Pablo Neruda (1904-1973), pseudônimo de Neftalí Ricardo Reyes Basoalto, nasceu a 12 de julho de 1904, em Parral, no Chile. Prêmio Nobel de Literatura em 1971, sua poesia transpira em sua primeira fase o romantismo extremo de Walt Whitman. Depois vieram a experiência surrealista, influência de André Breton, e uma fase curta bastante hermética. Marxista e revolucionário, cantou as angústias da Espanha de 1936 e a condição dos povos latino-americanos e seus movimentos libertários. Diplomata desde cedo, foi cônsul na Espanha de 1934 a 1938 e no México.
Pablo Neruda havia chegado à Espanha em 1934, primeiro em Barcelona, nos albores da chamada República dos Trabalhadores, proclamada em 1931. Logo ligou-se ao mundo boêmio e literário de Madri, freqüentando poetas como Garcia Lorca, Rafael Albert, Vicente Aleixandre e Cernuda, – a “Geração de 27” – que, em nenhum momento, fizeram-lhe qualquer restrição por ele vir lá de um fundão como o Chile (“com a cabeça quase enfiada no Polo Sul”, como ele dizia).
Eclodido o golpe do general Franco, Neruda, ainda diplomata, esqueceu-se de manter-se neutro e engajou-se na guerra ao lado do governo republicano acossado, usando como arma palavras e estrofes, compondo o impressionante “Espanha no Coração (“olhem para a minha casa morta/ olhem para a Espanha rota/ mas de cada casa morta sai metal ardendo em vez de flores”). Antes de retirar-se para Paris, ainda aparceirou-se com o peruano César Vallejo para organizar o Grupo Hispano-americano de ajuda à Espanha. Por fim , com a república em colapso, destruída pelo golpe fascista, nada mais lhe restou senão que salvar o que podia.
Correndo até Marselha, Neruda conseguiu fretar um navio, o “Winnipeg”. Em seguida, tratou de carrega-lo com os refugiados que quisessem ir para o Chile. Homens, mulheres e crianças, num total de 2.500 passageiros, uma autêntica nau de desesperados esperançosos, zarpando do porto francês de Trompeloup-Pauillac, no dia 4 de agosto de 1939, partiu então para Valparaiso, lá do outro lado do mundo. Um mês depois, no cais do porto chileno, quando desembarcaram em 3 de setembro de 1939, em meio ao regozijo geral, esperava-os um jovem médico de nome Salvador Allende. Neruda, que sempre foi discreto a respeito da sua atuação nesse episódio, confessou que aquilo, ter salvo aquela gente, fora o seu “mais belo poema”.
Enquanto os que entraram na lista do poeta se salvavam, milhares de outros espanhóis que não tinham para onde ir, continuaram detidos nos campos de Argéles sur Mer e de Saint Cyprién. Um número impressionante deles apresentou-se como voluntários para ir lutar ombro a ombro ao lado dos franceses, quando a França entrou em guerra e foi invadida pelos nazistas em 1940. Desbaratada a resistência, feitos prisioneiros de guerra, os voluntários espanhóis foram classificados pelos nazistas como “terroristas” e remetidos para campos de concentração. Sete mil deles morreram no campo de Mauthausen.
Desenvolveu intensa vida pública entre 1921 e 1940, tendo escrito entre outras as seguintes obras: “La canción de la fiesta”, “Crepusculario”, “Veinte poemas de amor y una canción desesperada”, “Tentativa del hombre infinito”, “Residencia en la tierra” e “Oda a Stalingrado”. Indicado à Presidência da República do Chile, em 1969, renuncia à honra em favor de Salvador Allende. Participa da campanha e, eleito Allende, é nomeado embaixador do Chile na França. Outras obras do autor: “Canto General”, “Odas elementales”, “La uvas y el viento”, “Nuevas odas elementales”, “Libro tercero de las odas”, “Geografía Infructuosa” e “Memorias (Confieso que he vivido — Memorias)”.
Seus primeiros trabalhos literários foram publicados na cidade de Temuco. Em 1921 foi para Santiago, continuar seus estudos como professor de francês, e ganhou o seu primeiro prêmio literário Ali publicou o seu primeiro livro, “Crepusculario”, que se seguiu, em 1924, por “Veinte Poemas de Amor y una Cancion Desesperada”, sua obra mais conhecida e um dos mais lindos conjuntos de poemas de amor que já se escreveu. Em 1927 foi nomeado Consul em Rangún (Birmânia), indo depois para Colombo (Ceilão) e para Batavia (Java) e, finalmente, Singapura. Depois de cinco anos, regressou ao Chile, onde escreve “Residencia en la Terra” e, em 1933 “El Hondero Entusiasta”. Em 1934 tornou-se consul em Barcelona e, em 1935 foi transferido para Madrid. Com a guerra civil espanhola foi para Paris e escreve “España en el Corazón”, seguida, em 1939 por “Las Furias y las Penas”. Em 1940 foi nomeado consul geral no México, onde ficou até 1943. Regressando ao Chile, recebeu, em 1945, o “Premio Nacional de Literatura”. Pelo fato de participar ativamente de atividades políticas e pelo fato do Partido Comunista, ao qual pertencia, ter sido declarado ilegal, teve que sair do Chile. Em 1950, no México, publicou “Canto General”. Depois de passar pelo México, pela França e pela Itália, voltou ao Chile em 1952 recebendo, em 1953, o “Premio Stalin da Paz”. A seguir publica “Odas Elementales” e “Las Uvas y el Viento”. A partir passou a proferir diversas palestras pelo mundo, tendo publicado, em 1956 “Nuevas Odas Elementales” e “El Gran Oceano”. Em 1957 “Tercer Libro de Odas”, em 1958 “Navegaciones y Regreso”, em 1959 “Cien Sonetos de Amor”, em 1960 “Cancion de Gesta”, em 1961 “Las Piedras de Chile” e “Cantos Ceremoniales”, e em 1962 “Plenos Poderes”. Em 1964 publica “Memorial de Isla Negra”, seguida de “Arte de Pajaros”, em 1966, “Las Manos del Dia” em 1968, “Fin del Mundo” e “Aun”, em 1969. Em 1969 foi indicado pré-candidato à presidência do Chile, fato que não chegou a se concretizar e publicou, em 1970 “La Espada Encendida” e “Las Piedras del Cielo”. Ainda em 1970, é designado embaixador na França, recebendo, em 21 de outubro de 1971, o “Prêmio Nobel de Literatura”. Em 23 de setembro de 1973, sucumbe à doença e, certamente, à amargura do golpe de estado vitorioso de Pinochet contra o governo de Salvador Allende.
De uma forma geral, pode-se dizer que a poesia de Pablo Neruda tem quatro vertentes. A primeira refere-se aos seus poemas de amor, como em “Veinte Poemas de Amor y una Cancion Desesperada”. A Segunda vertente é representada pela poesia voltada para a solidão e a depressão, como em “Residencia en la Tierra”. A poesia épica, política, como por exemplo, em “Canto General” representa a terceira vertente e a poesia do dia a dia, como em “Odas Elementales”, a Quarta. Allende e Neruda iriam encerrar suas vidas quase que juntos. Gravemente doente, refugiado na sua morada da Ilha Negra, Neruda não resistiu à notícia do golpe de 11 de setembro de 1973. Seu amigo Allende se suicidara e os tanques governavam o país. Dois golpes militares violentos, o de Franco, em 1936, e o de Pinochet, em 1973, eram demais para um poeta. No dia 23 de setembro de 1973 – há trinta anos passados – removeram-no para um clínica, mas de nada adiantou. As geladas mãos da morte fizeram-no parar de viver.
Morreu a 23 de setembro de 1973 em Santiago do Chile, oito dias após a queda do Governo da Unidade Popular e da morte de Salvador Allende.
A notícia do falecimento dele correu de boca em boca por Santiago. Quem iria se atrever, com aqueles tiros todos nas ruas, com os cadáveres jogados nas calçadas e nas sarjetas, a ir aos funerais de Neruda? Pois foram. Quando o modesto caixão foi levado para o cemitério, a multidão foi se ajuntando ao redor do esquife. Murmurando versos dele, as ruas foram se enchendo de gente, recitando trechos da “Canção Desesperada” , ou ainda a estrofe “Abandonado como um cais ao amanhecer/ É a hora de partir, oh abandonado! ” Durante os quinze anos seguintes nenhum chileno ousou sair á ruas em protesto.
Em nome daqueles espanhóis, deserdados de tudo, que entraram na providencial lista de Neruda – cujos descendentes se tornaram “os filhos de Neruda” – , foi que o juiz espanhol Baltasar Garson entrou em ação. Em outubro de 1998, quando o ex-ditador estava em Londres para um tratamento de saúde, o juiz enviou um requerimento solicitando ao governo britânico que detivesse e, em seguida, extraditasse o general Augusto Pinochet para a Espanha. Não consegui o intento, mas expôs Pinochet frente ao mundo. Foi a maneira dos espanhóis poderem manifestar, ainda que tardiamente, a sua solidariedade a Neruda.
Fontes:
Crepusculário – 1924
Veinte poemas de amor y una canción desesperada – 1924
Tentativa del hombre infinito – 1926
El habitante e su esperanza – 1926
Anillos – 1926
El hondero entusiasta – 1933
Residencia en la Tierra I – 1935
Residencia en la Tierra II – 1935
Tercera residencia – 1947
Espanã en el corazon – 1947
Canto general – 1950
Los versos del Capitan – 1952
Poesía Política – 1953
La uvas y el viento – 1954
Odas elementales – 1954
Viajes – 1955
Nuevas odas elementales – 1956
Tercer libro de odas – 1957
Estravagario – 1958
Navegaciones y regresos – 1959
Cien sonetos de amor – 1959
Canción de Giesta – 1960
Las piedras de Chile – 1961
Cantos Ceremoniales – 1961
Plenos Poderes – 1962
Memorial de Isla Negra – 1964
Arte de Pajaros – 1966
Una casa en la arena – 1966
Fulgor y muerte de Joaquím Murieta – 1967
La barcarola – 1967
Las manos del dia – 1968
Comiendo en Hungría – 1969
Fin de mundo – 1969
Aún – 1969
Maremoto – 1970
La espada encendida – 1970
Las piedras delo cielo – 1970
Geografia infructuosa – 1972
La Rosa Separada – 1972
Incitación al Nixonicidio y alabanza de la Revolución Chilena – 1973
El mar y las campanas – 1973
Geografía de Pablo Neruda – 1973
Jardín de Invierno – 1974
El corazon amarillo – 1974
El libro de las preguntas – 1974
2000 – 1974
Elegia – 1974
Defectos Escogidos – 1974
Confieso que he vivido – 1974
Cartas de Amor de Pablo Neruda – 1974
Para nascer he nascido – 1978
Cartas a Laura – 1978
El río Invisible – 1980
Neruda/Eandi, Correspondencia durante Residencia en la tierra. Compilación de Margarita Aguirre – 1980
El fin del viaje – 1982
Cuadernos de Temuco – 1998
Pablo Neruda, Prólogos – 2000
TEXTOS
Cuerpo de mujer…
Cuerpo de mujer, blancas colinas, muslos blancos,
te pareces al mundo en tu actitud de entrega.
Mi cuerpo de labriego salvaje te socava
y hace saltar el hijo del fondo de la tierra.
Fui solo como un túnel. De mí huían los pájaros
y en mí la noche entraba su invasión poderosa.
Para sobrevivirme te forjé como un arma,
como una flecha en mi arco, como una piedra en mi honda.
Pero cae la hora de la venganza, y te amo.
Cuerpo de piel, de musgo, de leche ávida y firme.
¡Ah los vasos del pecho! ¡Ah los ojos de ausencia!
¡Ah las rosas del pubis! ¡Ah tu voz lenta y triste!
Cuerpo de mujer mía, persistiré en tu gracia.
Mi sed, mi ansia si límite, mi camino indeciso!
Oscuros cauces donde la sed eterna sigue,
y la fatiga sigue, y el dolor infinito.
O Poço
Cais, às vezes, afundas
em teu fosso de silêncio,
em teu abismo de orgulhosa cólera,
e mal consegues
voltar, trazendo restos
do que achaste
pelas profunduras da tua existência.
Meu amor, o que encontras
em teu poço fechado?
Algas, pântanos, rochas?
O que vês, de olhos cegos,
rancorosa e ferida?
Não acharás, amor,
no poço em que cais
o que na altura guardo para ti:
um ramo de jasmins todo orvalhado,
um beijo mais profundo que esse abismo.
Não me temas, não caias
de novo em teu rancor.
Sacode a minha palavra que te veio ferir
e deixa que ela voe pela janela aberta.
Ela voltará a ferir-me
sem que tu a dirijas,
porque foi carregada com um instante duro
e esse instante será desarmado em meu peito.
Radiosa me sorri
se minha boca fere.
Não sou um pastor doce
como em contos de fadas,
mas um lenhador que comparte contigo
terras, vento e espinhos das montanhas.
Dá-me amor, me sorri
e me ajuda a ser bom.
Não te firas em mim, seria inútil,
não me firas a mim porque te feres.
O teu riso
Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.
Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.
À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.
URRUTIA, Matilde. Minha Vida com Pablo Neruda. São Paulo: Bertrand, 1990.