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O tecelão de sonhos

O tecelão de sonhos

“Nós somos do tecido de que são feitos os sonhos…” William Shakespeare.

“Desde 1911, quando Freud o discutiu pela primeira vez, tem havido uma mística cercando o sonho inicial que o paciente relata em análise. Freud achava que esse primeiro sonho era pouco sofisticado e pouco revelador, porque os pacientes no começo da análise são ingênuos e ainda estão desprevenidos. Numa etapa posterior da terapia, quando fica evidente que o terapeuta tem uma capacidade minimamente refinada de interpretar sonhos, o tecedor de sonhos que reside em nosso inconsciente torna-se cauteloso, entra em alerta máximo e, a partir daí, toma o cuidado de fabricar sonhos mais complexos e obscuros.

Seguindo Freud, muitas vezes imaginei o tecelão de sonhos como um homúnculo gorducho e jovial, que leva uma boa vida numa floresta de dendritos e axônios. Dorme durante o dia, mas, à noite, reclinado numa almofada de sinapses zumbidoras, tece preguiçosamente sequências de sonhos para seu anfitrião. Na noite que antecede a primeira ida à terapia, esse anfitrião adormece cheio de ideias conflitantes sobre a terapia que virá e, como de praxe, o homúnculo cuida de sua tarefa noturna, entremeando alegremente esses temores e esperanças num sonho simples e transparente. Depois, muito alarmado, o homúnculo descobre que o terapeuta interpretou habilmente seu sonho. Com graça, tira o chapéu para o adversário competente – o terapeuta que decifrou seu código onírico -, mas, desse momento em diante, toma o cuidado de enterrar cada vez mais fundo o significado do sonho num disfarce noturno.

Conto de fadas bobo. Típica antropomorfização oitocentista. O erro muito difundido de concretizar as estruturas psíquicas abstratas de Freud em elfos independentes, dotados de livre-arbítrio. Ah, se eu não acreditasse nisso!”

– Irvin D. Yalom. In: Mamãe e o sentido da vida


Fonte: https://lastjasmines.wordpress.com/

A Renda de Bilro e a Rendeira

A Renda de Bilro e a Rendeira

A renda, ou o “ponto aéreo”

O manuseio de fios ou fibras se apresenta como uma constante na história da humanidade. A transformação de ‘linhas’, ou fibras, em superfícies planas ou com volume, de acordo com uma técnica específica, teria se iniciado com a cestaria e se desenvolvido por meio da tecelagem. Posteriormente surgiram os bordados, que utilizavam o tecido pronto como base para uma série de adornos elaborados com diferentes tipos de técnicas e linhas. Relatos e registros dos trabalhos de agulha (bordados e retículas) remontam a um passado remoto. De acordo com Ramos, “o tricot já era conhecido da mulher do Neolítico lacustre, dos antigos hebreus, dos indús, dos chineses” (1948:9). No entanto, na forma como as encontramos atualmente, as rendas surgiram na Europa em algum momento entre os séculos XV e XVI.

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Poema para a fiandeira Beatrix

Poema para a fiandeira Beatrix

 

Enredei-me em teus fios vermelhos
ai de mim, quem vem me tirar
Fiandeira enrola os novelos
Pra este pobre homem soltar

Fiandeira, formosa e mesurada
pele branca tal qual o luar
Amarraste teus fios, ó malvada
De teu corpo ao meu triste olhar

Teus fios ruivos deixam-me entregue
Tua pele me põe a arder
E por mais que esta chama eu renegue
Fiandeira, queimo por você.

Por anônimo

Tecelã

Tecelã


Sinto a textura de cada fio da vida
E vou desvendando a arte de tecer
Cada ponto, cada canto.
O novelo se desenrola
Por vezes frágil
Por vezes ágil
E em cada ponto encontro o gesto
Em cada verso escuto o eco
De minha voz
Dos meus desejos
De gritar pro mundo
Ei, estou aqui !
Vejo que me vês
Escuta-me e descostura
A tua insensatez
Não adianta fugir de mim
Já cheguei
Pus agora meus pés
No ” fluxo da vida ”
Serei ,eu ,agora
Em cada fio
Em cada linha
O próprio tecido
Ora escondido
Ora adormecido
Dentro de mim
Mas descobri
Nesse entremear de fios
Que posso acordar meus sonhos
E fazer-me
E (re) fazer-me
Sempre
Afinal, o novelo da vida
Traz consigo
A possibilidade da costura
E da (re)costura
E da ventura e aventura
De sermos,simplesmente
E tecendo caminhos
Vou descobrindo
O feminino em mim
Para tecer com fios de luz
A força que me conduz
Para olhar o mundo
Desnudando lá no fundo
Da caixa de costura
A minha alma guardada
Para tecer comigo
A minha própria caminhada

Por Lina Passos

Cardação de verão

Cardação de verão

Em um final de tarde de primavera, em que já se achegava o verão, estavam as tecelãs reunidas no Ateliê da Donzela, que era mãe e também anciã. Dali a mais alguns dias a Litha chegaria trazendo o dia mais longo e a noite mais curta do ano.

Após a grande tosquia da primavera, os carneiros corriam leves pelo campo, sem a sua densa lã. A tosquia acontecia somente uma vez por ano,  ao final do inverno, pois a camada de lã era a proteção dos animais contra os rigores da estação. Mas no verão ela causava calor intenso e poderia prejudicar os animais, trazendo desconforto e podendo levar até à morte. Era raríssimo isso acontecer com os carneiros de Beatrix, mas já havia ocorrido ao menos uma vez de um dos carneiros ter fugido e ter sido encontrado tarde demais. Por isso todo o cuidado na contagem durante a tosquia. Nenhum deles poderia escapar do ritual. Os melhores carneiros forneciam até mais de quatro quilos de lã bruta.

Carneiros esquilados, a lã era enrolada, curtida, depois separada e tratada. Durante dias ela era lavada para tirar a gordura, que depois seria aproveitada para sabão.

Depois de lavada e seca, começaria a cardação. Naquela noite no galpão do atelier, entre bolos, pasteis e biscoitos, muita conversa e chávenas de chá, Beatrix estava reunida com as suas tecelãs.

Todas estavam animadas para o serão. Fazia tempo que Beatrix não participava pessoalmente da cardação e tinha saudades daqueles momentos, por isso uniu-se ao grupo. A agora baronesa sentou-se em um banco, e enquanto separava a lã para penteá-la no cardador propôs ao grupo.

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