006 – Talking Heads – Fear of Music

Os Talking Heads foram pioneiros na fusão de ritmos africanos com rock, sendo um dos criadores da ‘world music’. Fear of Music foi, ao lado de Remain in Light, um dos momentos mais inspirados dessa banda singular.

 


Até que ponto ter um grande produtor ao seu lado? Qualquer pessoa diria que é ótimo ter alguém assim, pois é uma ajuda e tanto. Mas os integrantes do Talking Heads não estavam tão certos, assim. Pelo menos, não Tina Weymouth, Chris Frantz e Jerry Harrison.

Não há dúvidas que Brian Eno acrescentou muito ao grupo quando chegou para produzir More Songs About Building And Food.

Eno, porém, jamais foi apenas um produtor simplesmente. Desde o começo, em qualquer projeto que entrasse como músico, convidado ou produtor, sempre dava um jeito de tentar controlar alguma situação além do permitido.

Brilhante, percebeu em David Byrne um “irmão gêmeo” e começou a querer mudar o som do Talking Heads mais do que a banda desejava. Os dois sempre foram pessoas de personalidade forte, auto-confiantes e um tanto arrogantes e egoístas em suas idéias.

Eno viu nos Talking Heads uma banda pronta para ousar e experimentar uma trilha que ele já tinha começado – em parte – com David Bowie: a mistura da música negra e ritmos africanos com o rock branco.

David Byrne lembra do primeiro encontro: “Conheci Brian Eno na Europa, em 1977, enquanto excursionávamos com os Ramones. Ele me disse que tinha gostado muito do nosso som e das letras e pediu para mantermos contato.”

David Byrne e John CaleEno também se lembra desse encontro: “eu estava assistindo um show da banda e foi convidado pelo Chris (Frantz, baterista do grupo), para ir até o backstage. Cheguei lá e dei de cara com o John Cale que pediu distância, porque ele ira produzir o grupo. Disse a ele que não tinha interesse na banda.”

Assim, depois de produzir More Songs About Building And Food, em 78, Eno e a banda partiram para um novo projeto. Ele tinha uns pacote de cartões, chamado por ele mesmo de “Estratégias Oblíquas”. Era usado para decisões, como se fosse uma ferramenta. Eno destestava lógica, tradição e queria sempre inovar, o que vinha de encontro ao Talking Heads.

“Brian me deu muita confiança no estúdio, me ensinando que não há nada preparado no estúdio. Ele realmente achava interessante ouvir o que as pessoas estavam fazendo. Ele não vinha cheio de idéias brilhantes, mas ele poderia ouvir uma idéia original que alguém tivesse e ainda ajudar na composição. Era realmente muito bom”, lembra Byrne.

Não era bem assim. Eno já era quase um quinto membro não-oficial do grupo e sua imensa interferência causava controvérsia nos demais membros. Embora fosse um músico brilhante e com idéias avançadas, Eno queria fazer do Talking Heads um instrumento para suas idéias. É como se fosse um disco de Brian Eno “tocado” pelos Talking Heads.

Para as gravações, Eno convidou um velho amigo, Robert Fripp, guitarrista do King Crimson. A banda entrava em uma jornada de explorar mais os ritmos, casada com um clima mais sombrio nas composições.

O nome Fear of Music foi tirado de um livro que David Byrne estava comentando com a banda na época, chamado The Music and the Brain. Segundo o livro, há um tipo de epilepsia que é causada pela música. Para algumas pessoas acontecem somente quando ouvem música clássica ou quando ouve um som particular.

A capa do disco, inteira preta, em alto-relevo foi idéia do tecladista e guitarrista Jerry Harrison. Ele queria usar originalmente um tipo de plástico, mas era muito caro. Byrne então bolou um desenho para a capa, semelhante ao que Jerry queria, um material que pudesse ser usado em cima de metal.

Fear of Music foi lançado no dia 3 de agosto de 1979 e ganhou uma indicação ao Grammy de melhor capa de disco.

O crítico do Village Voice, Lester Bangs, considerou o disco um dos melhores álbuns de comédia de todos os tempos.

“Vivemos em uma época de mutações e os Talking Heads são os mais humanos entre os mutantes. “

Fear of Music foi lançado com as seguintes músicas:

Lado 1

1. “I Zimbra” (Byrne, Brian Eno, Hugo Ball) – 3:06
2. “Mind” – 4:12
3. “Paper” – 2:36
4. “Cities” – 4:05
5. “Life During Wartime” (Byrne, Chris Frantz, Jerry Harrison, Tina Weymouth) – 3:41
6. “Memories Can’t Wait” (Byrne, Jerry Harrison) – 3:30

Lado 2

1. “Air” – 3:33
2. “Heaven” (Byrne, Harrison) – 4:01
3. “Animals” – 3:29
4. “Electric Guitar” – 2:59
5. “Drugs” – 5:13

Veja a explicações dos integrantes, faixa a faixa do disco, com exceção da faixa Cities:

I Zimbra, segundo David Byrne: Eu estava inspirado por um disco de música africana chamado 17 Mabone. Eram guitarra, violino e saxes completamente soltos, ao melhor estilo de Fela Kuti e King Sunny Adé. Minha idéia original era poder reunir vários riffs de guitarras, usando o mesmo ritmo e eliminar os menos interessantes. Haveria sete ou oito seções diferentes para a canção, e nós iríamos de uma sessão para a outra e então apertaríamos todas as seções em uma só. Nós queríamos algum tipo de percussão, congas. Brian e eu vimos dois caras fantásticos em um parque de Washington e os convidamos. Depois chamamos Robert Fripp. Eno sugeriu uma melodia depois de todos os instrumentos e arranjos. Foi quando colocamos a letra. Nós concordamos que deveria ser algo improvisado, algo fácil de ser repetido. As palavras vieram de um poema fonético, sílabas nonsense de um poema de Hugo Ball.

Mind, por David Byrne: Há alguns sintetizadores e assovios em “Mind”, que imagino ser bem sensuais.

Paper, por Tina Weymouth: Eu não gostei dessa canção por muito tempo. A letra não tinha ainda sido escrita, mas eu não gostava do riff da guitarra de David. Então todos começamos a tocá-la e de repente ganhou a forma de uma canção. Eu percebi no que estava trabalhando e acabei gostando.

Life During Wartime, por Jerry Harrison: David tinha uma frase na guitarra e durante um ensaio, ele pediu para que eu fizesse algo com aquela frase. Eu comecei e de repente parei e comecei a tocar de novo, mas de uma maneira meio diferente. Então ele juntou as duas frases e disse para gravarmos. Nós não pensamos nisso por uns seis meses até que um dia voltamos a ouvir a gravação. Não estávamos ensaiando, apenas começamos a tocar sem um rumo certo. Então a Tina criou uma linha de baixo e David voltou para a parte que tínhamos desenvolvido no ensaio. A música desenvolveu sozinha. Nós a chamávamos de nossa canção de New Orleans.

Air, por David Byrne: Eu acho “Air” muito sensível. Eu tentei escrever uma canção tocante, com uma melodia bem melancólica. Para mim, é um canção triste, mas as palavras não refletem bem isso. É sobre uma pessoa que se sente tão mal, que até o ar pode sentir a dor.

Heaven, por David Byrne: Quando fiz Heaven eu tentava parecer com Neil Young. Eu tinha ouvido Tonight’s The Night e Zuma, discos com grandes músicas. Eu queria mostrar que ao invés de felicidade, o modelo de beleza poderia ser uma coisa mudana que acontece sempre e sempre, repetidamente. Uma coisa prazerosa o suficiente, mas não excitante. Coisas normais podem ser perfeitas. É quase como se o paraíso não pudesse ser nada.

Animals, por Jerry Harrison: É a típica canção que as pessoas gostam ou não. As pessoas têm um grande carinho por seus bichinhos de estimação. É uma canção cheia de truques na métrica. Tivemos dificuldades em cantá-la ao mesmo tempo.

Electric Guitar, por Tina Weymouth: “Electric Guitar” seria originalmente apenas palavras batida em um papel. David me mostrou um monte de palavras. Nós não tínhamos terminado a canção, mas isso não tinha importância porque seria pedaços sem música ou contexto. Eu disse para ele ir frente, porque era muito estranho. Então começou a cantar aquilo como se fosse um retardado. Nós dissemos para ir em frente, porque estava muito retardado, você não entendia a letra. Brian pôs um efeito no meu baixo e soou como uma tuba e gostei muito disso.

Drugs, por David Byrne: Originalmente era para ser chamado de Electricity. Era um vocal divertido. Eu tentei uma aproximação diferente, dando ênfase nas sílabas erradas. Eu tentei cantar bem de leve e tentei cantar um estilo exclamatório. Fiquei frustrado, nada parecia funcionar. Comecei a fazer um monte de excercíos enquanto cantava, até que comecei a trotar e funcionou. É um canção com a respiração diferente; você ouve um pouco de grito e sopro.

Fear of Music foi seguida de uma grande excursão pela América e Europa e teve uma vendagem modesta, ficando em 21º lugar, nos EUA e, em 33º, no Reino Unido.

O passo seguinte seria o mais aclamado disco do grupo, Remain In Light. Mas isso é papo para outro dia. Até mais!

Discografia

Talking Heads: 77 (1977)
More Songs About Building And Food (1978)
Fear of Music (1979)
Remain In Light (1980)
The Name of This Band is Talking Heads (1982)
Speaking In Tongues (1983)
Stop making Sense (1984, versão quase na íntegra, 1999)
Little Creatures (1985)
True Stories (1986)
Naked (1988)
The Best Of: Once In a Lifetime (1991)
Popular Favorites: Sand in the Vaseline (1991)
Once in a Lifetime – The Best of Talking Heads (1992)
12 x 12 Original Remixes (1999)
Once In a Lifetime (Box com 3 Cds, 2003)
The Best of Talking Heads (2004)
Talking Heads Dual Disc Brick (caixa com 8 cds, 2005)
Bonus Rarities and Outtakes (2006)
Talking Heads: The Collection (2007)