074 – Gang of Four – Entrevista com Andy Gill

Você sabe qual era a banda favorita de Renato Russo e do pessoal da Plebe Rude? Gang of Four. Esse grupo inglês, da mesma geração de Clash e Jam, chamado de marxista pelo conteúdo altamente político de suas letras, foi um dos grupos mais importantes de sua época e uma verdadeira referência para as bandas atuais. A maior marca do Gang of Four era a guitarra sincopada e cheia de efeitos de Andy Gill, que influenciou quase todo mundo depois dele, sendo The Edge um dos seus mais famosos discípulos. Em outra empreitada cara-de-pau minha, consegui uma entrevista com a lenda. Em um primeiro momento, mandei as perguntas por e-mail. Como achou que eram demasiadas e muito amplas, preferiu que eu fizesse por telefone. Depois de controlar o nervosismo e o intestino, liguei no dia combinado. As três primeiras vezes ele pediu para que ligasse “daqui a meia hora, estou com um probleminha de última hora”. Finalmente, as 15h30 de sábado, consegui pegá-lo na curva. Imaginei que fosse um cara meio fechado, sério, já que o Gang of Four carregava uma certa aura de pouco humor. Que nada! Andy mostrou ser um cavalheiro e perdeu apenas uma vez a paciência quando me enrolei inteiro em uma pergunta. Mesmo assim, apenas disse say it again! e tudo bem.

Durante 30 minutos, falou sobre a possível volta do Gang of Four, comentou, com algumas ressalvas, contemporâneos como Clash e Jam, quis saber sobre o nosso presidente Lula e prometeu me mandar uns cds autografados e ainda pediu que eu enviasse alguns do Legião e da Plebe, entusiasmado com minhas palavras.

Se eu vou mandar? Bem, eu já os comprei! O papo está todo aí.


Gang of Four é uma daquelas bandas que começam a ser melhor analisadas e compreendidas após anos e anos. Um grupo que mesclava o funk, o reggae, e eventualmente até a disco com seu rock bruto, letras engajadas e músicos espetaculares. O nome foi tirado de um grupo que existiu na China durante os anos de liderança de Mao Tse-tung. A “camarilha dos quatro” original era formada por Jiang Qing, Zhang Chungiao, Yao Wenyuan e Wang Hongwen. Ele subiram ao poder durante a Revolução Cultural no país em 1966, e tendo a bênção de Mao até sua morte, em 1976, controlavam as áreas de educação, tecnologia e perseguição aos intelectuais opositores.

capa de entertainment!Inspirados nessa idéia Dave Allen, baixista Hugo Burnham, baterista e vocalista, Andy Gill, guitarra e voz (“Anthrax,” “Paralysed”) e Jon King, vocais – começaram a tocar no verão de 1977. Os primeiros shows foram realizados em Leeds, já que Burnham, Gill e King eram alunos da Universidade local. O grupo queria casar sua paixão por Monet, Godard e George Clinton com os acontecimentos políticos que agitavam a Europa naquele momento. Um dos protestos que mais marcou os integrantes foi uma passeata de neo-nazistas nas ruas de Leeds, que acabou no maior quebra pau. Determinados a combater toda forma de repressão, violência e perseguição, faziam letras que criticavam o governo conservador, a falta de oportunidade para os mais pobres e até propaganda comunista. Seus três primeiros discos – Entertainment!Solid Gold e Songs Of The Free (já com Sara Lee no baixo) são exemplos ímpares de sua marca. Guitarras faiscando, baixo funkeado, casamento com ritmos negros e muita politização. Gill era o mestre por trás de toda essa parafernália e um dos guitarrista mais criativos e inteligentes de sua geração. Amante da música americana, especialmente de Velvet Underground, Jimi Hendrix e Bob Dylan, sentiu uma atração imediata com os grupos nova-iorquinos como Television e Talking Heads. Apesar de todo esse passado sério, mostrou-se ser um cara bem acessível e simpático e bem falante, passando até uma imagem de tímido, o tipo da pessoa que fala de olhos fechados ou olhando para o infinito enquanto dispara pensamentos e no começo me fez mais perguntas do que eu a ele. O único problema foi seu pesado sotaque londrino, que me obrigou a ouvir a fita umas 30 vezes, fita essa que já está guardada em meus arquivos secretos. Agora deixo vocês com a íntegra do bate-papo.

Pergunta: – Olá Andy, muito obrigado pela chance de falar com você. Sou fã da banda há anos.
Andy Gill: –
 Olá Rubens, é um prazer falar com alguém de seu país. Achei muito interessante conversar com um jornalista brasileiro quando me requisitou a entrevista.

Pergunta: – Bom, deixe eu começar falando uma coisa que você talvez não saiba. Duas das melhores bandas brasileiras de rock, Legião Urbana e Plebe Rude, tiveram uma grande influência do Gang of Four. O que acha disso?
Andy Gill: –
 Olhe, eu me lembro que alguém já tinha comentado que o Gang tinha uma certa fama na América do Sul, e algumas pessoas ligadas aos grupos brasileiros até pensaram em me convidar para produzir alguns discos em seus país. Achei a idéia fantástica porque o Brasil tem uma cultura complexa e muito fascinante. Poderia me dizer como essas bandas soam?

Pergunta: – A Plebe tem uma sonoridade e postura mais próximas de vocês, é um grupo um pouco mais punk. O Legião tinha como grande fã o falecido vocalista Renato Russo, que dizia ser apaixonado por Gang e P.I.L desde adolescente.
Andy Gill: –
 Que legal! Me fale mais como eles soam?

Pergunta: – Bem, alguns fãs vão me bater, mas a Plebe soa como se fosse meio Gang, meio Pistols, principalmente ao vivo. Já o Legião seria um casamento diferente, meio Gang, meio Dylan, se isso for possível…
Andy Gill: –
 Dylan misturado conosco? Deve ser muito bom! Poderia me mandar alguns cds deles? Fiquei curioso.

Pergunta: – Claro que sim. Se você me mandar uns do grupo com seu autógrafo (risos).
Andy Gill: –
 Combinado. Terei imenso prazer.

Pergunta: – Legal. Me diga, o que você conhece do Brasil? Sabia que temos um presidente de origem humilde, um ex-operário e que foi eleito com expressiva votação?
Andy Gill:
 – Fiquei sabendo, mas infelizmente as notícias que chegam aqui são poucas, as pessoas se preocupam muito pouco com a América do Sul, Latina e África. Me fale um pouco dele, é um bom homem?

Pergunta: – É uma excelente pessoa que está disposto a ajudar os mais necessitados e tentando uma integração maior com os países vizinhos. Sua eleição foi um grande acontecimento histórico para o Brasil, já que é um homem de esquerda e respeitado.
Andy Gill:
 – São ótimas notícias. Espero que ele ajude muito a população. Vocês votou nele?

Pergunta: – Votei sim.
Andy Gill:
 – Bom, muito bom.

Pergunta: – Bom, Andy, eu gostaria de falar um pouco agora contigo sobre música. É possível? (risos)
Andy Gill:
 – Claro que sim. Vamos lá! (risos)

Pergunta: – Para começar, vocês estão voltando ou não?
Andy Gill: –
 É uma possibilidade. Estou pensando nos próximos seis meses, já que a EMI está querendo uma compilação de nossos discos para o começo do ano que vem, em comemoração aos 25 anos do nosso álbum de estréia. Existe uma grande chance real de nos reunirmos.


Pergunta: – O Gang of Four era comparado ao Clash, Jam e Specials por suas letras altamente politizadas e até pela mistura de música negra com o rock. Como era o relacionamento de vocês com eles?
Andy Gill: –
 É difícil de dizer isso. Nossos éramos considerados um grupo marxista e éramos muito diferentes de todos eles. Em alguns níveis éramos mais complexos, tínhamos uma hierarquia interna meio rígida. O Clash era uma banda que dizia “ei, vamos derrubar barreiras e provocar o sistema.” Nós fizemos alguns shows com o Jam, mas Paul Weller tinha um pouco de mágoa, porque eles nunca fizeram sucesso na América e nós sim. Ele vivia me perguntando o que tinha que fazer para que isso acontecesse (risos). Voltando ao Clash, eu senti muito a morte de Joe (Strummer), mesmo vendo-o pouca vezes nesses últimos anos. Aliás a última vez que nos encotramos foi em um estúdio quando ele estava tocando com o Michael Hutchence (ex-vocalista do INXS, que se enforcou). O Clash era fantástico, eles tinham algumas idéias um pouco diferentes das nossas, mas eram grandes.

Pergunta: – Me fale de seu trabalho de produtor… Você trabalhou com o Red Hot Chili Peppers. Como é você em estúdio?
Andy Gill: –
 Eu produzi o primeiro disco deles. Cada banda tem sua própria maneira de trabalhar. Eu tento encontrar um “approach” com cada um deles, saber o que pensam e como posso ajudá-los. Alguns artistas já têm uma idéia pronta e precisam apenas de alguém para viabilizá-la. Outras bandas entram meio perdidas e necessitam de uma maior orientação.

Pergunta: – E como foi seu trabalho com o Red Hot?
Andy Gill: –
 Foi bem divertido, adorei trabalhar com eles. É um grupo extremamente talentoso e que me surpreenderam em estúdio.

Pergunta: – Você é um guitarrista estupendo e influenciou vários outros músicos. Quem são seus melhores seguidores?
Andy Gill: –
 Bem, Edge do U2 já me disse que copiou muito minha maneira de tocar. Eu consegui criar uma linguagem no instrumento que agradou várias pessoas e que tentaram segui-la. Peter Buck, do R.E.M. é outro que já me disse se inspirar em mim também, assim como o Red Hot.

Pergunta: – Qual foi o impacto que a música americana causou em você?
Andy Gill: –
 Bem, eu adoro Velvet Underground, Jimi Hendrix e Bob Dylan, entre outras coisas. É uma música muito rica, complexa, assim como a brasileira. Eu sempre gostei de ouvir um pouco de cada estilo: blues, jazz, soul e claro, o rock que era produzido nos anos 60.

Pergunta: – Mas você era ligado muito nas bandas do CBGB (clube nova-iorquino onde começaram a se apresentar Patti Smith, Television, Ramones, Blondie, Talking Heads, Richard Hell, entre outros, nos primeiros anos da década de 70).
Andy Gill: –
 Sim, adorava esses grupos porque eram inovadores com uma nova linguagem e você podia conversar com o Joey (Ramone) ou mesmo John (Cale) pelos corredores do clube. Era muito excitante por causa disso, embora não tenham me influenciado tanto pelo som como aconteceu com o Velvet, Dylan e Hendrix.

Pergunta: – O que mais te influenciou?
Andy Gill: –
 Reggae, nós gostávamos muito de reggae, dub, as tonalidades de guitarra e o som da bateria e tentamos incorporar essas influências em nossa música, a maneira como a bateria carregava a canção, as paradas na guitarra.

capa de Solid GoldPergunta: – Por que é tão difícil achar os discos do grupo em CD hoje em dia?
Andy Gill: –
 Bem, estamos voltando a discutir com a EMI sobre nossos discos serem relançados. Em 95, nossos três primeiros discos saíram pela Infinite Zero (antiga gravadora que pertencia a Henry Rollins, do Rollins Band).

Pergunta: – Aliás, esses discos vinham com faixas bônus, incluindo alguns EPs. O que achou dessa idéia da Infinite?
Andy Gill: –
 Foi excelente. Eles tiveram um grande cuidado com o encarte, as letras e com o som. Pena que não durou muito tempo.

Pergunta: – Qual sua opinião sobre mp3? Você é contra ou a favor? Acha que esses arquivos prejudicam as vendagens?
Andy Gill: – 
Eu acho uma idéia genial. Pode não ter uma grande qualidade de som, mas é uma ótima maneira das pessoas poderem conhecer músicas e grupos que não tinham acesso, e se gostarem, procurarem os discos originais. Eu não estou certo que prejudiquem as vendas como falam, mas para grupos não tão famosos é uma ótima oportunidade de ter seu trabalho divulgado, e até ajudar a vender CDs, se quer saber!

capa de Songs Of the FreePergunta: – Gostaria que você falasse um pouco dos três primeiros álbuns. Songs of The Free é um pouco mais dançante e leve do que os anteriores. Foi por causa da entrada de Sara Lee?
Andy Gill: –
 Não acho que teve muita mudança no nosso som com ela para falar a verdade. Naquele período nós queríamos testar novas possibilidades do que tínhamos conseguindo com Entertainment! e Solid Gold, e começamos a usar bateria eletrônica, um pouco mais acessível. Alguns preferem mais os dois primeiros discos, mas eu gosto de todos eles.

Pergunta: – Qual seu disco preferido do Gang of Four?
Andy Gill: –
 Eu gosto muito do nosso primeiro álbum, porque o disco de estréia é sempre muito especial em todas as maneiras. Você toma mais cuidado com as letras, com a produção, é sempre uma expectativa muito grande.

Pergunta: – E sua canção favorita?
Andy Gill: –
 Eu gosto de “Not Great Men”.

Pergunta: – A minha favorita é “Paralysed” (de Solid Gold).
Andy Gill: – 
Mesmo? Bem, eu canto nessa canção. Obrigado pela escolha.

Pergunta: – Obrigado pelo seu tempo, Andy e desculpe pelo meu inglês.
Andy Gill: – Eu que agradeço e não se preocupe, você se saiu bem (risos).

Para encerrar, deixo a letra de “Not Great Men”, canção favorita de Andy Gill. Se quiser saber o que Andy Gill anda fazendo, vá ao site pessoal dele. Até mais!

Not Great Men

No weak men in the books at home
The strong men who have made the world
History lives on the books at home
The books at home

It’s not made by great men
It’s not made by great men
It’s not made by great men
It’s not made by great men

The past lives on in your front room
The poor still weak the rich still rule
History lives in the books at home
The books at home

It’s not made by great men
It’s not made by great men
It’s not made by great men
It’s not made by great men

The past lives in the books at home
No weak men in the books at home
History lives in the books at home
The books at home

It’s not made by great men
It’s not made by great men
It’s not made by great men
It’s not made by great men

Discografia

Compactos

Damaged Goods / Love Like Anthrax / Armalite Rifle (1978)
At Home He’s A Tourist / It’s Her Factory (1979)
Outside The Trains Don’t Run On Time / He’d Send In The Army (1980)
Yellow EP (1980)
What We All Want (1981)
Cheeseburger / Paralysed (1981)
To Hell With Poverty! (1981)
Another Day / Another Dollar (1982)
I Love A Man In Uniform (1982)
Call Me Up (1982)
Is it Love? (1983)
The Peel Sessions (1986)
Don’t Fix What Ain’t Broke (1991)
Satellite (1991)
Tattoo (1995)

Discos

Entertainment! (1979)
Solid Gold (1981)
Songs Of The Free (1982)
Hard (1983)
A Brief History of the Twentieth Century (1990)
Peel Sessions (1990)
Mall (1991)
Shrinkwrapped (1995)
100 Flowers Bloom (1998)
Return the Gift (2005)

Alguns artistas e discos que Gill produziu.

Grupo e título do disco

The Balancing Art – Curtains
The Red Hot Chili Peppers – The Red Hot Chili Peppers
Downey Mildew – Cool Nights
Mad Cow Disease – Tantric Disco
Designer Disco Dollies
Buster Jones – Hands Are Shaking
The Morgans – Tell Me What You Taste
Intastella – Waht Y’Gonna Do
The Stranglers – Written in Red
The Armageddon Dildos – Speed
The Jesus Lizard – Cold Water e Blue
Bis – Social Dancing
Boss Hog – Whiteout
Hal from Apollo 69 – 666
Michael Hutchence – Michael Hutchence