Depois da agradável pausa para beberem chá, as tecelãs retomaram sua labuta, foi Clotilde que insistiu para que Beatrix continuasse.
– E o tal da Agulha era bom mesmo? Como era ele, ela, vai saber? Enfim, como foram as tais aulas? – Quis saber Clotilde.
– Ele era maluco como o Gennaro? – Perguntou Laurinda.
Beatrix respondeu, enquanto ajeitava-se sentada ao chão sobre uma almofada, para retomar a cardação.
– O Grande Mestre era bem diferente do Gennaro. O que Gennaro tinha de nervoso e irritadiço, ele tinha de calmo e tranquilo, era a paz em pessoa. Mesmo assim, ele me fez trabalhar bem mais que o Maese Gennaro. E sabia ser um tanto cruel com os meus erros, sem dizer uma única palavra. É difícil de explicar, mas realmente foi muito difícil e aprendi muito com ele. Detalhe que aquilo que a Agulha não exprimia em palavras, Gennaro fazia questão de verbalizar. Tive que aturar dois mestres temperamentais, cada um a seu jeito. Mas quando eu fazia um bom trabalho era também reconhecida e recompensada.
Ela sorriu enquanto abria as fibras da lã e as desenredava com os pentes de cardação.
– O final de tarde era sempre muito agradável. A Agulha fazia suas preces e tomávamos o “vinho árabe” que ele servia acompanhado de pão com pasta de queijo feta, tâmaras e outras frutas secas, coalhada seca, geleia de damasco e mel. Para mim era a melhor hora do dia. Adorava aquele aroma com um toque de cardamomo. Também pude visitar o mercado e comprar várias coisas.
Comprei um vestido a moda árabe, mas só podia comprar um. Uma pena. Eu tentei várias vezes entrar na biblioteca, mas fui barrada. Nem eu nem Gennaro eramos admitidos ali. No dia que comprei o vestido árabe, eu voltei lá. Nesse dia o guardião me deixou entrar, mas só um pouquinho. E o Gennaro ficou com tanto ódio, pois não o deixaram nem espiar pela fresta, ainda que ele estivesse a moda árabe também. Ele me perturbou dias por isso. Disse que eu tinha usado meus encantos demoníacos para dominar a mente do guarda. Pior que de certa forma ele até que estava certo. Mas meus encantos não são demoníacos, são abençoados. Afinal, a biblioteca era soberba. Até pude ver alguns dos livros e pergaminhos. E um escriba que trabalhava lá me indicou onde comprar alguns escritos. Pois havia um exímio copista na cidade que aceitava encomendas, mesmo de estrangeiros.
Beatrix riu lembrando da cara de abobalhado que o guarda fez, admirando-a com o belo traje de finos tecidos e barriga à mostra. Ela também tinha uma certa satisfação de lembrar dos livros que comprara para a sua biblioteca. E foi quando esteve em Alexandria que ela começou a estudar um pouco de árabe, ainda que conseguisse comprar alguns pergaminhos em grego também, idioma que ela já entendia melhor.
– Só lamento não ter visto o grande sábio, pois ele estava doente. Infelizmente, pouco tempo depois ele morreu.Uma pena. A cidade inteira ficou de luto, ao menos por um dia, tudo parou em respeito a sua partida.
Ela lembrou com pesar da morte do contemplador dos astros.
– E menina, você teve coragem de vestir aquela roupa na cidade? O Gennaro não teve um troço? – Laurinda comentou sorrindo na parte do guarda.
Elas ouviram silenciosas na parte da morte do grande sábio de Alexandria. Então, Atília suspirou.
– Ah! A morte, mata muitas bibliotecas vivas. Uma pena. Por isso que os novos devem aprender a ser também a nossa memória, conhecer as tradições, mesmo que criem coisas novas. – A anciã das fiandeiras comentou e aquilo tinha um certo desabafo.