Uma das bandas independentes mais emblemáticas dos anos 80 e com uma carreira acidentada a partir de 1990, o Fellini, marcou uma geração que ia ao Madame Satã e lia a BIZZ (quando a BIZZ valia algo). Lançaram seus discos por importantes selos alternativos, Baratos Afins (os três primeiros) e Wop-Bop (Amor Louco). Depois desse último disco, a banda sumiu, fez alguns shows, lançou novo trabalho em 2002 e voltou a desaparecer. Mas eles ainda não acabaram. Ou será que sim?
Por Rubens Leme da Costa
Antes de tudo, quero agradecer as fotos enviadas por Jair Marcos (embora essa seja do site da Baratos Afins), que cedeu três imagens entre 1984 e 1990. Essas imagens voltarão a ser usadas em outro momento, se algo der certo… Veremos…
O Fellini começou em um dia trágico para os fãs do rock gótico. No ano de 1984, mais precisamente no dia 18 de maio (exatos quatro anos após o enforcamento de Ian Kevin Curtis, vocalista do Joy Division). Um vodu e tanto para o primeiro ensaio, não?
O grupo era então Thomas Pappon (na época baterista do Smack e Mercenárias), Cadão Volpato, jornalista e Jair Marcos, guitarrista. Thomas sonhava nessa época em passar para o baixo e os dois ficaram pensando na possibilidade de montar uma banda. Foi de Pappon a sugestão do nome Fellini, apenas por ser engraçado. Resolveram convocar Ricardo Salvagni para completar o quarteto.
O primeiro show da banda foi feito no extinto Bar Albergue, na Rua 13 de maio, cobrindo a lacuna do Nº2, que não se apresentou. Não foi um show muito promissor, em parte pela pouca intimidade dos músicos com seus instrumentos – Ricardo estava na bateria, Jair na guitarra Snake, semi-acústica, e violão e Thomas, no baixo.
Mas, o grupo insistiu e começou a escrever suas primeiras composições até acharem que era hora de lançarem um LP. Após gravarem algumas coisas em um estúdio de oito canais sem produtor, procuraram Luís Calanca, dono da loja Baratos Afins e que já tinha um selo independente. Cadão conta que Calanca relutou no começo, mas acabou apostando e bancou o grupo.
Em 1985 era lançado O Adeus de Fellini. A estética original começava logo no título. Como uma banda estreante poderia dizer adeus? Cadão conta que a idéia foi chupada do álbum de estréia do Durutti Column, The Return of the Durutti Column. Era um disco estranho, meio sombrio, com letras beirando o nonsense. Nelas se destacam algumas canções como “Funziona Senza Vapore”, com um galo cantando; “Zäune”, escrita em alemão por Thomas e o grande sucesso do grupo, “Rock Europeu”. O disco acabou vendendo pouquíssimo, mas a banda atraiu a atenção da crítica e o Fellini conseguiu fãs com seu som totalmente estranho, que misturava rock, samba e eletrônica.
O grupo fazia esporádicos shows e em 1986 resolve lançar o segundo Fellini Só Vive 2 Vezes. Desta vez o grupo era reduzido a apenas Thomas e Cadão e foi gravado na casa de Pappon, em um gravador de quatro canais. A cor azul foi extraída do EP de estréia do R.E.M, Chronic Town, segundo Cadão, autor da idéia.
Diferente do primeiro disco, que havia sido gravado em um estúdio, desta vez os dois resolveram fazer sozinhos, depois que Ricardo e Jair saíram por motivos pessoais. Um disco bem caseiro e que é o preferido do vocalista. Foi dele que saiu o primeiro clip do Fellini, “Burros e Oceanos”, que acabou inscrito em um concurso de vídeos, em São Paulo.
O terceiro disco é o preferido de muitos fãs: 3 Lugares Diferentes e conta com a participação do percussionista Silvano Michelino e do gaitista norte-americano Sugar Blues. O disco trazia algumas vozes gravadas, sendo um delas do radialista Osmar Santos e a outra era do falecido locutor da BBC, John Peel, considerado o maior DJ da história do rock.
E o próprio John Peel tocou a música “Outro Endereço Outra Vida” do primeiro disco, O Adeus de Fellini. O disco rendeu boas críticas e a banda tentou mandar algumas demos para as grandes gravadoras, na tentativa de conseguir um contrato, mas não conseguiram.
Com o fracasso nas vendagens, o grupo se cansou e acabou deixando a Baratos Afins, deixando de lado a idéia de gravarem um quarto disco pelo selo. O rompimento foi um pouco tenso e eles acabaram indo para outro selo independente, a Wop-Bop, que já havia lançado o primeiro EP do Violeta de Outono, além de discos do Harry, May East, entre outros.
Nascia assim, o disco mais bem acabado da banda, Amor Louco, lançado em 1990. O disco contava com R.H. Jackson na produção (ele já havia trabalhando com o Violeta anteriormente) e também com a programação de baterias eletrônicas.
O disco traz algumas das músicas mais emblemáticas da bandas, sendo elas “Chico Buarque Song”, cantada toda em inglês, além de “Clepsidra” e “LSD” (relatos da experiência de Cadão com a droga).
O disco se aproxima mais da MPB e samba, dando ao lançamento um sabor contemporâneo. Apesar de todo o apoio de René Ferri (um dos donos da loja e do selo), mais uma vez o Fellini não conseguiu grande projeção. Desanimados, cada um resolveu seguir sua vida e Thomas foi morar na Alemanha e na Inglaterra, tornando impossível qualquer volta do Fellini.
O grupo chegou a fazer algumas voltas esporádicas para alguns shows e até tocaram em Nova York, no New Music Seminary, e no TIM Festival, em 2003, ao lado de Beth Gibbons e Los Hermanos.
Em 2001, Amor Louco e alguns discos da Wop-Bop foram relançados por um pequeno selo independente e no ano seguinte, Thomas e Cadão voltam com o Fellini e lançam Amanhã É Tarde, gravado nos mesmos moldes de Fellini Só Vive 2 Vezes, mas com adição de samplers.
Depois disso, o grupo sumiu novamente e volta, vez ou outra, para algumas apresentações. Porém, dificilmente a banda voltará a se reunir de vez, já que, segundo Thomas, todos estão com famílias e outros projetos. Isso sem falar que hoje ele mora na Inglaterra.
Deixo vocês com a discografia da banda. Um abraço e até a próxima coluna.
Discografia
O Adeus de Fellini (1985)
Fellini Só Vive 2 Vezes (1986)
3 Lugares Diferentes (1987)
Amor Louco (1990)
Amanhã É Tarde (2002)