Três anos atrás falei do primeiro disco da banda e prometi que um dia falaria de Metal Box, segundo trabalho e considerado a grande obra-prima do PiL Um disco de difícil digestão, graças ao som arrastado pesado, monocórdico, dissonante e com os vocais de Lydon mais gritados do que nunca. Não espere uma faixa calma ou que traga alívio aos ouvidos. Se for isso que procura, fique longe de Metal Box. Desde o seu visual diferente (uma caixa parecida com aquelas que protegem rolos de filme), até o formato dos discos (três EPs de 45 polegadas sem nenhuma ordem genérica), a banda queria pular na frente em termos sonoros e estilísticos. Uma primeira tiragem de 50 mil cópias logo foi esgotada e depois a gravadora Virgin lançou – em fevereiro de 1980 – o disco com o nome de Second Edition em vinil duplo, com as letras. Metal Box foi aclamado com entusiasmo pela crítica inglesa e considerado um dos melhores discos do ano e da década. E não ficou por aí: John Lydon exorcizara por completo o fantasma de ex-Pistol e adquirira um status inédito para qualquer músico de sua geração: o de maior nome da cena inglesa depois de David Bowie. Para a sorte dos colecionadores, ele foi lançado em CD com uma caixa de lata idêntica, mas as doze canções reunidas apenas em um disco. Ao lado de London Calling do Clash, Fear of Music do Talking Heads, Unknown Pleasures, do Joy Division e de Lodger de Bowie, Metal Box, completa a relação dos álbuns mais importantes lançados em 1979.
Um outro problema após a perda de Walker foram as apresentações já agendadas. O grupo faria uma aparição em Dublin, no Dublin Project Arts Centre, no dia 16 de fevereiro, mas foi obrigado a cancelar, já que na mesma data haveria uma audiência do julgamento que o vocalista movia contra o empresário Malcolm McLaren. Lydon queria receber dinheiro por achar que Malcolm acumulara uma grande fortuna explorando nome dos Sex Pistols, desde seu nascimento. O processo se arrastaria por vários anos. O segundo show seria realizado em Manchester, no dia 23 do mesmo mês.
Rapidamente entraram em estúdio para começar a produzir material novo, com Dave sendo firmado na bateria. Fizeram uma versão “moderna” de Swan Lake, de Tchaikovsky, mas antes haviam realizado uma canção chamada “Death Disco”, que John dedicou para sua mãe, que morreria meses depois de câncer. “A gravação desta canção me marca até hoje. Poucos sabem, mas o PiL tinha um orçamento extremamente limitado para gravar e por isso, aproveitávamos o intervalo de gravação de uma banda, para fazermos nossas músicas. Nosso primeiros discos foram bem baratos. Nós telefonávamos para os estúdios e eles falavam que caso quiséssemos tocar naquele minuto, era para corrermos. Bem, num desses dias resolvi atender o pedido de minha mãe, que queria uma canção em sua homenagem. Eu a escrevi e ela adorou, achou extremamente divertida. Ela era bem o retrato de meu lar: mesmo estando doente, não perdia o senso de humor.” A canção acabaria sendo o segundo single da banda, mas não faz parte do repertório de Metal Box. Mesmo após as gravações, John, Jah Wobble e Keith Levene dispensaram Dave por não gostarem do seu estilo. Após uma seleção, chamaram Richard Dudanski, que havia participado dos grupos 101’ers (primeira banda de Joe Strummer) e do Raincoats. Com Richard, voltaram ao estúdio e produziram várias músicas novas: “And No Birds Do Sing (nome tirado de um poema de Keats), “Albatross”, “Memories” e “Chant”. No dia 18 de junho, o PiL faria seu segundo show no ano em Manchester – uma apresentação secreta anunciada apenas alguns momentos antes de começar – no Russel’s Club. Foi uma perfomance histórica. Além da novas canções, Lydon fez uma brincadeira com a platéia. Durante as canções “And No Birds Do Sing” e “Albatross”, ele colocava trechos do jogo em que o Arsenal vencera o Manchester United (time local) por 3 a 2, na final da Copa da Inglaterra. O público, porém, entendeu a brincadeira e a banda saiu abaixo de aplausos. Dias depois chegava ao mercado o single “Death Disco”, em duas versões, de sete e doze polegadas e com diferenças. No compacto de sete, havia uma edição editada da canção de quatro minutos e o lado B era composta por “And No Birds Do Sing” (primeira gravação com Dudanski). Mas o single de doze era a grande surpresa: O lado B consistia em uma versão mix de “Fodderstompf” do primeiro álbum (a canção ficou conhecida como “half mix”), e do lado A uma versão de 11 minutos de “Death Disco”. “Death Disco” foi eleito o single do ano pela revista Melody Maker, que chamava a atenção pela sua experimentação e composição, “uma das experiências mais surpreendentes desde Tago Mago, do grupo alemão Can”. A revista acertou em cheio ao apontar a banda alemã como uma das principais influências do PiL Outro aspecto citado era o caos da canção, extremamente fora dos padrões. Não havia nada de comercial nela, e por isso, acabou não tendo o mesmo sucesso de Public Image nas paradas. Apesar disso, a banda ainda tinha o fantasma do Sex Pistols rondando. Em agosto, em uma entrevista para a rádio Merseyside, Keith falou sobre o assunto: “o público pensa que o PiL é uma continuação dos Pistols, e não é verdade. Eles ficam intimidados com nosso som, esperando algo parecido com o passado, mas não fazemos isso.” A banda continuava a ter que se explicar e John resumiu o que sentia em uma carta dirigida a um fã: “todo som que rompe com o passado não precisa necessariamente ser considerado melhor ou pior e o PiL não é uma banda comum. Nós vamos nos sobressair, porque o rock está morto. A música nada mais é do que uma coleção de barulhos e sem limites.” Tamanha atenção fez com que o grupo fosse a principal atração de um festival em Leeds, no dia 8 de setembro, no Queen’s Hall. A apresentação ficaria marcada por dois grandes motivos: foi o último show em que Dudanski tocou e a última performance da banda no Reino Unido pelos próximos quatro anos. O estopim foi a revolta do público, que exigia ouvir canções do Pistols. Lydon, irritado com a situação, deu as costas para o público durante o show. Levene arrematou dizendo que “foi um show de merda, para uma merda de audiência em uma merda de lugar.” Os resultados (a saída de Dudanski e a decisão de não tocar mais no Reino Unido) acabou levando o baterista a mandar uma carta para Neil Spencer, editor da revista New Musical Express. Eis um trecho dela: “Caro Senhor Spencer, eu gostaria de informar que após o show de Leeds, deixei o PiL Minhas brigas e falta de habilidade em lidar com alguns dos integrantes, acabou resultando em uma saída benéfica para todos. Nós poderíamos ter enorme potencial para sermos um grupo de sucesso garantido, mas acho que essa garantia faria com que o PiL tivesse boas idéias, mas que não passaria disso.”
Lydon explica o conceito: “nós tivemos que brigar muito com a Virgin por causa da embalagem. Eles argumentaram que o custo seria imenso e falamos que eles poderiam diminuir então o nosso pagamento. Queríamos a caixa porque, tanto eu, como Keith, Wobble e Jeanette (que ainda não era membro oficial do grupo, mas tem seu nome nos créditos) achávamos que vídeo e filme eram o futuro. O maior interesse era desenvolver uma tipo de polaroid musical, um filme com um tema. Keith era o melhor guitarrista do mundo e começamos a colocar sintetizadores e saxes nas canções. Nós queríamos canções sem uma fórmula planejada, desde que essa ‘não-fórmula’ fosse planejada.” As doze canções foram divididas em três EPs, com as seguintes faixas: disco I: Albatross/Memories/Swan Lake; II: Poptones/Careering/No Birds/Graveyard; III: The Suit/Bad Baby/Socialist/Chant/Radio Four. No encarte, uma curiosidade: nome de dois integrantes novos do PiL: Dave Crowe e Jeanette Lee. Um tiragem limitada de 50 mil cópias foi realizada com o propósito de despertar a curiosiades do fãs e fazer com que o disco decolasse nas paradas. Mas após oito semanas de lançamento, Metal Box estacionara na 18ª posição entre os mais vendidos. O álbum também dividiu a opinião dos críticos. O New Musical Express chamou a atenção para a já citada influência do grupo alemão Can e afirmou que o som era o mais opressivo e agressivo desde Tago Mago. Segundo o semanário, o forte conhecimento do trabalho em estúdio era a grande peça chave do trabalho. O Sounds foi ainda mais longe, chamando o disco de indispensável e afirmando ser indispensável para o caminho futuro do rock. A imprensa começou a falar sobre as letras, que não constavam dentro do disco. Lydon explicou que não eram a grande preocupação no trabalho. “O que fizemos foi pegar uma melodia qualquer e a modificamos várias vezes.” Alguns dos críticos disseram que a falta de ordem (não havia o disco um, dois ou três) era um dos motivos do estranhamento do público. Levene explica que isso foi proposital: “Metal Box não é um disco de canções, elas não precisam ter uma ordem fixa para serem ouvidas. Eu odeio discos com uma ordem estabelecida.” Mesmo assim, a banda teve que explicar o conceito várias vezes e o Levene falou sobre o trabalho de Jeanette com o grupo. “ela fez uma espécie de diário visual do PiL durante as gravações, e também funciona como uma antena da banda com o mundo exterior.” Para promover o disco, a banda fez duas apresentações no programa de John Peel, na BBC. Nelas, o grupo conseguiu mostrar o novo som da banda e foi muito importante para que conseguissem ensaiar o repertório, especialmente para Martin Atkins, que brincou dizendo que tinha o emprego mais inseguro do mundo da música, uma alusão ao diversos bateristas que passaram pelo PiL durante todo o ano.
Como a própria banda definiu, Metal Box não é um disco de canções convencionais. Para quem não possui familiaridade com o som do grupo, é recomendável primeiro ouvir o álbum de estréia para poder entender o conceito do PiL, ainda que a diferença estilística e estética entre os dois sejam abissais. Ou então, se puder gastar um pouco de dinheiro extra, comprar a caixa Plastic Box com quatro cds, com faixas de todas as etapas do grupo e algumas extras (entre elas, as produzidas no programa de John Peel, em 1979). Fiquem com as letras de “Death Disco”, que apesar de não fazer parte do álbum é a primeira “pista” para o novo som do grupo e com a de “Memories”. Death Disco Seeing in your eyes Memories Discografia Public Image Limited/First Issue (1978)
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