Recentemente na seção Arte Cemiterial da Página da Beatrix resolvi abrir um espaço para falar e divulgar informações sobre alguns cemitérios antigos, tanto do Brasil como do mundo, e que tem em comum o fato de possuir um acervo riquíssimo tanto em arte quanto em história. Na verdade já havia no site um texto dedicado ao famoso Cemitério Père Lachaise de Paris, em que constam também algumas fotos e comentários sobre seus ilustres “moradores”.
Nunca visitei o Père Lachaise, e talvez nunca o faça, mas não é segredo que a internet hoje em dia nos permite fazer “viagens” inimagináveis. Assim, foi possível conhecer um pouco da história e das lendas que cercam um dos mais falados cemitérios do mundo.
Entretanto, foi com prazer muito maior que escrevi sobre o Cemitério da Consolação, de São Paulo. Lugar que pude de fato conhecer e visitar durante o tempo em que morei nesta cidade.
Mas a minha paixão por arte cemiterial ou tumular, como a maioria prefere, não surgiu contemplando os mármores de Brecheret presentes no cemitério paulista, nem as fotos e histórias do Père Lachaise. Surgiu talvez em Fortaleza minha cidade natal, quando acompanhei o sepultamento de meu avô, em um lugar tranquilo, e numa época em que a infância ainda está livre de certos medos e preconceitos. Ou talvez tenha surgido mesmo em São Luís, onde durante um período trabalhei em uma escola que praticamente dividia os muros com o Cemitério do Gavião. Que entre outras curiosidades trás o fato de em sua entrada haver um dístico quase tão macabro quanto aquele que Dante leu nos portões do inferno. No Gavião embaixo de uma caveira com tíbias cruzadas está escrito: “Nós, ossos que aqui estamos, pelos vossos esperamos”. Esta frase segundo me informei, é de autoria de Willian Shakespeare.
Enfim, não lembro ao certo quando comecei a me interessar por arte tumular, mas uma coisa é certa, se o cemitério da Consolação não não foi o responsável pelo seu início, pode ser sem dúvida culpabilizado pelo seu desenvolvimento. O visitei logo na primeira semana quando cheguei a cidade e jamais esqueci a impressão que me deixou. Na segunda visita tratei de levar uma máquina fotográfica para registrar essa impressão de forma mais fiel.
Entretanto uma curiosidade, nunca consegui encontrar novamente as esculturas que me encantaram da primeira vez, como por exemplo um anjo em tamanho natural de traços masculinos que com sua espada em punho parecia que a qualquer momento iria levantar dali e expulsar os grupos de visitantes que teimavam em perturbar a paz local.
Também não me esqueço do esforço que fiz para fotografar umas das obras que mais me tocou em minhas visitas ao Consolação: “Lenda Grega: Orfeu e Eurídice”.
Eu fiquei muito tempo dando voltas esperando que o visitante que havia ido lá para deixar flores, fosse embora. E ele ficou horas…E claro era um direito dele…eu é que era a invasora.
Era um senhor de meia idade, bem vestido que se ajoelhou e chorou por um tempo. Quando voltei depois de um tempo ele ainda estava lá, mas procurei desviar, seria muito constrangedor flagrá-lo com lágrimas no rosto.
O conjunto escultural que estava no túmulo, e que tanto me impressionou, tanto pela sua beleza quanto pela expressão dos sentimentos do visitante, é de autoria do artista Nicolla Rollo, e representa a tragédia do casal Orfeu e Eurídice.
Orfeu era o músico lendário filho da musa Calíope que enternecia até as feras com a sua música, um cantor maravilhoso e que tocava divinamente a lira e a cítara, instrumento este cuja invenção lhe é atribuída. Ao ouví-lo cantar as feras o seguiam, as árvores se inclinavam em sua direção e até os homens mais irascíveis se acalmavam.
Orfeu participou da famosa expedição dos Argonautas. Durante a viagem, apaziguava as ondas com sua música e, com ela, conseguiu até anular o efeito do hipnótico canto das sereias e salvar o navio.
A cena esculpida por Nicolla Rollo mostra Orfeu tangendo a sua lira, com a qual encantava os animais e as plantas, tentando trazer à vida a esposa, tudo isso em vão…
…Um tempo depois quando voltei o visitante havia ido embora e pude tirar quantas fotos eu quis…Mesmo assim, minhas sinceras desculpas ao visitante, da parte dessa importunadora amante da arte…