371 - Talking Heads - 77 e More Songs About Building And Food

Revendo as colunas escritas desse site, reparei que não tinha contado a história do Talking Heads pelo início, algo que jurava que já tinha feito. Uma das mais originais bandas da cena nova-iorquina e segundo David Byrne, a última da "geração CBGB a assinar com uma gravadora", os Heads tiveram um começo bem interessante, já mostrando que eram bem diferentes de seus contemporâneos.



A história da banda começa por volta de 1974 quando David Byrne, Chris Frantz e Tina Weymouth eram estudantes de desenho, na Rhode Island School. Os três tinham histórias distintas.

Martina Michèle Weymouth, era a mais velha do trio, nascida em Coronado, Califórnia, no dia 22 de novembro de 1950; Charlton Christopher Frantz era natural de Fort Campbell, Kentucky, e nasceu no dia 8 de maio, de 1951; já David Byrne é escocês de nascença, natural de Dumbarton no dia 14 de maio de 1952.

Byrne, no entanto, veio ainda bebê para a América com a família, morando primeiro em Hamilton, no estádio de Ontário, no Canadá e depois Arbutus, em Maryland, indo depois morar em Baltimore, no mesmo estado.

Byrne foi o primeiro a arriscar no meio musical, com uma banda de nome Revelation.

Depois disso, se juntou a Marc Kehoe, que tocava acordeão e davam shows em vários clubes de Baltimore e San Francisco.

Em Rhode Island, David conhece o baterista Chris Frantz e juntos foram a banda The Artistics, que tocava basicamente covers, embora David já tivesse escrito algumas canções, entre elas "Psycho Killer", "I'm Not In Love" e "Warning Sign".

Uma das maiores fãs do grupo era Tina Weymouth, então namorada de Frantz. O grupo se dissolve em 1974 e os três pensam em montar uma banda nova. Tina resolveu adotar o baixo e o trio se muda para o Lower East Side, em Nova York.

Como toda banda novata, os três passavam horas ensaiando e escrevendo novas canções, quase todas de Byrne, o principal compositor.

O grupo passa boa parte de 1975 trabalhando e adotam o nome Talking Heads. Em 8 de junho, abrem os shows do Ramones, no CBGB.

O som deles era muito diferente dos demais grupos ligados ao CBGB: não era tão visceral quanto os Ramones, nem tão técnico quanto o Television. Também não havia uma musa nos vocais, como Debbie Harry ou alguém do carisma de Patti Smith.

Os Talking Heads não eram nem grandes músicos, mas possuíam algumas características interessantes, como a maneira de David Byrne cantar, as letras extremamente inteligentes e uma mulher como instrumentista e não cantora.

O grupo faz uma demo com "Psycho Killer", "'First Week, Last Week/Carefree" e "Artists Only" para Beserkeley Records, que se transformaria em um dos discos piratas mais famosos do grupo nos anos 80.

A banda começa a procurar selo, até fecharem com a Sire Records, em novembro de 1976.

Byrne relembra desses dias com alguma melancolia: "nossas músicas eram estranhas para boa parte das pessoas e acho que fomos a última banda do CBGB a assinar um contrato. Quando entramos em estúdio, Blondie já era famoso e Debbie era uma nova Marylin Monroe, Patti Smith, tinha virado a grande poetisa moderna; o Television era idolatrado pelas 'guitarras gêmeas' e os Ramones foram uma das grandes influências para os grupos punks londrinos. Foi um período frustrante para mim, porque achei que jamais teríamos uma chance de verdade, embora estivéssemos trabalhando duro e com boas composições."

Em dezembro lançam o compacto, Love Goes To Building On Fire/New Feeling, que não seria usada no disco de estréia, porém.

"New Feeling", aliás, seria usada assim, mas depois de ser regravada.

Na mesma época em que o compacto é editado, o grupo ganha um quarto integrante: o guitarrista e tecladista Jeremiah Griffin Harrison, nascido em 21 de fevereiro de 1949, em Milwaukee, Wisconsin, e que tinha feito parte do grupo Modern Lovers, de Jonathan Richman.

Com a formação fechada, o grupo começa a gravação do primeiro LP, em abril de 1977. As gravações para o primeiro LP foram um pesadelo, especialmente para Byrne, que quase desistiu de tudo.

Apesar da pouca experiência em estúdio, ele sabia exatamente o que queria das músicas e deixou louco os produtores Tony Bongiovi e Lance Quinn.

Extremamente habilidoso em fazer contatos, Byrne tinha feito uma grande amizade com John Cale, ex-Velvet Underground e deixava que ele fosse o produtor do primeiro LP.

Bongiovi era produtor mais ligado ao rock básico, grupos como Ramones e Aerosmith e não conseguia captar as idéias de Byrne. Para ele, os Talking Heads eram mais um grupo de rock e Byrne queria ir além disso.

As gravações duraram mais de três meses, até julho, quando o grupo parte para uma primeira excursão para a Inglaterra. E, finalmente, em setembro de 1977, é editado o primeiro LP, Talking Heads: 77.

Apesar das brigas com os produtores, é um excelente disco e trazia o grande clássico da banda, "Psycho Killer".

O grupo mostrava um grande talento, especialmente nas peculiares letras de Byrne. O disco teve um desempenho comercial bem modesto nas paradas ficando em 97ª posição, nos Estados Unidos e, em 60º, no Reino Unido.

Ao longos dos anos, porém, o álbum se tornaria um clássico e uma das melhores estréias da década de 1970.

O LP trazia as seguintes faixas, todas de Byrne, exceto as indicadas:

Lado 1

1. "Uh-Oh, Love Comes to Town" – 2:48
2. "New Feeling" – 3:09
3. "Tentative Decisions" – 3:04
4. "Happy Day" – 3:55
5. "Who Is It?" – 1:41
6. "No Compassion" – 4:47

Lado 2

1. "The Book I Read" – 4:06
2. "Don't Worry About the Government" – 3:00
3. "First Week/Last Week ... Carefree" – 3:19
4. "Psycho Killer" (Byrne, Chris Frantz, and Tina Weymouth) – 4:19
5. "Pulled Up" – 4:29

Logo após o lançamento, a banda se manda novamente para a Europa.

E foi nessa viagem que os Headas acabam por conhecer Brian Eno, o ex-membro do Roxy Music, parceiro de Robert Fripp em vários discos e que estava colaborando com David Bowie em uma série de discos antológicos, lançados em 1977.

Eno e Bowie já haviam feitos Low e "Heroes" e, apesar de não ser creditado como produtor de ambos, Eno havia mandando mais do que David Bowie nos dois trabalhos.

Extremamente unidos, assistiram o show do Talking Heads, em Londres e logo se interessaram pela proposta dos Heads.

Bowie e Byrne logo começaram uma amizade, embora sem participação em discos. O produtor foi levado ao camarim pelo baterista Chris Frantz e já tinha feito uma música com o nome do grupo em forma de anagrama, "King's Lead Hat".

No início de 1978, a banda se dirigiu até as Bahamas para começar as gravações de um novo LP, no famoso estúdio Compass Point, em Nassau.

Juntos, Eno e Byrne começaram a explorar novos horizontes musicais, como o country, o soul, o funk, reggae e até o punk.

A banda passou os meses de março e abril em um clima de absoluta felicidade por terem encontrado um produtor que entendia as idéias, diferente dos produtores do primeiro LP.

Além de produzir, Eno tocou guitarra, piano, sintetizadores e percussão e deu várias idéias nas letras, embora Byrne não gostasse de interferência neste campo.

Foi nesse clima que nasceu More Songs About Building And Food. Tina disse que o título nasceu quase como brincadeira: "estávamos gravando o disco e tivemos uma discussão idiota sobre qual título deveríamos dar. Me lembro que eu disse 'como chamaremos um disco que só fala de construções e comida?'. Foi quando Chris virou e disse 'por que não o chamamos então de More Songs About Building And Food?'"

Lançado em 14 de julho de 1978, More Songs About Building And Food fez mais sucesso que o anterior, mas não o suficiente paraficar no Top 20.

O disco ficou na 29ª posição e o primeiro single, a cover para o sucesso de Al Green, "Take Me to the River", chegou ao 26º posto.

O grupo já mostra uma concepção diferente na confecção da capa e contra-capa do LP. Enquanto o verso trazia a imagem do mapa dos Estados Unidos, Byrne teve a idéia de executar um mosaico de fotos do grupo divididos em 529 frames com uma máquina fotográfica Polaroid.

O LP trazia as seguintes faixas, todas de David Byrne, exceto quando indicado:

Lado 1

1. "Thank You for Sending Me an Angel" – 2:11
2. "With Our Love" – 3:30
3. "The Good Thing" – 3:03
4. "Warning Sign" – 3:55
5. "The Girls Want to Be With the Girls" – 2:37
6. "Found a Job" – 5:00

Lado 2

1. "Artists Only" (Byrne, Wayne Zieve) – 3:34
2. "I'm Not in Love" – 4:33
3. "Stay Hungry" (Byrne, Chris Frantz) – 2:39
4. "Take Me to the River" (Al Green, Teenie Hodges) – 5:00
5. "The Big Country" – 5:30

Mais uma vez, o disco teve uma repercussão melhor na Inglaterra, chegando ao 21ª posição na parada, além dos imensos elogios da ranheta crítica londrina.

O álbum também foi extremamente elogiado pela crítica americana, especialmente a nova-iorquina que apontava os Talking Heads como a banda mais interessante e inteligente dos Estados Unidos.

Apesar de "Take Me to The River" (famosa canção de Al Green) ser o compacto de trabalho, a canção mais emblemática do disco é a última faixa, "The Big Country" em que Byrne critica o american way of life, com seus versos cínicos.

Eis alguns versos:

Eu não viveria aqui, nem que me pagassem
Não conseguiria, não senhor!
Não conseguiria fazer as coisas que as outras pessoas fazem
Não conseguira viver nem que me pagassem

Imagino que seja muito saudável, que o ar seja puro
Imagino que essas pessoas se divirtam com seus vizinhos e amigos
Olhe para essa cozinha e toda essa comida
Veja-os comer, parece realmente muito saboroso

Eles crescem em fazem
E vão fazer compras nas lojas
E colocam tudo em suas peruas
E levam tudo para casa
E eu digo...

Eu não viveria aqui, nem que me pagassem
Não conseguiria, não senhor!
Não conseguiria fazer as coisas que as outras pessoas fazem
Não conseguira viver nem que me pagassem

More Songs About Building And Food abriu novas possibilidades para os Talking Heads e Brian Eno parecia ser o parceiro ideal para o quarteto. Uma decisão que começaria a ser repensada a partir do próximo trabalho e que quase levou o grupo ao rompimento.

Um papo já comentando em outros posts, quando analisei Fear of Music e Remain In Light. Leia-os, se se interessar. Um abraço e até a próxima coluna!

Discografia

Talking Heads: 77 (1977)
More Songs About Building And Food (1978)
Fear of Music (1979)
Remain In Light (1980)
The Name of This Band is Talking Heads (1982)
Speaking In Tongues (1983)
Stop Making Sense (1984, versão quase na íntegra, 1999)
Little Creatures (1985)
True Stories (1986)
Naked (1988)
The Best Of: Once In a Lifetime (1991)
Popular Favorites: Sand in the Vaseline (1991)
Once In a Lifetime (Box com 3 Cds, 2003)
Best of Talking Heads (2004)
Talking Heads Dual Disc Brick (caixa com 8 cds, 2005)

 

 


 

 

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