Monthly Archives: junho 2017

Poema para a fiandeira Beatrix

Poema para a fiandeira Beatrix

 

Enredei-me em teus fios vermelhos
ai de mim, quem vem me tirar
Fiandeira enrola os novelos
Pra este pobre homem soltar

Fiandeira, formosa e mesurada
pele branca tal qual o luar
Amarraste teus fios, ó malvada
De teu corpo ao meu triste olhar

Teus fios ruivos deixam-me entregue
Tua pele me põe a arder
E por mais que esta chama eu renegue
Fiandeira, queimo por você.

Por anônimo

Tecelã

Tecelã


Sinto a textura de cada fio da vida
E vou desvendando a arte de tecer
Cada ponto, cada canto.
O novelo se desenrola
Por vezes frágil
Por vezes ágil
E em cada ponto encontro o gesto
Em cada verso escuto o eco
De minha voz
Dos meus desejos
De gritar pro mundo
Ei, estou aqui !
Vejo que me vês
Escuta-me e descostura
A tua insensatez
Não adianta fugir de mim
Já cheguei
Pus agora meus pés
No ” fluxo da vida ”
Serei ,eu ,agora
Em cada fio
Em cada linha
O próprio tecido
Ora escondido
Ora adormecido
Dentro de mim
Mas descobri
Nesse entremear de fios
Que posso acordar meus sonhos
E fazer-me
E (re) fazer-me
Sempre
Afinal, o novelo da vida
Traz consigo
A possibilidade da costura
E da (re)costura
E da ventura e aventura
De sermos,simplesmente
E tecendo caminhos
Vou descobrindo
O feminino em mim
Para tecer com fios de luz
A força que me conduz
Para olhar o mundo
Desnudando lá no fundo
Da caixa de costura
A minha alma guardada
Para tecer comigo
A minha própria caminhada

Por Lina Passos

Súplicas às moiras

Súplicas às moiras
Tecendo a teia da vida e da morte
Moiras irmãs, que cirzam minha sorte
Urdam e tramem por minha ventura
Tragam-me a amada em sua tessitura.
Inda que seja breve a minha vida,
Mesmo sendo fugaz, seja garrida,
Por ter por privilégio a companhia
Da puella que ora canto em elegia.
Mas, se, reinando acima do divino,
Julgando impróprio dar-me tal destino,
Nem mesmo Zeus possa atender meu rogo,
Clotho, fiandeira, tece uma fogueira
Sorteia-me, Láquesis, medianeira
Átropos, joga o meu destino ao fogo!
Por Oldney Lopes

A infinita fiandeira

A infinita fiandeira

A aranha, aquela aranha, era tão única: não parava de fazer teias! Fazia-as de todos os tamanhos e formas. Havia, contudo, um senão: ela fazia-as, mas não lhes dava utilidade. O bicho repaginava o mundo. Contudo, sempre inacabava as suas obras. Ao fio e ao cabo, ela já amealhava uma porção de teias que só ganhavam senso no rebrilho das manhãs.
E dia e noite: dos seus palpos primavam obras, com belezas de cacimbo gotejando, rendas e rendilhados. Tudo sem nem finalidade. Todo bom aracnídeo sabe que a teia cumpre as fatias funções: lençol de núpcias, armadilha de caçador. Todos sabem, menos a nossa aranhinha, em suas distraiçoeiras funções.
Para a mãe-aranha aquilo não passava de mau senso. Para quê tanto labor se depois não se dava a indevida aplicação? Mas a jovem aranhiça não fazia ouvidos. E alfaiatava, alfinetava, cegava os nós. Tecia e retecia o fio, entrelaçava e reentrelaçava mais e mais teia. Sem nunca fazer morada em nenhuma. Recusava a utilitária vocação da sua espécie.
— Não faço teias por instinto.
— Então, faz porquê?
— Faço por arte.
Benzia-se a mãe, rezava o pai. Mas nem com preces. A filha saiu pelo mundo em ofício de infinita teceloa. E em cantos e recantos deixava a sua marca, o engenho da sua seda. os pais, após concertação, a mandaram chamar. A mãe:
— Minha filha, quando é que acentas as patas na parede?
E o pai:
— Já eu me vejo em palpos de mim…
Em choro múltiplo, a mãe limpou as lágrimas dos muitos olhos enquanto disse:
— Estamos recebendo queixas do aranhal.
— O que é que dizem, mãe?
— Dizem que isso só pode ser doença apanhada de outras criaturas.
Até que se decidiram: a jovem aranha tinha que ser reconduzida aos seus mandos genéticos. Aquele devaneio seria causado por falta de namorado. A moça seria até virgem, não tendo nunca digerido um machito. E organizaram um amoroso encontro.
— Vai ver que custa menos que engolir mosca — disse a mãe.
E aconteceu. Contudo, ao invés de devorar o singelo namorador, a aranha namorou e ficou enamorada. Os dois deram-se os apêndices e dançaram ao som de uma brisa que fazia vibrar a teia. Ou seria a teia que fabricava a brisa?
A aranhiça levou o namorado a visitar sua coleção de teias, ele que escolhesse uma, ficaria prova de seu amor.
A família desiludida consultou o Deus dos bichos, para reclamar da fabricação daquele espécime. Uma aranha assim, com mania de gente? Na sua alta teia, o Deus dos bichos quis saber o que poderia fazer. Pediram que ela transitasse para humana. E assim sucedeu: num golpe divino, a aranha foi convertida em pessoa. Quando ela, já transfigurada., se apresentou no mundo dos humanos logo lhe exigiram a imediata identificação. Quem era, o que fazia?
— Faço arte.
— Arte?
E os humanos se entreolharam, intrigados. Desconheciam o que fosse arte. Em que consistia? Até que um, mais-velho, se lembrou. Que houvera um tempo, em tempos de que já se perdera memória, em que alguns se ocupavam de tais improdutivos afazeres. Felizmente, isso tinha acabado, e os poucos que teimavam em criar esses pouco rentáveis produtos — chamados de obras de arte — tinham sido geneticamente transmutados em bichos. Não se lembrava bem em que bichos. Aranhas, ao que parece.

Por Mia Couto

O tear

O tear

A fieira zumbe, o piso estala, chia

O liço, range o estambre na cadeia;
A máquina dos Tempos, dia a dia,
Na música monótona vozeia.

Sem pressa, sem pesar, sem alegria,
Sem alma, o Tecelão, que cabeceia,
Carda, retorce, estira, asseda, fia,
Doba e entrelaça, na infindável teia.

Treva e luz, ódio e amor, beijo e queixume,
Consolação e raiva, gelo e chama
Combinam-se e consomem-se no urdume.

Sem princípio e sem fim, eternamente
Passa e repassa a aborrecida trama
Nas mãos do Tecelão indiferente…

Por Olavo Bilac