Festa no ateliê A donzela tecelã – 3

Festa no ateliê A donzela tecelã – 3

A DESPEDIDA

Por Lorennzzo
Já a alguns dias vinha preocupado pois recebera um convite da donzela Beatrix para a abertura de seu ateliê e ainda não havia conseguido oportunidade de comparecer.

Hoje, no entanto, aproveita que chegara de viagem e se dirige ao local para prestigiar a irmã de armas e amiga, neste momento de sua realização.

Ao aproximar-se ouve um agradável som vindo de dentro do prédio e apurando os ouvidos consegue identificar a canção que ouve. É uma tocata de Luar na Lubre.

-Ora veja, pensa: “Estão tocando a canção que mais gosto. Esta festa deve estar muito boa mesmo. Cheguei bem na horinha!”

Já vai adentrando o local quando percebe a anfitriã em sua faina se desdobrando para dar atenção a todos que compareceram.

Dirige-se a ela e fazendo uma vênia: – Cara amiga, muito boa noite. Agradeço imenso o seu convite e já me preocupava em não poder vir partilhar desta tua alegria. Vejo que o local está fazendo sucesso. Não me perdoaria se não tivesse comparecido.

E olhando a sua volta exclama: – Tiveste muito bom gosto e organização. Parabéns, está tudo muito bonito e organizado. Bem ao teu estilo.


Ao perceber a chegada do amigo Lorennzzo, Beatrix muito se alegra, e vai recebê-lo com toda satisfação.

Beatrix- Boa noite, senhor Lorennzzo, é um prazer vê-lo aqui, e uma grande satisfação contar com a vossa presença. Fique a vontade para aproveitar a festa.

Andre também vai até o senhor Lorennzzo com a bandeja para ofertar-lhe uma prenda e logo depois, Atília chega oferecendo-lhe uma taça de vinho. Atília é a mais idosa das fiandeiras.

Há vários quitutes sendo servidos, entre assados, salgados, bolos e doces. Uma bandeja de quitutes também passa por Loreenzzo.

Por Lorennzzo
Quando sua amiga se afasta, circula calmamente apreciando a decoração do local, as máquinas usadas para fiar, os teares e os manequins.

De quando em vez parava a cumprimentar a um e a outro trocando algumas palavras.

Repentinamente vislumbra a mesa de bebidas e se dirige a ela servindo-se de um caneco de rum, bebida de sua preferência.

Antes de beber, ergue o caneco fazendo mentalmente um brinde em homenagem a amiga.

Neste gesto percebe uma tigela com caldeirada de bacalhau convidativa. Não resiste e dela se aproxima servindo-se de uma boa porção.

-Divina, exclama!

E a saboreia enquanto ouve as trovas de Aristarco.

De repente sente uma mão a cotucar-lhe as costelas e ao voltar-se percebe uma taça de vinho que lhe é oferecida por bela donzela. Agradece gentilmente e recebe a taça colocando-a sobre a mesa para saboreá-la após terminar a divina caldeirada. André também lhe oferece uma prenda que também vai parar sobre a mesa. Infelizmente não pode servir-se dos demais quitutes pois ainda se delicia com a caldeirada.

-Na próxima não me escapa, exclama baixinho!


Por Aristarco:

Alguns momentos passaram, enquanto Aristarco e tão singular grupo de trovadores confabularam sobre cousas de tempos, melodias e vozes, não fora algo demorada certamente, dada experiência daqueles enamorados da música, de mui intimidade com a Arte.
Para os convivas, não passava d’uma pausa agradável porquanto as companhias em que se encontravam eram todas mui gentis e prazerosas, apesar da boa música já começar a fazer um pouco falta, o que fez o pequeno grupo trovador se apressar um pouquinho mais, ainda que não perdessem o humor.

Aristarco então tocou o ombro daquel’ ruivo de linguajar diferente e sorriram, porque parecia tudo a contento sobre as combinações.

Então o trovador notou que o amigo Lorennzzo acabava de entrar com mui satisfeita expressão ao rosto: dirigiu-lhe uma vênia, não menos com gran satisfação, afinal estavam tão bons amigos n’um mesmo lugar, aquela especial ocasião propiciada por donzela Beatrix. Que seus negócios lhe “rendessem” não apenas linhas e tramas, tecidos, mas também bons espadins e dinheiros à arca.

Vendo o amigo, assim como os demais amigos à vontade, bateu palmas a chamar atenção por um momento e disse com energia:

– Wa-llah! Bons amigos, meus bons amigos…

Respirou fundo e com voz mais amena prosseguiu:

– Os bons trovadores, fez uma mesura artística ao simpático ruivo e companheiros, hão de apresentar-vos um presente, com a permissão da donzela Beatrix…, virara de imediato para outra mesura artística à donzela ali próxima, como bem convinha o costume.

Voltou-se a posição inicial e disse em voz clara (quase cantante):

– Eis uma cantiga de viajores naquela plaga mais nortenha da gran Ibéria, quando comitiva que fora era Condal, mas quando voltara do Reino de Castela, já era Real, mui bem levada pela nave Amoras sobre o majestoso e macio Rio Douro…

Juntou-se aos seus irmãos-d’Arte e com os olhares e pequenos meneios de cabeça, começaram a tocar cantiga, em melodia ibérica da ta’ifa moura do sul, com um tanto de improviso de músicos tarimbados no ofício. O alaúde introduziu-se com seu belo fundo, seguido do tambor, para então a charamela melodiar o combinado. Havia outros instrumentos pousados, mas tinham chegado a um bom acordo previamente com aqueles outros às mãos.
E Aristarco soltou a voz com satisfação, daquel’ som bem trabalhado e mui bem executado:

AL-ZAJÁL

Amoras d’El Duero

Estribillo

“Y avanza por El Duero,
Porque mal no es duradero.”

Mudanzas y vueltas

“Navega fuerte nave intrépida,
En agua de corriente límpida
Y así espanta males de la vida:
Al aliviadero…”

(Estribillo)

“Cuando nauta enfrenta dificultad
E invierte sin temor y con verdad,
Al destino se llega con seguridad:
Con pecho altanero…”

(Estribillo)

Depois da última passagem com o mote (estribillo) cantado por Aristarco e uma jovem de boa voz, a flauta não menos improvisou arranjo daquela mesma melodia moura, com trejeitos das gentes do norte em uma bela e discreta alternância de estilo, ainda que predominasse mais a originalidade combinada; essas cousas eram assim mesmo, trovadores-viajores costumeiramente absorviam matizes musicais em seus longos caminhos para usá-los em tempo.
Quando a flauta retomou o tema, repetiu-se o canto com acompanhamento de palmas de Aristarco e a moçoila de talentosa voz, para mais tarde se encerrar ao ritmo percussivo do tambor.

E assim que encerrou a cantiga, todos os músicos, inclusive aqueles que sentados puseram-se a levantar, fizeram uma longa mesura pelo privilégio de compartilhar mais uma cantiga.

Beatrix que já preparara seu instrumento de antemão, ao ver que o grupo está prestes a iniciar, aproxima-se. Diante do oferecimento de Aristarco em abrilhantar sua festa, faz ao trovador uma reverência. Então, junta-se aos músicos e como não participou das definições prévias, entra alguns compassos depois, ao sentir o ritmo e o momento certo de introduzir ao belo conjunto de timbres dos trovadores, os sons de sua recorder ou flûte à bec, que por essas bandas é chamada de flauta doce.

Após o termino da apresentação, ela aplaude os colegas trovadores que vieram de tão longe para alegrar-lhe a festa e faz novamente uma mesura ao mestre Aristarco.

Então, ela aproveita o ensejo para agradecer a presença de todos ali que compareceram para prestigiar o evento.

Beatrix – Faço uma breve pausa em nossa festa, para agradecer a presença de todos os amigos e amigas que aqui compareceram. Digo, nossa festa, pois sem as vossas presenças ela não teria brilho nem alegria. Seria apenas um salão vazio com muita comida, bebida mas sem vida e isso é uma visão bem triste.
Espero que aproveitem cada momento aqui e desejo que saibam que não apenas meu ateliê, mas também minha casa e meu coração estarão sempre abertos para recebê-los.

Beatrix toma uma taça cheia de vinho e declara um brinde.

Beatrix: – Um brinde à amizade, ao amor, à arte e à beleza. Coisas sem as quais não sei viver.

Diz e bebe em honra aos convidados. Por fim, diz.

Beatrix: – Aproveitem a festa e “teçam” cada dia com alegria, e independente do que houver, a “tapeçaria” da vida será bela até o arremate ao final.

Diz encerrando o seu discurso, e voltando suas atenções aos músicos que já começam novamente a entoar suas canções.

Outras músicas são tocadas pelo grupo dos trovadores, e Aristarco é convidado a participar de algumas delas, caso esteja disposto. Outros convidados que sejam devotados a arte da música e estejam dispostos a exibir seus dotes artísticos também são convidados.

Os trovadores tocam várias danças como bransles, pavanes, bassedances, galliards e courantes.

A anfitriã convida os convidados e convidadas a acompanharem-na em algumas danças.

Um círculo de dança é organizado na parte livre do salão, disposta para esse fim.

E a festa prossegue com alegria até que esta dê lugar ao cansaço, e a noite se estenda próxima do seu fim. Os músicos tocam até que o último convidado se despeça.

Por Lorennzzo

Lorennzzo se levanta aplaudindo a amiga.

– Agradeço vosso convite, estimada amiga e parabenizo-vos pelas horas agradáveis e cheias de alegria e companheirismo que proporcionastes a todos nós. Somos todos gratos e eu em particular me sinto agraciado pelas trovas de nosso Aristarco e tocatas deste belo conjunto que trouxeste. Até dancei animadamente!
Pena que chegou ao fim.
Boa noite e tranquilo descanso vos desejo.
Continue tecendos desses tapetes e nunca me esqueça para as próximas reuniões. Virei com o máximo prazer.

Faz uma mesura a anfitriã e em seguida retira-se.

André há muito deitou-se em uma das cadeiras e adormeceu, tomado pelo cansaço, sonhando com pasteis de santa clara, doces de fios de ovos e tortas de toucinho do céu. A mãe Laurinda lhe cobre com um xale e com a ajuda das fiandeiras o leva para adormecer no quarto, onde prosseguirá com seus doces sonhos de criança.

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