Muito antes de Björk virar a musa da música eletrônica e alternativa, ela já tinha feito coisas bem legais. Entre todas elas, foi essa curiosa e fantástica banda formado em sua Islândia natal, o Sugarcubes. Formada em 1986, o grupo fez um imenso sucesso com o disco Life’s Too Good, e com clássicos do quilate de “Deus”, “Motorcrash” e “Birthday”, primeiro single e que até hoje procuro em uma edição para lá de curiosa: um remix feito pelos irmãos Reid, do The Jesus and Mary Chain. Depois disso, fizeram um fraco segundo disco e mais alguns trabalhos até Björk resolver seguir uma carreira-solo. Mas deixaram seu nome na virada dos anos 80 e 90, e alguns punhados de melodias inesquecíveis.
Por Rubens Leme da Costa
De vez em quando, o pop internacional é invadido por bandas “exóticas”, que cantam em inglês, mas que nada tem a ver com os Estados Unidos ou o Reino Unido. Nos anos 70, os suecos do ABBA fizeram tanto sucesso que viraram ícones. Nos anos 80, as meninas ficavam histérias com o trio gelado da Noruega, A-ha e nos anos 90, a Suécia voltou a ser notícia com o Roxette e o Cardigans. Mas houve uma outra grande banda, vindo de um lugar ainda mais improvável, a Islândia: o Sugarcubes.
Se você desconhece a banda, saiba que nela cantou uma pequena menina, com cara de esquimó e que hoje é uma das musas da cena eletrônica, Björk. E o Sugarcubes apareceu fazendo um som totalmente diferente do convencional, graças, em parte, aos vocais da cantora e aos instrumentos pouco convencionais no pop, como o trumpete.
E todos os integrantes da banda já eram veteranos quando o grupo explodiu em 1988, com a canção “Birthday”. Vamos traçar a origem desses islandeses.
Reza a lenda que a banda nasceu no dia 8 de junho de 1986, quando nasceu o primeiro filho de Björk (seu nome completo é Björk Gundmundsdottir). Para celebrar o acontecimento, vários amigos formaram o Sugarcubes.
Björk contava com 20 anos (nasceu em 21 de novembro, em Reikjavik, capital da Islândia) e já era uma veterana dos palcos. Aos 11 anos havia gravado um disco infantil e, em sua adolescência, havia passado pelas bandas Tappi Tikarrass (com quem lançou dois discos) e pelo K.U.K.L., que fazia um som pós-punk bem ruidoso e lançou vários compactos pelo selo independente britânico Crass.
O baterista Siggi Baldursson (nome completo: Sigtryggur Baldursson, era membro do þeyr (conhecido como Theyr), que teve um momento de glória ao gravarem, em 1982, com dois membros originais do Killing Joke, o cantor Jaz Coleman e o baixista (e futuro produtor de renome) Youth. Nessa mesma época, Einar Benediktsson e Bragi Olafesson formaram um grupo punk chamado Purrkur Pillnikk, que lançaram alguns discos por um selo próprio. Em 1984, Björk, Benediktsson e Baldursson resolveram juntar forças e montar o K.U.K.L., com o tecladista Einar Mellax, que significa bruxa, em islandês.
Em 1986, com a adição do marido de Björk, Thor Eldon (guitarra) e Bragi Olafesson (baixo), formaram o Sugarcubes. No início, a banda não era a prioridade dos músicos, já que todos tinham um segundo emprego. De acordo com o baterista Siggi, eles dedicavam apenas 15% de seu tempo ao grupo, ficando os outros 85% para uma profissão mais rentável.
Mas o grupo já tinha uma identidade sonora muito particular e um grande apelo visual, especialmente de Björk. No final de 1987, a banda já era assediada por várias gravadoras inglesas, e acabaram assinando com a pequena One Little Indian, no Reino Unido e com a Elektra, na América.
Em outubro de 1987, lançam o compacto Birthday, que fez um enorme sucesso e puxou as vendagens do primeiro disco, Life’s Too Good, lançado em abril do ano seguinte.
“Birthday” foi um dos grandes lançamentos de 1988. Com seu andamento estranho, uma letra esquisita e com a voz incomum de Björk em primeiro plano, fez subir aos primeiros lugares da parada independente e normal inglesa. A canção foi eleita o single da semana pelo esnobe semanário New Musical Express.
“Nós não esperávamos o sucesso dessa maneira. Na verdade, o Sugarcubes era apenas mais uma banda para diversão do que de profissão. Ficamos surpresos quando começamos a ter tanta manchete”, confessa a cantora, dona de um timbre incomum, e que se assemelha, nessa característica, com Elizabeth Fraser, do Cocteau Twins.
O disco teve vários remixes, sendo o mais curioso deles dos irmãos Jim e William Reid, do Jesus and Mary Chain, chamado The Christmas Day Mix. A edição americana do disco, teve ainda uma exótica capa laranja ao invés da cor verde (essa é a minha cópia, que ganhei de minha irmã quando ela morava nos Estados Unidos, em 1988).
Quando o grupo fez fama, a Islândia colocou-os quase num pedestal. Afinal, a Islândia nunca teve muita fama internacional, já que os islandeses são conhecidos como um povo triste e quieto. A futura tecladista Magga, aliás, adora recitar a famosa frase de Oscar Wilde: “os islandeses são a raça mais inteligente da Europa, porque foram os primeiros descobridores da América, mas não contaram o fato a ninguém.”
Björk lembra bem como foi lidar com a fama em seu país: “minha família havia se mudado para Londres no meio da década de 80 e eu fui para uma escola para aprender a língua inglesa. Em uma aula, o professor pediu que fizéssemos desenhos de minha casa na Islândia e eu desenhei o iglu em que eu vivi. Ninguém conhecia a Islândia, pois o islandês mais famoso até então era Magnus Magnusson, um professor da Universidade de Edimburgo, e que havia se mudado para o Reino Unido ainda criança. Na época do Sugarcubes, estava novamente morando em Londres e fiquei surpresa quando descobri que até minhas tias sabiam quem era o Sugarcubes. Uma das coisas mais estranhas era ver os jornalistas estrangeiros entrevistando outros músicos locais, tentando descobrir mais sobre a gente.”
E a banda tinha uma vida paralela na Islândia, mesmo com o sucesso. “A Islândia é um país terrivelmente caro para se viver e é muito comum cada um ter dois empregos”, conta Einar, que também vivia como DJ local, embora odiasse ser chamado dessa forma: “eu toco música e converso com as pessoas.” Björk também tinha um emprego em um loja de antiguidades.
Nesse momento, o grupo começou a apresentar alguns rachas internos, particularmente entre a cantora e o trumpetista e ocasional cantor, Einar, e também entre a cantora com seu marido, Thor.
Em abril de 1988, o grupo lança outro três compactos: Coldsweat, Deus e Motorcrash. Björk era considerado uma musa por seus fãs e o Sugarcubes mostrava um forte conotação sexual, embora não fosse apelativo: “na Islândia o sexo é visto como algo normal, sem todo essa tabu que existe no resto do mundo. Dizem que sou muito sensual no palco, mas na verdade, eu sempre cantei e fui dessa maneira”, explica Björk.
Em 1989, em meio às gravações do segundo disco, Björk e Thor se separam e o guitarrista casa com Magga Ornolfsdottir, que ironicamente seria a nova tecladista da banda. E, para aumentar ainda mais o horror do mundo conservador, Olafesson deixa sua mulher para casar com Einar, na primeira união gay oficial do mundo pop. Foi nesse clima que o grupo lançou o disco Here Today, Tomorrow Next Week!, bem menos inspirado do que o disco anterior. A grande canção do álbum era “Regina”, mas o resto do disco não era lá muito bom.
Uma curiosidade: apenas de Björk ser grande fã de música brasileira, Elis Regina e Milton Nascimento, especialmente, “Regina” nada tem a ver com a cantora brasileira, que foi homenageada, anos depois, em “Isobel”.
Para comemorar o segundo disco, o grupo saiu em sua primeira turnê mundial, indo para a América com ninguém menos do que o New Order e o P.I.L. Björk disse que adorou cada minuto dessa excursão: “enquanto nós tocávamos e passeávamos em paz, víamos o desespero de John Lydon sendo cercado pelos jornalistas, sedentos por ouvir histórias sobre os Sex Pistols. Eu o vi várias vezes vomitando em cima deles. E o New Order também já tinha um grande número de fãs.”
Mas, após o final da excursão, em 1990, os membros do grupo resolveram dar um descanso para que cada um pudesse cuidar de seus projetos pessoais. O grupo tinha conquistado coisas demais para seus próprios padrões. “Você sabia que em 1990, o presidente François Mitterand veio até a Islândia com o seu ministro da Cultura, Jacques Lang, e trocou um tedioso jantar oficial por um show nosso? É verdade! Quando ele soube que Lang ia nos assistir ao invés de cumprir o protocolo oficial, ele disse ‘foda-se, eu também quero ver o Sugarcubes. E ele adorou!”, conta Einar.
Essa parada serviu para esfriar os ânimos acirrados entre os integrantes e para que cada um pudesse curtir um pouco da fama.
A banda só voltou à cena em 1992, com dois discos: o bom Stick Around For Joy e o disco de remixes. Mas os dois álbuns fracassaram na tentativa de dar um grande sucesso ao Sugarcubes. E It’s-It foi um projeto grandioso. A edição em vinil era dupla, contendo os seguintes remixes: It’s-It
Lado A:
01. Birthday (07:32) Justin Robertson 12″ Mix
02. Leash Called Love (06:27) Tony Humphries Mix
03. Blue Eyed Pop (06:39) S1000 Mix
Lado B:
04. Motorcrash (06:49) Justin Robertson Mix
05. Planet (04:42) Graham Massey Planet Suite Pt 2
06. Gold (06:10) Todd Terry Mix
Lado C:
07. Water (04:13) Bryan ‘Chuck’ New Mix
08. Regina (05:12) Sugarcubes Mix *
09. Mama (05:09) Mark Saunders Mix
10. Pump (04:30) Marius de Vries Mix
Lado D:
11. Hit (07:10) Tony Humphries Sweet & Low Mix
12. Birthday (06:42) Tommy D Mix
13. Coldsweat (04:12) DB/BP Mix
O grupo ainda saiu em uma última excursão, mas a banda já não conseguia mais mostrar entusiasmo. O resultado foi a dissolução do Sugarcubes logo após os shows. Com isso, Björk acabaria se tornando o maior nome, ao lançar em 1993, o primeiro disco-solo,
Debut, aclamado mundialmente, e conseguindo um sucesso ainda maior, com o segundo disco, Post, de 1995 e que continha o megahit, “It’s Oh So Quiet”.
Vários lançamentos póstumos de todos os projetos pré-Sugarcubes foram jogados no mercado, na tentativa de ganhar sempre algum dinheiro a mais. Mas o que ficará na memória serão sempre as canções de Life’s Too Good e a vida que os gelados habitantes islandeses proporcionaram ao universo pop. Deixo vocês com a discografia da banda. Um abraço e até a próxima coluna.
Discografia
Life’s Too Good (1988)
Here Today, Tomorrow Next Week! (1989)
Stick Around For Joy (1992)
It’s-It (1992)