Cruz e Sousa (1861-1898) atravessou a vida num silêncio escuro. Errante, trêmulo, triste e vaporoso, o negro e sublime poeta nascido no Desterro em 1861 suportou o peito dilacerado com a convicção da glória.
O Cisne Negro não se amedrontou diante de austeras portas lacradas. Maldito pela grandeza e pelo elixir ardente de versos capazes de arrebatar paixões até a atualidade, quando se completam os cem anos de morte.
De pranto e luar, sangue e sensualidade, lágrimas e terra construiu uma obra de estímulo às paixões indefiníveis. Mestre do Simbolismo no Brasil, aliou genialidade a um meticuloso rigor. Celebrado só depois de morto, o Poeta de Desterro foi um homem apaixonado, autor de versos transcendentais que ganharam o mundo.
João da Cruz e Sousa nasceu em Desterro, atual Florianópolis. Filho de escravos alforriados pelo Marechal Guilherme Xavier de Sousa, seria acolhido pelo Marechal e sua esposa como o filho que não tinham. Foi educado na melhor escola secundária da região, mas com a morte dos protetores foi obrigado a largar os estudos e trabalhar. Sofre uma série de perseguições raciais, culminando com a proibição de assumir o cargo de promotor público em Laguna, por ser negro. Em 1890 vai para o Rio de Janeiro, onde entra em contato com a poesia simbolista francesa e seus admiradores cariocas. Colabora em alguns jornais e, mesmo já bastante conhecido após a publicação de Missal e Broquéis (1893), só consegue arrumar um emprego miserável na Estrada de Ferro Central. Casa-se com Gavita, também negra, com quem tem quatro filhos, dois dos quais vêm a falecer. Sua mulher enlouquece e passa vários períodos em hospitais psiquiátricos. O poeta contrai tuberculose e vai para a cidade mineira de Sítio se tratar. Morre aos 36 anos de idade, vítima da tuberculose, da pobreza e, principalmente, do racismo e da incompreensão.
CRONOLOGIA
- 1861. Nasce na cidade de Nossa Senhora do Desterro, hoje Florianópolis, capital da província, hoje Estado de Santa Catarina, no dia 24 de novembro. Educado por Dona Clarinda Fagundes de Sousa e seu marido, coronel, mais tarde marechal-de-campo Guilherme Xavier de Sousa, passou a viver como filho de criação, no solar do casal. Filho de Guilherme, mestre pedreiro, escravo do marechal, que herdara de seus pais, e de Carolina Eva da Conceição, lavadeira e escrava liberta por ocasião do seu casamento, ambos negros, tendo recebido o nome do santo do dia, o grande místico São João da Cruz e, como sobrenome, o nome da família do senhor de seu pai, como então era freqüente fazer. Batizado em 24 de março de 1862.
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1865/1866. Primeiras letras com a sua protetora Dona Clarinda de Sousa.
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1868. Leitura ao marechal Xavier de Sousa dos primeiros versos.
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1869. Entra para a escola pública do “velho” Fagundes, irmão de dona Clarinda. Começa a recitar poesias suas, em salões, concertos e teatrinhos.
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1870. Falecimento do Marechal Xavier de Sousa.
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1871. Matricula-se no Ateneu Provincial Catarinense.
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1874. Em julho, começa a lecionar no Ateneu o eminente naturalista alemão Fritz Müller, (1822-1897), amigo e colaborador de Haeckel e Darwin.
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1875. No fim do ano, Cruz e Sousa deixa o Ateneu, que cursou durante cinco anos, estudando francês com João José de Rosas Ribeiro, pai do seu grande amigo Oscar Rosas; latim, inglês e grego com o orientalista Padre Leite de Almeida, reitor do Instituto; matemática e ciências naturais com Fritz Müller; inglês com Anfilóquio Nunes Pires. “Distinguiu-se acima de todos os seus condiscípulos”(Virgílio Várzea).
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1876. Em outubro deixa o Ateneu Fritz Müller. Grandes elogios a Cruz e Souza, e o seu caso apresentado como reforço de suas opiniões anti-racistas. (Carta a Hermann Müller).
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1877. Ensina particular, preparando especialmente professores para o magistério público. Versos publicados em jornais da província.
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1881. Funda, com Virgílio Várzea e Santos Lostada, o jornalzinho hebdomadário literário Colombo. Número consagrado a Castro Alves, por ocasião da morte deste. Primeira viagem de Cruz e Sousa, “percorrendo todo o Brasil- de Norte a Sul”, acompanhando a Companhia Dramática Julieta dos Santos, na qualidade de ponto. Adesão ao Parnasianismo. Leituras de Baudelaire, Leconte de Lisle, Leopardi, Guerra Junqueiro, Antero de Quental, entre outros.
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1882. Começa a redigir a A Tribuna Popular. Participa da “Guerrilha Catarinense”, violenta polêmica literária pró e contra o Realismo.
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1883. Nomeado presidente da Província o sociólogo Dr. Francisco Luís da Gama Rosa. Cruz e Sousa regressa do Norte, tendo realizado conferências abolicionistas em várias capitais; é aproximado do Presidente Gama Rosa.
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1884. Deixando o governo, Gama Rosa nomeia Cruz e Sousa Promotor de Laguna. O ato foi impugnado pelos chefes políticos, não tendo o poeta tomado posse. Novamente no Norte. Artigos enviados da Bahia, de janeiro à abril. Homenagem na Bahia, promovida pela Gazeta da Tarde e os clubes abolicionistas “Libertadora Baiana” e “Luís Gama”.
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1885. Aparece Trapos e Fantasias, em colaboração com Virgílio Várzea. Assume a direção do jornal ilustrado “O Moleque”, título dado em desafio ao preconceito racial.
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1866. Excursão ao Rio Grande do Sul. De volta, encontro com a pianista loura da Praia de Fora, que aparece em várias de suas poesias da época.
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1887. Trabalha na Central de Imigração. Oscar Rosas convida-o a vir ao Rio de Janeiro.
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1888. Breve estada no Rio de Janeiro onde conhece Luís Delfino, seu muito admirado conterrâneo, B. Lopes e Nestor Vítor. Lê transmitidas por Gama Rosa, obras de Edgar Allan Poe, Huysmans, Sâr Péladan, Villiers de L’Isle Adam e outros.
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1889. Retorna ao Desterro a 17 de março, por não Ter conseguido colocação no Rio de Janeiro. Leituras de Flaubert, Maupassant, os Goncourt, Alphonse Karr, Theóphile Gautier, Gonçalves Crespo, Cesário Verde, Teófilo Dias, Delfino, Ezequiel Freire, B. Lopes. Duas poesias no Novidades, em janeiro, antes de sua volta a Santa Catarina. Entusiasmo de Raul Pompéia ouvindo Oscar Rosas ler “Asas Perdidas” de Cruz e Souza, no Teatro Lírico, num intervalo de Aída.
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1890. Vinda definitiva para o Rio de Janeiro, provavelmente em novembro. Colabora na Revista Ilustrada, de Ângelo Agostini. Oscar Rosas lança o movimento “Norte-Sul”, pela literatura sulina. Colaboração no Novidades, de que era secretário Oscar Rosas, a 27 de dezembro. Primeiro emprego no Rio de Janeiro, proporcionado por Emiliano Perneta.
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1891. Falecimento no Desterro, de Carolina, sua mãe. Artigos-manifestos do Simbolismo, na Folha Popular de que era secretário Emiliano Perneta. Colaborava também em O Tempo. Residia na Rua do Lavrador n.º 17.
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19892. Vê Gavita Rosa Gonçalves, também negra, pela primeira vez, em 18 de setembro. Colabora na Cidade do Rio, de José do Patrocínio.
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1893. Publica, antes de 28 de fevereiro, Missal e, em 28 de agosto, Broquéis. Casa-se, a 09 de novembro, com Gavita, em plena Revolta da Armada. Nomeado Praticante de Arquivista da Central do Brasil.
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1894. Promovido a Arquivista com 250$000 mensais.
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1895. Recebe a visita de Alphonsus de Guimaraens, vindo de Minas Gerais especialmente para vê-lo.
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1896. Morte do “mestre” Guilherme, seu pai (telegrama de 29 de agosto), com cerca de 90 anos. Em março loucura de Gavita (v. Balada dos Loucos, de Evocações, e Ressurreição de Faróis) a qual durou seis meses. Reuniões no “Antro”, num 2º andar da rua do Senado.
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1897. Pronto para o prelo Evocações, que sairá postumamente. Residia na casa n.º 48 da Rua Teixeira Pinto(hoje Cruz e Sousa), Encantado.
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1898. Morre a 19 de março, em Sítio, Estado de Minas Gerais, para onde partira três dias antes. O seu corpo chegou no dia seguinte ao Rio de Janeiro, num carro de transporte de cavalos. José do Patrocínio encarregou-se dos funerais. Foi enterrado no Cemitério de São Francisco Xavier, falando junto ao túmulo Nestor Vítor. Aparece Evocações, em edição promovida por Saturnino de Meireles.
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1899. Conferência , no Ateneu, em Buenos Aires, do poeta e diplomata boliviano Ricardo Jaimes Freyre, a 28 de agosto. Maeterlinck, em carta a Nestor Vítor, manifesta interesse em patrocinar o lançamento do Poeta Negro na França, sendo encarregado João Itiberê da Cunha a efetuar a necessária tradução dos textos do poeta para o francês, que nunca foi feita. Aparece Cruz e Sousa de Nestor Vítor.
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1900. Aparece Faróis, coletânea organizada por Nestor Vítor.
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1901. Morre Gavita, a 13 de setembro. Dos seus filhos (Raul, Guilherme, Reinaldo, João) dois morreram antes dela, um imediatamente depois; sobreviveu João, póstumo, nascido a 30 de agosto de 1898.
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1904. Inauguração de novo túmulo, encimado por busto da autoria de Maurício Jobim, em 15 de maio.
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1905. Aparece Últimos Sonetos, em Paris, edição dirigida por Nestor Vítor.
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1915. Morre João da Cruz e Souza, último filho do poeta, em 15 de fevereiro, de tuberculose pulmonar, como seu pai, sua mãe e seus irmãos.
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1919. É inaugurada placa comemorativa no antigo solar do Marechal Xavier de Sousa, em Florianópolis, a 25 de dezembro.
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1923. Em comemoração do 25º aniversário da morte do poeta aparece a primeira edição de suas Obras Completas, organizado por Nestor Vítor, o 1º volume a 15 de março, o 2º a 01 de outubro. É erigida em Florianópolis, no Largo Benjamin Constant, uma herma do poeta, a 07 de abril.
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1943. Destruído pelo tempo, devido ao material friável em que fora realizado, o busto da autoria de Maurício Jobim, promove o estadista Nereu Ramos a construção de um mausoléu definitivo, de cuja concepção e realização foi encarregado o escultor Hildegardo Leão Veloso; inaugurado a 05 de agosto, tendo pronunciado orações o Embaixador Edmundo da Luz Pinto e o poeta Tasso da Oliveira. Aparecem no livro A Poesia Afro-Brasileira os importantes “Quatro Estudos Sobre Cruz e Sousa” de Roger Bastide.
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Links
Cruz e Sousa: Poeta simbolista
Mundo Cultural: Cruz e Souza