O Velho Masson, zelador de um dos mais antigos e relaxados cemitérios da cidade de Salem, vivia eternamente às voltas com os ratos. Há gerações atrás, tinham vindo eles dos molhes, dos cais, e se instalaram no cemitério, uma verdadeira colônia de enormes ratos. Quando Masson passou a ocupar o atual cargo, após o desaparecimento inexplicável do outro zelador, decidira dar-lhes caça. A principio, deitara-lhes armadilhas, envenenara comida, que largava pelos buracos, e, mais tarde, experimentara matá- los com uma espingarda, mas nada conseguiu. Os ratos continuavam, multiplicavam-se, infestando o cemitério, com suas hordas inextinguíveis.
Eram enormes, mesmo para o “mus decumanus”, que às vezes chega a medir quinze polegadas, excluindo-se o rabo cinza e rosa. Masson entrevira alguns tão grandes quanto gatos e, quando, certa vez, os coveiros remexeram em suas tocas, os mal odorosos túneis eram tão largos, que permitiriam a passagem de um homem agachado.
E, aqui, voltamos à curiosa questão dos ratos. Masson odiava e respeitava os ferozes roedores, pois conhecia o perigo que se desprendia de seu pêlo luzidio e caninos aguçados.
Masson não cuidava muito dessas histórias. Não confraternizava com seus vizinhos e tudo fazia, na verdade, para ocultar a existência dos ratos aos intrusos. Investigações, pensava ele, não sem razão, significariam a abertura de inúmeros túmulos. E, conquanto alguns caixões e corroí- dos, esvaziados mesmo, pudessem ser atribuídos à ação dos ratos, Masson achava difícil explicar os corpos atirados, que jaziam em algumas das tumbas.
Neste momento, Masson achava-se de pé, em uma cova descoberta, atirando para o lado os últimos montes de terra.
O corpo tinha sido sepultado dias antes, mas Masson ainda não ousara desenterrá-lo. Um parente do morto viera ao cemitério, por diversas vezes, arrostando o mau tempo.
a.
Era bem grande. Tinha que ser, ou o cadáver não poderia ter sido arrastado por ali. Masson espantou-se ainda uma vez ante o tamanho de ratos, que podiam agüentar com o cadáver de um homem, mas a certeza do remover, que carregava no bolso, confortou-o. Provavelmente, se o cad áver fosse de uma pessoa comum, Masson o deixaria entregue aos raptores e jamais se aventuraria naquela toca, mas estava bem lembrado de que o cadáver vestia uma camisa de linho finíssimo e que seu alfinete de gravata era de pérola. Sem quase refletir, pendurou a lanterna na cinta e engatinhou no buraco.
Uma dor aguda paralisou-lhe a perna. Um dente agudo se enterrara em sua carne. Masson se bateu freneticamente.
túnel! A terra estava úmida, devido às chuvas e, de cócoras, Masson começou a escavar em torno da pedra. Os ratos se aproximavam cada vez mais. Via-lhes os olhos que brilhavam, a cada tremeluzir da lanterna. A pedra começava a ceder. Um rato se aproximou – o monstro, que já entrevira. Cinzento e leproso, avançava, com os dentes alaranjados à mostra, rebocando aquela cousa morta; que guinchava à medida que se arrastava. Masson esforçou-se, trabalhando, desesperado, e sentiu que a pedra ia cair. Rápido, continuou a arrastar-se pelo túnel. Atrás, a pedra ruiu, e ouviu-se súbito guinchar de agonia. Torrões de pedra caíam sobre as pernas de Masson, que custava a livrar-se deles. Todo o túnel ia desmoronando!
Respirando com dificuldade, amedrontado, Masson impeliu-se para a frente, percebendo que a terra úmida queria engoli-lo. 0 túnel estava-se estreitando de tal maneira que já não podia usar mais as mãos e pernas para se mover.