Personagem – Arielle, a barda

Arielle a barda a seu dispor. Posso lhe dar a honra de apreciar a boa música e a verdadeira dança. Sim, eu sou muito orgulhosa de minha arte e ciente do meu talento, e não apenas disso. Sei que quando toco ou danço, Liria a deusa da beleza fala por mim seja através de meu corpo ou de minha voz. É a ela que devo minha arte e o que sou, mas não apenas a ela é claro. Também tenho profunda gratidão pelo mago que cuidou de mim quando criança. Ele foi gentil, paciente até demais. Deu a mim o carinho e a atenção que não recebi de meus pais. Porque eles me abandonaram? Eu não faço idéia, mas às vezes eu suponho. Provavelmente eu devo ter sido motivo de vergonha, de uma elfa que se apaixonou por um humano, ou quem sabe de uma humana que sucumbiu aos encantos de algum elfo salafrário. Seja lá o que aconteceu, eu não os perdôo. Um dia eu vou encontrá-los e eles se arrependerão amargamente do que fizeram. Deixar uma criança indefesa, ainda por cima tão bela em uma estrada. Eu poderia ter sido devorada por lobos, ou por qualquer outra fera. Mas o mago me achou e me levou para o orfanato onde fui criada entre outras crianças iguais a mim, mas apenas na sorte.

É lógico que nenhuma delas tinha a mesma inspiração que eu, ou a minha beleza. Foi Liria, é claro que guiou o mago para me encontrar. Ela não poderia permitir que a minha beleza se perdesse no estômago de alguma fera da floresta. Eu sou especial, e um dia aqueles malditos reconhecerão isso. Eu não só criarei as elegias mais célebres mas outros bardos criarão poesias para enaltecer as qualidades da minha arte, e muitos virão de longe para me ver dançar.Quem sabe entre esses não estarão meus pais?

Lembro das humilhações que passei por causa deles. O mago é claro, era bem intencionado, mas eu merecia algo melhor. Belas roupas, jóias, criados…e não as roupas pobres de orfã, e além disso ter que fazer as pequenas tarefas que cabiam a cada um no orfanato. Eu era uma orquídea em meio a um pântano.E meus irmãos eram de origem tão variadas. Havia é claro humanos e elfos, mas para ambos eu era vista com estranheza. O que ela é afinal? Alguns deles perguntavam ao mago. Os elfos não me entendiam, e nem mesmo os humanos.Os humanos faziam troça das minhas orelhas pontudas, e os elfos das minhas formas, por eu não ser tão frágil e delicada como as elfas, e por minhas orelhas serem tão curtas. Um tipo de beleza exótica sem dúvida, alguns diziam. Minha beleza é especial, assim como minha arte. Isso que eles precisavam entender.

Não admitia esses insultos, quando o que eu deveria receber era admiração, embevecimento. Eu tinha que me defender é claro. Como não era forte como alguns dos meus irmãos, nem tão rápida como outros deles aprendi a me defender com palavras. Sim, eu sei que palavras podem ferir, às vezes mais que facas. Antes que me criticassem eu criticava. Antes que apontassem meus defeitos eu expunha os deles, muito piores que os meus é claro. E caso isso não bastasse e ainda quisessem me agredir, eu sempre conseguia atrair alguém mais forte para o meu lado, não com o veneno da língua, mas com o mel que eu também aprendi a destilar. E anos de mágoa, também me fizeram ser paciente, saber esperar a hora certa para aquela vingança. Não esquecer jamais de quem me feriu, e garantir que o troco venha no momento certo.

Se o que eu digo pode parecer cruel, tente imaginar-se no meu lugar. Saída de um orfanato com uma roupa humilde, e apenas o essencial para sobreviver, tendo que buscar praticamente sozinha o reconhecimento que eu tanto merecia. É claro que nessa jornada eu muito aprendi. A primeira lição foi bem dura por sinal. Tentei estabelecer-me em uma cidade elfica, a mais próxima do lugar em que fui encontrada, imaginando quem sabe encontrar lá minhas origens. O professor a quem eu deveria me apresentar com uma carta de recomendação nem sequer quis me receber. Provavelmente ele deve ter pensado que uma humana não poderia chegar aos pés da sua profunda arte élfica. E os olhares que me dedicavam nas ruas eram um misto de desprezo e curiosidade. Apenas fiquei um único dia, na hospedaria mais barata que encontrei na cidade. Passei a noite acordada chorando pela humilhação. Na manhã seguinte parti. Quase fui assaltada na estrada mas ao ver os meus andrajos os bandidos desistiram. Eles evidentemente poderiam ter feito algo pior, abusado de mim, ou me vendido como escrava mas, felizmente ainda tinham um pouco de decência, e ainda me deixaram na cidade seguinte, depois que os destraí no trajeto contando algumas histórias que tanto gostava de inventar. Foi nesse momento que realmente senti o poder do meu talento.

Depois de alguma dificuldade consegui chegar a uma cidade de humanos, próximo ao local onde o mago me localizou. Não sei até hoje se foi nessa cidade que nasci ou na outra. Ás vezes olhava as pessoas na rua, tentando notar alguma semelhança, mas nada. Meu pai ou minha mãe humana deveriam ser dotados de rara beleza, assim nenhum daqueles ali poderiam ser meus pais. Talvez um viajante. A cidade de fato recebia vários. Essa idéia só me angustiava e ainda angustia. Mas o fato é que ainda não consegui desvendar o segredo das minhas origens. O professor humano que me orientou soube reconhecer meu talento e dedicação. Foi um verdadeiro mestre, e de fato minha dedicação foi exemplar. Além dele é claro tive outros. Ele soube quando não havia mais nada a me ensinar e assim evoluí, e assim procurei outros mestres.
Hoje considero-me uma verdadeira barda, e minha arte é incomparável, mas claro ainda posso aprender mais, me aprimorar mais, a perfeição não tem limite, e por isso creio que também a deusa deve estar feliz e orgulhosa por ter me escolhido e salvo minha vida.

Agora, viajo de volta as minhas origens, por mais que muitas vezes odeie essa mesma origem não tenho como apagá-la. Então, irei visitar o mago que me criou, e quem sabe não encontre também alguns dos meus irmãos avoados. Apesar de tudo, às vezes sinto saudades deles. Mas é claro que eles também devem sentir saudades de mim. Eu sou especial, e com certeza inesquecível. Ficarão surpresos em ver que me tornei ainda mais bela, e que canto e danço ainda melhor. Despertarei inveja é claro, mas paciência, nem todos podem ser eu.

Author: Beatrix