos Kinks e Elton John. Bowie pensava também nisso, seriamente, embora não tivesse avisado ninguém.

No dia 3 de julho aconteceria o último show da turnê britânica. A RCA pressionava DeFries e Bowie para um novo giro pela América. O concerto no Hammersmith Odeon para 3500 pessoas, foi cercado de grande expectativa, já que seria filmado por D.A Pennebaker, o mesmo diretor de Don't Look Back, filme que registrou a turnê de Bob Dylan, em 1965. Além do filme, havia um plano de lançar um disco duplo, em fevereiro de 1974, com o possível título sendo BOWIE-ING OUT.

O show segue o roteiro habitual, até que Bowie pronuncia as seguintes palavras antes de fechar com "Rock 'n' Roll Suicide": "Everybody...this has been one of the greatest tours of our lives. I would like to thank the band. I would like to thank our road crew. I would like to thank our lighting people. Of all of the shows on this tour, this particular show will remain with us the longest (cheers from the audience) because not only is it...not only is it the last show of the tour, but its the last show that we'll ever do. Thank you."

Foi um choque. Para os fãs, para a gravadora, para a banda e para DeFries. Bowie resolvera dizer adeus sem avisar a ninguém. Ziggy estava morto e Bowie aposentado.

O disco duplo não foi editado em fevereiro de 1974, mas quase 10 anos depois, em 1983, duplo como planejado. E o que era para ser apenas um álbum da turnê acabou virando um documento histórico.

capa do disco Ziggy Stardust: The Motion PictureZiggy Stardust: The Motion Picture traz todas as faixas e na seqüência correta do filme, excetuando as duas em que há participação do guitarrista Jeff Beck. O disco acabou sendo remixado em 1983 para a adição de backing vocals e de um órgão em "My Death", de Jacques Brel.

Logo após o show, um frenesi tomou conta de DeFries e a da RCA, já que o empresário havia concordado com a gravadora e agendado nova turnê na América, com 38 datas a serem iniciadas em 1º de setembro, em Toronto e finalizando em 31 de outubro, em San Antonio, Texas. E De Fries tinha planos ainda maiores. A idéias era que a turnê tivesse 70 shows na América e que depois rumasse para União Soviética e China, em 1974.

Mas Bowie se aposentara, deixando dívidas em aberto, planos cancelados. Anos depois, ele revelou porque havia tomado tal decisão: "eu queria tudo ligado à MainMan ficasse bem longe de mim. Aquilo era um circo, e nunca quis aquele monte de gente ao meu lado, odiava aquilo tudo. Foi um alívio após todos aqueles anos... se eu sentasse em uma mesa, outras 15 pessoas sentavam comigo."

Após quatro dias de descanso, Bowie pegou um barco para Paris, no dia 8, rumando diretamente ao Château d'Hérouville para gravar um disco novo. Ele iria lançar um disco apenas de covers, contendo as suas canções favoritas dos grupos britânicos, dos anos 60. Além dele, Bryan Ferry havia tido uma idéia semelhante e estava gravando o disco These Foolish Things. Quando o líder do Roxy Music, soube que Bowie havia tido a mesma idéia, ficou furioso e tentou, inutilmente, forçar a Island a abrir um processo contra a RCA. Ferry sabia que seu disco seria totalmente eclipsado.

capa do compacto The Laughing GnomePin Ups foi o último momento com os Spiders from Mars e segundo Bowie uma grande curtição. O cantor havia ficado furioso e embaraçado quando a Deram, sua antiga gravadora, colocara no mercado o single The Laughing Gnome, que ele havia lançado originalmente em 1967, com uma nova foto.

A frustração aumentou quando o disco chegou ao quarto lugar da parada, vendendo mais de 250 mil cópias.

Enquanto isso, a imprensa especulava se Bowie realmente havia se aposentado. Alguns diziam, de maneira correta, que Bowie tinha aposentado a persona Ziggy, mas que a carreira continuaria.

Em outubro vem a primeira prova de que ele ainda estava vivo, ao ser editado o compacto Sorrow. O disco era para ter sido editado em setembro, mas o sucesso de The Laughing Gnome acabou atrasando. O single trazia "Port of Amsterdam" no lado B e chegou ao terceiro lugar na parada britânica.

"Sorrow" era uma antiga canção do grupo The Merseys, de 1966.

Enquanto o compacto era lançado, Bowie preparava algo especial, reservado aos sócios de seu fã-clube e algumas pessoas especialmente escolhidas: um show que seria exibido para a televisão norte-americana NBC e que receberia o nome de The Midnight Special. O show seria filmado no Marquee, em Londres e teria uma roupagem toda especial, com canções novas e inéditas e figurino diferente. As filmagens aconteceriam nos dias 18, 19 e 20 de outubro e seria televisionado apenas na América em 16 de novembro.

A banda que acompanharia Bowie trazia novos músicos: o guitarrista Mark Carr Pritchard e o baterista Aynsley Dunbar. Além deles, participariam o grupo The Troggs e Marianne Faithfull, sendo que ela faria um dueto de "I Got You Babe", vestida de freira!

O show teria as seguintes canções:

1984/Dodo (Bowie)
Sorrow (Bowie)
Bulerias (Carmen)
Everything's Alright (Bowie)
Space Oddity (Bowie)
I Can't Explain (Bowie)
As Tears Go By (Marianne Faithfull)
Time1 (Bowie)
Wild Thing (The Troggs)
The Jean Genie (Bowie)
Rock n Roll Suicide (Bowie) - não televisionada
20th Century Blues (Marianne Faithfull)
I Got You Babe (Bowie/Marianne Faithfull)

Bowie já estava trabalhando em um novo projeto inspirado no livro 1984, de George Orwell e o show foi altamente editado por causa de cenas que simulavam cenas de homossexualismo. Era a despedida de Bowie como Ziggy dos palcos, e segundo Ronson, foi a última que os dois se falaram. "Assim que o show terminou, olhamos um pro outro, nos despedimos com grunhidos e viramos as costas."

Enquanto o show era gravado, é lançado, no dia 19 de outubro, Pin Ups, com vendas antecipadas de 150 mil cópias. Na capa, Bowie posava com a modelo Twiggy.

Twiggy conta a curiosa foto da capa: "ela seria usada na capa da revista Vogue, mas um dos diretores enlouqueceu com a idéia de colocar um homem na capa! Eu disse que era burrice, pois com Bowie, a revista iria vender em um mês mais do que em toda a história. Enquanto o tal diretor pensava, Bowie me chamou e sugeriu que fosse usada na capa do disco."

Na contra-capa, Bowie conta que as canções haviam sido escolhidas entre as bandas que ele mais amava e via os shows, em Londres, entre 1964 e 1967.

Bowie relatou, meses depois, que ele e a banda sabia que não continuariam juntos e que por isso resolveram se divertir durante as gravações. O disco trazia as seguintes canções, dos seguintes artistas:

Lado 1

"Rosalyn" – dos The Pretty Things (1965)
"Here Comes the Night" – do Them (1965)
"I Wish You Would" – do Yardbirds em arranjo para uma composição de Boy Billy Boy Arnold (1955)
"See Emily Play" – do Pink Floyd (1967)
"Everything's Alright" – dos The Mojos (1964)
"I Can't Explain" – do The Who (1965)

Lado 2

"Friday on My Mind" – do The Easybeats (1967)
"Sorrow" – do The Merseys (1966)
"Don't Bring Me Down" – do The Pretty Things (1965)
"Shapes of Things" – do The Yardbirds (1965)
"Anyway, Anyhow, Anywhere" – do The Who (1965)
"Where Have All The Good Times Gone" – do The Kinks (1965)

Com ele, Bowie encerra a fase Ziggy e rumaria a novos projetos, que já foram comentados na coluna sobre Diamond Dogs.

Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

David Bowie (1967)
Space Oddity (também conhecido como Man of Words/Man of Music, 1969)
The Man Who Sold The World (1971)
Hunky Dory (1971)
The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972)
Aladdin Sane (1973)
Pin Ups (1973)
Diamond Dogs (1974)
David Live (1974)
Young Americans (1975)
Station to Station (1976)
ChangesOneBowie (1976)
Low (1977)
“Heroes” (1977)
Stage (1978)
Prokofiev's Peter and the Wolf (1978)
Lodger (1979)
Scary Monsters (And Super Creeps) (1980)
ChangesTwoBowie (1981)
Christiane F. Win Kinder (trilha sonora, 1982)
David Bowie in Betrtort Brecht's Baal (1982)
“Peace on Earth” /“Little Drummer Boy” (com Bing Crosby, 1982)
Ziggy Stardust: The Motion Picture (1983)
Let's Dance (1983)
Golden Years (1983)
Love You Till Tuesday (1984, gravado em 1969)
Tonight (1984)
Never Let Me Down (1987)
Tin Machine (1989)
Sound and Vision (1989)
ChangesBowie (1990)
Tin Machine II (1991)
Oy Vey, Baby (1992)
Black Tie White Noise (1993)
Singles: 1969-1993 (1993)
Buddha of Suburbia (1994)
1.Outside (1995)
Earthling (1997)
The Best of David Bowie 1969/1974 (1997)
The Best of David Bowie 1974/1979 (1998)
“hours...” (1999)
Singles Collection (1999)
Bowie at the Beeb: The Best of the BBC Radio Sessions (2000)
London Boy (2001)
Heathen (2002)
Reality (2003)

 


 

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