Bauhaus


Falar de pós-punk* e de gótico invariavelmente é falar de Peter Murphy e seus asseclas, mas mesmo sendo considerada por muitos como a banda gótica por excelência, tentar restringi-los a esse rótulo é no mínimo uma grande injustiça, para não dizer simplesmente ignorância em relação às referências musicais e estéticas do grupo, que sempre foram muito abrangentes e portanto difíceis de enquadrar em apenas uma categoria ou gênero. Aliás, a exemplo de outras bandas de proposta estética similar, o Bauhaus sempre recusou o rótulo de “banda gótica”.

You took delight in taking down
All my shielded pride
Until exposed became my darker side
Too cheap to ride they’re worth a try
If only for the old times cold times


Falar de pós-punk* e de gótico invariavelmente é falar de Peter Murphy e seus asseclas, mas mesmo sendo considerada por muitos como a banda gótica por excelência, tentar restringi-los a esse rótulo é no mínimo uma grande injustiça, para não dizer simplesmente ignorância em relação às referências musicais e estéticas do grupo, que sempre foram muito abrangentes e portanto difíceis de enquadrar em apenas uma categoria ou gênero. Aliás, a exemplo de outras bandas de proposta estética similar, o Bauhaus sempre recusou o rótulo de “banda gótica”.

O que muito contribuiu digamos assim, para a imagem “gótica” da banda, sem dúvida, foi o seu maior sucesso, a música “Bela Lugosi’s Dead”, que fala sobre o ator Bela Lugosi, famoso por interpretar o vampiro Drácula e outros papéis, como o de cientista louco em filmes B de terror, nos anos 30 (Bela Lugosi morreu decadente e praticamente esquecido e foi enterrado vestido à maneira do personagem que o celebrizou). A participação do Bauhaus no filme “Fome de Viver” contribuiu ainda mais para a consolidação dessa imagem à banda. Mas isso é uma outra história…

Antes voltemos um pouco a meados da década de 70, quando o punk rock desafiava a suposta seriedade do progressivo com a sua filosofia romântica e rebelde do “faça você mesmo” em três acordes, e que fez com que nove em cada dez moleques pensassem ao menos por 10 minutos em montar uma banda. Evidentemente muitos não ficaram só no pensamento e partiram para a ação, isso mesmo sem saber cantar ou tocar (esses detalhezinhos sem importância). E um movimento que a principio era só rebeldia e contestação acabou virando uma fórmula pronta de sucesso, fórmula essa esgotada ad nauseum. E, pior ainda, o que antes era uma declaração de liberdade passou a ser mais uma camisa de força.

Os irmãos Kevin e David J. Haskins na época tinham interesse por música, mas não queriam ser apenas mais uma banda de punk rock, queriam fazer algo diferente, fugir um pouco da dita “fórmula pronta”. Depois da experiência de tocar na banda The Submerged Teeth, os dois resolveram formar um grupo em que pudessem explorar outros ritmos e outras estéticas para além do punk. Daniel Ash e Dave Exton juntaram-se ao grupo, completando a formação e, em 1978 fazem sua primeira apresentação em Northhampton com o nome de The Craze. Entretanto, ainda faltava alguma coisa, digamos assim, aquele toque, que conferisse uma identidade especial ao grupo: um vocalista com personalidade. E, para essa função, ninguém melhor que o emblemático Peter Murphy. Aliás, é importante destacar que, antes de entrar para a banda, Peter Murphy não teve nenhuma outra experiência como cantor. Ele era ex-colega de escola de Daniel Ash que o via sempre em boates e só sabia que ele “dançava muito bem” e era “um delinqüente lindo” a “cara do Bowie”, mesmo assim fez o convite, ele aceitou e deu certo. Então Daniel Ash, Peter Murphy, Chris Barber (que substituiria David Haskins por pouco tempo) e Kevin Haskins passaram a se apresentar como S.R. e com esse nome fizeram seu primeiro show em Northampton no Nene College of Art’s Christmas ball tocando as primeiras composições feitas pela duplas Ash e Murphy, entre elas “Boys”,”Bite My Hip”, “Dark Entries”, “Shows” e “In The Night”.

Pouco tempo depois, David Haskins volta a fazer parte da banda e eles trocam o nome mais uma vez, agora para “1919 Bauhaus”, o 1919 reportava-se ao ano de fundação da Escola de Arquitetura e design por Walter Groupius, em Weimar, que defendia uma arquitetura funcional de linhas simples baseada numa correlação entre design criativo e a indústria e ciência modernas. Curiosamente, 1919 é também o ano de lançamento do filme O Gabinete do Doutor Caligari, de estética expressionista, com suas paredes oblíquas e jogos de luz e sombra. Mais interessante é que, ambas as estéticas, mesmo tendo uma relação contrapontística, eram vanguarda e modernidade, quebrando com os paradigmas da academia clássica, e pelos mesmos motivos foram perseguidas pelo nazismo, ganhando a pecha de arte degenerada (a Bauhaus foi fechada em 1933 por pressão dos nazistas). Mas voltemos à história da banda…

capa do single Bela Lugosi's DeadRelativamente ao nome, eles também traziam uma proposta de vanguarda, e o expressionismo e outros movimento estéticos também de vaguarda como o dadaísmo e o surrealismo se traduzem nas apresentações, composições e visual da banda (no single de estréia Bela Lugosi’s Dead aparece na contracapa uma cena do O Gabinete do Doutor Caligari).

Como “1919 Bauhaus” fazem sua primeira apresentação no Cromwell Public House, em Wellingborough. Em 1979, ainda com esse nome, gravam sua primeira fita demo, com as músicas “Bite My Hip”, “Harry”, “Bela Lugosi’s Dead”. Pouco tempo depois, deixam de lado o prefixo “1919” e passam a se apresentar apenas como Bauhaus.

Logo a seguir, gravam seu primeiro single Bela Lugosi’s Dead, pela Small Wonder. Na capa o vinil trazia uma foto de um cartaz do filme do “ator vampiro” e na contra capa uma cena do filme O Gabinete do Doutor Caligari, e o vinil propriamente dito trazia fotos do ator Bela Lugosi como conde Drácula, inclusive uma em que o ator está morto em um caixão com a indefectível fantasia do personagem que o celebrizou (e com a qual foi enterrado). Referências mais que suficientes para a banda receber dos críticos o rótulo de gótica. A música, que se tornou talvez a mais conhecida do grupo, virou um verdadeiro clássico, o mais estranho ainda é se levarmos em consideração se tratar de uma composição com mais de nove minutos de duração, portanto proibitiva de ser tocar em rádios. Além da canção de tons mórbidos, um verdadeiro réquiem para vampiro (e um divertido trava-língua), traz ruídos e microfonia acompanhados de um baixo pesadão e um vocal soturno, em uma combinação que se tornaria quase obrigatória no gótico. Entretanto, o próprio grupo ressentiu-se com o rótulo de góticos, afinal “Bela Lugosi’s Dead” era acima de tudo uma brincadeira com a possibilidade de Bela Lugosi ressucitar do caixão como o vampiro dos filmes. Peter Murphy chegou a declarar: “nós nunca fomos góticos, fizemos uma música de brincadeira, uma ironia e um monte de idiotas no mundo começou a nos chamar de góticos, nunca fomos, era uma ironia, uma única música com o tema, achamos esses caras loucos, nós nunca fomos e nunca seremos góticos”.

Aliás, a maioria das bandas de estética e proposta similares não se viam como góticas e nem aceitavam esse rótulo, a exemplo do The Cure e Siouxsie and the Banshees. O single traz ainda a faixa “Boys” que fala sobre transexualismo, portanto um tema bem diferente do outro, se essa fosse a faixa de mais sucesso será que o Bauhaus viraria apenas uma banda gay?…Claro que não:-)

Aliado ao som o visual da banda no palco era uma coisa única, luzes brancas davam um visual transcedental (mais uma influência do expressionismo) à figura esguia de Peter Murphy.

capa de In The Flat FieldEm dezembro do mesmo ano, são convidados para participar do John Peel Show e são logo a seguir contratados pela Axis Records, onde lançaram em 1980 seu segundo single Dark Entries (gravação feita no John Peel Show). A Axis Records passa a se chamar 4AD, e é pela agora 4AD que lançam no mesmo ano mais um single, Terror Couple Kill Colonel”. Logo a seguir, fazem sua primeira apresentação nos Estados Unidos e se preparam para a gravação do seu primeiro álbum. Lançam In The Flat Field que traz como destaque as faixas “Spy in the Cab”, “St. Vitus Dance” e “Stigmata Martyr”. Além da faixa título, que fala sobre tédio, labirintos e putas do Picaddily, há uma regravação de “Telegram Sam”, revisitando o glam rock do T. Rex, e a faixa “St. Vitus Dance”, que é puro techno. “Stigmata Martyr” descreve, em êxtase, a crucificação de Cristo com um vocal que mais parece uma sessão de exorcismo de filme de terror, com direito a reza em latim. Passando pelo glam rock, música eletrônica e faixas atmosféricas, dá pra perceber a diversificação das influências musicais do grupo.

Em 1981 lançam pela Beggar’s Banquet Kick In the Eye (que soa meio funk) e Passion of Lover, e fazem nova turnê nos Estados Unidos.

O próximo álbum a ser lançado é Mask, em 1981, pela mesma gravadora, que traz a curiosa faixa “Of Lillies and Remains” com uma letra absurda de inspiração surrealista, parecendo ter saindo de algum pesadelo, em que uma pessoa após descobrir estar morta, precisa recuperar sua vida escalando uma parede cheia de buracos, depois de fugir de alguém que expele ectoplasma pela boca. O clima da música e da letra também evocam o expressionismo alemão dos filmes de Fritz Lang, em um clima bastante mórbido. Em 1982, gravam os singles Searching for Satori e Spirit e fazem uma série de shows pela Inglaterra. No mesmo ano, participam das gravações do filme The Hunger (Fome de viver), que contava ainda com a participação de David Bowie, Susan Sarandon e Catherine Deneuve.

Entre este e o próximo album inédito, é lançado Press the eject and give me the tape, que tem uma história curiosa. A gravação seria fruto de uma tentativa de um fã de gravar um show ao vivo da banda no Old Vic de Londres, e o título, algo como “aperte o eject e me dê a fita” foram as últimas palavras do segurança da casa antes de recolher o material.

Eles lançariam ainda mais um single, dessa vez outra pérola do glam rock: Ziggy Stardust, de David Bowie. Acompanhavam ainda as faixas “Third Uncle” de Brian Eno e “Waiting for a Man” do Velvet Underground. Este single entrou direto no top 20 da Inglaterra, permanecendo na posição por mais de um mês.

O novo album lançado em 1982, The Sky’s Gone Out, também alcançou grande sucesso, ocupando a quarta posição no top 20. Como brinde especial as primeiras 30 mil cópias foram acompanhadas de “Press the eject and give me the tape”. O disco traz a faixa “Spirit”, mas em uma versão diferente da lançada no single, pois a banda ficou extremamente insatisfeita com o trabalho do produtor e o resultado final da música ficou muito a desejar. Comparecem “Ziggy Stardust” em uma versão fidelíssima ao original de Bowie, “Kick In the Eye” e a evidentemente estranha “Exquisite Corpse” com uma letra que parece a proposição do texto “como fazer um poema dadaísta” (ou como fazer um Frankstein), juntando frases sem sentido e absurdas. Aliás, o título da faixa faz alusão justamente a isso…uma mistura dadá e expressionista que hoje em dia teria seu exemplo mais próximo nas formas lúdicas e matematicamente racionais do Oulipo. A essa esquisitisse toda, somam-se sons de tosses, grunhidos e alterações rítmicas. Além de referências dadaístas e surrealistas, aparerecem ainda as influências da dança de Nijinsky e do teatro de vanguarda de Antonin Artaud (que seria homenageado em outra música do grupo). O charme da banda estava, justamente, em utilizar todos esses elementos e referências culturais, sem contudo, soar chato ou pedante, isso, graças ao carísma de Murphy e Ash.

Após o lançamento desse álbum, fizeram duas apresentações na BBC, uma no Top the Pops e outra, ao vivo, no Oxford Road Show. Infelizmente, nesse período, Peter Murphy tem problemas de saúde e devido a uma pneumonia não pôde participar das gravações do próximo álbum, que se iniciou mesmo sem ele, que apenas chegou a participar da composição de quatro letras e quando finalmente retornou, os trabalhos já estavam praticamente prontos.

No início de 1983 gravam os singles Lagartija Nick e She’s in Parties, e fazem uma longa turnê que incluiu países como França, Grécia, Israel e Japão.

Entre junho e julho fazem uma segunda turnê, dessa vez pela Inglaterra e durante um show no Hammersmith Palais, David Ash se despede do público com as palavras “rest in peace” (descanse em paz), o que gera uma série de especulações sobre o provável fim da banda. O que realmente se concretizou logo após o lançamento do álbum Burning from the Inside.

Com a banda tendo oficialmente acabado, a Beggar’s Banquet lança uma coletânea de singles intitulada The singles 1981-1983, e são distribuidas 325 cópias do single “The Sanity Assasin” aos fãs do fanclub oficial da banda o Bauhaus Information Club.

Após o fim da banda, seus integrantes partiram em carreira solo. Como elemento comum só o fato dos integrantes se distanciarem o máximo possível com qualquer associação relativa ao gótico (que havia se tornado a época em mais um modismo). David Ash e os irmãos Kevin e David J. Haskins formaram sucessivament The Love & Rockets, Tones on Tail e Sinister Ducks, grupos com uma proposta mais eletrônica, levada synthpop e um visual que em nada lembrava o modelo gótico. Quanto a Peter Murphy, seguiu carreira solo e participou junto com Mick Karn (ex-Japan) de um projeto chamado Dali’s Car, também de inspiração eletrônica. Daniel Ash depois também seguiria carreira solo.

Nesse intervalo de tempo foram lançadas as coletâneas 1979-1983 volume 1 e volume 2, ambas em 1986. É lançado em 1989 o disco Swing the Heartache: The BBC Sessions, como uma compilação de sessões inéditas de rádio. Em 1992, sai Rest in Peace: The final Concert Live. E em 1997, lançam Live in Studio que marcaria um breve retorno da banda, que em 1998, comemorando seu vigésimo aniversário, fez uma turnê, apropriadamente chamada “Ressurrection Tour”. Seus shows lotam e os ingressos terminam em minutos. Em outras palavras: Bela Lugosi deixou seu florido caixão 🙂

Como fruto da turnê lançam Crackle e no ano seguinte, em 1999, sai Gotham, disco gravado ao vivo em Nova York, no mesmo ano. Vale ressaltar que Crackle é o único disco deles que traz a versão de Bela Lugosi’s Dead em estúdio, já que nas demais coletâneas, sempre foi lançada a versão gravada ao vivo.

Depois disso o grupo encerra definitivamente suas atividades e a nós cabe apenas desejar: “Rest in Peace”…

Então deixo vocês com essa tradução da música Bela Lugosi’s Dead. Um abraço e até a próxima.

Bela Lugosi está morto

Branco em mantos negros de branco translúcido
de volta ao passado
Bela lugosi está morto
os morcegos deixaram a torre do sino
as vítimas foram sangradas
linhas de veludo vermelhas na caixa preta
bela lugosi está morto
ressucite ressucite ressucite
a fila de noivas virgens
passou por sua tumba
coberta de flores mortas pelo tempo
Desolado no desabrochar mortal
sozinho numa sala escura
o resultado é que bela lugosi está morto
morto, morto, morto
Oh! Bela
ressucite ressucite ressucite…

Discografia

Bela Lugosi’s Dead (single, 1979)
Terror Couple Kill Colonel (single, 1980)
In the Flat Field (1980)
Kick In the Eye (single, 1981)
Passion of Lover (single, 1981)
Mask (1981)
Searching for Satory (single, 1982)
Spirit (single, 1982)
Ziggy Stardust (single, 1982)
Press the eject and give me the tape (1982)
The Sky’s Gone Out (1982)
Lagartija’s Nick (single, 1983)
She’s In Parties (single, 1983)
Burning from the Inside (1983)
Singles: 1981-1983 (1985)
1979 – 1983 volume 1(1986)
1979 – 1983 Volume 2 (1986)
1979-1983 (1986)
Swinging the Heartache: The BBC Sessions (1989)
Rest in Peace: The Final Concert (1992)
Live In Studio (1997)
Beneath the Mask (1997)
Crackle (1998)
Gotham (1999)



* É importante destacar que gótico ao contrário do que se imagina não é sinônimo de pós-punk nem vice versa… Pós-punk engloba uma variedade de estilos que surgiram depois do punk (como o próprio nome indica) e caracteriza grupos que de uma forma geral entre o final da década de 70 e anos 80 tentavam inovar em relação a proposta punk, apesar de conservar certos elementos do gênero, produzindo um rock mais básico se utilizando contudo de outras influências e trazendo uma sofisticação maior as letras e a música, a exemplos de bandas como The Smiths, Joy Division, New Order, Jesus & Mary Chain, Siouxsie and Banshees entre outras.

Author: Beatrix